segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3464: Histórias de Vitor Junqueira (10): Santa Paz


1. Mensagem do nosso camarada Vitor Junqueira, ex-Alf Mil Inf, CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá ,1970/72), com data de 13 de Novembro de 2008:

Caros editores,
Fui ao "armazém" e recuperei este naco de prosa que vos envio para análise.
Se acharem que merece honras de Blog... façam favor.

Saudações cordiais,
VJ

Santa Paz!
Por Vitor Junqueira

Apresento-vos o meu amigo Simeão

Existem dentro como fora de fronteiras tantos topónimos de vilas, cidades e aldeias começados por Santa, como por exemplo Santa Maria, Santa Comba, Santa Bárbara; Santa Margarida etc. que, Cutia, bem podia ter-se chamado Santa Paz.

Conheci o Simeão a bordo do NM/TT Carvalho Araújo quando ambos rumávamos à Guiné. Ele, em rendição individual. Eu, com a família toda atrás. Corria o ano de 1970, por alturas de Agosto, o mês das férias e dos cruzeiros. Já naquele tempo, usava uma soberba e reluzente careca que cobria com uma mitra à Che. Com estrelinha na fronte e tudo. De trato afável, não tardou que chegássemos à fala. A princípio, tentámos avaliar-nos mutuamente. Para espantar o tédio e não querendo nenhum de nós perder o pé em temas politicamente quentes, o assunto das nossas conversas girava à volta da kingalhada post prandeal, das banalidades sobre o tempo ou a monotonia da viagem. Depressa me apercebi que do seu ar prazenteiro irradiava uma serenidade e bonomia enganadoras. Por trás do sorriso manso, estava um tipo nervoso, inquieto e, acima de tudo, revoltado. Certo é que, durante os cerca de dez dias que durou a viagem, tivemos tempo para nos tornarmos amigos. Com pontos de vista diametralmente opostos, é verdade, mas com a firmeza e frontalidade que consolida as amizades. Como a nossa, que dura desde esse tempo.

O Simeão estudava medicina em Coimbra quando se deu aquela bronca com o Presidente Américo Tomás. Foi apanhado na lingada da incorporação seguinte e condenado a malhar com os ossos na Guiné.

Como para a maioria dos jovens universitários daquele tempo, a tropa veio deitar por terra planos de vida longamente gizados, tanto pelos próprios como pelas famílias. Filhos de uma pequena burguesia em ascensão e, note-se que Portugal registava um surto de crescimento económico sem precedentes, os futuros milicianos iriam arrostar não apenas com uma longa interrupção dos estudos, porventura o fim das suas carreiras académicas, como expor-se a condições de vida (militar) que nenhuma sociedade acomodada estaria disposta a aceitar. Para já não falar da probabilidade nada desprezível de perder a vida em combate num qualquer sertão africano, em defesa e em nome de causas que se tinham tornado muito difíceis de explicar. E ainda mais difíceis de entender, por estarem nos antípodas das preocupações da maioria dos portugueses de então. Entendamo-nos de uma vez por todas; se este pessoal tinha excelentes perspectivas de futuro, o presente era no mínimo radioso: Namorada (s), tertúlias, noitadas de copos e engate, (em Coimbra, serenatas), boa música, teatro e cinema de qualidade só acessíveis a privilegiados, pândega a dar com um pau. Já não eram raros os que iam para as aulas de automóvel e frequentavam os locais de pouso de uma certa socialite lisboeta.

O Simeão tratava por tu, Marx, Engels e Lenine, que eu suspeitava serem personagens do cinema mudo americano, pois já tinha ouvido falar de um tal Groucho Marx. Para matar o tempo, enquanto eu lia o manual de acção psicológica na guerra subversiva, o gajo atirava-se aos cahiers de socilogie. E se eu me entretinha com as equações das cónicas por causa do tiro parabólico, ele tentava explicar-me detalhadamente o significado contido nas entrelinhas de um manifesto em que se exaltava a justa luta dos povos pela sua autodeterminação. Eu imaginava-me a ganhar a guerra (ah Napoleão!), ele discorria sobre a forma de sair dela vivo. E assim por diante.

O reencontro

Despejados no cais de Pidjiguiti em Agosto de 1970, cada um foi à sua vidinha. Não voltámos a encontrar-nos nem tivemos notícias um do outro até, salvo erro, Novembro desse mesmo ano. Indo eu a caminho não de Viseu, mas de Mansabá, encontro-o a comandar um pelotão de morteiros estacionado em Cutia. Embora a guerra do Simeão se situasse num ponto de passagem obrigatória para todas as colunas que do norte da Província (calma, pessoal!) demandavam Bissau, raras vezes nos encontrámos, até porque, naquele troço, era sempre a abrir. As coisas modificaram-se por volta do princípio do ano de 1971. Nessa altura, reaberta que estava a via Mansabá-Farim, passei a ter o privilégio das visitas do camarada Simeão, dia sim, dia não. Simplesmente porque precisava de água potável e a do K3 era a melhor! Para isso, atrelava um depósito ao burrito do mato, sentava-se ao lado do chauffer seguindo o ajudante atrás, no banco da carroceria, com a G3 bem escondida para não ferir susceptibilidades. Assim, tranquilamente, e nem sequer precisavam de ir na mecha. Para fazer o mesmo trajecto, eu próprio nunca levava menos de dois pelotões reforçados, cerca de oitenta homens, todos com os olhos bem abertos. E mesmo assim apanhava nas lonas. Comecei a desconfiar! Dados os seus antecedentes, seria o Simeão um agente infiltrado? Seria a minha água realmente boa ou seriam as suas intenções pouco líquidas? E se o camarada viesse ao K3 com o intuito de espiolhar o que se passava dentro do arame farpado? Sem melindrar a cordialidade que sempre presidiu ao nosso relacionamento, passei a ser mais cuidadoso quanto à abordagem de pormenores de natureza operacional. Até que um dia…

Fez-se luz

Entre Mansabá e Bafatá, existira em tempos uma boa estrada que, na minha altura, se encontrava totalmente desactivada havia anos, devido às frequentes flagelações da guerrilha. Passava por localidades tão quentes como Manhau, Mantida e outras, onde pude observar as ruínas de antigas instalações ocupadas por guarnições portuguesas. Por outro lado, este itinerário fortemente minado, tornava-se impraticável mesmo para uma força de respeito. A sul, quase paralelamente, corria o trajecto principal Mansoa-Bambadinca-Bafatá. Entre ambos, uma extensa faixa onde o PAIGC tinha uma parte dos seus incontestados domínios. Como sempre fui sortudo (!), calhou-me na rifa uma tarefa muito simples; dar uma saltada a Mantida (vejam no mapa) e correr com uns okupas que lá se encontravam indevidamente. Criteriosamente seleccionados os meus acompanhantes, pois apenas havia lugar para cinquenta, lá embarcámos em dez hélis que nos conduziram ao nosso destino. Viagem rápida e agradável, pior foi o regresso que teve de ser feito à lá patita, a desbravar mato pelas razões expostas. À nossa frente, abrindo caminho, uma parelha de Tigres e outra de T6. Saltar dos helicópteros, já foi difícil dada a oposição dos anfitriões. Fizemo-lo onde foi possível, numa pequena clareira a escassas dezenas de metros do aglomerado de tabancas. Mas entrar lá, ainda por cima sem qualquer espécie de apoio, foi muuuiito complicado. Tomado o objectivo, passou-se a uma inspecção rápida do tabancal antes de o reduzir a cinzas. Para espanto geral, o que é que encontrámos para além dos costumeiros utensílios do quotidiano? Embalagens de tabaco Porto e Português Suave, todo o tipo de mezinhas LM, garrafas (vazias) de cerveja e até pequenos bidões com combustível. Proveniência: Cantina militar, posto médico e depósitos de combustível das viaturas de Cutia! Estava encontrada a explicação para o à-vontade com que o Simeão se movimentava naquelas redondezas. Confrontado com estas evidências, admitiu sem nenhuma dificuldade que tinha perfeito conhecimento do que se passava. Sabia que os elementos do IN, muito activos na região, tinham as mulheres na tabanca de Cutia, onde eles próprios gozavam os seus períodos de férias. E não ignorava que parte dos consumos da cantina iam parar ao mato. Nos dois períodos de licença que gozou na metrópole, abasteceu-se de tudo quanto era ronco para distribuir pela população. Numa ocasião em que nos cruzámos no Biafra, apanhei-o com duas valentes malas carregando quilos e quilos de panos, chinelos, pechisbeque e bugigangas de toda a espécie com que garantiu o seu sossego. Tudo isto com a conivência dos seus próprios soldados africanos e, suponho eu, dos furriéis europeus. Com este procedimento, obteve uma garantia de segurança, tácita, que nem antes nem depois foi outorgada a mais ninguém. E teve razão, fez bem! Dado o isolamento em que se encontravam, qualquer atitude mais belicosa poderia ter provocado um desastre. Para a malta do Morés, apertar-lhes o papo seria como limpar o cu a meninos. Soube-se que algum tempo após a desmobilização, dois alferes que lhe sucederam, teriam sido mortos pelas próprias forças. Sem confirmação. Obteve outras vantagens. Dadas as longas ausências dos militares do PAIGC, sentia-se no direito (e se calhar no dever…) de lhes consolar as mulheres. Confessou-me que tinha uma certa predilecção por grávidas. Seguindo um determinado ritual, sentava-as ou deitava-as por cima, mas antes, aplicava-lhes duas carinhosas palmadinhas na barriga e dizia:

- Minino disculpa e tá quietinho, a mim n’bai fá fudi-fudi co mama di bó.

Mas nem tudo foram rosas na comissão deste nosso camarada. Preguei-lhe duas grandes partidas, uma das quais, involuntária, haveria de levá-lo à baixa.
Hei-de contar-vos.

Até lá, abraços do
VJ

PS: O Simeão Duarte Ferreira, é meu colega, amigo e vizinho. Exerce a sua actividade clínica no Centro de Saúde da Bidoeira-Leiria e reside na localidade de Guia-Pombal

Recorte da Carta da Guiné, onde se podem ver as estradas Mansabá-Bafatá e Mansoa-Bambadinca-Bafatá

Fotografia do Destacamento de Cutia, situado na Estrada Mansoa-Mansabá
Foto: © César Dias (2008). Direitos reservados.


Fotografia aérea de Mansabá, ponto de passagem obrigatório para quem se deslocava de Mansoa para Farim.
Foto: © Carlos Vinhal (2008). Direitos reservados.


Fotografia do aquartelamento do K3. Por aqui permaneceu a CCAÇ 2753 do Alf Mil Vitor Junqueira durante boa parte da sua comissão.
Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.


2. Comentário de CV:

Caro Vitor, como te prometemos e para podermos dar a oportunidade aos nossos leitores de (re)lerem as tuas histórias, criamos uma série chamada Histórias de Vitor Junqueira, similar aliás a algumas já criadas para outros camaradas, destinada a agrupar os teus trabalhos não integrados noutras séries, como por exemplo O nosso baptismo de fogo.

Nesta tua 10.ª história fica em roda-pé a lista das anteriores, já publicadas.
_____________

Nota de CV:

(1) Vd. postes da série de:

18 de Setembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1083: Histórias de Vitor Junqueira (1): Os Barões da açoriana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72)
e
Guiné 63/74 - P1084: Histórias de Vitor Junqueira (2): O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753

23 de Setembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1110: Histórias de Vitor Junqueira (3): Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoriana CCAÇ 2753 pela região de Farim

27 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74: P1215: Histórias de Vitor Junqueira (4): Irmãos de sangue, suor e lágrimas

31 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1224: Histórias de Vitor Junqueira (5): Não ao politicamente correcto

5 de Janeiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1403: Histórias de Vitor Junqueira (6): A açoriana CCAÇ 2753: uma família, uma unidade feita à medida

31 de Janeiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação

6 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1567: Histórias de Vitor Junqueira (8): Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753

11 de Novembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3438: Histórias de Vitor Junqueira: (9): O Líbio e o alferes gazeteiro

Guiné 63/74 - P3463: Os nossos regressos (17): Estavam lá todos, a família, os amigos, mas não o meu pai... (Paulo Raposo)


Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > Sessão de autógrafos >Na mesa, junto ao Beja Santos, o Almansor de Montemor-O-Novo, o Paulo Raposo, um dos quatros famosos baixinhos de Dulombi (mais o Victor David, o Rui Felício e o Jorge Rijo), ex-Alf Mil da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70), membro ilustre da nossa Tabanca Grande, organizador do 1º, memorável, encontro nacional do nosso blogue (na Herdade da Ameira, em 2006).

Sobre a festa do Beja Santos, sobre o lançamento do seu livro, sobre o nosso blogue e sobre os baixinhos de Dulombi, escreveu ele o seguinte comentário, com data de 13 do corrente:

"Meu muito querido amigo e ex-camarada de armas Beja Santos.

"O teu livro. É uma obra vasta, onde demonstra as tuas qualidades de trabalho, a tua generosidade e entrega ao próximo, a tua superior inteligência, a tua memória de elefante, a qualidade da tua escrita e a maneira como romancias o texto para lhe dar uma frescura e beleza.

"Bem Hajas, rapaz. É um testemunho para a História. Deve figurar na Biblioteca do Museu Militar. Gostei muito de te ter dado um abraço, estás sempre no meu coração.

"Quanto ao Luis, 'El Bloguista', muito lhe devemos a sua carolice, perseverança e qualidades para manter O NOSSO BLOGUE sempre vivo. Parabéns Luis. e Obrigado.

"Quanto ao Felício, David e Rijo são como que irmãos para mim. A máquina fotográfica Olimpus, comprada pelo Felício no Uíge, deve ir para um Museu, o da saudade dos anos que tínhamos então.

"É um privilégio para mim ter-vos a todos como amigos.

"Paulo Lage Raposo".

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



Lisboa > Cais da Rocha Conde de Óbidos > Uíge > Embarque para a Guiné > Julho de 1968 > Oficiais milicianos dos BCAÇ 2851 e 2852 na hora da despedida...

Foto: © Paulo Raposo. Direitos reservados.

1. Os nossos regressos (17) (**) > O testemunho de Paulo Lage Raposo


Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 51-53


A VIAGEM PARA LISBOA

Embarcámos no Carvalho Araújo. Navio pequeno e velho. Qualquer coisa servia para sair de lá. A emoção da alegria da largada não tem descrição. À medida que o navio começa a afastar-se daquela terra, a humidade começa a diminuir. O mar estava chão.

Como estávamos nós de saúde? Mal. A nossa cor era verde e o nosso cheiro tinha-se alterado. Na Guiné tinha tido dois ataques de paludismo, embora tivesse tomado o quinino todas as 5ªs feiras. Os ataques de paludismo deitavam-nos muito abaixo. Primeiro eram uns frios grandes e depois uns calores insuportáveis.

A minha úlcera duodenal estava numa lástima. A bordo seguia um médico que nos fez várias análises. Ao sangue, urina e fezes. A bicharada que estava nos intestinos era obra. Tomámos uns purgantes.

Como o navio não estava com muito combustível, o Comandante resolveu acostar na Madeira para reabastecimento. Aquela ilha é realmente bonita. O Capitão André (mais tarde, Presidente da Câmara de Proença-a-Nova, durante 20 anos, até 2005) e eu demos uma volta pelo Funchal num carro militar, gentilmente cedido pelo Regimento local. Flores há-as por todos os lados, é um paraíso. Numa dessas floristas comprámos flores para serem entregues em Lisboa.

O Capitão André manda à sua mulher, com um cartão. Ela estava no fim do tempo para ter uma criança. Eu mando à minha mãe, também com um cartão. Quando cheguei a Lisboa, a minha mãe perguntou-me que cartão era aquele. Tinham-nos trocado.

Do Funchal a Lisboa foi num instante. Começámos a ver terra muito cedo, já estávamos todos acordados, e para fazer tempo para o navio acostar à hora certa ainda fomos fazer um círculo perto do Guincho. Novamente a alegria e a emoção do fim daquele tormento.

A CHEGADA

Estavam lá todos, a família e os amigos, mas o meu pai não estava. Desembarcámos. Mais um desfile e vá de ir para casa. Tudo era diferente. Não só eu me tinha transformado, como cá também tudo tinha evoluído.

Se me custara passar de civil a militar, o inverso depois de 37 meses de tropa foi também muito complicado.

A ansiedade que adquiri no fim da comissão nunca mais me largou. Diminui ou aumenta conforme o cansaço. Está sempre dentro de mim.

Quanto a terrores nocturnos, tive-os durante muitos anos. Por causa de ter adormecido profundamente no mato e não ter ouvido os tiros do inimigo, tive pesadelos pela eventualidade de a companhia avançar e me deixar para trás, só e isolado no mato. Outra situação que me apavorava era a possibilidade de ser novamente chamado para nova comissão como capitão.

Odeio as guerras.

2. Comentário de L.G.:

O Paulo Enes Lage Raposo, que hoje vive em Montemor-o-Novo, onde criou, desenvolveu e dirigiu um belíssimo empreendimento hoteleiro (o Hotel da Ameira), foi Alferes Miliciano de Infantaria, com a especialidade de Minas e Armadilhas, na CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 (Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70).(Escrevo "dirigiu", no passado, por que acho que já passou a gestão para um dos filhos...).

Durante a sua comissão, o Paulo esteve em Mansoa e sobretudo na zona leste (Galomaro e Dulombi), a sul de Bafatá. Uma nota trágica da sua comissão é a perda de 17 dos seus camaradas na travessia do Rio Corubal, em Cheche, na sequência da retirada de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios).

Desde Abril até Setembro de 2006, o nosso blogue publicou o testemunho escrito que o Paulo elaborara em 1997 e que só era conhecido de alguns amigos e camaradas da sua companhia e do seu batalhão. É um documento policopiado, de 65 páginas, com o seu "testemunho e visão da Guerra de África", mais concretamente sobre a história da sua vida militar, desde a sua incorporação, como soldado cadete, em Abril de 1967, na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, até à sua mobilização para a Guiné, como Alferes Miliciano da CCAÇ 2405, onde teve como camaradas os membros da nossa tertúlia Rui Felício, Victor David e Jorge Rijo (este último reformou-se dos seguros, e não temos sabido nada dele uma vez que o endereço de email não é mesmo).

Esta unidade partiu para a Guiné em Julho de 1968. O Paulo regressou e passou à vida civil "ao fim de 37 meses de tropa". Nesse espaço de tempo teve a imensa alegria da visita do seu pai a Bissau (onde esteve alojado no Grande Hotel) e a imensa tristeza de já não o poder abraçar, no seu regresso a casa...

A curta frase com que o Paulo termina a sua história de vida na Guiné, é emblemática e pode seguramente ser subscrita por todos nós:
- Odeio as guerras...

Todos nós, que fizemos a guerra da Guiné, e tivemos a sorte de regressar, sãos e salvos, ficámos a odiar todas as guerras... Ainda estamos a fazer o luto dessa guerra e dos que nela morreram...

Recentemente, na festa do Beja Santos, tive privilégio de dar, ao Paulo, um quebra-costelas, um alfa bravo, um abraço... É bom rever, de tempos os tempos, camaradas da Guiné, puros e duros, como o Paulo. Uma saudação especial para ele e para os restantes baixinhos de Dulombi que são hoje inseparáveis amigos.

__________

Notas de L.G.:

(*) Reproduzido originalmente em 10 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1060: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (19): regresso a Lisboa e à vida civil (fim)

Vd. também o poste de 26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P912: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (12): A morte de um pai

(...) "Era Setembro, e eu estava na altura em Galomaro, juntamente com uma companhia de paraquedistas. O Major Pardal dirige- se a mim, passa-me a mão pelas costas e diz-me:
"- O teu pai acabou de falecer; o Brigadeiro Nascimento mandou um heli buscar-te, reservou o lugar do Governador na TAP e tens na repartição de pessoal uma licença para seguires viagem" (...).

(**) Vd, postes anteriores desta série:

12 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3197: Os nossos regressos (16): Bendita hepatite...(Henrique Matos)

6 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3179: Os nossos regressos (15): Facas de mato, paludismo e ataque no meu regresso...(Paulo Santiago)

19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3140: Os nossos regressos (14): O meu regresso e o 25 de Abril (Juvenal Amado)

29 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3099: Os Nossos Regressos (13): Fundeámos ao largo, com as luzes de Cascais...(José Colaço, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65)

22 de Julho de 2008 > GUiné 63/74 - P3083: Os Nossos Regressos (12): Vagabundo e os outros fantasmas dos Lassas que lá ficaram na Região de Tombali (Mário Fitas)

18 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3071: Os nossos regressos (11): Guiné, 1970/73. Porra, é muito tempo. (Germano Santos)

16 Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3064: Os nossos regressos (10): Uma ida atribulada, um regresso tranquilo...(Valentim Oliveira)

10 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3047: Os nossos regressos (9): Uma viagem tranquila...(Belarmino Sardinha).

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos (Luís Dias)

5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

4 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3021: Os nossos regressos (6): Regressei a olhar para trás...(Santos Oliveira)

3 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3018: Os nossos regressos (5): Refazer a vida (Carlos Vinhal)

2 de Julho de 2008> Guiné 63/74 - P3015: Os nossos regressos (4): Dois anos perdidos naquela terra, quente, húmida e vermelha...(Torcato Mendonça)

1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3012: Os nossos regressos (3): Ficámos a ver Lisboa do navio (José Teixeira)

1 de Julho de 2008> Guiné 63/74 - P3007: Os nossos regressos (2): Finalmente, cheguei, estou vivo, não se assustem, sou eu, o Joaquim (J. Mexia Alves)

26 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2987: Os nossos regressos (1): Lisboa, dois anos depois (Virgínio Briote)

domingo, 16 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3462: O Tigre Vadio, o novo livro do nosso camarada Beja Santos (9): Palavras de agradecimento do autor (I)

Lisboa, Museu da Farmácia, 11 de Novembro de 2008. Cerimónia de lançamento do livro Diário da Guiné: 1969-1970: O Tigre Vadio, da autoria do nosso camarada Mário Beja Santos (Lisboa: Círculo de Leitores, e Temas & Debates, 2008, 440 pp.). O mestre guineense, mandinga do Gabu, a viver em Portugal desde 1998, Braima Galissá, tocador de kora, e cantor (dídjio), executa o nosso Hino Nacional. Uma surpresa do Braima, um momento muito bonito, que emocionou o Mário, com toda a assistência de pé (*).

Vídeo: © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo (1' 27') alojado em: You Tube >Nhabijoes.

1. Mensagem de 13 do corrente, do Beja Santos:


Assunto - O meu profundo agradecimento

Queridos amigos, queridos camaradas, queridos tertulianos,

Estou profundamente sensibilizado por tudo o que se disse e escreveu em torno do lançamento de O Tigre Vadio. Foi muito lindo o que se viu no Museu da Farmácia, com a constituição de núcleos museológicos que tem a ver com a guerra que vivemos:

(i) o fardamento de uma enfermeira pára-quedista,
(ii) os medicamentos que usávamos,
(iii) os estojos de primeiros socorros que existiam nas aeronaves que vinham buscar os nossos feridos,
(iv) um aerograma onde se fala de medicamentos.

Tocou-me a sugestão do Braima Galissá em interpretar o hino nacional com o seu prodigioso korá.

Tocou-me estar rodeado de amigos tão grandes, alguns que vieram de tão longe e que me dirigiram expressões tão calorosas.

O Luís Graça foi, é e será a locomotiva deste entreposto de afectos, recebi o apoio incomparável do Humberto Reis, ele foi o primeiro dos fotógrafos, ainda estou para saber como é que ele desencadeou pressão sobre as minhas memórias mais subterrâneas.

Em suma, e fugindo às lamechices, é um privilégio poder contar com a vossa estima e tão elevado apreço.

Como está dito, não só fico a intervir no blogue como já estou a escrever mergulhado na Guiné, estou agora precisamente em Teixeira Pinto em 1954 e a recolher impressões dolorosas da mulher do administrador Artur Meireles (ainda hoje o maior estudioso da cultura Manjaca) que viu o exercício do colonialismo nos seus aspectos mais brutais.

Darei ao blogue, entretanto, impressões sobre as minhas leituras em terras da Guiné.

Um outro projecto que tenho em mente é registar as minhas recordações de Mafra até à reintegração após o regresso da Guiné e a constante presença dos militares e civis com quem convivi. Estou a tentar clarificar a viagem desse branco que se africanizou para toda a vida...

Por muito que vos surpreenda, não registei tudo nos dois livros do que ficou nos meus apontamentos. Recentemente, entreguei alguns registos na Sociedade de Geografia de Lisboa e, imprevistamente, apareceu-me uma folha solta que tem a data de 30 de Julho de 1970 e onde escrevi:

“Logo que possa, tenho que conhecer mais sobre a obra de Sarmento Rodrigues, governador da Guiné entre 1945 e 1948, mais tarde ministro das Colónias, certamente que o comandante Teixeira da Mota me vai ajudar, foi seu ajudante de campo. Um homem que se despede dos guineenses dizendo “queria dizer adeus a todos, um por um, como a um e um tenho falado e conhecido”, que escreve “a Guiné nada me fica a dever. Eu é que agradeço o ter me dado a ocasião de a servir sem reservas,” é um homem que amou intensamente o que fez, é um homem incomum.”

É uma nota solta, a que não soube dar destino, agora já não pode caber no diário.

Acima de tudo, o que pretendo dizer-vos agora é que foi uma honra ter escrito o relato da minha comissão tendo como primeiros leitores toda a malta do blogue e assegurar-vos que aqui vou continuar.

Aceitem um grande abraço por tudo o que me disseram e como me consideram,

Mário Beja Santos
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3449: O Tigre Vadio, o novo livro do nosso camarada Beja Santos (8): Apresentação do Maj Gen Lemos Pires (I)

Guiné 63/74 - P3461: In Memoriam (14): Finalmente em Portugal o corpo do camarada José Maria Fernandes Carvalho (Albano Costa)

José Maria Fernandes Carvalho, Soldado da CCAÇ 1566, que morreu por motivo de doença, na Guiné, em Agosto de 1966. Esteve sepultado até agora na campa n.º 25 do Cemitério de Bolama. Chegou a Portugal com destino à derradeira morada, hoje dia 16 de Novembro de 2008




Três instantâneos captados pela câmara fotográfica do nosso camarada Albano Costa, hoje mesmo no Aeroporto Sá Carneiro aquando da chegada a Portugal, vindos da Guiné-Bissau, dos restos mortais do nosso camarada José Maria.

Caros Tertulianos

Chegaram finalmente a Portugal, depois de dois adiamentos por motivos puramente burocráticos, os restos mortais do nosso camarada José Maria Fernandes Carvalho.

O funeral do nosso malogrado camarada será na próxima terça-feira, dia 18 de Novembro, na Capela de S. Sebastião, Travanca - Amarante, pelas 15 horas.

Albano Costa
__________

Nota de CV

Vd. postes de:

31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3387: In Memoriam (8): Trasladação de José Maria Fernandes Carvalho, Soldado da CCAÇ 1566 (Guiné 1966/68) (Albano Costa)

1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3389: In Memoriam (9): Trasladação de José M. Fernandes Carvalho: as diligências de José Martins

7 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3421: In Memoriam (12): Cerimónias fúnebres do nosso camarada José Maria Fernandes Carvalho

8 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3423: Notícias da trasladação de José Maria Fernandes Carvalho

Guiné 63/74 - P3460: In Memoriam (13): Mário Ferreira, autor da letra do Adeus, Guiné, morreu ontem, em Guifões, Matosinhos (Albano Costa)

Capa e contracapa do LP [long playing] Adeus, Guiné, um criação do Conjunto Típico Armindo Campos. Porto: Edição de Discos Rapsódia. [1970]. O autor da letra era o Mário Ferreira, falecido ontem, em Guifões, Matosinhos. Os restantes membros do grupo musical também eram de Matosinhos.

Fotos: © Albano Costa (2008). Direitos reservados.



1. Mensagem do nosso camarada e amigo Albano Costa, de Guifões, Matosinhos: Assunto - Anúncio da morte do autor da letra do Adeus, Guiné

Caros editores e tertulianos:

Ontem, 15 de Novembro de 2008, faleceu o autor que compôs a letra do LP Adeus Guiné, de nome Mário Ferreira, com a idade de 85 anos. O Conjunto Típico Armindo Campos, autor da música Adeus Guiné, era um grupo composto por seis elementos, todos residentes no concelho de Matosinhos.

Armindo Campos dava o nome ao conjunto típico. Faziam também parte o Mário Ferreira (autor da letra), Jorge Ferreira, Floriano Guimarães (era o único que prestou serviço na Guiné-Bissau), Alberto Guimarães e o António (vocalista do grupo também já falecido, na capa do LP é o que está vestido de militar e a subir para o navio-paquete que na altura se encontrava no porto de Leixões, e que o grupo aproveitou para fazer o boneco).

Na época este conjunto teve bastante sucesso principalmente no norte do país, com esta música. E para que conste, recebeu de cachet 800$00 (4 €) pela sua gravação. Como os tempos mudaram!...

O funeral vai realizar-se na próxima segunda-feira, pelas 10h30, sai da capela mortuária da freguesia de Guifões, e segue para o cemitério local.

Albano Costa

PS - O único que esteve na Guiné foi o Floriano Guimarães (Aldeia Formosa, 1971/73). O LP foi gravado em 1970, antes, portanto, de ele ter ido para a guerra.

Guiné 63/74 - P3459: Histórias da velhice (1): Eu e o 1º Pelotão da CCAÇ 84 em Farim, em Julho de 1961, em socorro de... Guidaje (Alberto Nascimento)



Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Parece que em 1961 já havia tiros, um ano e meio antes de Tite, onde oficialmente começou a guerra, segundo a historiografia do PAIGC... Em 1973, em Maio, Guidaje vai tornar-se num inferno (parafraseando o título do jornal Público, em reportagem de 5 de Novembro de 1995).

Na foto de cima, um monumento funerário, evocando o Alf Mil Op Esp, António Sérgio Preto, da CCAÇ 19, morto em combate, no dia 29 de Junho de 1972...

Fotos: © Albano Costa (2008). Direitos reservados



1. Mensagem do Alberto Nascimento, membro da nossa Tabanca Grande, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84 (1961/63) (*), com data de 24 de Setembro, e reenviado a 10 de Novembro:

Amigo Luís:

Aí vai mais uma história, esta de Farim, de uma época de relativo sossego, que tu e os camaradas dos anos seguintes não tiveram a sorte de passar.

É uma das vantagens de ser velho...Um bocadinho mais velho.

Um Abraço
Alberto


2. Histórias da velhice (1) > O 1º Pelotão da Ccaç 84 em Farim


Bissau, Julho de 1961, meio da tarde.

O pelotão é formado com urgência e recebe as novas espingardas G3, para substituição da velha Mauser, corre para a carreira de tiro, recebe instruções sobre o funcionamento da arma: para desmontar tiram-se estas cavilhas, o carregador mete-se assim...com esta patilha nesta posição dá tiro a tiro, naquela tiro de rajada...vamos disparar uns tiros... estamos aptos.

Agora era só meter no saco o estritamente necessário para uso pessoal e desandar para Farim porque tinha havido um ataque em Bigene.

Saímos de Bissau cerca das 18 horas e fizemos rapidamente o percurso até Mansoa pelo único troço de estrada alcatroada que conheci (julgo que o único existente na Guiné da altura).

Com a época das chuvas já em pleno, as viaturas sem cobertura alguma, só com o camuflado em cima da pele, as estradas de terra completamente alagadas a ponto de os tabuleiros das pontes ficarem abaixo do nível da água e a nossa ainda incipiente experiência no terreno, a coisa não começava nada bem, mas após alguns atascamentos e velocidades vertiginosas de cinco milhas à hora em grande parte do percurso, conseguimos chegar ao destacamento de cavalaria instalado nos arredores de Farim, cerca das vinte e três horas.

Foi-nos servido um jantar engolido à pressa, e toca a correr para Bigene, onde passámos a noite à espera “que o assassino voltasse ao local do crime”, mas como não voltou, de manhã cedo voltámos a Farim.

Passámos o primeiro dia uns a dormir no chão do alpendre da caserna dos camaradas de cavalaria, eu fazendo serviço da minha especialidade, e à noite, depois de mascarrarmos a pele visível com fuligem das panelas, fomos emboscar um grupo de inimigos que, segundo informações (não fidedignas, pelos vistos), ia infiltrar-se em Farim.

Deitados no capim a uns metros do caminho por onde era suposto passarem, suportámos chuvadas fortes e constantes com a água a correr por baixo dos corpos e quando a chuva acalmava vinham nuvens de mosquitos, que nos faziam rogar aos santinhos para que voltasse a chuva e muito vento.

Movimentos físicos, só respirar, para não denunciarmos a nossa presença.

Não apareceu ninguém, nem nessa noite nem em mais uma ou duas operações semelhantes, porque certamente eles tinham melhor serviço informativo que o nosso.

Continuávamos a dormir no chão do alpendre, mas a partir de certa altura os camaradas de cavalaria, bons alentejanos, já revoltados com a nossa situação, permitiram que esticássemos o corpo nas suas camas durante o dia. Para os que podiam dormir durante o dia...

Estivemos nesta situação durante uns dias até que fomos ocupar um armazém desactivado em Farim e nos concederam o privilégio de voltar a ter as nossas camas.

Estávamos a começar a entrar na rotina militar, quando se deu um ataque a Guidaje e lá fomos nós ver os prejuízos. Fomos acompanhados por um comerciante português vestido com farda militar que conhecia bem a zona (?).

Identificado com alguma dificuldade, o caminho para Guidaje, um caminho por onde só deviam passar viaturas no período de transporte da mancarra, a avaliar pelo mato que crescia nele, deparou-se-nos uma rudimentar ponte de madeira sobre um curso de água que, embora não muito largo, devido às chuvas corria com caudal bastante forte.

Foi com muita dificuldade que conseguimos atravessar passar para o outro lado, porque imediatamente antes do tabuleiro havia um lamaçal que fazia com que a frente do jipão se atolasse ficando o para-choques ainda mais baixo que o tabuleiro. Depois de muito trabalho muita lenha colocada na zona de lama e muitos impactos das viaturas contra a ponte, conseguimos passar e fazer o resto do percurso até Guidaje.

É obvio que nos limitámos a verificar as marcas deixadas pelos tiros que dispararam, a olhar para o armazém de mancarra parcialmente queimado e a conversar com alguns habitantes, após o que o comando da coluna decidiu, ao fim da tarde, regressar a Farim.

Na volta aguardava-nos uma surpresa, daquelas que, passados os instantes de espanto acabam em gargalhada. Da ponte que tanto nos custara a atravessar, restavam apenas umas estacas espetadas na margem do rio...O resto tinha-se desconjuntado com os impactos das viaturas e foi arrastado pela corrente.

Havia palmeiras muito próximo do rio e isso ajudou-nos a improvisar uma nova travessia à força de machadadas dadas com gana principalmente pelo cabo 957(?) também conhecido por Cabo Gordo pelos camaradas africanos, que a cada cinco machadadas derrubava uma palmeira. Depois desta demonstração das nossas capacidades na construção de pontes, ou mais precisamente na arte do desenrasca, e porque a fome já apertava, lá conseguimos chegar a Farim, tarde mas ainda a hora decente para o jantar, que continuava, tal como as outras refeições, a serem fornecidas pelo destacamento de cavalaria.

Entre reconhecimentos da zona, postos de guarda colocados em vários pontos da povoação e umas idas ao bar da piscina, explorado por um cabo-verdiano conhecido por Cuca, o tempo foi passando até que, com muitos protestos da população de Farim, que queria ter segurança e até se revezava para fazer chegar, durante a noite, aos postos de guarda as sandes e o café quente, recebemos ordem para regressar a Bissau...

É a tropa...Quem podia, mandava. A verdade é que até ao fim do ano a nossa vida, pelo menos a minha, foi uma pasmaceira e só à noite se animava, com a visita aos lugares onde se petiscava, bebia, confraternizava e, às vezes, também se arranjavam problemas com os camaradas da P.M. e não só...

O destacamento seguinte, já em 1962, foi Nova Lamego, tendo o meu pelotão sido dividido pelo triângulo Piche, Canquelifá e Buruntuma. À minha secção calhou Buruntuma.

Alberto Nascimento

3. Comentário de L.G.:

Em primeiro lugar, os meus parabéns. Tens uma memória invejável. De elefante! Feitas as contas, já se passaram... 47 anos!... (Só 47 anos, dirão alguns, afinal menos de meio século!)... E tu relatas a cena da ida, do teu pelotão, a Farim, Bigene e Guidaje, do teu pelotão, com a frescura dos teus 20 anos. Um espanto!

Em segundo lugar, as nossas desculpas (ou uma explicação). O teu mail, de 24 de Setembro, por qualquer razão não veio parar à nossa caixa de correio. Ainda bem que deste conta do lapso, se não tinha-se perdido uma história (com H...) mui preciosa, como diriam os nossos vizinhos da Jangada de Pedra...

Em terceiro lugar, os acontecimentos que tu nos relatas, obrigam-nos a rever a história da guerra da Guiné. Afinal, a guerra não começou em Tite, em 23 de Janeiro de 1963. Essa é a lenda que nos contam os camaradas do PAIGC, e que os historiógrafos (guineenses, portugueses e outros) tendem a reproduzir... tal como nós, aqui no blogue.

Pelo que tu nos contas, já usavas G3 em meados de 1961, em substituição da velhinha Mauser. E devias também usar capacete de aço! Imagino o suplício, com aquela torreira toda... Esta é, de facto, uma história da velhice mais velha! Portanto, em meados de 1961, os camaradas - possivelmente gente da FLING, e não do PAIGC - já andavama aos tiros aos nosssos comerciantes e aos seus armazéns de mancarra, lá na região do Cacheu , na fronteira com o Senegal, em Bigene e em Guidaje.

Este facto é historicamente importante. Estamos gratos pelo teu depoimento. Não hesistes em escrever, sempre que te der na real gana. O blogue é teu.

_________

Nota de L.G.:

(*) vd. postes de:

7 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3181: História de vida (16): A falsa Mariama, mandinga de Bambadinca, a sua filha, e o seu amigo... (Alberto Nascimento)

14 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3059: Memórias dos lugares ( 9): Bambadinca , 1963 (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)

10 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3044: Estórias avulsas (16): Os cães de Bambadinca (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)

11 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2930: Bambadinca, 1963: Terror em Samba Silate e Poindom (Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84, 1961/63

(...) " a CCAÇ 84, três meses depois de aterrar no aeroporto de Bissalanca, foi literalmente fragmentada e enviada para os mais diversos pontos do território, tendo o meu pelotão tido como último destacamento, entre Novembro de 1962 e 7 ou 8 de Abril de 1963, Bambadinca, sob o Comando de Bafatá.

"O primeiro destacamento, ainda em Julho de 1961, foi para Farim, após os primeiros e ainda pouco violentos ataques a Bigene e Guidaje. Seguiu-se o destacamento de Nova Lamego, conforme é dito no seu blogue (P 1292 - Contributos) onde o pelotão foi dividido por Buruntuma, Piche e Canquelifá.

"Só estou a mencionar o 1º pelotão da Companhia, porque à grande maioria dos camaradas dos outros pelotões só voltei a ver nos dias que antecederam o embarque para a Metrópole.

"Como a memória se perde no tempo por indocumentação, ou porque a essa memória se teve medo de atribuir qualquer importância (existiam e ainda existem muitos complexos sobre a guerra colonial), resolvi dar o meu contributo para esclarecer uma dúvida colocada no seu blogue, sobre quem teria participado nos massacres de Samba Silate e Poindom, no início de 63.

"Sem conseguir precisar o mês, um dia soubemos que a PIDE estava em Bambadinca para deter o padre António Grillo, italiano da Ordem Franciscana, acusado - não sabíamos se por denúncia, se por investigação - de colaborar, proteger, e fornecer alimentos a elementos do PAIGC, a partir de Samba Silate" (...).



(**) Sobre o ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963, e sobre a FLING, vd. postes de:

11 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3294: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte I) (Carlos Silva / Gabriel Moura )

12 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3298: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte II) (Carlos Silva / Gabriel Moura)

13 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3308: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte III) (Carlos Silva / Gabriel Moura)

13 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3057: A Guerra estava militarmente perdida (26)? A situação político-militar na Guiné (A. Marques Lopes)

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2826: FLING, mito ou realidade ? (2): Africanos contra africanos... (A. Marques Lopes)

7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2818: FLING, mito ou realidade ? (1) (Magalhães Ribeiro, Fur Mil Op Esp, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa)

18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC - Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)

sábado, 15 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3458: Album fotográfico de Santos Oliveira (4): Tite

1. Continuação do álbum fotográfico de Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf do Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66, ainda com fotos de Tite.


Tite > Setembro de 1965 > Santos Oliveira com o cão, mascote do Carita da CCAÇ 797

Tite > Agosto/Setembro de 1965 > Alouette II

Tite > Agosto/Setembro de 1965 > Santos Oliveira sobre a asa de um Dakota

Tite > Secretaria

Tite > Agosto/Setembro de 1965

Tite > Messe de Sargentos

Tite > Agosto/Setembro de 1965

Tite > Quartel

Tite > Agosto/Setembro de 1965

Tite > Rua em frente ao Quartel

Fotos (e legendas): © Santos Oliveira (2008). Direitos reservados.

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Nota de CV

Vd. postes da série de

15 de Outubro de 2008 Guiné 63/74 - P3318: Album fotográfico de Santos Oliveira (1): Tite

6 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3416: Album fotográfico de Santos Oliveira (2): Tite, Tempestade tropical

10 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3434: Album fotográfico de Santos Oliveira (3): Tite, dia de ronco

Guiné 63/74 - P3457: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (4): Baptismo de fogo e gemidos na noite





Manuel Traquina, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, enviou-nos no dia 11 de Novembro de 2008, mais uma das suas histórias para publicação na nova série As histórias de Manuel Traquina (*).




A aldeia de Mampatá
Baptismo de fogo e gemidos na noite


Decorria o mês de Maio do ano de 1968, depois de uma curta estadia em Bissau e Bula, a recém chegada à Guiné, Companhia de Caçadores 2382, foi incumbida de dar segurança a algumas aldeias daquela região sul da Guiné, eram elas Mampatá, Xamarra, e Contabane, próximo de Aldeia Formosa.

Mampatá era uma aldeia bastante populosa, no largo central encontravam-se algumas árvores de grande porte, junto das quais se improvisou a cozinha e o refeitório. O Homem Grande da aldeia, o Alferes Aliú, oficial milícia, ao ver chegar os militares brancos desfazia-se em amabilidades, (muito embora tivesse fama de colaborar com o PAIGC), e apressou-se a ceder algumas tabancas aos recém-chegados para que ali instalassem improvisadamente o depósito de géneros, posto de enfermagem e outros.

Como dormitórios, tínhamos já aprendido que era mais seguro dormir nos abrigos, havia já alguns, outros nós construímos. Foi ali que tivemos baptismo de fogo, o primeiro ataque ao aquartelamento, felizmente sem consequências graves, porque já todos tinham o buraco onde se abrigar. Comparado com outros que viríamos a ter mais tarde, foi uma pequena amostra, para mostrar aos periquitos que ali havia guerra.

No meu caso pessoal não gostava nada de dormir no buraco, onde acordava com os tiros da G3, abafado e cheio de picadas das formigas. Certo dia decidi arriscar, e vá de arrastar o colchão pneumático para um pequeno patamar junto de uma tabanca que ficava próxima. Foi ali que decidi pernoitar, desfrutando também um pouco do agradável fresco da noite, já que o calor daquele clima tropical, quase se tornava insuportável.

Mas dentro daquela tabanca, apenas separado pela parede de bambu entrelaçado e barrado com a vermelha terra da Guiné, apercebi-me que além do cocolear de uma galinha, alguém dormia e sofria.

No dia seguinte, muito sorrateiramente fui espreitar, e só então fiquei a saber quem tinham sido os meus companheiros de dormitório: uma mulher paralítica (ou talvez mesmo leprosa), lá estava na sua esteira montada sobre quatro estacas que lhe servia de cama! Debaixo da esteira uma galinha, aconchegava carinhosamente a sua ninhada de pintainhos acabados de nascer!

Com certo humorismo ainda hoje recordo aquela noite em Mampatá, em que o sofrimento e o gemer de alguém, era acompanhado do cocolear de uma galinha, de igual modo recordo também o amanhecer em Mampatá, em que se ouvia o canto das raparigas, acompanhando o bater característico do pilar do arroz.

Manuel Batista Traquina


Mampatá > Abrigo

Foto: © Manuel Traquina (2008). Direitos reservados



2. Comentário de CV

Caro Manuel Traquina, como podes verificar, foi criada uma série para as tuas histórias. Ficas responsável por mantê-la viva. Continua a escrever porque gostamos de te ler.
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Nota de CV:

(*) Vd. postes da série de:

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

17 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3214: Venturas e Desventuras do Zé do Ollho Vivo (3): Contabane, 22 e 23 de Junho de 1968: O Fur Mil Trms Pinho e os seus rádios

Guiné 63/74 - P3456: Memória dos lugares (13): Olossato, CCAÇ 816, 1966 (Rui Silva)



Guiné > Região do Oio > Olossato > 1966 > O Rui Silva com os seus amiguinhos da povoação (as duas fotos de cima)... O aquartelamento e a tabanca (nesta foto de 1966, e que é a 3ª e última a contar de cima)... Por razões técnicas não se publica ainda uma outra foto aérea, com detalhadas legendas...

Fotos: © Rui Silva (2007). Direitos reservados

1. Mensagem de Rui Silva (*), com data de 4 do corrente:


Caríssimos Luís, Vinhal e Briote.

Antes do mais, desejo que este mail vá ao encontro da melhor saúde e disposição nas vossas pessoas.

Aí vão fotos do Olossato! (**)

Perdoem-me a confidência mas Olossato e a sua humilde gente ficou no coração da comunidade 816, daí…

As 2 primeiras fotos falam por si: são vistas aéreas (fotos tiradas de uma DO 27) : uma ao natural e outra legendada [ a publicar mais tarde].

Na 3.ª foto, estou eu com os amiguinhos da Companhia, Sana e Abdul, 2 crianças típicas do Olossato; muito diferentes no comportamento, mas ambas crianças alegres e disciplinadas, isto é bons meninos, para não esquecer o Reguila (quem não o conhecia pelas suas cantigas e a dançar ao mesmo tempo!) que com grande tristeza nossa, e durante a nossa estada em Olossato, morreu num palmo de água numa bolanha próxima do aquartelamento, após um ataque epiléptico. Mais adiante falaremos melhor destas entidades.

Ficava muito feliz se o duo inseparável Sana e Abdul estivessem bem (ministros, por exemplo). Caramba não me lembrava que o pequeno campo de futebol tinha marcações e tudo!

A 4.ª foto, trata-se de um pequeno contingente de crianças indígenas. Não, não se trata de uma aula pró-militar. Apenas uma brincadeira. Faço votos para que hoje sejam ilustres guineenses. Reparem que alguns já vestiam na moda – roupas rotas ( passe o grotesco da minha parte).

Um abraço
Rui Silva (***)
ex-Fur Mil
CCAÇ 816
Bissorã, Olossato, Mansoa
1965/67


PS - Aproveito para deixar um grande abraço à 566 que teve a sua comissão também no Olossato, antes de nós, e quão amigos nós éramos!

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3383: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (1): A terrível estrada do K3: 1 de Agosto de 1965, o Dia Mais Longo

(**) Vd. últimpo poste destasérie > 28 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3098: Memória dos Lugares (12): Estrada de Gadamael, para norte, cruzamento para Guileje (Nuno Rubim)

(**) Vd. postes anteriores do Rui Silva:

25 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3355: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (9): Ainda falando do Sarg Pil Av Honório (Rui Silva)

7 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3031: Convívios (70): Pessoal da CCAÇ 816, no dia 10 de Maio de 2008, em Viana do Castelo (Rui Silva)

17 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2546: Álbum das Glórias (40): Equipas de Andebol do Benfica de Bissau e da Ancar em 1966 (Rui Silva)

18 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2279: Bissorã: As rondas nocturnas (Rui Silva, CCAÇ 816, 1965/67)

13 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2103: Gente do Olossato (Rui Silva, CCAÇ 816, 1965/67)

3 de Junho de 2007> Guiné 63/74 - P1810: Convívios (14): CCAÇ 816 (Oio, 1965/67), em Joane, Famalicão, em 5 de Maio de 2007 (Rui Silva)

3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1809: Base do PAIGC, em Iracunda, Oio: Eram quatro horas e meia da madrugada... (Rui Silva)

30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1711: Tertúlia: Apresenta-se o Fur Mil Rui Silva, CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67)

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3455: Em louvor das nossas histórias/estórias, sejam elas cabralianas ou com H (João Coelho / Torcato Mendonça / Vitor Junqueira)


Gráfico com os resultados da Sondagem nº 8, que decorreu de 7 a 13 de Novembro de 2008 (7 dias). A questão em votação era a opinião segundo a qual "no nosso blogue, a palavra 'estória' devia ser pura e simplesmente banida". Votaram 126 amigos e camaradas da Guiné, a maior votação de sempre...

Os resultados apontam para a seguinte conclusão: não há vencidos nem vencedores, dois termos que não existem na nossa Tabanca Grande; em contrapartida, há uma certeza: vamos continuar, no nosso blogue, a escrever (e a ler) histórias e... estórias. De guerra e paz. De amor e ódio. De drama e comédia. De sangue, suor e lágrimas, mais umas pitadas de... humor (*). De resto, talento(s) não nos faltam... Como diz o Vitor Junqueira, com o seu humor corrosivo, venha de lá aço! (LG)

Imagem: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.


1. Comentário do Torcato Mendonça à última estória cabraliana (**):

Elefante Branco...Boa! Bem, se o Livro for com estórias de h pode ser uma sala... não digo...isso... de uma Un [unidade ?] ou CC [companhia de caçadores ?] ... qualquer. Ainda existe o Fontória? 1ª Parte Maxime e 2ª parte no Fontória.

Olha, mas eu de Noite de Lisboa estou uma miséria: falaram-me no Lux e eu não sabia aonde era... Caramba, onde vai um jovem, quando velho, parar... miséria... Vou tratar de me actualizar. Agora?! Porque não?

Que o pijama tenha sido bem aproveitado na infância e, na idade adulta, tenha contribuído para corpo de formas...isso. Boas...

Ab do Torcato


2. Comentário do João Coelho:

Encarecidamente, peço aos responsáveis pelo blogue: deixem J. Cabral depurar-se, tal como ele fez na Guiné...primeiro ainda alinhadinho, com o camuflado à maneira, depois já "fardado" como lhe dava na real gana. Não o amarrem às 50 crónicas, deixem-no bolsar o arroto até ao fim...

Assim de cabeça, lembro 3, das ditas, que são, juro, do melhor que já vi, por estas terras e por mais aquelas que quiserem: a da bandeira, com o Spínola, a do retrato do Salazar com as imagens das santinhas (***) e esta última do Pilão..

E atrevo-me a pedir mais; quando a prosa engordar, façam romagem até ao Torcato, levem o Cabral convosco e vejam - eu acho que sim, que é possível - se conseguem levar esse alentejano exilado no Fundão a entremear as suas letras de insónia com as do sr. advogado.

Vosso leitor, não combatente, ex-militar da FAP, nos idos de 60, com um abraço grande de admiração e respeito por este magnifico espaço de encontros.

João Coelho


3. Mail do Vitor Junqueira para o Carlos Vinhal:

Muito obrigado pelo teu esclarecimento. E, sendo assim, prepara-te que aí vai aço! Quero dizer, ainda hoje vou alinhavar mais uma história - com agá e deixemo-nos de tretas -, que te enviarei para publicação, se achares que tem merecimento para tal.

Sabes Carlos, eu não consigo escrever nada em que não ponha um pouco da pessoa que eu sou. Por vezes, uma ponta de ironia ou o linguajar da minha infância, dão aos meus escritos um certo colorido que, ao relê-los (quando o faço), pergunto a mim próprio: Quem é que pode interessar-se por esta porcaria!? E zás, reciclagem com eles! Têm escapado aqueles que, a seguir ao impulso da escrita, seguem imediatamente para o correio. Nesse caso, não há recuo possível! Quanto aos temas, só tenho uma preocupação, a de que tenham subjacente a verdade.

Amigo Carlos, não respondas a este e-mail porque não é necessário. Estou a ouvir-te neste momento. Até breve,

VJ

4. Comenário de L.G.:

Vitor: Faz-me/nos o grande favor de ir à "pubelle" buscar as "pérolas literárias" que deitaste fora!... Quero/exijo essas histórias com H. Aquele abraço.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 9 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3427: Em bom português nos entendemos (5): Estórias com história... ou deixem-se de estórias / histórias...

(**) Vd. poste de 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

(***) Vd. postes de:

13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá

19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)

25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3237: Estórias cabralianas (39): O Marido das Senhoras (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P3454: Historiografia da presença portuguesa em África (9): Carta da Guiné, 1843











Cópia pública do carta original patente na Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa (reproduzida, aqui, com a devida vénia) (*)... Imagem completa (a 1ª a contar de cima) e depois seccionada em quatro.

A carta da Guiné portuguesa [ Material cartográfico] / Lith. de A. C. Lemos

AUTOR(ES):
Lemos, A. C., fl. ca 1833-1843, litog.
ESCALA:
Escala [ca 1:950000]
PUBLICAÇÃO:
[Lisboa] : Lith. A. C. Lemos, 1843
DESCR. FÍSICA:
1 mapa : litografia p&b ; 28,20x31,30 cm, em folha de 31,90x40,60 cm
NOTAS:
Escala determinada com o valor calculado de 11,70 cm para o grau de latitude
CDU:
916.652"1845"(084.3)
912"18"(084.3)
END. WWW:
http://purl.pt/1839


Comentário de L.G.:

A carta de 1843 delimita as fronteiras da então Guiné Portuguesa, a norte, pelo Rio Casamansa (hoje território do Senegal) e o Rio Nunes (sito hoje na Guiné-Conacri). O território da actual Guiné-Bissau é apenas uma réstea das vastas áreas de influência portuguesa, que iam do actual Senegal e da Gâmbia, até ao golfo da Guiné, passando pela Costa do Marfim a Costa do Ouro, paragens que os portugueses foram os primeiros europeus a explorar, em meados do Séc. XV.

A primeira metade do Séc. XIX - período conturbadíssimo da nossa história (invasões franceses, fuga da corte para o Brasil, revolução de 1820, independência do Brasil, guerra civil entre liberais e absolutistas, fim do 'ancien régime', início da modernização da economia e do Estado) - representa, por seu turno, o momento mais baixo do envolvimento de portugueses e caboverdianos na chamada Senegâmbia.

Um homem lúcido e corajoso, o luso-africano Honório Barreto (1813-1859), alerta Lisboa para a necessidade de unificar as poucas feitorias, isoladas a que se confinava então a presença portuguesa.

Em 1842 havia dois concelhos (ou circunscrições) com algumas feitorias:

(i) Bissau, com a respectiva praça, o presídio de Geba, a ilha de Bolama e a ponta de Fá;

(ii) Cacheu, com os presídios de Cacheu, Farim, Ziguinchor e Borlor.

Os portugueses limitavam-se a circular ao longo dos rios Casamansa, Cacheu, Geba e o Grande de Buba. Não havia comunicações por terra, ou melhor, estavam-lhes interditas, devido à hostilidade dos nativos.

Cacheu foi sobretudo o primeiro porto, fundado em 1588, e depois vila em 1605. Em 1822 tinha uma praça-forte, construída em adobe. Por volta de meados do Séc. XIX, terá já cerca de 1800 habitantes. A norte de Cacheu, os franceses tinha ocupado a foz do Rio Casamansa em 1822.

Entretanto, em Maio de 1886 são delimitadas as fronteiras entre a Guiné Portuguesa e a África Ocidental Francesa, passando a região de Casamansa para o controlo da França, por troca com a região de Quitafine (Cacine), no sul do país. A cedência da praça-forte de Ziguinchor faz parte destes acordos.

As potências coloniais europeias traçavam então, a seu bel prazer, os mapas (e os destinos dos povos africanos) a régua e esquadro...

Bissau, por sua vez, nasce em 1766, com o início da construção da fortaleza da Amura, São José da Amura. (Será reconstruída em 1858-1860, sob direcção do capitão e engenheiro Januário Correia de Almeida).

Em 1884, a vila de Bissau (ou de São José de Bissau) já apresentava algum desenvolvimento urbano, com casas de dois pisos sob arcaria, junto à Amura. O traçado colonial da cidade, dos anos 40 e 50, terá seguido o plano urbanístico, de rectícula geométrica, de 1919, da autoria do engenheiro José Guedes Quinhones.

Mas a capital até aos anos 40 é Bolama, fundada no Séc. XVII. Há uma planta de 1913.


1. A Guiné Colonial: cronologia resumida
(Elementos coligidos por L.G. Em construção)


(i) No século XIII, chegam a esta região da costa ocidental de África os povos naulu e landurna, na sequência do declínio do império do Ghana.

(ii) É já no século XIV que esta zona passa a integrar o vasto império do Mali, vindo os primeiros navegadores portugueses a estabelecerem contacto com ela em 1446-47. Inicia-se então um longo processo de implantação do monopólio comercial na região, incluindo ouro e escravos, o qual vai ser, durante muito tempo, frequentemente e sobretudo contestado por corsários e traficantes franceses, holandeses e ingleses.

(iii) Em 1588 os portugueses fundam, junto à costa, em Cacheu, a primeira povoação criada de raiz, a qual será sede dos capitães-mores, nomeados pelo rei de Portugal, embora sob jurisdição de Cabo Verde; passa a vila em 1605.

(iv) Seguir-se-á a criação da localidade de Geba, bem no interior do continente.

(v) Em 1642, os portugueses fundam Farim e Ziguinchor (hoje, integrando o território do Senegal), a partir da deslocação de habitantes de Geba, dando início a uma ocupação das margens dos rios Casamansa, Cacheu, Geba e Buba, a qual se torna efectiva em 1700, passando então a zona a ser designada por Rios da Guiné.

(vi) Entre 1753 e 1775 inicia-se a construção da fortaleza da Amura, a partir do trabalho de cabo-verdianos, vindos especialmente das Ilhas de Cabo Verde para o efeito. E o nascimento da futura vila, cidade e capital de Bissau.

(vii) Em 1800 a Inglaterra começa a fazer sentir a sua influência na Guiné, iniciando a sua reivindicação pela tutela da ilha de Bolama, arquipélago dos Bijagós, Buba e todo o litoral em frente.

(viii) Com a abolição da escravatura no século XIX (Em Portugal, em 10 de Dezembero de 1836), sobrevém uma crise económica que tem como consequência o início da produção de novas culturas, como a mancarra (amendoim) e a borracha.

(ix) Honório Pereira Barreto, natural do Cacheu, filho de pai caboverdeano e mãe guineense, é nomeado provedor de Cacheu, por decreto de 30 de Março de 1843; em 3 de Fevereiro de 1844, domina a revolta dos Manjacos no Cacheu, com o auxílio do seu tio Francisco Carvalho Alvarenga, comandante de Ziguinchor; no mesmo ano, em 11 de Setembro, eclode a "guerra de Bissau";

(x) Honório Barreto domina a revolta dos grumetes do Cacheu, com reforços vindos de Ziguinchor; concede-lhes depois perdão, uma vez feita a paz (8 de Dezembro);

(xi) Em 1859, morre Honório Barreto na Fortaleza de São José de Bissau (26 de Abril);

(xii) Em 1870, por arbitragem do presidente dos EUA, Ulysses Grant, a Inglaterra desiste das suas pretensões sobre Bolama e zonas adjacentes (21 de Abril); ainda neste ano, é feito um acordo com s régulos nalus, estendendo a influência portugesa no sul da Guiné até à foz do Rio Tombali (24 de Novembro);

(xiii) Com a vitória militar dos felupes de Djufunco, em 1879, no que ficou a ser conhecido na história como o “desastre de Bolol”, onde os militares portugueses sofreram uma dura derrota no confronto com as populações locais, a coroa portuguesa decide a separação administrativa de Cabo Verde e a criação da “Província da Guiné Portuguesa”, com capital em Bolama;

(xiv) Desaire militar dos fulas no ataque a Buba (1 de Fevereiro de 1881); o filho do régulo fula Alfa Iaiá reconhece o protectorado português sobre parte do Futa Djalon, por tratado de 3 de Julho;

(xv) Numa tentativa de afirmação da soberania portuguesa, verifica-se então o início de acções militares punitivas contra os papeis em Bissau e no Biombo (1882-84), os balantas em Nhacra (1882-84), os manjacos em Caió (1883) e os beafadas em Djabadá (1882).

(xii) A estratégia colonial passa igualmente por uma segunda vertente: o apoio sistemático com tropas e armamento a uma das partes dos conflitos indígenas. É o que se passa em 1881-82, com o apoio aos fulas-pretos do Forreá na sua luta com os fulas-forros.

(xiii) Os focos de contestação e a rebelião permanente e consequente dos diversos grupos étnicos fez com que o poder colonial se limitasse ao controlo de algumas praças e presídios (Bissau, Bolama, Cacheu Farim e Geba).

(xiv) Paralelamente, começa a instalação de propriedade de colonos ou de luso-africanos, em várias explorações agrícolas de grande dimensão (pontas) inicialmente dedicadas ao cultivo da mancarra.

(xv) Assinatura em Paris da convenção franco-portuguesa de delimitação das fronteiras da Guiné (15 de Janeiro de 1886); em 12 de Maio de 1886, são delimitadas as fronteiras entre a Guiné Portuguesa e a África Ocidental Francesa, passando a região de Casamansa para o controlo da França, por troca com a região de Quitafine (Cacine), no sul do país; em Sancorlá, no Geba, o tenente Geraldes vence os fulas-pretos comandados pelo célebre régulo Mussá Moló (23 a 30 de Setembro de 1886);

(xvi) A população desencadeia a partir do final do século XIX uma decidida vaga insurreccional no Oio (1897 e 1902), no Chão dos Felupes (1905), em Badora e no Cuor (1907-08); a Guerra de Bissau (1908) junta Papeis e Balantas do Cumeré; em 28 de Fevereiro de 1891, o Cumeré ataca fortaleza de São José de Bissau (Amura);

(xvii) O ministro Ferreira do Amaral transforma a Guiné, por decreto de 21 de Maio de 1892, num distrito militar autónomo;

(xviii) Em 10 de Maio de 1894, papéis e grumetes agridem (e fazem extorsões a) os comerciantes em Bissau; o governador Sousa Lage, com o apoio de duas canhoneiras chegadas de Lisboa, e de tropas vindas de Angola, Cabo Verde e Lisboa, conquista Intim e Bandin, chão papel;

(xix) Em 19 de Maio de 1899, o governador Álvaro Herfculano da Cunha obtém vassalagens voluntárias dos balantas e do régulo papel de Intim, reunindo-se com eles no Cumeré em Safim sem disparar um tiro, e pondo termo às campanhas contra as etnias animistas;

(xx) O capitão José Carlos Botelho Moniz parte do Cacheu contra os felupes de Varela que se recusavam a pagar imposto, atacando e destruindo a povoação, quebrando o mito de os brancos náo entrarem em território felupe e desarmando so de Djufunco e Egim (10 a 16 de Março de 1908);

(xxi) O governador Oliveira Muzanty, com reforços da Metrópole, organiza a maior expedição militar na Guiné (até 1963!), vencendo a resistência dos beafadas liderados pro Unfali Soncó no Cuor e Ganturé; restabelece as comunicações entre Bissau e Bafatá (5 a 24 de Abril de 1908); a 15 de Maio, a expedição militar regressa à Metrópole;

(xxii) Segue-se um período que vai de 1910 a 1925 de resistência à forte repressão das forças coloniais as quais lhe deram o nome de “guerra de pacificação”, embora os verdadeiros objectivos das acções militares fossem o de pretender eliminar os chefes militares africanos mais combativos, impor pela força o pagamento pelas populações de impostos à administração colonial (o imposto de palhota), e aceder mais facilmente aos recursos económicos e humanos existentes no território.

(xxiii) Entre vitórias e derrotas das populações insubmissas, dois nomes emergem neste período: por um lado, João Teixeira Pinto, militar que já na época tinha uma longa carreira colonial e que, entre 1913 e 1915, exerceu sanguinários massacres sobre as populações locais nas chamadas campanhas do Oio (1913-14); e por outro, Abdul Indjai, que fora auxiliar de Teixeira Pinto na sua acção em Canchungo e que se revolta acabando por ser preso em Mansabá, em 1919, deportado para Cabo Verde e mais tarde para a Madeira.

(xxiv) A campanha d0 Oio termina vitoriosa com a criação de um posto militar em Mansabá e a captura de um elevado número de armas (17 de Junho de 1913);

(xxv) A campanha contra os manjacos termina, depois da prisão do régulo de Bassarel; são criados os postos de Caió e Bassarel e apreendidas grandes quantidades de armas (10 de Abril de 1914);

(xxvi) A campanha contra os balantas inclui a batalha de Encheia, uma das mais ferozes da história da Guiné; instalação de um posto em Nhacra (4 de Julho de 1914);

(xxvii) Decretado o estado de sítio na ilha de Bissau início da campanha contra os papéis (13 de Maio de 1915);

(xxviii) Campanha contra os papéis e os grumetes; queda de Biombo, prisão do respectivo régulo; criação de 4 postos militares: Bor, Safim, Bijemita e Biombo; concluída a a 'pacificação' e a unificação do enclave da Guiné portuguesa, com o pedido de paz do Tor (17 de Agosto);

(xxix) Apesar do poder colonial considerar como 'pacificado' e 'dominado' o território, nos anos posteriores, muitas regiões voltaram a rebelar-se e antigos focos de resistência ressurgiram, como o caso dos bijagós, entre 1917 e 1925 e dos baiotes e felupes em 1918.

(xxx) Neste período, são implantadas uma série de medidas legislativas que irão determinar durante longos anos a gestão politico-administrativa da Guiné: divisão da população residente em civilizada (assimilada) e indígena; legalização da prática de recrutamento de mão de obra para trabalhos obrigatórios; imposição do local de residência e limitação dos movimentos da 'população não civilizada', através de cadernetas e guias de marcha; tipo de relações funcionais dos titulares administrativos com os auxiliares indígenas e autoridades gentílicas (cipaios, régulos, chefes de tabanca, etc.).

(xxxi) Em 1921, com a chegada do governador Jorge Velez Caroço, ir-se-ão implementar as primeiras medidas de longo prazo nas alianças do poder colonial com os poderes locais, em particular no quadro étnico-religioso privilegiando-se as alianças com os muçulmanos, nomeadamente fulas, em detrimento das etnias animistas;

(xxxii) Entre 1925 e 1940 prosseguiram as revoltas militares dos papeis de Bissau, dos felupes de Djufunco (1933) e Susana (1934-35) e dos Bijagós da ilha de Canhabaque (1935-36), os quais se recusaram a pagar o imposto de palhota até 1936;

(xxxiii) Este período é marcado igualmente pelo início da construção de infra-estruturas (estradas, pontes e alargamento da rede eléctrica), pelo desenvolvimento da principal cultura de exportação, a mancarra,

(xxxiv) Data desta época a criação ou expansão de grandes empresas de capitais portugueses, como a Estrela de Farim e a Casa Gouveia (pertença da CUF - Companhia União Fabril), dedicadas à comercialização da mancarra e à distribuição de produtos em todo o território.

(xxxv) Verifica-se o surgimento de grandes pontas (explorações agrícolas) no Rio Grande Buba, na ilha de Bissau e em Bafatá e Gabú.

(xxxvi) A organização social colonial nessa altura tem, no topo da hierarquia, um pequeno núcleo de dirigentes e de quadros técnicos portugueses; a nível intermédio, funcionários públicos, maioritariamente cabo-verdianos (75%). O sector comercial é dominado por patrões e empregados cabo-verdianos. A nível inferior, a imensa maioria dos guineenses são trabalhadores domésticos e braçais, artesãos, agricultores e assalariados agrícolas nas pontas.

(xxxvii) Em 1942 a capital muda de Bolama para Bissau, que já então era, de facto, a “capital económica” da Guiné.

(xxxviii) Em 1950, dos 512.255 residentes só 8320 eram considerados civilizados (2273 brancos, 4568 mestiços, 1478 negros e 11 indianos) e destes, 3824 eram analfabetos (541 brancos, 2311 mestiços e 772 negros).

(xxxix) Em 1959, 3525 alunos frequentavam o ensino primário, 249 o Liceu Honório Barreto (criado em 1958-59) e 1051 a Escola Industrial e Comercial de Bissau.


Bibliografia consultada por L.G.:

História da Expansão Portuguesa, 4º vol. ed. lit Francisco Bettencourt e Kirti Chauduri. Lisboa, Círculo de Leitores, 1998.

História da Guiné e Cabo Verde, ed. lit. PAIGC. Paris: Unesco, 1973/74.

Nova História Militar de Portugal, 3º vol. ed. lit Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira. Lisboa, Círculo de Leitores, 2003.

Vd. também Portal Guiné-Bissau, criado pela AD - Acção para o Desenvolvimeno > História e Dados Económicos

Vd. postes do nosso blogue (**).
______________

Notas de L.G.:

(*) Sobre os conteúdos da BND (Biblioteca Nacional Digital) e seu acesso

A BND oferece dois géneros de conteúdos:

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São sítios na Internet ou outros documentos originais em formato HTML, PDF, MS-Word, RTF, etc., criados pela BN ou por entidades externas que os depositaram na BND.

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(iii) Acesso privado: Estas são geralmente as cópias masters das obras digitalizadas, regra geral em formato TIFF de alta qualidade, e por isso normalmente de muito gande dimensão, sendo por isso acessíveis apenas em condições especiais (tais como para investigação ou reprodução de alta qualidade).

(**) Vd. postes de

8 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2734: Guileje, colónia penal (1): Em 1897 havia um posto militar fronteiriço, português, em Sare Morsô (Nuno Rubim)

18 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3070: Antropologia (6): O povoamento humano da zona do Cantanhez: apontamentos (Carlos Schwarz)

16 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3320: Historiografia da presença portuguesa (8): Abdul Indjai, herói e vilão (Beja Santos)