terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19471: (D)o outro lado do combate (43): 'Puxão de orelhas' de Amílcar Cabral a Rui Djassi (Faincam) (1937-1964), em carta enviada em janeiro de 1964, sinal precursor da sua substituição na Zona 8, região de Quínara (Jorge Araújo)


Citação: (1964), "I Congresso do PAIGC em Cassacá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_85097 (2019-1-25) - Grupo de dirigentes por ocasião do I Congresso: Lay Sek, Constantino Teixeira, Osvaldo Vieira, Domingos Ramos, Amílcar Cabral e 'Nino' Vieira (com a devida vénia).




Jorge Alves Araújo, ex-fur mil op esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > 
"PUXÃO DE ORELHAS" DE AMÍLCAR CABRAL A RUI DJASSI (FAINCAM), EM CARTA ENVIADA EM JANEIRO'1964, ERA O SINAL PRECURSOR DA SUA SUBSTITUIÇÃO NA "ZONA 8": ENTRE A DESPROMOÇÃO E A MORTE -


1. INTRODUÇÃO

Na sequência das narrativas apresentadas no fórum nos P19433 e P19437 (*), onde se colocava a questão «o que terá acontecido ao Rui Djassi (Faincam)?» entre finais de 1963 e início de 1964, algumas hipóteses foram avançadas tendo por base a literatura consultada, mas nenhuma delas, digo eu, dando respostas fidedignas e esclarecedoras. (**)

Com efeito, na busca de outros pressupostos ou cenários complementares, seguimos em frente no sentido de encontrar novos elementos que nos ajudem a compreender melhor esta problemática, considerada ainda como incógnita.

Eis os elementos que podem contribuir para uma nova leitura sobre a questão de partida.


2.  CARTA DE AMÍLCAR CABRAL ENVIADA A RUI DJASSI (FAINCAM) NO INÍCIO DE JANEIRO'1964


Tendo por base uma leitura hermenêutica, consideramos o conteúdo da carta acima referida como um valente "puxão de orelhas" a Rui Djassi, expresso num duplo desagrado: o primeiro por insuficiente comunicação, o segundo por um comportamento pouco cuidado, rigoroso e muito permissivo na "zona 8", como principal responsável operacional na região, do qual originou um bloqueio da fronteira Sul por parte das NT, inviabilizando o cumprimento da estratégia logística no «Corredor de Guileje».

Da importância deste contexto nos dá conta Leopoldo Amado, no seu livro "Guineidade & Africanidade" (2013), p. 263, onde se refere a gigantesca e complexa rede logística (sem dúvida, a maior do PAIGC) que "estendendo-se desde Conacri e perpassando por outras cidades da República da Guiné como Boké, Kandiafara, Simbeli e Tarsaia, prolongava-se depois pela então Guiné Portuguesa adentro pelo Corredor de Guileje, a partir do qual, sintomaticamente, se despachavam o maior volume (dir-se-ia mesmo a esmagadora maioria) do armamento e munições e ainda os víveres imprescindíveis ao esforço de guerra". [Vidé, também, P2499: Guileje - Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008).(***)

Dito isto, o conteúdo da carta de Amílcar Cabral, que seguidamente se partilha no fórum, era já um sinal precursor do que estava para acontecer ao Rui Djassi, ou seja, o seu afastamento da liderança da "zona 8" e a sua substituição por outro quadro do PAIGC, no caso Guerra Mendes.

Rui Djassi já não marcaria a sua presença em Cassacá, no I Congresso [Fev' 1964], justificando Amílcar Cabral a sua ausência "pelo seu desaparecimento, cujo paradeiro ninguém conhece, embora seja certo que está vivo".



PAIGC (Nov 1970) - Duas imagem obtidas, algures no Sul, pelo fotógrafo norueguês Knut Andreasson.  

 Recorde-se que este fotógrafo norueguês acompanhou uma delegação sueca (tendo à frente a antiga líder do parlamento sueco, Birgitta Dahl) na visita às regiões libertadas da Guiné-Bissau, em Novembro de 1970.

Segundo o sítio da Nordic Africa Institute (uma agência dos países nórdicos, com sede na Suécia, em Upsala ), esta visita deu-lhe oportunidade de falar com Amílcar Cabral, em pleno palco da luta pela independência, e ficar a conhecer melhor o PAIGC, a guerrilha e a sua implantação no terreno.

Andreasson e Dahl publicaram mais tarde um livro em sueco sobre essa viagem. Andreasson, por sua vez, realizou uma exposição fotográfica e publicou um álbum fotográfica sobre esta visita.

A maior parte das fotos deste período foram doadas ao Nordic Africa Institute pela viúva de Andreasson. A exposição foi , por sua vez, doada à Fundação Amílcar Cabral, com sede na Praia, Cabo Verde, pelo Nordic Africa Institute, sendo apresentada por Birgitta Dahl, a antiga líder do Parlamento Sueco, por ocasião das celebrações do 80º aniversário de Amílcar Cabral, em Setembro de 2004.

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI) (As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda) (***)


2.1 - Transcrição da carta de Amílcar Cabral:


Recebi as tuas cartas, datadas de 26 e de 30 de Dezembro [1963].

No começo de um novo ano, aproveito para te dirigir saudações fraternais em nome de todos os camaradas do Secretariado e em meu nome pessoal. Que 1964 seja o ano da libertação total do nosso povo e que tu avances sempre no caminho do serviço do nosso grande Partido pela liberdade e pelo progresso real do nosso povo. Saudações para a tua família e para todos os camaradas.

Acho que o que aconteceu na fronteira (emboscada do inimigo e fecho da passagem por Simbeli) não foi causada pela estadia dos camaradas na fronteira. A razão principal é a falta de controlo real da zona de fronteira [Sul] pelos nossos combatentes, assim como a presença sempre para fora do inimigo em Quebo. Se o inimigo não pudesse sair de Quebo sem correr grandes riscos, se nós estivéssemos sempre a chateá-los em Quebo, não teria coragem de vir pregar-nos uma grande partida. Não achas?

Espero no entanto que estás a fazer tudo para acabar com essa situação. Não há outro caminho perto, conduzindo à base?

Como compreendes, não é possível indicar com antecedência dias fixos para transporte de material, porque isso não depende só de nós. Temos de estar dependentes das autoridades, do seu tempo disponível, da sua boa vontade, etc.. O que é indispensável é controlares sempre os caminhos para não deixar o inimigo a possibilidade de nos pregar partidas. Para evitar que o inimigo reforce as suas posições tens de chateá-los por todos os lados, não o deixar em paz, como estar a fazer. Tens de fazer do tempo seco o período da intensificação das nossas acções.

Foi com prazer que recebi as notícias da luta. Quero felicitar todos os camaradas responsáveis e combatentes de fora pela actividade que estão a fazer. Espero que vamos intensificar cada vez mais a nossa acção, mas sem nos deixarmos levar pelo inimigo, quer dizer, só vamos batermo-nos com ele quando tens a certeza de o vencer, de o destruir.

Espero também que dês notícias mais detalhadas, porque senão é difícil aproveitá-las para comunicados. Dizes por exemplo: "no mesmo dia os camaradas atacaram Fulacunda no momento de içar a bandeira". Boa notícia, mas abateram o quê exactamente, de que maneira, com que resultados? Qual era o objectivo do ataque? Conseguiu-se esse objectivo? Etc. Tu sabes bem que deves dar assim as informações, para eu poder avaliar e poder servir-me delas.

Lamento muito a morte do nosso camarada Malan N'djai. Peço que apresentes sentimentos à família dele. Não deixes de mandar a ficha correspondente, com todos os dados.

No que respeita ao material destinado à tua zona, ele tem seguido e já não há nenhum neste momento. Estamos a fazer esforços para pôr no país todo o material previsto no plano que foi há tempos. Claro que isso não é indispensável para a marcha da nossa luta, mas é conveniente para a nova fase que estabelecemos.

Penso no entanto que muito podem fazer – e estamos a fazer – com o material de que dispõe hoje os nossos combatentes nas zonas de luta. Temos agora de pensar em desenvolver a nossa acção, sem esperar por mais material.

Ficamos todos muito contentes com a missão que vocês fazem. Foi uma grande vitória, camarada. Vamos continuar nesse caminho, como já deves saber.

Acho que o caso entre o José Sanha e o Caetano, que não percebi bem, será brevemente resolvido pela Direcção do Partido, a bem do progresso da nossa luta. Espero que tenhas a paciência de esperar um pouco, sem criar problemas graves e que ninguém poderá aceitar nem compreender, no momento em que tens grandes responsabilidades.

Dá saudações ao povo da zona, a todos os responsáveis e a todos os militantes. Tenho grande saudade de todos. Para ti, o melhor abraço do camarada Amílcar Cabral.

Seguem medicamentos pelo Dino, que esteve doente.

 .
2.2 - Segue-se a reprodução da carta manuscrita por Amílcar Cabral.






Citação: (1964), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35428 (2019-1-25)

Fonte: Casa Comum, Fundação Mário Soares.
Pasta: 07056.008.007.
Assunto: Emboscada do inimigo que teve como consequência o fecho da passagem por Simbeli. Falta de controlo real na zona de fronteira, presença do inimigo no Quebo. Instruções para enfraquecer o inimigo. Material militar e medicamentos para a zona.
Remetente: Amílcar Cabral.
Destinatário Djassi (Faincam) [Rui Djassi].
Data: 1964 [Jan].
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral. Início de 1964. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.



2.3 – Em 30 de Maio de 1964 [três meses e meio após o I Congresso] nova referência a Rui Djassi em carta remetida por Amílcar Cabral a Osvaldo Vieira



Citação: (1964), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35499 (2019-1-25)

Fonte: Casa Comum, Fundação Mário Soares.
Pasta: 04606.045.073.
Assunto: Acusa recepção do relatório sobre as missões em andamento, notícias do Rui Djassi, aumento de base de guerrilhas, pede pormenores sobre a tentativa de complot feito por alguns camaradas.
Remetente: Amílcar Cabral.
Destinatário: Osvaldo [Vieira],
Data: Sábado, 30 de Maio de 1964.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Cartas e textos dactilografados enviados por Amílcar Cabral 1960-1967.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Correspondência.

Transcrição:

Conacri, 30 de Maio de 1964

Meu caro Osvaldo,

Não te escrevi há dias pelo Yaye, porque estava ocupadíssimo, mas espero que esta carta te chegue às mãos por ela e antes dele. O Yaye te contará a história dos estudantes que fizemos voltar para traz.

Vi com atenção o vosso relatório sobre as missões em andamento, e não deixo de lamentar o que tem acontecido com o Rui Djassi. Aliás até hoje ninguém parece saber onde pára o Rui, e tudo está a atrasar-se, a prejudicar-se por causa disso. […]


Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

25JAN2019.
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(***) Vd. poste de  2 de Fevereiro de 2008 Guiné 63/74 - P2499: Guiledje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (13): Enquadramento histórico (I): a importância estratégica de Guileje

Guiné 61/74 - P19470: Agenda cultural (671): Lançamento do livro "Milando ou Andanças por África", do Paulo Salgado, na Associação 25 de Abril, Lisboa, 21 do corrente, às 18h00. Apresentação: cor cav ref Mário Tomé, ex-cmdt da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72)



Convite para a apresentação do livro do Paulo Cordeiro Salgado, nosso grã-tabanqueiro, administrador hospitalar reformado,    "Milando ou Andanças por África" (Torre de Moncorvo: Lema d'Origem, 2019).

Local: A25A - Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95, Lisboa. Data e hora: 21 de fevereiro de 2019, às 18h. Aporesentação a cargo de Mário Tomé.


Sinopse:

Trata-se do lançamento de mais um livro de ficção do autor, que tem por título Milando ou Andanças por África, englobando quatro andanças. São narradas as aventuras e desventuras de personagens reais que passaram por África e que merecem o respeito do autor. Decerto que serão apreciadas pelos leitores..

Paulo Salgado  foi alf mil cav , op esp.,  CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), e é autor do livro "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor". Mário Tomé comandou a CCAV 2721.
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Nota do editor:

Último poste da série >  3 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19466: Agenda cultural (670): As Rotas da Escravatura, série de 4 episódios na RTP 1: 2ª feira, dia 4/2/2019, 4º (e último) episódio > 1789-1888: As Novas Fronteiras da Escravatura 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19469: Notas de leitura (1147): Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
Os relatos de Luís de Cadamosto são reveladores de um viajante curioso que tudo anotava, tinha que prestar contas a quem autorizara a viagem (o Infante D. Henrique) e seguramente que queria trazer notícias rigorosas para Veneza (se havia ouro, quais eram as trocas desejáveis, quais os itinerários da navegação). Tudo leva a querer que esteve próximo do que é hoje a Guiné-Bissau, mais seguro foi a viagem de Pedro de Sintra que se aproximou da Serra Leoa. Se pudemos contar, ainda com as reticências de que o cronista hagiógrafo, com o documento de Zurara sobre o descobrimento da Guiné, Cadamosto introduz uma observação complementar de alguém que buscava mercados e queria conhecer as gentes para saber o que podiam oferecer para a troca e o que esperavam dos barcos que ali aportavam. Mal sabia Cadamosto que em breve o comércio vai de ser de carne humana.

Um abraço do
Mário


Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (3)

Beja Santos

É nesta segunda viagem que Cadamosto chega ao que é hoje a Guiné-Bissau. Avistaram o rio Casamansa, atingiram o Cabo Roxo e mais adiante chegaram ao rio de S. Domingos. Houve um completo desentendimento na comunicação: “Vendo nós que estávamos em país novo, e que não podíamos ser entendidos, concluímos que passar para diante era inevitável”. No entanto, conseguem comprar anéis de ouro, descobrir que há uma agricultura um tanto semelhante à que encontraram nos países acima, mas aqui há pouquíssimo ouro. Cadamosto sente-se surpreendido pelas marés, pelos terrenos subitamente alargados e escreve: “Há, naquela terra, maré montante e vagante, como acontece em Veneza, o ímpeto da corrente da dita maré, quando começa a encher, é quase incrível”.

Convém recordar que as duas viagens de Cadamosto decorreram poucos anos antes da morte do Infante D. Henrique. D. Afonso V, ciente da natureza do projeto henriquino e do ponto a que chegara o conhecimento do litoral africano, manda duas caravelas armadas e o Capitão era Pedro de Sintra, Escudeiro do rei. Cadamosto encontra Pedro de Sintra em Lagos, Pedro de Sintra conta ponto por ponto todas as terras que haviam descoberto e os nomes que lhes tinham posto. Pedro de Sintra chegara à Guiné. As coisas ter-se-ão processado da seguinte maneira. Passaram o Cabo da Verga, e navegaram ao longo da dita costa, pelo espaço de 80 milhas, aproximadamente; descobriram um outro cabo que é o mais alto cabo que até hoje fora avistado, e a meio desse cabo forma-se uma ponta aguda e alta, a modo de ponta de diamante e todo ele está cheio de altíssimas e verdes árvores.

Puseram nome a este cabo, o Cabo de Sagres, em memória de uma fortaleza que fez o Infante D. Henrique, a qual é propriamente uma das pontas do Cabo de S. Vicente, à qual se pôs o nome de Sagres. E é chamada pelos portugueses Cabo de Sagres da Guiné. No relato nota-se de que se já está a falar de uma realidade comum à Senegâmbia, falam de pessoas idólatras porque adoram estátuas de madeira com forma de homens e os negros quando comem ou bebem oferecem de comida aos ídolos. E escreve-se: “São igualmente pretos, mas têm uns sinais feitos com ferro em brasa, tanto na cara como no corpo; são mais depressa pardos do que pretos. Não tem armas, por não haver ferro nas suas terras. Sustentam-se de arroz, milho e legumes, isto é, fava e feijões, de qualidade diferente dos nossos e muito maiores e mais belos. Têm carne de vaca e de cabra, mas não em muita quantidade. Tem esta gente as orelhas todas furadas, com buracos em toda a volta, nos quais buracos trazem vários aneizinhos de ouro, um em seguido ao outro; também têm o nariz furado por baixo, no meio, e aí trazem um anel de ouro, de pendurado, como trazem os nossos búfalos”.

Prossegue a viagem e do Cabo de Sagres da Guiné atingem a Serra Leoa.

Este o essencial dos relatos das duas viagens de Cadamosto e do que contou Pedro de Sintra. Insiste-se que o historiador Damião Peres contesta a descoberta de algumas das ilhas do arquipélago de Cabo Verde como Cadamosto menciona e exibe críticas altamente desfavoráveis a começar por Duarte Leite e Fontoura da Costa. E após uma exposição de críticas e de muitos argumentos contra, Damião Peres observa: “A hipótese formulada por Crone, afirmando não existir razão alguma que impeça ter-se realizado em 1456, na viagem em que participou Cadamosto, o encontro das ilhas cabo-verdianas, embora se admita que o melhor reconhecimento delas, preparador da sua colonização foi realizado em 1459 ou data próxima por Noli, talvez acompanhado por Diogo Gomes”. Dito de outro modo, e à luz dos conhecimentos em meados do século XX, não se exclui que Luís de Cadamosto tenha estado nalgumas das ilhas mas só anos depois é que se considera a sua descoberta e colonização a partir da viagem de Noli e provavelmente acompanhado por Diogo Gomes.

Pedro de Sintra terá viajado desde a foz do rio Geba até uns quilómetros além do Cabo Mesurado, mas já teria anteriormente navegado por lá em vida do Infante D. Henrique. Não nos esqueçamos que ao tempo das comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné (1946) Teixeira da Mota escreveu um dos seus textos mais importantes sobre a descoberta, contestando a hipótese de Nuno Tristão. Mas deixaremos a apresentação deste assunto para mais tarde.


Mapa da Senegâmbia em 1707
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Notas do editor

Postes anteriores de:

21 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19425: Notas de leitura (1143): Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (1) (Mário Beja Santos)
e
28 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19449: Notas de leitura (1145): Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19459: Notas de leitura (1146): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (71) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19468: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte I: A partida no T/T Quanza, em 8/1/1964


Lisboa > Cais da Rocha  Conde de Obidos > dia 8 de Janeiro de 1964. > Partida do BCAÇ 619 para o TO da Guiné, no T/T Quanza (, navio, da CNN - Companhia Nacional de Navegação, construído  na Alemanha, tendo estado ao serviço da marinha mercante 4 décadas, de 1929 a 1968).


Lisboa > Cais da Rocha Conde de Óbidos > T/T Quanza > 8 de janeiro de 1964 > Partida do BCaç 619 para o TO da Guiné > A criança que está no cais de pé no ar é a minha filha Paula Cristina que fazia 2 anos naquele dia. Hoje tem 57 anos e é advogada.


Lisboa > Cais da Rocha  Conde de Óbidos > T/T Quanza > 8 de janeiro de 1964 > BCAÇ 619 > A partida... Adeus, até ao meu regresso!
 

T/T Quanza > BCaç 619 > 8 de janeiro de 1964 > Saída da Barra de Lisboa ao pôr do Sol.


T/T Quanza > BCaç 617 > 9 de janeiro de 1964 > Exercício de salvamento a bordo



T/T Quanza > BCAÇ 619 > A caminho da Guiné > c. 8-15 de janeiro de 1964 > Missa a bordo


T/T Quanza > BCaç 617 > c. 8-15 janeiro de 1964 > Cinema ao ar livre.

Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O João Sacôto  {, João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, de seu nome completo,] foi alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66). Foi Trabalhou depois como Oficial de Circulação Aérea (OCA) na DGAC [Direção Geral de Aeronáutica Civil]. Foi piloto e comandante na TAP, tendo-se reformado em 1998.

Estudou em Instituto Superior de Ciencias Económicas e Financeiras . Andou no Liceu Camões em 1948 e antes no  Liceu Gil Vicente. É natural de  Lisboa. É casado. Tem página no Facebook (a que aderiu em julho de 2009, sendo  seguido por mais de 8 dezenas de pessoas. É membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011 (*)

Da mesma companhia, a CCAÇ 617, é o nosso grã-tabanqueiro Carlos Alberto Rodrigues Cruz, ex-fur mil. Do mesmo batalhão, mas da CCAÇ 616 (Empada, 1964/66), temos Joaquim da Silva Jorge ex-al mil, régulo da tabanca de Ferrel, concelho de Peniche.Tal como  Francisco Galveia, ex-1º cabo cripto, residente em Fronteira. Da CCAÇ 618 (Binar e Susana, 1964/74) temos o João Pinho dos Santos, ex-alf mil, infelizmente já falecido. Ao todo, temos 5 representantes do BCAÇ 619, na Tabanca Grande, o que está dentro da média: um em cada em camaradas da Guiné apresenta-se ao portão de armas da Tabanca Grande...



2. Começamos hoje a publicar uma seleção de fotos (a cores e a preto e branco) do álbum do João Sâcoto, de inegável interesse documental. Tanto quanto possível vamos seguir uma ordem cronológica e temática, começando hoje pela partida para o TO da Guiné no N/M Quanza, em 8 de janeiro de 1964. 

Mas antes convém dizer aqui duas palavrinhas sobre  a CCAÇ 617 e o BCAÇ 619


2.1. Do historial do BCAÇ 619 (Catió, 1964/66), destaca-se o seguinte:

(i) foi mobilizado pelo Regimento de Infantaria nº 1, Amadora;

(ii) sob o comando do tenente-coronel de Infantaria Narsélio Fernandes Matias; 2º comandante o major de infantaria Manuel de Jesus Correia; oficial de informações e operações/adjunto,  o cap inf Rogério Jorge Vale de Andrade; cmdt da CCS (Companhia de Comando e Serviços ),  o  capy  SGE José Francisco Galaricha;

(iii) a sua divisa era: “Sentinela do Sul”;

(iv) embarca em Lisboa no dia 8 de janeiro de 1964 e desembarca em Bissau a 15, juntamente as suas subunidades de quadrícula: CCAÇ 616, CCAÇ 617 e CCAÇ 618;

(v) em 17 de janeiro de 1964 assume a responsabilidade do Sector F, substituindo o BCAÇ 356;

(vi) tem a sede em Catió e os subsetores de Catió, Empada, Bedanda e Cabedú;

(vii) integrou a Operação Tridente (Ilha do Como, de 5 de janeiro a 24 de março de 1964);

(viii) passou a integrar na sua zona de acção o subsetor de Cachil;

(ix) entre as operações que coordenou destacam-se as operações “Broca”, “Campo”, “Razia” e “Satan”, tendo apreendido 1 metralhadora pesada, 4 ligeiras, cerca de meia centena de espingardas e pistolas metralhadoras, 30 minas e 59 granadas de armas pesadas;

(x) no dia 11 janeiro 1965 o setor passa a ser designado por Setor S 3 e em 17 de janeiro de 1965 passa a incluir o subsetor de Cufar, então criado na sua zona;

(xi) com as populações dispersas, a 17 de março de 1965 iniciou a experiência de reagrupamento de populações, sendo criada a tabanca de Ualala, para o efeito;

(xii) é rendido em 21 de janeiro de 1966, pelo BCAÇ 1858, seguindo para Bissau e ficando a aguardar embarque.


2.2. Quanto à CCAÇ 617:

(i) permaneceu inicialmente em Bissau, como força de reserva do CTIG, colaborando na segurança e protecção das instalações e das populações da área, tendo integrado o dispositivo do BCaç 600 em substituição da CCaç 273.

(ii) em 1 de março de 1964, por troca com a CCaç 414, foi colocada em Catió como subunidade de intervenção e reserva do sector e ficando então integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão, tendo actuado em várias operações realizadas nas regiões de Ganjola, Cobumba, Cufar Nalú, Cabolol e Catunco, entre outras.

(iii) em 22 de setembro de de 1965, por troca com a CCaç 728, assumiu a responsabilidade do subsector de Cachil, onde se manteve até ser rendida pela CCaç 1424 em 16 de janeiro de 1966,, após o que recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

(iv) comandante: cap inf António Marques Alexandre.
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19467: Parabéns a você (1570): Cap Inf Ref José Belo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70) e Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6 (Guiné, 1971/72)


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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19461: Parabéns a você (1570): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305 (Guiné, 1970/73)

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19466: Agenda cultural (670): As Rotas da Escravatura, série de 4 episódios na RTP 1: 2ª feira, dia 4/2/2019, 4º (e último) episódio > 1789-1888: As Novas Fronteiras da Escravatura




RTP1 | 2ª feira, 4 Fev 2019 | 23h43

Género > Documentário - História


1789-1888: As Novas Fronteiras da Escravatura 
| Episódio 4 de 4 | 

Duração: 53 min


Sinopse>

Em 1790, o tráfico negreiro atinge o seu zénite. Mais de 100 000 cativos são deportados todos os anos.

No advento do séc. XIX, a violência dos negreiros dita a condenação do tráfico transatlântico. Doravante, a Europa terá de encontrar um meio de enriquecer sem recorrer a este tráfico, agora, imoral.

Nos anos que se seguem à proibição do tráfico, os europeus vão fazer recuar as fronteiras da escravatura.

O Brasil guarda nele a herança dos últimos anos da escravatura.

No momento em que o comércio de escravos é proibido, uma segunda vaga de deportações de cativos chega à Baía do Rio de Janeiro.

Com mais de dois milhões de escravos desembarcados no séc. XIX, o Rio tornou-se o maior porto de tráfico do mundo.


Rever últimos episódios no RTP Play

1620-1789: Do Açúcar à Revolta  | Episódio 3 | 28 Jan 2019


Ficha Técnica

Título Original: Les Routes de l´esclavage
Realização: Daniel Cattier, Juan Gelas, Fanny Glissant
Produção: Compagnie des Phares et Balises, ARTE France, Kwassa Films, RTBF, LX Filmes, RTP, Inrap
Música: Jérôme Rebotier
Ano: 2017
Duração de cada episódio: 53 minutos

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Guiné 61/74 - P19465: Blogpoesia (606): "O Fado de Lisboa", "Acridoces..." e "Meu pensamento", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:

O fado de Lisboa

Rezam as lendas que, vindo da Grécia,
deixou o mar, subiu o Tejo, numa madrugada de luar.
Era Ulisses. Deixara Ítaca e sua esposa.
Lisboa era uma urbe humilde.
Estendida pela colina que, hoje, é do Castelo.

Extasiado com sua beleza, aqui ficou.
Por ela andou e cirandou.
Fez-se um seu.

Saíam à porta a ouvi-lo as gentes
quando, pela madrugada, passava entoando loas, em voz sonora.
Ninguém entendia.
Eram saudades.
Faziam chorar.

Até que um dia, de madrugada,
não resistindo,
desceu o rio e se fez ao mar.
Penélope o esperava, longe.

Tão forte e belo era o seu canto,
calou profundo na alma das gentes.
Ainda hoje perdura nas suas ruelas,
nas casas de fado.
À guitarra:

- Ai, Mouraria, na velha rua da Palma...
- Foi Deus...
- Mãe negra...

Ouvindo Carlos Paredes

Berlim, 27 de Janeiro de 2019
10h27m
Jlmg


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Acridoces...

Acridoces são as saudades de Lisboa.
Distante, para lá dos Pirinéus.
Onde o sol se põe em cada dia.
E o mar é o fim do mundo.

Me rendo ao esplendor dos seus clarões.
Me consolo com a memória dos dias doces que por lá andei.
Aquelas descidas à Baixa pelo Chiado.
Ao Rossio engalanado de verdura.
À Rua Augusta que é augusta e elegante, com suas vitrinas.
O Elevador altivo donde se alcança Lisboa para todo o lado.

Subir a Avenida larga e saborear a doçura da liberdade.
Aquele Parque solene ao cimo, que nos transporta até ao céu.
Girar de eléctrico por toda a parte, no meio das gentes atarefadas.
Como se está à janela da nossa casa.

Quem me dera, agora, sentar-me à mesa e tomar uma bica com o Pessoa...

Ouvindo Tchaikovsky - Hymn of the Cherubim - USSR Ministry Of Culture Chamber Choir

Berlim, 29 de Janeiro de 2019
8h28m
Jlmg


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Meu pensamento

Largo ao vento meu pensamento livre.
Qual condor, de asas abertas,
Sobre os penhascos das escarpas imensas.
Procurando a presa.

Desfaço em pedras minha mole inerte,
Como brasa a arder.
Queimo no chão a lenha inútil.
Garimpo na areia pepitas d'oiro,
Sonhando ser rico.

Incendeio na eira toda a palha seca e para nada serve.

Exponho ao sol minha alma a arder.
De olhos fechados, subo aos céus e contemplo o infinito.
Inibrio meu espírito sedento, de perfumes de alabastro.
Enlevo-me a ouvir acordes sublimes de beleza.
Nem a tela nem a pena conseguem traduzir...

Ouvindo HAUSER - Song from a Secret Garden

Berlim, 1 de Fevereiro de 2019
8h25m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19444: Blogpoesia (605): "Andorinhas de Lisboa", "Fugacidade da vida" e "As calçadas de Lisboa", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19464: Os nossos seres, saberes e lazeres (306): Viagem à Holanda acima das águas (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
Era sonho muito antigo, conhecer esta herança portuguesa, a mais importante Sinagoga na Europa, que não a mais antiga. É ofuscante, deslumbra este compromisso entre um luxo contido e uma sobriedade de mobiliário e ornamentação, numa outra dimensão. E o diálogo das culturas, está ali a traça europeia e a especificidade dos artefactos e alfaias judaicas. Creio que a sinagoga mais antiga está em Praga, era ali que os nazis se preparavam para ter uma mostra dos "homens inferiores", no seu dizer racial. A Esnoga é o espelho de uma sociedade que ganhara opulência, os judeus sentiam-se seguros naquele país onde se gozara da liberdade de expressão enquanto nos demais as guerras religiosas destruíam civilização e cultura.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (10)

Beja Santos

Fotografia dos canais de Amesterdão, retirada de http://www.dutchamsterdam.nl/6623-amsterdam-canals, com a devida vénia.

Para um neófito, sair do Rijks de Amesterdão e querer ir diretamente à Sinagoga Portuguesa, pode ser uma dor de cabeça, andarilhar por aqueles canais, apanhar um elétrico na boa direção e sair no sítio certo, e depois palmilhar ruas e ruelas até chegar à Sinagoga. O viandante procurara saber um pouco mais sobre Amesterdão, lendo um dos livros de Bill Bryson (“Nem Aqui, Nem Ali, a Europa, de Estocolmo a Istambul”, Quetzal Editores, 2008). Bryson é considerado o autor de livros de viagens mais lido em todo o mundo, o que o viandante leu sobre Amesterdão não deu grande esclarecimento. Escreve ele: “Em virtude de os Holandeses se terem vindo a congratular a si mesmos pela sua tolerância inteligente durante todos estes séculos, é-lhes agora impossível não se acomodarem generosamente aos graffiti, aos hippies desgastados, à caca de cão e ao lixo”. Depois de visitar o bairro da prostituição declara ter passado a manhã no Rijks e não esconde elogios rasgados aos 250 compartimentos repletos de quadros maravilhosos. E dali seguiu para a casa de Anne Frank. O viandante não seguiu esse itinerário, pediu ajuda a Laurens Van Krevel, e atravessou-se o centro de Amesterdão.



Bem gostaria o viandante de dizer que morre de amores por esta cidade, tal não acontece, o que não significa que não haja encontro auspicioso com esta ligação aos canais, as fachadas de edifícios com ar tão mercantil, o céu está um pouco plúmbeo, reflete-se na luminosidade, como é óbvio, e até no estado de alma, vai-se cheio de curiosidade conhecer esse templo que ancestrais portugueses, fugidos à perseguição da Inquisição, aqui construíram, a monumental Esnoga, a Sinagoga Portuguesa, a mais ampla de toda a Europa, escapou à fúria dos nazis.



A Esnoga está no coração do velho bairro judeu de Amesterdão, foi recentemente restaurada, ao seu lado funcionam alguns museus que acolhem uma importante coleção de objetos de ritual, o viandante a determinada altura viu escrito Livraria Montezinos, aquilo cheirou a Portugal ou a Espanha, informaram-no na receção que estava fechada. A Sinagoga foi construída em 1675 por judeus sefarditas fugidos de Portugal e Espanha, imigrantes e descendentes daqueles judeus fugitivos do final do século XV e princípio do século XVI. Foram os imigrantes, eles próprios chamaram à Sinagoga Portuguesa porque os Países Baixos ao tempo estavam em guerra com o império espanhol. Aqui os judeus encontraram a liberdade religiosa que fora promulgada pela União de Utrecht (1579), estamos então na Idade do Ouro dos Países Baixos, Amesterdão é uma mescla de asquenazes e sefarditas. A fachada, como se vê, é pouco impressionante, muito austera, parece um armazém reconvertido, o esplendor está sempre presente no interior.




A atual Sinagoga aproveitou o local da anterior (que datava de 1639), preparou-se para receber 1200 homens e 440 mulheres, foi consagrada em 2 de agosto de 1675. A que podemos visitar está exatamente como era, só com os acrescentos do progresso, caso da eletricidade. Mesmo que o viandante ande de brochura em punho, tem dificuldade em falar de artefactos e alfaias religiosas como Teba, Hechal, Ner tamid, vai regalando os olhos pelos belos móveis, pela profusão de luzes, pelo coro. Acaba por descobrir que em 1889 o livreiro David Montezinos ofereceu a sua preciosa biblioteca que está hoje incluída no registo da UNESCO, a ver se na próxima visita o viandante pode dar uma espiada pelos 20 mil volumes, centenas de manuscritos e dezenas de milhar de documentos avulsos. Há livros em todos os idiomas, incluindo o Yiddish e o Ladino.




A Esnoga tem muito para ver e um viandante português não perde ocasião para ver nas lápides os nomes dos portugueses prosélitos e generosos que puseram de pé este monumento incomparável. Porque há tesouros de objetos cerimoniais, tecidos de uma grande beleza. E há o bairro cultural judeu, que inclui o Museu Histórico Judeu, a Sinagoga em si com a sua biblioteca, o Monumento a Auschwitz, o Museu do Holocausto, o Monumento a Espinosa, são imensos os percursos propostos, o mais importante de tudo é que o viandante já registou os nomes Mendes Coutinho, vários Pereira, a família de Pinto, Jerónimo Nunes da Costa, está consolado, a idade não perdoa, está bem esmoído, vai regressar a Alphen, mas antes ainda quer percorrer a pé alguns troços por Amesterdão, amanhã é dia para Haia. À noite, a ler um livro sobre o Rijks de Amesterdão encontrou uma pintura de Emanuel de Witte, de 1680, com o interior da Sinagoga Portuguesa de Amesterdão. Despede-se o viandante com tal imagem, é orgulho de andarmos pelas sete partidas, se dói não haver a feitoria portuguesa na Flandres, ao menos temos a Esnoga em todo o seu esplendor a falar da alma lusa.




(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19440: Os nossos seres, saberes e lazeres (305): Viagem à Holanda acima das águas (9) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19463: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XII: cap inf Izidoro Azevedo Gomes Coelho (Vila Real, 1936 - Ambriz, Angola, 1964), cmdt da CCAÇ 539, morto por uma mina A/C com mais 7 dos seus homens





Eis os mortos desse dia, para além do capitão:

Agostinho Arromba Soares Fonseca,  1º cabo;
Alberto José Fernandes Machado,  fur mil;
Joaquim Gonçalves de Magalhães,  sold;
Armando Augusto Oliveira Moreira, sold;
Manuel Fernando Alves Nogueira, 1º cabo;
Augusto Martinho Rodrigues, sold.



1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia)Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972. Foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar.


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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de janeiro de 2019 > Giné 61/74 - P19453: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XI: cap cav António Lopo Machado Carmo (Coimbra, 1933 - São Domingos, Guiné, 1963), comandante da CCAV 252 (1961/63)

Guiné 61/74 - P19462: (In)citações (125): Por histórias de amizade e camaradagem como as do Jonas (que combateu depois pelo MPLA e morreu no Huambo em 1982) e do Sessendje (que se alistou na UNITA), eu posso orgulhar-me de ter pertencido à CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 (Zemba, Angola, 1972/74), que promoveu a amizade e não o ódio (Fernando de Sousa Ribeiro)


Foto nº 1 A > À frente do pelotão o furriel miliciano Luís Macedo; o sexto militar que se vê à direita do Macedo, e que é o mais pequeno de todos, era  o Domingos Jonas, que tinha como alcunha "Miúdo", um soldado natural do Huambo [Nova Lisboa]


Foto nº 1 B > O resto do pelotão, em formatura


Angola > Zemba > CCAÇ 3535 (1972/74) > O meu  grupo de combate que comandei, quase todo, em Zemba.


Foto (e legenda): © Fernando de Sousa Ribeiro (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso editor Luís Graça , enviada em 12/1/2019 ao Fernando de Sousa Ribeiro [, foto à esquerda]


Fernando: vejo que tens montes de recordações boas de Angola e dos teus/nossos camaradas angolanos... E mais: tens um livro inédito... À espera de quê ?

Podes partilhá-lo no todo ou em parte no nosso blogue...Pelo menos, chegas a um público mais vasto... E há cada cada vez mais gente interessada em conhecer a história, a geografia e a cultura de Angola... e nomeadamente a segunda metade do sec. XX, terrível para o povo angolano...Quando fui lá pela primeira vez, em 2003, havia dezenas e dezenas, talvez centenas, de mutilados de guerra nas ruas... 400 mil deficientes diziam-me, terá sido o balanço da chamada 2ª guerra da independência...

Pediram-me para lá voltar em 2019, não sei se já terei forças... Angola, hoje, não é para todos!

Gostava de poder publicar o texto que escreveste, com as nevessárias adaptações, não vou exibir o vídeo, até porque não falamos da "atualidade política" dos nossos países... Por uma questão de coerência, autenticidade, economia de meios, etc. Seria uma "caixinha de Pandora"... E eu só me interessa o "material vivido", as experiências, as emoções, as recordações do tempo da guerra colonial...

2. Resposta do Fernando de Sousa Ribeiro, com data de  13/01/2019, 17:56



 Caro Luís,

Tenho a maior relutância em publicar o meu livro por várias razões. 


Uma prende-se com o facto de eu fazer nele acusações claras e diretas a diversas pessoas e organismos, com nomes, descrições, fotografias, etc. Eu quis que as minhas memórias fossem tão factuais quanto possível, mas não pretendo atingir ninguém em concreto, apesar dos pormenores que dou. O que pretendo é mostrar como aconteceram certos factos que não deviam ter acontecido, independentemente de quem os protagonizou. Assim, só no futuro é que o meu livro poderá interessar (ou não) a alguém, mas não enquanto eu estiver vivo.

Por outro lado, publicar um livro de memórias da guerra colonial é o mesmo que deitar dinheiro fora, a menos que eu me chame António Lobo Antunes ou Carlos Vale Ferraz. Já existem dezenas e dezenas de livros publicados sobre a guerra, com os mais diversos pontos de vista, mas cada um deles só tem vendido meia-dúzia de exemplares. 


O meu seria mais um livro a acrescentar ao monte. Lembro o caso do primeiro capitão que a minha companhia teve e que também publicou um livro. Dois ou três anos depois de o livro ter sido lançado no mercado, o autor foi contactado pela editora (a D. Quixote), informando-o que os exemplares não vendidos estavam a ocupar um espaço precioso nos armazéns e perguntando-lhe se pretendia ficar com eles ou se preferia que fossem destruídos. Ele quis ficar com eles e agora tem a casa atulhada de livros!

A guerra colonial em Angola foi uma coisa terrível, é verdade que sim, mas ela foi uma brincadeira de crianças comparada com a guerra civil que se seguiu, a qual atingiu um número incomparavelmente maior de pessoas, durou muitíssimo mais tempo e teve consequências infinitamente mais devastadoras. Ainda agora há pessoas que são mortas ou ficam mutiladas por acionarem minas terrestres, apesar dos milhões e milhões de minas que já foram levantados.

A propósito, refiro-te um facto que talvez desconheças e que se prende com o destino que foi dado aos angolanos que combateram nas fileiras das Forças Armadas Portuguesas. Muito ao contrário do que se terá passado na Guiné, em Angola todos os movimentos procuraram atrair para si os ex-militares que os tinham combatido na guerra colonial, para aproveitarem a sua experiência de combate na guerra civil. 


Os meus maravilhosos camaradas angolanos também foram aliciados para aderirem a este ou àquele movimento, depois de terem passado à disponibilidade. Uns aderiram ao MPLA, outros à UNITA, nenhum aderiu à FNLA e a maior parte deles preferiu manter-se na condição civil, sem que fossem molestados por esse facto.

Mando-te em anexo uma fotografia que mostra o grupo de combate que comandei, quase todo, em Zemba. À frente da "formatura" vê-se o heróico furriel Luís Macedo, que é português (Foto nº 1A]. O sexto militar que se vê à direita do Macedo, e que é o mais pequeno de todos, era um soldado natural do Huambo chamado Domingos Jonas, que tinha como alcunha "Miúdo". A valentia deste soldado era inversamente proporcional à sua estatura. Ele e o furriel Macedo foram precisamente os dois militares mais valentes do grupo. 


Depois de ter concluído o serviço militar no Exército Português, no fim de agosto de 1974, o soldado Jonas alistou-se nas FAPLA, o braço armado do MPLA, pelas quais combateu até que morreu perto do Huambo em 1982. A notícia da morte do soldado Jonas foi dada por um outro antigo soldado da minha companhia, mas não do meu grupo, chamado Mário Sessendje, que aderiu à UNITA. 

Agora repara: o Jonas e o Mário conheceram-se na minha companhia, tornaram-se amigos e a sua amizade prevaleceu sobre o ódio que opôs os movimentos a que aderiram, o MPLA e a UNITA. Mesmo combatendo em campos opostos, o Jonas e o Mário mantiveram-se em contacto e conservaram a sua amizade intacta, até que a morte de um deles os separou. 

Só por isso, acho que me posso orgulhar de ter pertencido à Companhia de Caçadores 3535, que promoveu a amizade e não o ódio.


Um abraço


Fernando de Sousa Ribeiro
membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780]

2. Nota do editor:

A CCAÇ 3535 foi mobilizada pelo RI 16, partiu para Angola em 13/6/1972 e regressou em 28/8/1974. Esteve em Zemba, P. R. Zádi. Comandantes: cap mil inf José Manuel de Morais Lamas Mendonça e Silva, e cap mil inf José António Pouille Nobre Antunes. Pertencia ao BCAÇ 3880, sediado em Zemba e Maquela e comandado  pelo ten cor inf Armando Duarte de Azevedo. As outras duas subunidades eram a CCAÇ 3536 (Cambamba, Fazenda Costa) e a CCAÇ 3537 (Mucondo, Béu).

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Nota do editor:

Último poste da série >  1 de fevereiro de  2019 > Guiné 61/74 - P19458: (In)citações (124): A Angola e os angolanos que eu conheci e que ficaram no meu coração: os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo, do admirável e sofrido povo de Angola; (...) para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual, olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem ... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, 1972/74)

Guiné 61/74 - P19461: Parabéns a você (1570): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305 (Guiné, 1970/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19451: Parabéns a você (1569): Luís Graça, ex-Fur Mil Armas Pesadas Infantaria da CCAÇ 12, fundador e editor deste Blogue e Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil SAM do BCAÇ 1933 (Guiné, 1967/69)