sábado, 22 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25674: (De) Caras (209): Hermínio Marques, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 2382: "Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
Pelo adiante vos contarei a alegria que tive em encontrar um soldado a quem dei recruta na ilha de S. Miguel, de outubro a dezembro de 1967, uma amizade indefetível, não nos víamos há umas boas décadas, o prazenteiro andou-me a mostrar as belezas da ilha de Sta. Maria, ele é do Santo Espírito, este encontro foi primeiro milagre; o segundo ocorreu no dia seguinte, alguém que me questiona à hora do pequeno-almoço, o mais importante de tudo é que ele nos acompanha lá onde vive, entre Nova Iorque e Boston, fiquei a conhecer a família, a quem fui apresentado, espontaneamente decidimos tirar uma fotografia, tão eloquente quanto a nossa Tabanca é Grande. E ouvi com pormenores o que se passou em Contabane, em 22 de junho de 1968.

Um abraço do
Mário



Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane

Mário Beja Santos

Hora do pequeno-almoço, 17 de junho de 2024, Hotel Colombo, Vila do Porto. Mordiscando com apetite uns ovos mexidos com bacon, antevendo as delícias panorâmicas que me serão proporcionadas durante um passeio a uma boa parte da ilha de Sta. Maria, eis que se aproxima da mesa alguém que pede desculpa pela interrupção, não leve a mal, o senhor lembra-me alguém que escreve num blogue que eu frequento regularmente lá na América, estou aqui de visita porque a minha mulher nasceu e viveu aqui bem perto, trouxemos a família para conhecer a terra natal da mãe da avó, é que eu estive na guerra da Guiné e o senhor lembra-me alguém, não se ofenda se não for essa pessoa.

Então levanto-me, confirmo que ele está certo, é o soldado condutor Hermínio Marques, escrevo à pressa CCAÇ 2382, andarilharam por Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, mas ele quer falar-me de Contabane, uma flagelação que durou três horas, ficou tudo reduzido a um caco, perdeu os seus haveres, sobrou uma mala de cartão toda empapada, cada um dos que lá estavam ficou com o que tinha vestido. Contagiou-me a alegria deste homem cuja existência, como compreenderão, ignorava completamente, para amenizar o ambiente falei-lhe de um telefonema que há muitos anos recebi do João Crisóstomo, ele tinha adquirido no aeroporto um dos volumes do meu Diário da Guiné, estava profundamente emocionado, prometi que nos iriamos conhecer quando viesse a Portugal.

O Hermínio leva-me junto da família, sinto-me como tivesse chegado da Lua, falo-lhes da Guiné e do que vivemos, a mulher do Hermínio vai-me respondendo, o resto da família parece ignorar a língua portuguesa. Estamos todos num embaraço, o Hermínio insiste que eu tenho de saber o que viveram em Contabane, a mulher leva-me a um corredor e mostra-me uma casa lá no alto, era a casa dos avós, e é nisto que Hermínio insiste, vamos tirar uma fotografia, peço licença para a divulgar no blogue, então porque não? Prometemos voltar à fala, ao fundo da sala alguém põe um dedo em cima de um relógio, e eu não quero partir para a Praia Formosa, Farol da Maia e Baía de S. Lourenço sem o estômago aconchegado. Novo abraço, fico a saber que o Hermínio vive entre Nova Iorque e Boston, nasceu na região de Viseu, só me faltou perguntar-lhe se também vai levar a família ou já a levou à sua terra natal.
Vila do Porto, Santa Maria, Açores, 17 de Junho de 2024 - Mário Beja Santos e Hermínio Martins

Vou passar a manhã dividido entre este encontro e o espetáculo de uma ilha desconhecida, aonde quero voltar, eu tenho a impressão que já lera um texto do Manuel Traquina[1], nosso confrade, sobre a destruição de Contabane, no meio da conversa o Hermínio falava-me nos Palhaços, na irreverência que o Capitão Carlos Nery caprichara para uso do estandarte, é facto que é uma completa desobediência aos preceitos castrenses, é quase uma diversão.[2]


E pronto, que o Hermínio e os seus gozem de muita saúde e que ele nos acompanhe lá dos EUA, da minha parte, e até poder, deste lado do oceano endosso-lhe notícias do que vou fazendo, com lembranças da Guiné.

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Notas do editor

[1] - Vd. post de 19 DE AGOSTO DE 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

[2] - Vd. post de 8 DE JUNHO DE 2010 > Guiné 63/74 - P6561: Histórias de Carlos Nery, ex-Cap Mil da CCAÇ 2382 (3): Fui o criador do emblema da Companhia, e gosto

Último post da série de 29 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25575: (De) Caras (208): António Baldé, ex-1º cabo , CIM Bolama (1966/69), Pel Caç Nat 56 (São João, 1969/70), e CART 11 (Paunca, 1970/71): "Eu tinha um sonho: ser apicultor no Cantanhez"...

2 comentários:

Valdemar Silva disse...

Nunca percebi o desenho deste guião da CCAÇ2382.
O homem está com o fardamento, incluíndo as cartucheiras e as botas, todo roto não se percebendo se devido à velhice da comissão ou a estragos de explosões.
Se for devido a explosões muita sorte tiveram, não estar representado com um braço ao peito ou de muletas devido a ferimentos nas pernas.


Valdemar Queiroz

Zé Manel Cancela disse...

Recordo-me perfeitamente do Marques,camarada da minha 2382.
Era condutor e ajudante na cantina em Buba.
Nunca mais o vi,após o nosso regresso.
Um grande abraço para ele....