Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 11 de janeiro de 2008
Guiné 63/74 - P2431: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (15): Oficial e cavalheiro em Bambadinca, às ordens de Dona Violete
Reconstituição feita, de memória, por Humberto Reis, Luís Graça e Gabriel Gonçalves (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)... Está disponível, noutro poste, o resto das legendas (1)...
O Beja Santos estava instalado em 6 (quartos dos oficiais) e a escola primária de Bambadinca e casa da senhora professora, Dona Violete, era em 19. O aquartelamento de Bambadinca(e posto administrativo do concelho de Bafatá) situava-se numa pequena elevação de terreno, sobranceira a uma extensa bolanha (a leste). Para a esuerda da escola, e já já ñão vísíveis na foto, ficavam o edifício dos correios, a casa do administrador de posto (que era um caboverdiano, na altura), e outras instalações que chegaram a ser utilizadas por camaradas nossos que trouxeram as esposas para Bambadinca (foi o caso, por exemplo, do Alf Mil Carlão, nosso camarada da CCAÇ 12).
Guiné-Bissau > Zona Leste > Bambadinca > 1997 : "O que resta da antiga escola... A professora portuguesa do nosso tempo chamava-se Dona Violeta (eu já não me lembrava do nome, o meu amigo Zeca é que mo indicou)".
Foto e legenda: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Zona Leste > Bambadinca> CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) > Novembro de 1969 > O Beja Santos, tranferido para Bambadinca, com o seu Pel Caç Nat 52, em meados de Novembro de 1969, em frente às suas novas instalações,as dos oficiais... "Os primeiros tempos, Novembro de 1969... A adaptação não foi fácil, havia barulho em demasia, para quem vinha do fim do mundo,nos ermos do Cuor. Depois, a natureza da intervenção, fazendo de tudo um pouco, sem se verem resultados práticos. Mas vinha tonificado, depois de meses com idas diárias a Mato de Cão,sabia-me bem ter deixado um aquartelamento reconstruído,vinham comigo alguns dos melhores soldados da Guiné. A seguir deprimi, com patrulhamentos à volta da pista de aviação"...
Fotos: © Humberto Reis (2007). Direitos reservados.
Texto enviado pelo nosso camarada Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), em 13 de Novemrbo de 2007´:
Luis, aqui vai novo episódio. Penso que podias usar a ilustração da escola. Reenvio-te uma fotografia minha, dessa época. Quinta feira reencontro o Pires que me telefonou dizendo-me que tem recordações desse tempo. Eu estava a adoecer e não sabia, agora é que dou conta do frenesim da nossa vida em Bambadinca, as operações com guias que desconheciam o terreno, a brutalidade dos nossos horários. Os livros seguem pelo correio. Um abraço do Mário.
Operação Macaréu à Vista > Episódio XV > A PRIMEIRA DAMA DE BAMBADINCA (2)
Beja Santos
(i) Uma dificílima carta de amor, entre o pretérito, o presente e o futuro
São 10h da manhã de um dia desse Novembro que caminha para o fim. Emboscámos na estrada para o Xime, sempre com a obrigação de andar às voltas perto do campo de aviação. Regressámos pelas 3h da madrugada, agora é necessário levar mantimentos à nossa secção que está em Sinchã Mamajai, iremos depois a Afiá levar doentes que vieram à consulta, mais alguns sacos de arroz, seguir depois com o correio para Bafatá, regressar e patrulhar nos Nhabijões, jantar e emboscar de novo. Tenho uma hora antes de partir para este dia de trabalho que começa com Sinchã Mamajai, escrevo à Cristina:
“Estou na mesma messe de oficiais de onde parti em 3 de Agosto do ano passado na companhia do Saiegh, Mamadu Camará, Adulai Djaló e Sadjo Baldé. O ambiente é o mesmo dessa época, tendo partindo todos os oficiais com a excepção do Machado, do pelotão Daimler.
Presentemente, as noites são suaves, joga-se bridge, xadrez e damas, uns chegam e outros partem, mas está tudo fechado quando regresso de madrugada. Os meus soldados africanos vivem na tabanca, alugaram quartos, compraram camas e colchões nas lojas do Rendeiro, do Zé Maria, do Amiro e dos irmãos Brandão, fui fiador de todos eles, não podes imaginar o que é o dia dos pagamentos com a lista de descontos, incluindo os empréstimos e as dividas entre eles.
Felizmente, para a segurança de todos que as caixas de munições, as bazucas e os morteiros estão no paiol do quartel. A tropa europeia fica em casernas, aqui perto de mim, por detrás da capela e da escola.
Este ritmo de trabalho tem o condão de me destruir o sono repousante, venho de madrugada, demoro imenso a conciliar o sono, estou sempre a pensar no disparate destes passeios na noite cerrada, à volta de uma pista de aviação iluminada, dois atiradores de qualidade dizimavam-nos em minutos. Depois, há o barulho das portas a abrir e a fechar, as casquinadas, o palavrão. Li o 'Requiem de Terizin', de Josef Bor, um testemunho pungente, um verdadeiro tratado de dignidade humana em que os judeus executam no campo de concentração o Requiem de Verdi para os seus carrascos, sempre que um dos músicos era gazeado, outro substituía-o.
Estou a pôr em ordem o meu caderninho sobre todos os acontecimentos do Cuor, espero um dia descrever o que ali vi e vivi. O capitão Neves, que aqui comandou a CCS, e depois foi punido, comanda agora o aquartelamento de Mansambo. Tive muita alegria em revê-lo, ele ajudou-me imenso com materiais que desviou para Missirá e Finete. Tenho notícias do Pina, ficou com o dedo inteiro, embora torto. Continuo sem saber se tenho direito a ir de férias, no princípio do ano.
Logo que haja notícias consistentes, escrevo-te. Peço-te o favor de ires visitar o Alcino no serviços de ortopedia, no Hospital Militar Principal. Tal como o Casanova, recusa-se a falar, está muito engessado devido às fracturas da bacia e do fémur. Este mês tenho que poupar dinheiro, vim de Missirá com a roupa toda destruída pela Binta, trouxe meias desirmanadas, camisas puídas, a nova lavadeira trouxe-me a roupa podre, exigindo renovação, enfim, mais despesas.
Não sei se não te ando a cansar com o meu dia-a-dia. Por exemplo, amanhã tenho que ir Amedalai, uma tabanca com um destacamento de milícias a caminho do Xime porque uma grua de 16 toneladas guinou para dentro da bolanha, toda a equipa de desempanadores vai para lá, e tenho que montar segurança. Ser oficial de dia é fazer o mesmo que fazia nos Açores: rondas, assistir às refeições e às formaturas, tomar nota das ocorrências, etc.
Sei que o Carlos Sampaio está aí de férias, ele certamente vai procurar-te. A última carta que recebi dele era de uma infinita tristeza. Interrompo aqui, Ussumane veio avisar-me que a coluna está pronta para partirmos. Prometo escrever em breve. Peço-te que me dês as tuas mãos, que estejas bem a meu lado, mesmo quando te trago sombras e egoísmo. Agora vou deixar este aerograma na secretaria, ele segue esta tarde para Bafatá, dentro de dois, três dias está na tua caixa de correio. Volto em breve e deixo-te esta promessa: temos uma vida inteira para construir.”
(oo) Uma conversa insólita com Jovelino Corte Real
Era inteiramente impossível passar-me pela cabeça que o comandante, homem de fala sóbria, incapaz de uma pitada de humor, me estivesse a preparar uma praxe de arromba. Quando Bala, o seu ordenança, me viu chegar de Amedalai e comunicou que o comandante me queria falar com urgência, suspeitei que houvera uma qualquer desgraça que exigisse a nossa intervenção imediata, talvez em Finete ou mesmo Missirá, ou, quem sabe, nas tabancas a caminho de Mansambo. Apresentei-me no gabinete, Jovelino Corte Real levantou os olhos dos papéis e mandou-me sentar. Eu não acreditava no que estava a ouvir. Um de nós estava a enlouquecer ou fora do tempo.
– Mandei-o chamar porque é um assunto que precisa hoje de ficar esclarecido. Temos que cuidar das relações protocolares no sector de Bambadinca, captar a confiança dos civis com mais prestígio. Reuno habitualmente com o administrador, com o chefe de posto, com os cantineiros, com certos agentes da segurança. O quartel tem que dar apoio a quem nos faz bem e é por isso que tenho procurado manter uma relação amistosa com a professora, a D. Violete, pondo-lhe um oficial às ordens. O Machado tem exercido essa missão, tem sido quase um estribeiro-mor, acontece que ele vai partir dentro de um mês, V. é o oficial em quem eu deposito mais confiança. É culto, tem boas maneiras, até fala de coisas que as senhoras gostam, como gastronomia e decoração. Vou nomeá-lo oficial às ordens da D. Violete.
– Meu comandante, sei o que é um estribeiro-mor, o Machado nunca me falou que era o oficial às ordens de D. Violete, para o caso não tem importância, eu não percebo é porque é que a D. Violete precisa de ter um acompanhante militar, ainda por cima com a vida que eu levo, que companhia é que quer que eu dê à senhora?
– Homem, é um encargo honorífico. A senhora quer ir a Bafatá, V. acompanha-a. A senhora vive com a mãe, é solteira, quer dar um jantar, V. faz-lhe companhia. A senhora quer ir dar um passeio ao Geba, temos para aí o Sintex, vai com ela, usando de todas as cautelas. A senhora tem primos no Xitole, pois ela vai numa viatura e V. defende-a se houver uma emboscada. D. Violete é uma senhora gentil, tem muito bons modos, ajuda-nos no ensino dos nossos soldados básicos, não se esqueça ela é professora de todas as crianças de Bambadinca, muitas delas até são filhos dos seus soldados.
– Meu comandante, desculpe mas estou confuso. Ainda ontem reunimos com os majores Cunha Ribeiro e Sampaio, vou em breve para a ponte de Unduduma, até lá tenho a escala completa para duas secções e tenho uma secção sempre em Sinchã Mamajai. Ora, não me parece correcto andar a explicar a minha vida à D. Violete, contraria o segredo militar, até parece que eu estou a fugir à companhia que o comando pretende que eu dê à senhora!
– Olhe, deixe-se de dramatismos. A senhora tem direito a andar acompanhada por um cavalheiro. E V. vai manter-se respeitador, amanhã aparece lá ao fim da tarde com um ramo de flores, vai com a farda n.º 2 de calça comprida, nada de andar a mostrar a perna, não quero insinuações de falta de respeito.
– Peço-lhe desculpa, mas há aqui um equívoco. Estamos a falar da mesma senhora que me ajudou a arranjar os professores para Missirá e Finete, com idade para ser minha mãe? Acha que eu lhe ia faltar ao respeito?
– A carne é fraca, nosso alferes. Se tem dúvidas sobre o que fazer e como se comportar, vá falar com o Machado. Agora deixe-me em paz, tenho papéis para assinar, daqui a um bocado vamos todos jantar.
Claro que saí dali e fui falar com o Machado que me surpreendeu com o seu laconismo, sim, acompanhava a senhora, de vez em quando ia lá a casa, etc., é muito delicada, com ela nunca se fala de guerra, lê livros românticos e toca piano. Amaldiçoei a minha sorte, começava a minha vida em Bambadinca a tarefar, só me faltava levar a D. Violete às compras!
O que interessa é que no dia seguinte pedi ao Domingos para informar D. Violete se podia visitá-la depois das aulas, para apresentar cumprimentos. O Domingos aproveitou logo para me perguntar se quando a tropa acabasse eu dava um jeito para ele ser professor em Finete. Disse-lhe que sim.
As minhas insónias continuam e aproveito para ler a História da Guiné, de João Barreto. De novo vem à baila a guerra do Oio, em 1897, em que saiu uma expedição terrestre de três mil homens, que contou com a colaboração de Infali Soncó. Quando as tropas foram atacadas pelos rebeldes, a gente de Infali Soncó coligou-se abertamente com os rebeldes e um lugar-tenente de Infali assassinou Quecuta Mané. Foi uma retirada penosa e humilhante para os portugueses e seus aliados. Quando cheguei à campanha de 1902, conduzida pelo governador Júdice Biker, contra os oincas, em que Infali se conluiou com os soninqués, adormeci profundamente.
(iii) D. Violete, está aqui o seu oficial às ordens!
À hora aprazada, saí do meu quarto e avancei para casa de D. Violete, ao lado da escola. Levava um ramo de flores que Tunca Sanhá, que fora jardineiro em Bafatá, me arranjara no mercado de Bambadinca. Noto, contudo, um movimento desusado no passeio junto dos gabinetes do comando, vários oficiais conversam amenamente e desejam-me boa sorte.
Bato à porta, quem abre é D. Violete da Silva Aires, cabo-verdiana de pele clara, um pouco amarelecida, pôs pó de arroz e carmim, o seu cabelo oxigenado está repuxado para trás, num quase carrapito, sorri e manda-me entrar numa casa de estilo português, numa sala onde está um piano velho, há cadeiras confortáveis, muitas fotografias, sinais de alguma abastança no passado. Abre-se um mosquiteiro numa ligação de outra divisão com a sala e surge D. Ema, a mãe, um senhora de idade indefinida. De pé, com a conversa estudada, vejo a anfitriã a arremelgar os olhos enquanto me apresento.
– Senhora professora, apresento-lhe cumprimentos do senhor comandante, que lhe envia estas flores. O alferes Machado vai partir em breve, a partir de agora sempre que precisar da minha companhia, faça o favor de dispor. Como deve imaginar, terei o maior gosto de lhe dar essa companhia, o batalhão agradece-lhe imenso o serviço que nos presta e às populações da região, a partir de agora, passo a ser o seu oficial às ordens.
– Estou encantada. No passado, tive bons amigos ali no quartel. É verdade que o alferes Machado veio aqui uma vez com uns bolos e até lhe pedi boleia para ir a Bafatá, mas nunca pensei que ia ter esta companhia. O alferes Almeida levava-me de bicicleta até Samba Juli, eu ia no quadro, as minhas costas apoiavam-se no braço dele. Ele era alto como o senhor alferes, um verdadeiro homem, uma senhora gosta sempre de ser bem tratada. Posso portanto pedir-lhe ajuda no futuro? E em que é que eu lhe posso ser útil?
– D. Violete, a senhora podia ajudar-me a conhecer a história desta região. Gostava muito de conhecer o passado do Cuor, de Badora, de Bambadinca, como era a população antes da luta armada, o comércio, os usos e costumes...
– Com muito gosto. Mãe, por favor, traga chá, vamos beber com o senhor alferes. Nós as duas somos desenraizadas. Antes da guerra, vivíamos em Fá. Não se esqueça que eu sou a filha do administrador Aires. Por dever de ofício, desloquei-me frequentemente a Sansão, a Canturé (Missirá não tinha importância nenhuma na altura e Finete tinha população flutuante, que vinha para a cultura do arroz), subia até Madina, pela estrada de Geba ia até Bucol. São essas as recordações que me interessam? Sente-se mais pertinho de mim, deixe-me ver a cor dos seus olhos.
Fomos bebendo chá, falámos dos alunos da D. Violete e, inevitavelmente, de livros. D. Violete desabafou:
-Vivo numa terra de brutos. Aqui ninguém lê Stendhal, Camilo ou Eça de Queirós. Os brancos são, de um modo geral, uns analfabetos. Não pode imaginar a solidão em que vivo.
O seu olhar era súplice, D. Violete ia-se aproximando de mim. É nesse preciso instante, sabendo agora que o Machado era tão oficial às ordens como eu régulo do Cuor que pressenti que tinha caído numa armadilha. As horas escoavam-se naquela penumbra suave, do lado das casernas fervilhava a barulheira da hora do rancho. Olhei o relógio, pretextei que era muito tarde, garanti que voltava ou quando as senhoras precisassem bastava que informassem Bala, o ordenança do comandante. E despedi-me:
-Minhas senhoras, senti-me muito bem na vossa companhia. Eu vou voltar, mais não seja para conversarmos e eu tirar notas sobre esta terra de que gosto tanto.
Este foi o primeiro encontro com D. Violete e D. Ema. Quando chego à messe, sinto no olhar de todos a zomba e a mofa mal contidas. Então vinguei-me, falando directamente ao comandante, bem alto para que todos ouvissem:
-A professora ficou encantada com a amabilidade do meu comandante, agradece ter um oficial às ordens e aceitou vir cá jantar em breve, mas antes vai convidar para sua casa o comando, ela tem muito apreço por pessoas da sua idade.
Sentei-me, não sem antes ter sentido no ar atónito de Jovelino Corte Real que o feitiço se virara contra o feiticeiro. Mas quem acabou por jantar em casa de D. Violete fui eu.
Capa do romance policial de Rex Stout, A Caixa Vermelha. Lisboa: Livros do Brasil. s/d (Colecção Vampiro, 55): Capa de Cândido Costa Pinto.
(iv) A inesquecível Virgínia Woolf
Esta semana reli A Caixa Vermelha, de Rex Stout. Nero Wolfe, o paquidérmico detective novaiorquino que nunca sai de casa e passa horas junto das suas orquídeas, recebe um cliente que lhe pede insistentemente para ir a uma casa de moda onde uma manequim morreu envenenada após ter comido um bombom. Para surpresa de Archie Goodwin, o seu secretário, Wolfe saiu de casa, foi ao local do crime, falou com o proprietário e outras manequins, nada descobriu mas todos começam a bater-lhe à porta, inclusive o inspector Cramer, que está às aranhas. A trama desenvolve-se, descobrem-se relações de parentesco entre o proprietário da loja de moda e outra manequim, esta tem dois apaixonados, um deles vai ser assassinado como o próprio proprietário. É aqui que se revela a inteligência fulgurante do mais pesado de todos os detectives, a caixa vermelha acabará por fazer justiça, lá dentro Nero Wolfe pôs uma ampola de cianeto de potássio e a maldosa do romance expia os seus crimes. Como quase sempre, a capa de Cândido da Costa Pinto é uma maravilha.
Capa do livro de Virgínia Woolf, Mrs. Dalloway. Lisboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecção Miniatura, 38). Capa de Bernardo Marques.
A grande surpresa, no entanto, foi Mrs. Dalloway, de Virgínia Woolf. É um dia na vida de Clarisse Dalloway, uma senhora de meia idade que vai dar uma festa e que sai de casa com uma grande alegria de viver, num grande frémito. Vemos passar as horas, Clarisse percorre o centro de Londres, é assaltada por memórias, todo o seu passado é reavivado ao som de cheiros cores, sons. O seu casamento com Richard não é dos mais felizes e quando regressa a casa é surpreendida pelo aparecimento de Peter, uma velha paixão.
É um romance assombroso, cadenciado pelas badaladas do Big Ben, as horas passam chega-se à festa chegam as visitas, Mrs. Dalloway exulta com as suas memórias, por, na sua solidão, ainda tocar nos corações, ainda despertar a paixão. O romance começa por uma frase que ficou célebre: “Mrs. Dalloway disse que ela própria iria comprar as flores”. No final, é Peter quem fala: “Mas que terror é este? - pensou consigo. Que êxtase me assalta? Que é que me enche de tão extraordinária excitação? É Clarisse, descobriu. Pois ela estava ali.” E a capa de Bernardo Marques é um espanto de grafismo.
Vem aí o mês de Dezembro, iremos patrulhar tabancas e sueste de Bambadinca, patrulhar entre Mero e Santa Helena, até frente de Aldeia de Cuor, continua o jogo do gato e do rato, gente de Madina camba o Geba vem obter informações e abastece-se sempre que pode, nas nossas barbas. E depois iremos participar nas operações Lua Nova e Punhal Resistente. Nada que tenha passado à história, desgastou e fez perder a paciência.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. poste de 27 de Abril de 2007 >Guiné 63/74 - P1704: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (43): Em louvor de Bambadinca, a nossa tabanca grande
(2) Vd.poste anterior, 4 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2407: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (14): O falso descanso em Bambadinca
Guiné 63/74 - P2430: Estórias do Juvenal Amado (1): Um dia negro, na estrada Galomaro - Saltinho (Juvenal Amado, CCS/BCAÇ 3872)
Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor,
CCS/BCAÇ 3872
(Galomaro, 1972/74)
Foto 1> Guiné > Zona Leste > Galomaro> CCS do BCAÇ 3872 (1972/74) >Aquartelamento
Foto 2> Guiné > Zona Leste > Estrada (alcatroada) Bafatá-Bambadinca > Coluna logística
Foto 3> Guiné > Zona Leste > Galomaro> CCS do BCAÇ 3872 (1972/74) > Chaimites durante uma visita do General Spínola
Foto 4> Guiné >Zona Leste > Galomaro > CCS do BCAÇ 3972 (1972/74) > Da esquerda para a direita: Caetano, Aljustrel, Fur Claudino, Amado, Alcains, Fonseca, Pinto e Chapinhas
Foto 5> Guiné > Zona Leste > Galomaro > CCS do BCAÇ 3872 (1972/74) > Dentro do Abrigo> Da esquerda para a direita: Aljustrel, Ermesinde, Amado e Caramba
Fotos e legendas: Juvenal Amado (2008). Direitos reservados
1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (1), com data de 23 de Novembro de 2007:
Caros camaradas:
Estou a tentar recolher fotos e documentos entre Janeiro de 1972 e Abril de 1974, período em que o BCAÇ 3872, formado pela CCS (Galomaro) as Companhias do Saltinho, Dulombi e Cancolin, esteve na Zona Leste.
Entretanto envio um relato meu lido na Antena 1 , no programa História de Vida, em 27 de Junho de 2007.
Saudações
Juvenal Sacadura Amado
Guiné, 15 de Novembro de 1972
Tinha as virilhas e a parte interna das coxas cheias de bolhas, provocadas pela micose que me afligia praticamente desde que desembarcara na Guiné. A comichão era intensa, e já a fórmula 8 LM usada nestes casos pouco efeito sortia para além do momento em que se aplicava e da dor que provocava.
A coluna militar em direcção ao Saltinho, tinha partido de Galomaro ainda o céu estava escuro para efectuar a recolha de Páras, que tinham sido largados na zona, se não estou em erro dois dias antes. Faziam segurança à coluna o pelotão do PEL REC (Pelotão de Reconhecimento e Informação), reforçado por milícias africanas.
A picada tinha sido abandonada já algum tempo, pois era mais seguro, embora muito mais longe, abastecer a Companhia do Saltinho, através de picadas onde beneficiávamos do apoio das Companhias que faziam parte do Batalhão de Bambadinca, que estavam aquarteladas ao longo do percurso. Normalmente o Esquadrão de Cavalaria de Bafatá também participava com as Chaimites.
Como era uso, uma Berliet, carregada de sacos de areia e os pneus cheios de água por causa das minas, seguia à frente e as ordens eram para se manter distância, desde que não se perdesse o contacto visual com a viatura que seguia na frente.
A picada estava em mau estado pois não era usada há bastante tempo, mas o pior era o capim que tinha crescido de tal forma que nos encharcava com o cacimbo abundante nessa altura do ano. Embora normalmente com um clima escaldante, não era nada agradável aquela hora.
A coluna parou numa aldeia abandonada, que mais parecia que os seus habitantes tinham desaparecido por artes mágicas, pois o povoado estava em perfeitas condições e as palhotas não estavam degradadas pelo abandono. Aí, após um breve descanso, veio a ordem de que o Pelotão de Reconhecimento e Informação (PEL REC) devia formar em duas filas indianas, uma de cada lado da picada, mas de forma a que uma começava onde a outra acabava e guardando uma distância de segurança entre cada uma, que caso houvesse um rebentamento de mina não fosse atingido mais ninguém para além do infeliz que a pisasse.
A minha Berliet, que até a essa altura tinha funcionado como rebenta-minas, passou para trás dessa coluna apeada, onde os soldados passariam a ter as funções de proceder à picagem à frente dos próprios pés do terreno que todos iriam pisar.
Não eram funções para que o Pelotão estivesse bem treinado, na verdade tinham feito alguns ensaios, mas a prática era quase era nula. Acrescento que os milícias se recusaram a fazer semelhante serviço.
Eram na grande maioria meus amigos chegados os homens daquele pelotão, não será demais afirmar o risco que eles iam correr, era uma realidade atroz.
A coluna começou a progredir na direcção do nosso objectivo, o Aljustrel, soldado mecânico, tinha-se oferecido para esta missão, talvez por solidariedade ou talvez porque lhe apeteceu pisar o risco. Na verdade, como meu companheiro da cama ao lado da minha, havia entre nós uma grande amizade, talvez as minhas conversas sobre este tipo de viagens e o facto dele nunca ter ido ao Saltinho tenham influído na sua decisão.
A velocidade de progressão da coluna é ao ritmo dos homens que vão espetando uma vara com uma ponta de ferro no chão, pois no caso de lá haver uma mina a terra fofa facilmente será ultrapassada pela ponta e esta, ao embater num objecto enterrado, transmite ao seu utilizador o que facilmente é de prever.
O Aljustrel é que ia a guiar, utilizando o acelerador de mão e eu sentado no extremo oposto. Agradecia o favor, pois era muito chato e requeria muita atenção fazer aquele tipo de condução, pois à nossa frente, nunca é de mais lembrar, seguiam homens a pé.
Trinta e três anos passados, a certeza sobre o tempo em que a coluna progrediu não está já muito presente na minha memória, mas penso que nem uma hora foi, até que um forte rebentamento se fez ouvir, e o que vi foi tudo negro, terra e fumo no ar.
Atirei-me da viatura e procurei abrigar-me longe dela. Deitado no chão junto do Ivo, e sem saber o que tinha acontecido, logo começámos a ouvir os gritos lancinantes e tivemos a certeza que alguém estava gravemente ferido.
À nossa frente, as folhas rasteiras estavam todas salpicadas de sangue, e à minha esquerda metro e meio recuada, estava um pé descalço, amputado, com um pedaço de perna, era branco e estava estranhamente limpo.
Os gritos e o choque entravam fundo em nós, e foi Aljustrel ou o Silva que disse que tinha sido o Teixeira a pisar uma mina antipessoal.
Junto dele estava o maqueiro, devido à cor do cabelo conhecido pelo Russo, tentava minimizar o sofrimento e estancar o sangue das feridas, do camarada que tinha as duas pernas decepadas, e o que restava era uma mistura de tecidos, com restos de farda, e o preto da explosão era a cor dominante.
Foi pedida evacuação, todos esperávamos talvez um milagre e, ao vermos o nosso camarada, o terror em mexermos os pés do sítio em que estávamos era enorme.
Os gritos foram abrandando, a vida escapava daquele jovem de 22 anos que nem uma hora antes estava pleno de vida, na terra tinha namorada, pais, talvez irmãos como a maioria de nós.
O rosto ficou sereno e a luz que iluminava os seus olhos apagou-se, deixando-os baços e opacos a olhar para nós sem nos ver. Ali ficou deitado junto buraco, que a explosão havia aberto, até que o heli passou por cima nós, e foi a última vez que o vi quando o levaram para local mais aberto, onde foi enfim recolhido.
Foi necessário retomar a marcha, e não é de mais lembrar que é da mesma forma que se vai continuar, ou seja, os nossos camaradas do PEL REC a pé, picando à frente dos seus pés, pois podia haver mais minas. É talvez uma visão da verdadeira coragem, vê-los a caminhar à minha frente depois do que tínhamos acabado de presenciar, e que podia acontecer novamente a qualquer momento.
O regresso foi feito em silêncio pesado, voltámos a passar no sítio e não pude evitar olhar para o buraco, que tinha a dimensão de meio bidão de duzentos litros, e nos obrigava a sair da picada para o contornarmos.
Segui para Nova Lamego (Gabu) com os Pára-quedistas, e nesse mesmo dia regressei a Bafatá, desejoso de estar junto dos meus camaradas, facto que só se veio verificar no outro dia.
Nessa noite bebi até ficar dormente mas não consegui dormir. Na minha cabeça a recordação do acontecido era demasiado presente, via a coluna de fumo, e ainda sentia o cheiro a explosão, e os gritos martelavam sem parar.
Este foi um dia como outros na Guiné-Bissau. Para este camarada como para centenas de outros, a guerra acabou tarde de mais.
Dedico este relato aos meus camaradas do BCAÇ 3872, e mais precisamente aos que viveram aquele dia comigo, pois vamos para a guerra e nunca retornamos dela.
Juvenal Nataliel de Almeida Sacadura Amado
Ex-1.º Cabo Condutor 11199771
CCS/BCAÇ 3872(Galomaro, 1972/74)
2. Comentário do editor:
Parabéns, Juvenal. Ouço às vezes o programa A História Devida, da Antena 1... Têm aparecido alguns boas histórias passadas no Ultramar. Não me lembro da tua. Mas fiquei muito sensibilizado pelo facto de a teres escrito, de a teres dedicado aos teus camaradas que estavam contigo nesse dia negro e também de teres querido partilhar com os nossos amigos e camaradas da Guiné que fazem parte deste blogue. Todos nós sabemos, por experiência própria ou por formação na tropa, quão terríveis eram (são) essas coisas das minas e armadilhas, sabemos do horror (e do terror) que esses engenhos explosivos nos causavam... Muitos de nós ainda temos pesadelos como os teus... Como tu dizes, e muito bem, "vamos para a guerra e nunca retornamos dela"... Conto contigo para mais histórias (e estórias) das tuas andanças pela Zona Leste...
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Notas do editor
(1) Vd. post de 6 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2413: Tabanca Grande (50): Juvenal Amado, ex-1º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872 (1971/73)
(2) Programa A História Devida, Antena 1: Todos os dias às 17:20h, com repetição às 21:20h e 03:20h, na Antena 1. As histórias (que devem ser curtas) podem ser enviadas para Produções Fictícias, Travessa da Fábrica dos Pentes nº27 R/C 1250-105 Lisboa ou para o seguinte e-mail.
Guiné 63/74 - P2429: Bibliografia (13): Lançamento do meu/nosso livro: 6 de Março de 2008, na Sociedade de Geografia, com Lemos Pires e Mário Carvalho (Beja Santos)
Foto: Círculo de Leitores (2008). (Gentileza da Dra Isabel Mafra, da Editora Temas e Debates)
1. Mensagem do nosso camarada e amigo Beja Santos, com data de 9 de Janeiro:
Luís e tertulianos:
Reuni hoje com a Drª Guilhermina Gomes, do Círculo de Leitores e Temas e Debates, para saber da data de lançamento do primeiro livro. Está confirmada a data para 6 de Março, pelas 18:30 horas, na Sala Algarve, da Sociedade de Geografia de Lisboa, Rua Portas de Santo Antão, 100 (edifício do Coliseu dos Recreios) (1).
Os apresentadores serão o General Lemos Pires (2) e o escritor Mário de Carvalho (3).
Venho pedir com veemência a presença de todos, a despeito de se tratar de dia de semana. Este livro nasceu neste blogue e pertence a todos. As receitas de uma das suas edições reverterá para uma obra que os tertulianos designarão, a seu tempo.
Gostava igualmente de saber se a malta pretende reunir num convívio, nesta tarde e nestas instalações, pois nessa circunstância temos que pedir a competente autorização à Direcção da Sociedade de Geografia.
Um abraço do
Mário Beja Santos
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Notas de L.G.:
(1) É um belíssimo sítio - do ponto de vista cultural, histórico, institucional e... gastronómico - para o lançamento dum livro sobre a guerra colonial/guerra do ultramar e para um encontro tertuliano.
Segundo a Wikipédia portuguesa, a Sociedade de Geografia de Lisboa é "uma sociedade científica criada em Lisboano ano de 1875 com o objectivo de em Portugal promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e correlativas. A Sociedade foi criada no contexto do movimento europeu de exploração e colonização, dando na sua actividade, desde o início, particular ênfase à exploração do continente africano".
(2) Mário Lemos Pires, nascido em 1930, é mais conhecido da opinião pública como o último governador militar de Timor (18 de Novembro de 1974 a 27 de Novembro de 1975). Autor de Descolonização de Timor: Missão Impossível ? (Lisboa: Dom Quixote. 1994).
(3) Mário Carvalho é hoje considerado como um dos maiores escritores portugueses. Na página da Editorial Caminho, pode ler-se o seguinte:
Mário de Carvalho nasceu em Lisboa, em 1944. Licenciou-se em Direito, em 1969. O serviço militar foi interrompido por prisão em Caxias e, posteriormente, em Peniche, por actividade política contra a ditadura, ainda nos tempos de estudante. Mais tarde exilou-se em França e na Suécia. Regressa após o 25 de Abril de 1974. Dominando soberbamente a língua, o estilo de Mário de Carvalho não se reconhece em nenhuma escola, e o seu registo é ao mesmo tempo de uma grande modernidade. A crítica aponta-o unanimemente como um dos mestres do romance português contemporâneo. Vários dos seus livros foram traduzidos no estrangeiro: A Paixão do Conde de Fróis, Os Alferes, Era Bom que Trocássemos umas Ideias sobre o Assunto, Um Deus Passeando Pela Brisa da Tarde.Vencedor, em 2004, do Grande Prémio de Literatura ITF/DST. (...)
(4) A sugestão de Beja Santos muito nos honra e iremos fazer tudo para que este dia seja uma festa e uma grande oportunidade de convívio tertuliano da malta do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Aliás, já o tínhamos dito há seis meses, atrás... Vd. post de 27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2002: Blogoterapia (29): O Mário escreve com a mesma teimosia, perseverança, paixão e coragem com que ia a Mato Cão (Luís Graça)
(...) É claro que vamos fazer uma festa... Até já há sugestões: 3º encontro da tertúlia e almoço na Sociedade de Geografia (um sítio central e simbólico), em Lisboa, e depois, às 18h, lançamento do livro, com direito a.. um bom espumante português (que os temos até melhores que o champanhe francês!)...
O Mário Beja Santos já tem três livros publicados no Círculo de Leitores, de temática relacionada com o consumo e os direitos dos consumidores...Espero com isso que ele nos abra a porta, do Círculo de Leitores, para outras iniciativas editoriais nossas... O Mário faz questão de fazer reverter uma parte dos direitos de autor para o funcionamento do nosso blogue e para apoio a iniciativas nossas na área da cooperação e ajuda com a Guiné (Não aceito que ele prescinda da totalidade dos direitos de autor!) (...).
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
Guiné 63/74 - P2428: Guiledje: Seminário Internacional (1-7 de Março de 2008) (7): Programa
Para conhecimento dos amigos e camarada da Guiné que visitam o nosso blogue, aqui ficam os links directos para uma informação, mais fácil e detalhada, do ambicioso e estimulante programa deste evento (1), que se insere no âmbito do Projecto Guiledje, o qua tem tido desde praticamente o princípio da sua divulgação, em Outubro de 2005, o nosso mais entusiástico e fraternal apoio (2).
Programa
1º dia - Sexta-feira, 29 de Fevereiro
2º dia - Sábado, 1 de Março
3º dia - Domingo, 2 de Março
4º dia - Segunda-feira, 3 de Março
5º dia - Terça-feira, 4 de Março
6º dia - Quarta-feira, 5 de Março
7º dia - Quinta-feira, 6 de Março
8º dia - Sexta-feira, 7 de Março
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Notas dos editores:
(1) Vd. post anterior:
9 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2423: Guiledje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008) (6): Como inscreveres-te ?
(2) O nosso primeiro post, sobre o Projecto Guileje, é de 5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXXI: Projecto Guileje (1): o triunfo da vida sobre a morte (Luís Graça / Jorge Neto)
(...) Notícias do nosso amigo Jorge Neto (um tertuliano de fresca data, e que trabalha, vive e sobrevive em Bissau).
Boa tarde a todos. Recebi na caixa de correio informação sobre uma ONG [Organização Não-Governamental] guineense que tem um projecto de reabilitação/restauro do histórico quartel de Guiledje [na região de Tombali, no sudoeste, na fronteira com a Guiné-Conacri]. Se alguém tiver interesse em conhecer o projecto bem como ver algumas fotos do que era e do que é, aqui fica o link.
http://www.adbissau.org/projectoguiledje.php (...)
(...) Comentário de Luís Graça:
Acabei de ler o documento, em formato.pdf, de seis páginas, intitulado 'Guiledje, ideias para um projecto de reabilitação'. Gostei, desde logo da citação: 'Salvaguardar a memória é a única forma da vida triunfar sobre a morte'.
Mais do que uma citação, é um programa de acção! Li e fiquei entusiasmado com as ideias apresentadas, a sua fundamentação, a sua metodologia de acção. E disse logo cá para mim mesmo: Ora aqui está um projecto à nossa medida, à medida destes ex-combatentes da guerra colonial da Guiné e dos demais amigos desta tertúlia.
Sinto que podemos fazer alguma coisa de concreto para viabilizar este projecto. Para já, podemos divulgá-lo e dá-lo a conhecer em Portugal. Penso que é um projecto, de grande interesse (histórico, cultural, económico, social e ambiental) para os guineenses, mas também para nós. Daqui uns anos os nossos netos e bisnetos irão aprender, na escola, onde ficava Guileje e discutir a sua importância para dois países que hoje se tratam como irmãos: Portugal e a Guiné-Bissau (...).
Guiné 63/74 - P2427: O Nosso Livro de Visitas (2): Pedro Mesquita, 29 anos, ex-fuzileiro naval, leitor do nosso Blogue
Permitam-me que me apresente, sou um jovem de 29 anos, chamo-me Pedro e sou um frequentador assíduo do vosso blog.
Como é óbvio não vivi de perto o conflito do Ultramar, pois nessa altura ainda não era nascido, o meu pai, esse, sim, tal como vocês, foi militar português, mas na ex-província portuguesa de Moçambique.
Segundo posso constatar pelas vossas histórias, acabou por ter mais sorte, uma vez que era Primeiro Cabo Escriturário e nunca passou do Quartel General das Forças Armadas na cidade de Nampula, onde cumpriu a sua comissão.
Eu sou um interessado por esta parte da nossa história, também fui militar português já lá vão 10 anos, cumpri o meu serviço militar obrigatório, primeiro na Escola de Fuzileiros em Vale Zebro, onde fiz a recruta/especialidade (Curso Formação Básica Praças) e depois passei uns meses na Base Naval do Alfeite.
Nunca vivi obviamente o que vocês viveram, mas em alguns aspectos compartilhei dos mesmos sentimentos que vos uniam, como a camaradagem, as grandes amizades que fiz, o espírito de grupo e ainda hoje guardo enormes saudades desses tempos.
Como já disse anteriormente, sou um interessado por esta parte da nossa história, que tanto marcou as gerações passadas e que na minha opinião nunca deverá cair no esquecimento das gerações vindouras, uma vez que faz parte da nossa história nacional.
Bom... mas esta conversa toda, só para vos dar os parabéns pelo excelente blogue que organizaram, por tornarem possível a quem não viveu de perto o conflito, ter uma noção do que passaram, do que sentiram e do que viveram naqueles tempos difícies.
Com os melhores cumprimentos
PEDRO
2. Comentário do co-editor CV:
É com algum orgulho que sabemos que somos lidos por alguém da sua geração.
O nosso orgulho não está naquilo que fizemos e descrevemos, porque, vivendo em ditadura, não tínhamos alternativa, mas sim, por conseguirmos fazer chegar aos mais novos o eco do esforço de uma geração que ao longo de 13 anos participou numa guerra que, como todas, nunca deveria ter começado.
A alternativa que nos restava era deixar tudo (estudos, emprego e família) e fugir.
Saberá como militar que foi, que a guerra é o último recurso, quando se esgotam as possibilidades de negociação ou diálogo. No caso português, praticamente nem diálogo houve.
Para si será incompreensível, como o regime de então, não se tinha apercebido de que a solução para o fim da guerra seria a descolonização. Inevitável, quanto mais não fosse, por analogia ao acontecido com outros países europeus em relação às suas ex-Colónias de África.
Quando finalmente se fez o 25 de Abril, as gerações seguintes livraram-se deste pesadelo.
Caro Pedro, muito obrigado pelo seu contacto, que muito nos honrou.
Guiné 63/74 - P2426: Estórias cabralianas (32): Nanque, o investigador (Jorge Cabral)
Autor da série Estórias Cabralianas, é advogado e docente universitário, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, sendo o coordenador do curso de pós-graduação em Criminologia.
Querido Amigo!
Ao ver a série C.S.I. na Televisão, lembrei-me do Nanque. Grande Investigador!...
Aí vai estória.
Forte Abraço
e um 2008 em Glória.
Comentário de L.G.:
Obrigado, amigalhão. É sempre com grande expectativa, avidez e gozo que eu leio as tuas estórias. Ninguém melhor do que tu, no nosso blogue, para descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, numa parágrafo, uma situação-limite, uma fantasmagórica personagem de carne e osso, um hilariante ambiente de caserna, um garboso chefe militar da tropa-macaca, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo da nossa (co-)vivência na Guiné, a saudável loucura, própria dos seres humanos que são condenados ao absurdo, à irrisão de uma guerra...
O Jorge nunca acentua o lado do bestiário da guerra que há no Homo Sapiens Sapiens, mas sim o da sua humaníssima, frágil, quase tocante, condição de primata, de primus inter pares na ordem zoológica do mundo... Desde o início que eu tenho feito a apologia das estórias cabralianas, como sendo um hino à idiossincrasia lusitana, à plasticidade comportamental dos nossos soldados, à enorme capacidade de resistência, de imaginação e de adaptação da nossa gente...
Jorge, este ano quero um livro teu, publicado com as tuas/nossas estórias cabralianas... Vamos à procura de editor! Até lá preciso mais de 15 a 20 estórias... O livro já tem título (provisório): Guiné 69/71: Humor em tempo de guerra ou Cabral, só há um, o de Fá e mais nenhum!
L.G.
2. Estórias cabralianas > Ainda o Nanque, mas desta vez, Investigador de … Cocós (1)
O Alferes era calmo. Afável, prazenteiro, nunca se irritava. Naquela tarde porém explodiu. É que constatou que as valas estavam a ser utilizadas como retretes.
Reuniu o pessoal e, no mais puro vernáculo de caserna, descompôs o Pelotão, furriéis, cabos, soldados, brancos e negros… Que vergonha! Pois não haviam assistido à valente piçada que ele sofrera, na semana passada, quando o Major Eléctrico (2), visitara o Quartel, e criticara tudo, desde a limpeza das panelas ao comprimento do seu bigode!?
Findo o discurso, logo o Nanque se apresentou, oferecendo-se para descobrir os malandros dos cagadores. Protegido do Cabral, como seu feiticeiro privativo (2), ele era detestado por quase todos, que não suportavam os banquetes de macaco, o ar arrogante de grande senhor, e o seu estatuto privilegiado, com dispensa de operações, patrulhamentos e sentinelas.
Embora o Alferes nada tivesse respondido ao seu oferecimento, o Nanque iniciou de imediato a investigação, e assim munido de uma vara, andou até ao fim do dia, mexendo, decompondo, analisando e cheirando os vários corpos de delito.
Já noite apareceu, e muito sério, expôs os resultados:
- Dezanove cocós de soldados, todos fulas, quatro por duas vezes, e um por três.
- Cinco cocós de brancos, dois do furriel Amaral e três do cabo Monteiro.
Agradeceu o Alferes tão preciosa informação. Então ele à laia de conselho – conclusão - , acrescentou, ufano:
- Agora, Alferes, é mandá-los para a prisão!
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Nota de L.G.:
(1) Vd. lista das estórias até agora publicadas:
20 de Abril de 2007 > Guiné 63/7 4- P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)
Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso. (...)
23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)
Numa tarde de tédio convenci o motorista da viatura existente em Missirá, um humilde Unimog, a dar um passeio. Pretendia visitar o Enxalé, seguindo pela estrada de Mato Cão, pela qual não passava qualquer veículo há muito tempo. (...)
23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)
O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão. Para os Destacamentos eram mandados os especialistas que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás! (...)
18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.
Dos quatro Comandantes de Bambadinca que conheci, apenas o Polidoro Monteiro me mereceu consideração. Dos outros nem vou dizer o nome, e de dois a imagem que guardo é patética . Assim, no rescaldo do ataque ao Batalhão, lembro o primeiro, à noite, de G-3 em bandoleira, pedir-nos:- Se houver ataque, acordem-me (...).
23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...
Penso que, já em 1971, apareceu no Batalhão [de Bambadinca], um Alferes de secretariado, corrido de Bissau, por via de uns dinheiros. Chegou acompanhado de uma dama, sobre a qual corriam os mais variados boatos. Dizia-se, calculem, que ela tinha sido uma prenda de aniversário ao Alferes, enviada pelo pai, milionário do Porto. (...)
13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá
Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados (...).
17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba
Finda a comissão, calculem (!), fui louvado. O Despacho do Exmo. Comandante do CAOP Dois referia, entre outros elogios, a minha “habilidade para lidar com a tropa africana e populações”, a qual me havia “granjeado grande prestígio”. Esquecido, porém, foi o essencial – evitei a dezenas de Bajudas o repúdio matrimonial e a consequente devolução do preço. Essa tão meritória actividade, sim, teria merecido, não um simples louvor, mas uma medalha (...).
13 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCC: Estórias cabralianas (8): Fá Mandinga no Conde Redondo ou o meu Amigo Travesti
Na década de 80, dava aulas nocturnas numa Escola na Duque de Loulé e costumava descer a Avenida para tomar o Metro. Eis que uma noite, me vejo perseguido por um Travesti que me grita:- Meu Alferes! Meu Alferes! Alferes Cabral!... Tomado de terror homofóbico parei, negando conhecer a criatura, de longas pernas e fartíssimos seios. (...)
20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVII: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida
Com destino à Guerra, viajei no Alfredo da Silva, quase um cacilheiro, durante doze dias. Em primeira classe, sete oficiais e uma dona puta em pré-reforma habitavam um ambiente de opereta, jantando de gravata, com a estafada dama na mesa do comando. Depois havia a valsa… Cheirava a mofo, a decadência, ao fim do Império (...).
3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro
Desde que cheguei, e durante o primeiro ano, o Pel Caç Nat 63, foi pluriétnico. Mandingas, Fulas, Balantas, Manjacos, Bigajós, estavam representados. Pluriétnico e plurirreligioso, com um Manjaco, Pastor Evangélico, um Marabú Mandinga Senegalês, vários adoradores de muitos Irãs, e até alguns crentes na Senhora de Fátima, vivendo todos em Paz ecuménica, sob a batuta do Alferes agnóstico com tendências panteístas, que pensava que nada o podia surpreender (...).
4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto
À noite, após o jantar, nós os nove brancos do Destacamento, continuávamos à mesa, conversando. Falávamos de tudo, mas principalmente de sexo, mascarando a nossa inexperiência, com o relato de extraordinárias aventuras que assegurávamos ter vivido. O nosso motorista havia até desenhado num caderno as várias posições, indagando de cada um:- E esta, já experimentaram? (...)
20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor
No dia seguinte a ter ocupado Fá Mandinga, apresentaram-se no quartel as lavadeiras, cinco ou seis bajudas, todas alegres e simpáticas. Uma, Modji Daaba, chamou-me logo a atenção pelo seu porte e beleza. Bonita de cara e perfeita de corpo, possuía um ar nobre e altivo que me cativou. Imediatamente a contratei como minha lavadeira exclusiva, tendo acordado uma remuneração superior na esperança de algumas tarefas suplementares… (Periquito, ainda não sabia, que com as bajudas mandingas era praticamente impossível ir além de algumas carícias peitorais…). (...)
28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)
Terminada a especialidade de Atirador de Artilharia, permaneci como aspirante, em Vendas Novas, na respectiva Escola Prática. Aí me atribuíram variadas funções, Justiça, Acção Psicológica e Cultural, Revista Literária, etc, etc, pelo que quase nunca fiz nada. Quando me procuravam num lado, estava sempre no outro…Na Justiça, creio que apenas dei andamento a um processo, enviando uma deprecada para Angola, a perguntar se o Furriel Patacas possuía três mãos. (...).
24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)
Julgo que aconteceu em Março [de 1971]. O dia decorrera em Alegria. Chegara a Missirá uma arca frigorífica a petróleo, oferta do Movimento Nacional Feminino, e cedo começaram as libações.Seriam três ou quatro da manhã, sou abruptamente despertado. Tiros (?). Rebentamentos (?). Fogo! Saio do abrigo nu, e deparo com meio quartel a arder.Ataque nunca podia ser! O Tigre [Beja Santos] já estava na Metrópole, Missirá era agora um oásis de paz, vigorando um tácito pacto de não-agressão (...).
14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)
Chamavam-lhe, os africanos, o furriel Barril, não sei se pela sua compleição física, se por via da fama e do proveito que ganhara como bebedor quotidiano e calmo. Estou a vê-lo ao serão, bebendo à colher, com paciência e estilo, enquanto o alferes declamava, e o maqueiro Alpiarça escrevia a uma das dezenas das madrinhas de guerra. (...)
14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa
Aos Domingos vestíamo-nos à paisana e dávamos longos passeios à volta da parada, imaginando praças, avenidas, ruas, adros de igreja e até estações de comboio. Depois entrávamos na Cantina e invariavelmente pedíamos 'Um fino e tremoços' (...).
10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)
Creio que foi em Fevereiro de 1971, que em Missirá, recebi a ordem de Bissau – um dos furriéis passava a ser Professor, com dispensa de toda e qualquer actividade operacional. Ponderada a situação, optei pelo Amaral , cujo porte rechonchudo e as maçãs do rosto vermelhuscas, lhe davam um ar prazenteiro e bonacheirão, nada condizente com as funções de comandante de secção combatente (...).
26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1463: Estórias cabralianas (18): O Dia de São Mamadu (Jorge Cabral)
Entre os dez militares metropolitanos do Destacamento de Missirá, apenas o Alferes era do Sul e de Lisboa – um rapaz de Alvalade, passeante da Praça de Londres e frequentador do Vává. Todos os outros, furriéis, cabos, e adidos especialistas, vinham do Norte ou das Beiras. (...).
18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)
Bambadinca era então para o Alferes, feito nharro de Tabanca, a Cidade. Para lá ir, fazia a barba, aprumava o seu único camuflado apresentável, munia-se de alguns pesos e, acima de tudo, preparava o relim verbal sobre ficcionadas aventuras operacionais, que iriam impressionar o Comandante. Antes de entrar no Quartel, habituara-se a abancar no Gambrinus local, o tasco do Zé Maria, bebendo, petiscando e conversando. Um dia encontrou o Senhor Zé Maria, muito preocupado. O filho adolescente que estudava em Lisboa, ia chumbar. (...)
20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1679: Estórias cabralianas (20): Banquetes de Missirá: Porco turra e Vaca náufraga (Jorge Cabral)
Em Missirá comíamos, praticamente todos os dias, arroz acompanhado ora de pé de porco, ora de atum ou cavala, com muito pão e sempre altas doses do insípido vinho quarteleiro, o qual, segundo se dizia, era cortado com cânfora, para diminuir os ímpetos...
24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1696: Estórias cabralianas (21): O Amoroso Bando das Quatro em Missirá (Jorge Cabral)
Nos Destacamentos em que vivi, todos eram bem recebidos, à boa maneira da gente da Guiné, cuja cativante hospitalidade foi muitas vezes confundida com subserviência ou portuguesismo. Djilas, batoteiros profissionais, artesãos, doentes, feiticeiros, alcoviteiros, parentes dos soldados, visitavam o aquartelamento e às vezes ali permaneciam, fazendo negócios, combinando casamentos, tratando-se ou tratando, ou simplesmente descansando. Desconfio mesmo que alguns guerrilheiros terão passado férias em Missirá (...)
12 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1752: Estórias cabralianas (22): Alfa, o fula alfacinha (Jorge Cabral)
No final do ano de 1970, apresentou-se em Missirá um soldado fula – chamemos-lhe Alfa – vindo da prisão de Bissau, onde cumprira pesada pena. Razão da punição – ausência ilegítima durante cento e oitenta dias, quando após intervenção cirúrgica no Hospital Militar Principal, desaparecera em Lisboa. Impecavelmente fardado, com blusão e tudo, usava uma vistosa popa e farfalhudas patilhas, conservando sempre um palito dependurado ao canto da boca. Falava um calão lisboeta e aparentava ser um verdadeiro rufia alfacinha.(...)
5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)
Conheci muito bem o Alferes que esteve em Missirá nos anos de 1970 e 1971. Diziam que estava apanhado, mas penso que não. Era mesmo assim. Quem com ele privou em Mafra e Vendas Novas certamente o recorda, declamando na Tapada: No alto da Vela / Fui Sentinela / de coisa nenhuma / Quem hei-de guardar / Quem irei matar… (...).
19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)
Manga de ronco, Pessoal! Spínola veio a Fá, visitar os Comandos Africanos e praticamente toda a população das Tabancas vizinhas compareceu. Homens e Mulheres Grandes, belas Bajudas, e muitas, muitas crianças. A Pátria, pois então… E uma Guiné melhor. O Caco entusiasmou-se. Tanto, que optou por ir de viatura para Bambadinca. E lá partiu em coluna, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló (...).
29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquinos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)
E o Amor, existiu? Não falo de mulheres grandes a partir catota, nem de bajudas a partir punho, e muito menos das rápidas e alcoolizadas visitas às casas de prazer, para... mudar o óleo. Amor mesmo, paixão, dele para ela, dela para ele. Difícil, raro, mas aconteceu. Contaram-me que uma bajuda que tivera um filho do Furriel X, o seguiu até Bissau, e na hora da partida do navio entrou na água com o bebé, tendo morrido ambos…
27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2135: Estórias cabralianas (26): Guerra escatológica: o turra Boris Vian (Jorge Cabral)
Fá Mandinga fora sede de Batalhão e de Companhia, possuindo muitas e boas instalações. Chegados em Julho de 1969, optámos por ocupar apenas dois edifícios. Quanto aos restantes, convenci o Pelotão, que o respectivo acesso estava minado, razão porque só eu lá poderia entrar. É que vislumbrara duas belas e isoladas vivendas, as quais intimamente destinara a uso próprio. Uma serviria para encontros amorosos. Na outra, utilizaria a casa de banho, lendo e meditanto... E assim se passou (...).
22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2204: Estórias cabralianas (27): Turra desenfiado encontra Alferes entornado (Jorge Cabral)
Já é noite cerrada e o Alferes de Missirá continua em Bambadinca. Numa mão o copo, na outra, o pingalim, encostado ao balcão do Bar, declama. Trata-se do longo poema de Jacques Prévert, “L’orgue de Barbarie” (2). É interrompido, engana-se, esquece-se, volta atrás, mas não desiste. Moi je joue du piano / Disait un / Moi je joue du violon / Disait l’autre (...).
14 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2350: Estórias cabralianas (28): O Hipopótamo, as Formigas e o Prisioneiro (Jorge Cabral)
Nem me lembro qual o Periquito que se apresentou naquele dia em Fá. Mas sei que ao anoitecer, saiu, equipado e armado, cumprindo a minha ordem. Objectivo: caçar um hipopótamo (...).
16 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2354: Estórias cabralianas (29): A Festa do Corpinho ou... feliz o tuga entre as bajudas, mandingas e balantas (Jorge Cabral)
Porque estamos no Natal, recordas o teu de 1969 e um ataque a Bissaque. Eu passei o meu em Fá, e dias antes, noite dentro, quando já o comemorava por antecipação, acorri a defender a Tabanca de Bissaque, guiado pelo Marinho.
Este era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá, desde os anos 50(...).
21 de Dezembro de 2007 >. Guiné 63/74 - P2369: Estórias cabralianas (30): Um Natal em Novembro (Jorge Cabral)
Amanheceu igual, só mais um dia em Missirá. Para o Mato Cão, vai o Alferes, uma secção, e o maqueiro Alpiarça. É lá chegar, esperar, ver o barco e voltar. Não há tempo para o sonho – do outro lado nem Gaia, nem Almada…Já estamos de regresso, ouvimos restolhar. Vem aí gente. Neste lugar só podem ser os turras. Claro que, como sempre, o Alferes empunha apenas o seu pingalim e, em vez do camuflado, enverga camisa branca e calções de banho (...).
28 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2386: Estórias cabralianas (31): As milagrosas termas de Missirá (Jorge Cabral)
A fim de prevenir abusos, a segurança à Fonte, no banho das bajudas, pertencia em exclusivo ao Alferes, o qual nos primeiros tempos guardou uma prudente distância, depois foi-se aproximando e acabou no meio delas, esfregador e esfregado com sabão vegetal, após o que branqueava os dentes com areia. Diziam que aquela água possuía propriedades terapêuticas, curando todos os males de pele, não havendo lica que lhe resistisse (...).
(2) Vd. postes de:
9 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1161: O nosso Major Eléctrico, 2º comandante do BCAÇ 2852 (Beja Santos)
15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1076: O álbum das glórias (Beja Santos) (4): eu e o coronel Cunha Ribeiro, o nosso 'major eléctrico'
Nota de L.G.: (...) "Major do BCAÇ 2852 [Bambadinca, 1968/70]. Substituiu em Setembro de 1969 o major Viriato Amílcar Pires da Silva, transferido por motivos disciplinares. Foi vítima de acidente grave com um jipe. Era mais conhecido, na caserna - e nomeadamente pela malta da CCAÇ 12 - como o 'major eléctrico', devido à sua energia" (...).
É hoje Coronel, na reforma. Seu nome completo, Ângelo Augusto da Cunha Ribeiro. Já compareceu a alguns convívios do pessoal do BCAÇ 2852.
Guiné 63/74 - P2425: O Nosso Livro de Visitas (1): Manuel João Coelho, Cabo Especialista da FAP (Aeroporto da Portela)
Felicitações pelo excelente blogue!
Voluntário na Força Aérea, de 1963 a 1966, fui colocado no então AB 1- Aeródromo Base n.º1 no Aeroporto da Portela, em Lisboa, de 1964 até final do tempo de tropa.
Escapei à mobilização para África, mas tornei-me, com outros camaradas, testemunha de episódios que poucos conheceram.
Refiro-me à chegada dos aviões de evacuação, DC-4, Skymaster e DC-6, dos Transportes Aéreos Militares, que traziam para Lisboa, os feridos e acidentados da guerra.
Os vôos normais desembarcavam os passageiros a par dos aviões civis, no estacionamento frente ao Terminal... os de evacuação chegavam à noite, por vezes de madrugada, e eram deslocados para a placa no interior do AB1, longe dos olhos da população.
Como Cabo Especialista MMA (Mecânico de Material Aéreo) fazia parte da equipa que recebia o avião: reboque com tractor, ajuda na abertura da porta e colocação da escada de saída, para além de outras tarefas.
Este momento de abertura era sempre de tensão, a porta abria-se e saía um bafo terrível, mistura de suor, éter, sangue, restos de comida, as macas sobrepostas, os feridos de todos os tipos... rebentamento de minas, amputados, cegos, queimados, cacimbados, feridos à bala, com estilhaços.
E depois a confusão da saída das macas, levanta à frente, baixa, baixa atrás, aguenta, segura!...o despacho e presteza das enfermeiras-páras que, por vezes, acompanhavam o pessoal, o ar pálido/horrorizado das madames da Cruz Vermelha, com as suas capas cinzentas, e que com os seus belos penteados eram um anacronismo ali, pese a sua boa vontade.
Nestes vôos eram particularmente difíceis os que vinham da Guiné.
A viagem era mais curta, tínhamos a sensação de que alguns daqueles desgraçados tinham ferimentos ainda frescos: camuflados rasgados, ligaduras empapadas em sangue, um ar esgazeado mostrando a surpresa, a incredulidade face ao sucedido.
Guiné> Vista aérea da Base Aérea 12> Bissalanca
Foto retirada do Blogue dos Especialistas da BA12, Guiné 1967/74, com a devida vénia
Recordo-me, como se hoje fora, de uma noite em que chegaram dois aviões quase em simultâneo. Não havia capacidade de transporte para o Hospital da Estrela e anexos, de tanta gente, as ambulâncias não chegavam e lá vieram os autocarros da Academia Militar para transportar os feridos que pudessem viajar sentados.
Tenho dois amigos, açorianos como eu - Ponta Delgada, S. Miguel - ambos furriéis milicianos, que estiveram na Guiné, julgo que a partirde 66 até 68 ou 69. Um, o Tibério Branco, andou por Catió e Buba, tanto quanto recordo, o outro, Álvaro Lemos, em Aldeia Formosa.
Os dois contavam, no regresso, como tinha sido a vida deles naquele território e, anos depois, já com o país independente, visitei a Guiné: Bissau, Nhacra, Bafatá, Cacheu e, na carrinha que percorria a estrada, olhando em redor, para aquela vegetação, as bolanhas, os rios e as jangadas, as tabancas - numa delas a inscrição numa parede "Viva o Benfica" - pensei neles, nos meus amigos de adolescência, no seu sacrifício. E nalguns colegas que morreram na guerra em África: o Martins, o Norberto, o Amaral, o João Manuel Cordeiro e outros cujo nome esqueci.
Ao mesmo tempo interrogava-me: se eu tivesse vindo aqui parar, teria conseguido, será que aguentava isto?
Um abraço e continuação do bom trabalho
Manuel João B. Ferreira Coelho
2. Resposta do co-editor CV:
Caro João Coelho:
Desde já agradecemos as suas palavras amáveis e a descrição que faz da sua experiência, colateral, da Guerra Colonial.
Julgo que os nossos verdadeiros amigos e camaradas que tiveram a ventura de escapar àquela guerra, sentiram por nós, os que para lá fomos, uma saudade e um temor que só terminaria naquele abraço trocado aquando do regresso definitivo.
Todos nós temos a lamentar a morte de alguém, que fazendo parte do imaginário da nossa juventude, foi levado antes do tempo, cuja memória provocará uma saudade e uma dor por toda a nossa existência.
O Coelho pode considerar-se Tertuliano e Amigo do nosso Blogue, porque visitou a Guiné-Bissau e viveu de muito perto os efeitos da Guerra Colonial.
Receba um abraço do co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Carlos Vinhal
Guiné 63/74 - P2424: Álbum das Glórias (37): Os alferes da CART 1690 ou uma estória de amizade e camaradagem a toda a prova (A. Marques Lopes)
Foto: © A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.
1. Texto do A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf, CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) (1968/69):
Caros camaradas:
Tenho-vos falado muitas vezes da CART 1690, sobre a qual há alguns postes no blogue da Tabanca Grande. Já fiz também referência aos alferes que por ela passaram. Mas quero, agora, falar-vos mais em pormenor destes gloriosos alferes, que é como nós próprios nos designamos, porque a nossa glória é continuarmos juntos. É bom que os conheçam pessoalmente. Aqui estão eles, num jantar do Natal de 2007, em Lisboa:
(i) O Domingos Maçarico (ainda um parente afastado do Luís Graça...), nascido na Praia de Mira, é engenheiro agrónomo e membro da Administração do Grupo Espírito Santo (1);
(ii) o Alfredo Reis, de Santarém, é veterinário e está reformado (embora pratique ainda);
(iii) o António Moreira, de Idanha-a-Nova, é advogado em Torres Vedras e é, recentemente eleito, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados;
(iv) o A. Marques Lopes é, como sabem, coronel reformado.
Como todos, também temos a nossa história.
Jovens e estudantes - o Domingos Maçarico no, então, Instituto de Agronomia de Lisboa (conheceu lá o Pepito), o Alfredo Reis no Instituto de Veterinária de Lisboa, também assim chamado então, o António Moreira na Faculdade de Direito de Lisboa e o A. Marques Lopes na Faculdade de Letras de Lisboa - fomos apanhados para frequentar, em Janeiro de 1966, o Curso de Oficiais Milicianos em Mafra.
De lá saímos, em Julho desse ano, como Atiradores de Infantaria. Andanças por vários lados, a seguir (Lamego, Amadora...), e tornámos a encontrar-nos no RALIS (Regimento de Artilharia de Lisboa), que nos mobilizou para a Guiné, a 4 de Dezembro de 1966.
De 6 de Dezembro deste ano a 23 de Fevereiro de 1967 estivemos no GAGA2 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves N.º 2) a dar a especialidade aos soldados da que foi designada CART 1690, e que foram connosco para a Guiné.
Passámos, depois, pelo RAC (Regimento de Artilharia de Costa) de Oeiras, Carregueira, IAO... e embarcámos em 8 de Abril. Mas, antes, grandes patuscadas e farras tivemos juntos nos bares e baiúcas de Lisboa, acompanhados pelo capitão da companhia, o Guimarães (já vos falei dele, mas penso que um dia hei-de dizer mais alguma coisa...) (2). Nessa fase cimentou-se a nossa amizade.
Desembarcados do Ana Mafalda (3) para LDG, começou a Guiné, rio Geba acima. E ficámos em Geba. Eu fiquei na sede da companhia, às ordens do capitão e do Comando do Agrupamento. Eles foram distribuídos pelos destacamentos, por onde também passei, mas por pouco tempo. Já há coisas no blogue sobre Geba.
Em 21 de Agosto de 1967, fui ferido na estrada de Geba para Banjara e fui, uma semana depois, evacuado para o HMP, em Lisboa (2) . O Domingos Maçarico foi ferido em 21 de Setembro de 1967, sendo igualmente evacuado para o HMP. O Alfredo Reis foi ferido na mesma altura, mas esteve apenas vários dias no hospital em Bissau. O António Moreira nunca foi ferido. Ele e o Reis estiveram sempre na companhia, em Geba e destacamentos, até Outubro de 1968.
O Maçarico não voltou à Guiné. Eu voltei em Maio de 1968, mas fui colocado na CCAÇ 3, em Barro.
Depois da minha evacuação para o HMP, fui substituído na companhia pelo alferes Fernando da Costa Fernandes, que foi dado como desaparecido em campanha em 19 de Dezembro de 1967, durante a operação Invisível em Sinchã Jobel (4): O alferes Fernandes foi, depois, substituído pelo alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, que foi morto em 8 de Setembro de 1968, durante um ataque ao destacamento de Sare Banda.
O Domingos Maçarico, depois de evacuado, foi substituído pelo alferes Orlando Joé Ribeiro Lourenço. Este voltou à metrópole são e salvo, mas nunca alinhou, nem nos encontros da companhia.
Somos nós os quatro, os sobreviventes, como também dizemos, que nos mantemos unidos entre nós e com os elementos da companhia. Com alguns intervalos, e eu explico a seguir.
Entre 1969 e 1974, os meus amigos e camaradas que estão comigo na fotografia, dedicaram-se a acabar os seus cursos e, depois, à vida pofissional, mantendo, embora, contactos entre si. Mas eu estive afastado deles durante esses anos, pois decidi afastar-me de qualquer actividade normal e pública, não os podendo contactar (é outra história que não cabe aqui).
A seguir ao 25 de Abril, foi o Maçarico que esteve afastado, pois acompanhou a família Espírito Santo quando eles foram para o Brasil. E, nesses primeiros anos após a revolução, também eu andei afastado, devido ao meu empenhamento nessa fase.
Mas, passado tudo isso, há cerca de trinta anos que estes quatro ex-alferes, camaradas e amigos na Guiné, e antes dela, se encontram pelo menos quatro vezes por ano, além dos encontros da companhia. Temos ideias muito diferentes sobre certas coisas, cada um disparando, agora, para seu lado, mas a amizade cimentada na juventude e na guerra mantém-se e está acima de tudo.
Queria dizer-vos isto, porque penso que, no novesforanada, deve-nos unir o que vivemos e passámos, e vão a amizade e a compreensão.
Abraço
A. Marques Lopes
PS - Estou farto de falar a estes malandros no blogue e a convidá-los para entrarem. Mas não há meio (5).
2. Comentário de L.G.:
É uma história exemplar, bonita e serena de amiazade e camaradagem entre homens que a guerra e a Guiné uniu e que as profundas mudanças operadas a seguir ao 25 de Abril de 1974 não separaram... O vosso caso não é inédito, mas eu acho, camaradas, que vocês davam um belo case study...
________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post 3 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIX: Sinchã Jobel II e III (A. Marques Lopes).
Já falei duas ou três vezes ao telefone com o Domingos Maçarico... Por uma razão ou outra (mas sobretudo de natureza profissional), ainda não nos encontrámos nem nos conhecemos pessoalmente... Mas tudo indica que, na nossa árvore genealógica, temos ascendentes comuns, já que a família Maçariço, que remonta ao Séc. XV, à época dos Descobrimentos, está basicamemte concentrada em Ribamar, concelho da Lourinhã, tendo um ramo emigrado, talvez no Séc. XIX - para a Praia de Mira... Todos os Maçaricos precisam de viver à beira-mar... Hoje há Maçaricos na diáspora, e nomeadamente nos EUA e no Canadá... Mas, segundo o Domingos Maçarico, a sua família também andou pelo Brasil...
Na página da família (que não é da minha responsabilidade...) pode ler-se:
(...) Ribamar na época dos Descobrimentos era já um importante centro de construção naval, tendo ainda existido até cerca de 1930 um estaleiro que situava no local onde está hoje a escola primária.
E já nesses tempos idos os Maçaricos eram reconhecidos como especialistas nessa área tendo acompanhado diversas expedições navais. E provavelmente estabeleceram-se também noutras localidades onde existiam estaleiros, possível explicação para haver outras famílias Maçarico espalhadas pelo Pais, como por exemplo em Mira. (...)
Daqui vai um grande abraço para o meu parente e camarada Domingos Maçarico, com a promessa de num belo verão destes eu o levar até às minhas bandas... Mas ante disso temo-nos de encontrar em Lisboa... Há dias passei pela Praia Mira, tomei um café no Mac Bar (que é de um Maçarico) e lembrei-me deste ramo (mais esquecido ou mal conhecido) da família...
(2) Nesta azarada companhia, até o capitão foi morto em combate... vd. postes de:
29 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIII: A morte no caminho para Banjara (A. Marques Lopes)
10 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1745: Eu e o meu capitão e amigo Guimarães, morto aos 29 anos, na estrada de Geba para Banjara (A. Marques Lopes, CART 1690)
(3) Vd. postes de:
8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXII: Caminhos entrecruzados: Ana Mafalda, Cantacunda... (A. Marques Lopes)
28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no 'Ana Mafalda' (1967) (A. Marques Lopes)
(4) Vd. post de 5 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLV: Sinchã Jobel VII (A. Marques Lopes)
(5) O Domingos Maçariço é está registado na nossa Tabanca Grande, por decisão unilateral, oficiosa, arbitrária, do Luís Graça... Por sua vez, há uma referência ao Reis, no poste de 25 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXI: Cartazes de propaganda dirigidos aos 'homens do mato' (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
Guiné 63/74 - P2423: Guiledje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008) (6): Como inscreveres-te ?
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 2410 (Junho de 1969 a Março de 1970) > O Alf Mil José Barros Rocha "posando sobre a roda de uma peça de artilharia 11,4 (ou o obus 14 ?" (JBR) Os Dráculas - CART 2410 - estiveram em Guileje, de Junho de 1969 a Maio de 1970. Sobre a querstão dos calibres 11,4 (peça de artilharia) e 14 (obus), já se publicaram vários postes (2).
Foto: © José Barros Rocha (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do Carlos Silva (3):
Caro Amigo Luís
(i) Acabei de receber o mail do Carlos Schwarz, que me dá umas dicas, relativamente à inscrição para participar no Simpósio Internacional sobre Guiledje
(ii) Há camaradas da Tertúlia que também vão à Guiné e que vão participar no evento e que não sabem como fazer a inscrição. Tal como eu não sabia. Daí eu enviar-te este mail, para - se entenderes - divulgá-lo.
(iii) Eu já passei a mensagem ao António Pimentel e ao Álvaro Basto, que também desconheciam como efectuar este acto.
Recebe um abraço
Carlos Silva
2. Pedido de esclarecimento do Carlos Siva enviado à AD- Acção para o Desenvolvimento, enquanto elemento-chave da organização do Simpósio:
Vi no vosso site que irá realizar-se na República da Guiné-Bissau um Simpósio sobre Guiledje , de 1 a 7 de Março de 2008, no qual gostaria de participar, mas em lado algum encontrei as condições de inscrição.
Será que V. Excia. poderá informar-me sobre o modo da inscrição e respectivos custos?
Desde já agradeço a vossa atenção dispensada.
Com os melhores cumprimentos, Carlos Silva
3. Resposta do Pepito, em nome da sua ONG (que é genuinamente guineense):
Caro Carlos Silva:
A inscrição é facil. Basta enviar:
- Nome
- Estudos académicos
- Ocupação profissional
- Uma foto digital para produção do cartão de acesso à sala do Simpósio.
Quanto às despesas de transporte (avião), alojamento e alimentação elas decorrerão por sua conta (ver informações do site).
4. Em 2 de Dezembro último, já tínhamos recebido um pedido de esclarecimento do nosso camarada José Rocha (1):
Viva! Camaradas!
Estou entusiasmado com a VISITA a Guiledje!
Sempre sonhei revisitar o local onde mais porrada levei!... E não queria morrer sem realizar o sonho! Adiei sempre por motivos que se prendem unicamente com a permanente instabilidade no País... Será que é desta?!
Os Camaradas terão a possibilidade de me facultar todas as informações relativas à minha POTENCIAL ida, durante o Simpósio de Março próximo ? Embora não integrando a equipa responsável pelo evento, gostaria de ver o nosso Guiledje!...
Dar-me-ão todas as dicas para o efeito? Fico muito grato!
Um grande abraço
E até breve!
José Rocha (1)
CART 2410
(Os Dráculas)
Guileje, 1969/70
5. Em 3 de Dezembro último, o Pepito deu, a nosso pedido, a seguinte resposta ao José Rocha:
Sem querer dizer "tudo ao molho e fé em Deus", há sempre lugar para mais um e sobretudo para quem tem argumentos tão fortes e decisivos como o teu. Em função do programa (ver site http://www.guiledje.org/) (4) nós tentaremos assegurar o transporte Bissau-Guiledje, a alimentação e o alojamento (mesmo que seja em tendas de campismo). Pode ser?
Já em Bissau é que não podemos garantir o alojamento. Estamos a fazer tudo por tudo para assegurar a alimentação.
abraço
pepito
6. Mensagem já enviada, entretanto, a todo o pessoal da Tabanca Grande:
Malta da tertúlia:
Preciso que me digam quem está a pensar ir à Guiné por ocasião do Simpósio Internacioanl sobre Guiledje (vd. o respectivo sítio na Net, donde consta toda a informaç~so sobre o programa, os oradores, etc. )... e quer participar, em todas ou nalgumas actividades...
O nosso amigo Pepito seguramente fará o melhor para nos/vos receber. Comuniquem directamente a ele e mim. Luís
Reposta ao email: ad@orange-bissau.com
7. Pedido do Pepito, formulado há dias:
Luís:
Poderás fornecer-me a lista do pessoal que já confirmou a vinda para o Simpósio ? Por duas razões:
(i) para as dar a conhecer através do site;
(ii) para emitir o cartão que lhes dará acesso ao Simpósio e à visita a Jemberem (Guiledje, Cantanhez, etc.)
Estamos a ver se conseguimos vistos para todos os participantes.
Para a identificação de cada um precisamos de:
- Nome
- Funções que ocupa actualmente se estiver reformado ou aposentado, a ocupação ou profissão que exercia antes]
- Companhia [ou outra unidade militar] a que pertenceu [e onde esteve, na Guiné]
- Data de chegada [a Bissau] e meio de transporte [por ex., voo da TAP, via terrestre]
abraços
pepito
___________
Notas dos editores:
(1) Vd. post de 6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1568: Álbum das Glórias (8): Os Dráculas, CART 2410, Guileje (José Barros Rocha)
Vd. também post de de 18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1443: Contributo para a história da construção do aquartelamento de Guileje (José Barros Rocha, CART 2410, Os Dráculas, 1969/70)
(2) O nosso especialista em artilharia, o coronel na reforma, Nuno Rubim, diz que o 11.4 é uma peça (de artilharia) e o 14 é que é o obus... Eu confesso que não consigo distingui-los... Sobre a artilharia em Bedanda e Guileje, vd. posts:
18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1443: Contributo para a história da construção do aquartelamento de Guileje (José Barros Rocha, CART 2410, Os Dráculas, 1969/70)
15 de Janeiro de 2007 >Guiné 6/74 - P1434: Artilharia em Guileje: a peça 11.4 e o obus 14 (Nuno Rubim)
6 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1407: Tertúlia: apresenta-se o Coronel de Cavalaria Carlos Ayala Botto, ajudante de campo do General Spínola
8 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1159: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (2): Bedanda, ontem (CCAÇ 6, 1970) e hoje
6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1155: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (1): Bedanda, CCAÇ 6, 1970: O Obus 14 contra o foguete Katiusha
(3) Vd. post de 8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2417: Tabanca Grande (51): Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem 1969/71)
(4) Vd. post de 27 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2305: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008) (5): O sítio oficial na Net e o diorama de Nuno Rubim
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
Guiné 63/74 - P2422: Quem terá sido o Camarada que ficou na campa do António Baptista? (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)
A notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide pode ler-se: "Em memória de António da Silva Batista. Falecido em combate na província da Guiné em 17-4-1972".
A foto, de má qualidade, foi feita pelo nosso camarada Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CArt 3492 (Xitole, 1971/1973), com o seu telemóvel, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, e remetida ao Paulo Santiago.
Foto: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.
Legenda de Luís Graça.
Será que o António da Silva Baptista foi confundido com o Soldado António Oliveira Azevedo?
Juntamos mais dois documentos ao processo do nosso Camarada António da Silva Baptista, o morto-vivo do Quirafo.
1. Relatório da CCaç 3490
Exemplar nº…
CCaç 3490
Saltinho
210800ABR72
Anexo B (Relação do pessoal morto e ferido em combate) ao relatório de emboscada nº 03/72.
1.Causas que deram origem às baixas sofridas pelas NT
região do Quirafo (Contabane 9. B7-60).
i)Relação numérica e nominal dos militares, milícias e elementos da População
colaborantes com as NT, mortos em combate:
- Furriel Mil. Nº 01142371 – Francisco Oliveira dos Santos
- 1º Cabo Radioteleg. Nº 08845271 – António Ferreira
- 1º Cabo A.P.Met. nº 14964771 – Sérgio da costa Pinto Rebelo
- Soldado nº 09334069 – António Marques Pereira
- Soldado nº 10665171 – Bernardino Ramos de Oliveira
- Soldado nº 10896771 – Zózimo de Azevedo
- Soldado nº 10998071 – António da Silva Baptista
- Soldado nº 11117671 – António de Moura Moreira
- Sargento Mil. Nº 044665 – Demba Jau
- Civil – Serifo Baldé
- Civil - Tijane Baldé
ii)Relação numérica e nominal dos militares desaparecidos em combate
iii) Relação numérica e nominal dos militares, feridos em combate
- 1º Cabo Atirador nº 11549071 – Augusto Carlos Leite
- Soldado Atirador nº 10819171 – José Manuel de Barros Fernandes
- Soldado Atirador nº 10977271 – Manuel Hernâni Martins Alves Gandra
- Soldado Atirador nº 11060971 – Manuel da Costa Almeida
- Civil – Saico Seidi
- Civil – Cabirú Baldé
Assina pelo Comandante da Companhia (Dário Manuel de Jesus Lourenço, Cap. Mil. Inf.) o Alf. Mil. Alexandrino Luís F. (restante ilegível).
2. Nota do QG da R. Miltar do Porto, solicitando que fossem pagos ao António Baptista os vencimentos em atraso e que fosse definida com urgência a sua situação militar.
REGIÃO MILITAR DO PORTO
Quartel General
1ª Rep./1ª Secção
Distribuição:
- Chefe da Repartição do Gabinete / CEM
- Chefe da RSP /DSP/ ME
- Chefe da 1ª Rep./ EME
- Presidente da Comissão Liquidatária do CTIG (B.C.5)
- Comandante do RI 2
- Comandante do DGA
Assunto: Situação de um soldado regressado da Guiné
1. O soldado Atirador de Inf. nº 10998071 – António da Silva Baptista, foi mobilizado pelo RI 2/BCaç 3872/CCaç 3490 tendo seguido para a Guiné em 18 de Dezembro de 1971.
2. Em 17Abr72, quando em operações, sofreu uma emboscada de que resultou ter ficado prisioneiro pelo que foi levado para Konacri-República da Guiné.
3. Em 14Set74 foi entregue pelo PAIGC às autoridades militares portuguesas, em Bissau, tendo recebido guia de marcha para se apresentar no DGA.
4. Deu entrada no HMP para efeito de ser observado na clínica médica e, a seu pedido, por ficar mais próximo da terra da sua naturalidade, passou aser examinado no HMR em regime ambulatório, situação em que ainda se encontra.
5. Quando chegou à Metrópole teve conhecimento que estava dado como falecido e que havia sido sepultado no cemitério da freguesia de Moreira, concelho da Maia, uma ossada, em caixão fechado, como sendo a sua.
6. O referido soldado desde que foi feito prisioneiro (17-4-72) até à presente data ainda não recebeu os vencimentos a que se julga com direito.
7. Em face do que fica exposto, encarrega-me o Exmº Brigadeiro Comandante da Região, de solicitar às entidades a quem se envia a presente nota para que sejam tomadas as necessárias e urgentes providências que o caso requer, dado que se arrasta há já meses, designadamente quanto ao abono dos vencimentos a que o soldado tiver direito, e definição da sua situação militar.
À 1ª Rep./EME solicita-se a prestação da informação em relação às prvidências pedidas pela N/Nota nº 8547/A- Pº 1/1-MF de 19Set74.
O Chefe do Estado-Maior
Eurico de Deus Corvacho
Notas de vb: Vd. posts sobre o António Baptista