sábado, 20 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19997: Os nossos seres, saberes e lazeres (343): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Fevereiro de 2019:

Queridos amigos,
Se é axioma o que escreveu Saramago que o que se vê no verão não é o mesmo que se vê no inverno, que o que se vê de manhã não é exatamente o mesmo que se vê à tarde, e se, acima de tudo, esta viagem se processava sobre o signo da revisitação de lugares conhecidos há décadas e que, em muitos casos, permaneciam no limbo da memória, aqui se confessa o prazer consumado de ir verificar espaços por onde se andara e onde houve mudanças de tomo, mas os mesmos tesouros que então se conhecera apareciam agora com novo look.
Não sei se é verdade se Bruxelas é a capital europeia, mas mesmo que não seja é um dos locais do mundo onde aparecem exposições inolvidáveis, de génio rebarbativo, atenda-se ao que aqui se diz da exposição do Bozar "Além de Klimt", uma verdadeira delícia.

Um abraço do
Mário


Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (6)

Beja Santos

O dia começa no Parque do Cinquentenário, recorde-se que este faustoso empreendimento arquitetónico teve a ver com a comemoração dos cinquenta anos da independência do reino da Bélgica em 1880. Arco grandioso onde se misturam elementos estilísticos Luís XVI e outros mais clássicos, tudo para glorificar a Bélgica pacifista e heroica. Os edifícios do Parque albergam museus e cá fora temos esculturas de grande valor. O viandante passa rente ao Museu do Automóvel, com modelos provenientes de todo o mundo, ainda não se disse mas este parque também acolheu a Exposição Universal de 1897, do outro lado temos o Museu do Exército e da História Militar, mas aonde exatamente o viandante entra é nos Museus Reais de Arte e de História.


É um museu com coleções incomparáveis, desde as Antiguidades do Próximo Oriente, do Egito, da Grécia, da Etrúria e de Roma, há um importante acervo da arqueologia nacional, da Pré-História às civilizações merovíngias, seguem-se as artes decorativas, joalharia e muitíssimo mais. Não menos impressionantes são as coleções de arte não-europeia que nos falam das civilizações da América, da Polinésia e da Micronésia, há uma espantosa estátua proveniente da Ilha de Páscoa, exemplares de arte muçulmana, são não menos impressionantes as salas temáticas com objetos de prata e cerâmica, até instrumentos de precisão. Assim se passou a manhã toda, com indisfarçável alegria. Caminha-se para o centro da cidade e após amesendar o viandante atira-se para outra empreitada maior no Palácio das Belas-Artes, arquitetura do prodigioso Victor Horta, o museu chama-se Bozar e a exposição tem um título por demais sugestivo “Além de Klimt”.



Foi decisão difícil, pois ali ao lado havia uma não menos tentadora exposição sobre Berlim entre 1912 e 1932. A decisão está tomada, é uma oportunidade única para conhecer a vida cultural de Viena durante a guerra e depois, vai empalidecer a estrela de Gustav Klimt, entram em cena jovens expressionistas como Kokoschka e Egon Schiele. Klimt morre em fevereiro de 1918, está a irromper, vibrátil, o expressionismo.


Gustav Klimt foi o nome maior da Arte-Nova na sua variante vienense que teve a designação de Wiener Secession. Este quadro foi pintado no seu último ano de vida, é uma composição simples e a tela ficou inacabada. O modelo foi Johanna Staude que também pousou para outro génio da pintura, que aqui vai aparecer, Egon Schiele. É difícil imaginar que enquanto os homens morriam aos milhões nas trincheiras e em combates sangrentos, a vida cultural de Viena não esmorecia.



Egon Schiele foi um génio precoce, em março de 1918, durante a 49.ª exposição da Wiener Secession, triunfou completamente. Génio precoce com morte precoce, uma dezena de dias antes do Armistício, morrerá com a gripe espanhola. É conhecido por ser um pintor radicalmente expressivo, gostava de atmosferas contemplativas. Neste quadro temos dois homens agachados num espaço indeterminado. Até parece que se trata de uma figura duplicada e há fortes semelhanças nos rostos com Egon Schiele, são olhares sonhadores no vazio, mais uma tela inacabada.




O visitante vai de surpresa em surpresa, vanguardistas húngaros, peças desconhecidas de Alfons Mucha, o inconformismo berrante de Oskar Kokoschka, inevitavelmente o entusiasmo pela guerra ou a denúncia da carniçaria, obras alegóricas, psicodramas.


Este Ecce Homo de Anton Hanak é arrasador, uma emanação de um mundo despedaçado, sente-se neste bronze a longa e rica tradição do Humanismo Europeu, da Antiguidade Greco-Romana e do Cristianismo. Hanak era um dos escultores austríacos mais conhecidos, legou-nos figuras simbólicas e visionárias sem paralelo neste Império Central.




Para além de Klimt também nos remete para seguidores do construtivismo russo, para essas coisas novas onde se aplicavam os grandes princípios da abstração. Há uma figura espantosa, reabilitada nas últimas décadas, o húngaro László Moholy-Nagy, um dos avatares da escola da Bauhaus, uma instituição de vanguarda que teve que encerrar portas na alvorada do nazismo. László Nagy era um artista dos sete ofícios, uma curiosidade ferverosa pela escultura, fotografia, arquitetura, cinema e teatro. Na sequência cronológica em que se organiza a exposição são exploradas outras dimensões, como a abstração-criação e o surrealismo, as múltiplas variações sobre o figurativo, a adesão aos ideais revolucionários, a apologia declarada aos nacionalismos.






Enfim, uma esplendorosa exposição que permite visualizar os percursos das artes plásticas no final da vida de Klimt, movimentos que estavam em incubação e que degeneraram no expressionismo, em novas manifestações do figurativo, passando pelo surreal e pela modificação do real numa espécie de desintegração do indivíduo. Não será por acaso que Kokoschka aparece como figura transversal e terminal deste vasto caleidoscópio de manifestações artísticas, sempre na vanguarda e acabando por se distanciar explicitamente das correntes abstratas do seu tempo, vendo-se como alguém que “perpetua a grande tradição austríaca do barroco, renovando-a”, alguém que se mostrou sempre sensível aos sinais do tempo. Mais um dia de felicidade para o viandante, anoitece e faz frio, regressa a casa, vai preparar depois do jantar a viagem do dia seguinte, desta feita na Flandres, em Gand.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 13 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19976: Os nossos seres, saberes e lazeres (340): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (5) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 19 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19995: Os nossos seres, saberes e lazeres (342): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (2) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

Guiné 61/74 - P19996: Agenda cultural (695): o fabuloso grupo musical Galandum Galundaina, 4 vozes, 20 instrumentos, os sons únicos, ancestrais, das Terras de Miranda, Nordeste Transmontano, hoje, às 24h00, na "Batalha do Vimeiro, 1808", Vimeiro, Lourinhã


Foto do grupo Galandum Galundaina: da esquerda para a direita: (i) Paulo Preto:  voz, sanfona, gaita de fole mirandesa, dulçaina, flauta pastoril e tamboril; (ii) Paulo Meirunho: voz, bombo, rabel, gaita de fole, realejo, garrafa, castanholas, pandeireta, pandeiro mirandês; (ii) Alexandre Meirunhos: voz, caixa de guerra, bombo, pandeireta, pandeiro mirandês, tamboril, cântaro, almofariz; (iv) João Pratas: voz, flauta pastoril , flauta de osso, tamboril , saltério, flauta transversal, bombo, pandeiro mirandês, charrascas


Hoje, 20 de julho, às 24h00, no Vimeiro, Lourinhã, no âmbito do Programa da Recriação Histórica da Batalha do Vimeiro de 1808 e Mercado Oitocentista, Vimeiro, Lourinhã, 19, 20 e 21 de julho de 2019 (*).

Entrada gratuita!




Sobre o Galandum Galundaina:

Faz parte da genealogia de uma região com um património musical e etnográfico único, que durante muito tempo ficou esquecido. 

Ao longo dos últimos 20 anos o grupo contribuiu para o estudo, preservação e divulgação da identidade cultural das Terras de Miranda, Nordeste Transmontano.

O seu trabalho de investigação e recolha, junto de pessoas mais velhas com conhecimentos rigorosos do legado musical da região, a par da formação académica na área da música, concretizou-se num sentido renovado no modo de entender as sonoridades que desde sempre conheceram. 

Com a sua música não procuram criar novos significados, mas antes descrever os lugares e a vida; encontrar as raízes que permitem que a cultura se desenvolva.

Para além da edição de três discos e um DVD ao vivo, o trabalho do grupo inclui:

(i) a padronização da gaita-de-foles mirandesa;

(ii) a construção de instrumentos tradicionais (usados em concerto);

(iii)  a organização do Festival itinerante de cultura tradicional “L Burro i l Gueiteiro”;

(iv) bem como a produção e programação de outros festivais/eventos relacionados com a cultura tradicional.

Em palco os quatro elementos apresentam um repertório vocal e instrumental na herança do cancioneiro tradicional das Terras de Miranda, onde as harmonias vocais e o ritmo das percussões nos transportam para um universo atemporal. 

Das memórias da Sanfona, da Gaita-de-foles Mirandesa, da Flauta pastoril, do Rabel, do Saltério, do Cântaro, do Pandeiro mirandês, do Bombo e da Caixa de Guerra do avô Ventura, nasce uma música que acumula referências, lugares, intensidades, tempos. 

Para Galandum Galundaina a música não se inventa; reencontra-se.

Os álbuns editados têm tido uma excelente apreciação pela crítica especializada. Em 2010 para além da atribuição do Prémio Megafone, o álbum Senhor Galandum foi reconhecido pelos jornais Público e Blitz como um dos dez melhores álbuns nacionais. 

Do seu roteiro fazem parte alguns dos mais importantes Festivais de World Music/Folk em Portugal, Espanha, França, Itália, Bélgica, Alemanha, Marrocos, Cuba, Cabo Verde, Brasil, México e Malásia.

Fonte: Página do Galandum Galundaina
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 10 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19965: Agenda cultural (694): Programa da Recriação Histórica da Batalha do Vimeiro de 1808 e Mercado Oitocentista, Vimeiro, Lourinhã, 19, 20 e 21 de julho de 2019: entrada gratuita (Eduardo Jorge Ferreira)

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19995: Os nossos seres, saberes e lazeres (342): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (2) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

1. Lembremos o que nos dizia o nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), na sua mensagem de 12 de Julho de 2019, onde nos falava de um projecto em que esteve envolvido no Saltinho, a criação de um jornal para a CCAÇ 2701, a que foi dado o o título de O Saltitão:

Quando, no final de Agosto/71, após as minhas primeiras férias na metrópole, regressei ao Saltinho, fui convidado pelo Capitão Carlos Trindade Clemente, Comandante da Companhia ali instalada (CCAÇ 2701), para levar avante a criação do Jornal da Unidade, que era uma coisa que ele tinha em mente há muito tempo. Só ele saberá das razões que o levaram a escolher-me para missão de tamanha responsabilidade, tanto mais que eu não fazia parte dos quadros da Unidade – estava lá em diligência desde Março/71, após estágio de informações, com a duração de cerca de três meses, em Bambadinca. Claro que logo aceitei a incumbência com o maior entusiasmo, ou não tivesse eu, sem que ele conhecesse o facto, grande experiência do antecedente naquelas coisas do jornalismo – fora, de parceria com um conterrâneo do mesmo pelotão, o grande feitor do Jornal de Parede da 5.ª Companhia no RI 5, nas Caldas da Rainha (recruta do 4.º turno de 1969 – Curso de Sargentos Milicianos), após termos afastado a indesejável concorrência à bofetada.
[...]
Esposende, 10 de Julho de 2019
Mário Migueis

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2. Páginas 5 a 11 do primeiro número de O Saltitão








(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 18 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19989: Os nossos seres, saberes e lazeres (341): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (1) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

Guiné 61/74 - P19994: Facebook...ando (52): Viva o STM - Serviço de Transmissões Militares, embora as nossas "comunicações" andem um bocado lentas... (Guilherme Morgado / Hélder Sousa)


Sintra > Praia da Aguda > c. 1980 > O Guilherme Morgado. Foto de cronologia da sua página no Facebook, com a devida vénia...


1. Afinal de contas, já tínhamos trocado "galhardetes", em 23 de junho de 2015, na nossa página do Facebook, o Guilherme Morgado (*), o editor Luís Graça e o nosso colaborador permanente Hélder Sousa... Levamos 4 anos a retomar as nossas conversas,o que na vida de um homem é muito tempo (5% da atual esperança média de vida de um português). Em boa verdade, as nossas "comunicações" andam lentas...

Aqui vai um apanhado delas, das nossas "comunicações" (**)...

(i) Guilherme Morgado  (já era então, em 2015,  nosso amigo no Facebook):

O meu nome completo é Guilherme António Resendes Morgado. Fui Furriel Miliciano nr mec. 016819/69. Estive na Guiné Bissau de Abril de 1971 a Maio de 1973, no STM de Santa Luzia no QG desta cidade. 

Conheci toda a Guiné à conta das instalações radio telefónicas dos VHF e conheci o seu blogg através do artigo que o jornal Público tem apresentado sobre um assunto sobre o qual tenho uma crítica pouco favorável. Aliás já lhes apresentei as razões da minha discordância sobre este tipo de trabalho. Enfim, jornalistas! 

Mas bastou-me saber que existe uma bela plataforma informática de antigos combatentes da Guiné (terra que muito amei, amo e onde deixei amores) para me recordar de alguns dos melhores anos da minha vida, mau grado o estado de guerra que se viveu. 

Proximamente enviarei fotos e pdf´s de alguma documentação minha para constar nos vossos files. Um grande abraço para si e para todos os camaradas que estiveram na Guiné. Realmente o mundo é pequeno, mas a nossa Tabanca é grande. Até à próxima.

2. Houve, na altura, 3 comentários, do editor da Tabanca Grande, do Hélder Sousa e do próprio Guilherme Morgado:

Guilherme, és bem vindo!.. Temos muito gosto em acolher-te!... Na Tabanca Grande todos os camaradas da Guiné cabem com tudo aquilo que os une e até com aquilo que os separa... Manda o teu material através do nosso endereço de email: O blogue é a nossa casa comum... Esta página do Facebook é apenas o "hall" de entrada... Endereço de email: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com


(iii) Hélder Valério de Sousa


Caro Guilherme, devemos ter tido algum cruzamento no tempo por lá, já que a minha comissão foi de Novembro de 1970 a Novembro de 1972. Também pertenci ao STM e por via disso fui para Piche até quase ao final de 1971 donde vim para ingressar na "Escuta"… e onde estive até ao final da comissão. 

Faz como está indicado, vai pelo endereço de mail do Blogue e conta-nos as tuas memórias. Nesse tempo, comigo na "Escuta" estavam os Fur. Mil. Eduardo Pinto, o Nelson Batalha, o Manuel Martinho, o José Fanha, todos do meu Curso,  e ainda havia o António Calmeiro. talvez também te lembres do Vítor Raposeiro. No Blogue também estão o Vasconcelos, o Belarmino Sardinha, o Manuel Dias Pinheiro Gomes, e outros que assim de repente não recordo.

(iv) Guilherme Morgado

Lembro-me bem do [Belarmino] Sardinha e seguramente estive com mais alguns. Fui a Piche quando fomos instalar o rádio telefone VHF que ligava esta povoação a Nova Lamego onde também tinha estado anteriormente a instalar o mesmo sistema.

Fiz Nova Lamego-Piche-Nova Lamego numa Chaimite. Jamais me esquecerei dessa deslocação por várias razões e uma delas bastante triste; em Piche deu-se um acidente que acabou por ser mortal a um camarada nosso atirador quando estava a limpar a arma após uma chegada de uma operação no mato. Há nomes que,  se me disseres,  já não me recordo. Vou-vos enviar algumas fotos através do Blog. Vamos contactando seguramente.

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Notas do editor:

(*) Vd, poste de 19 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19991: O nosso livro de visitas (201): Guilherme António Resendes Morgado, ex-fur mil mecânico rádio e radar, STM, Bissau, Santa Luzia, 1971/73

(**) Último poste da série > 19 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19902: Facebook...ando (51): Altamiro Claro, ex-alf mil op esp, da CCAÇ 3548 / BCAÇ 3884 (Geba, 1972/74), atual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Valpaços

Guiné 61/74 - P19993: Notas de leitura (1199): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (15) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Chegou o momento de compulsar a história do BCAV 490, ter em conta o que nela se escreve para corroborar o que entusiasmadamente o bardo exalta. Diz-se explicitamente que faltam relatórios, ou não houve tempo de os apensar à História da Unidade, ficamos com referência ao que concretamente constituiu a ida ao Morés e os patrulhamentos no Oio. Terá sido uma operação espinhosa, com destruição temporária das bases do PAIGC. A seu tempo, aqui se reproduzirão o hino do batalhão e as recordações de um outro elemento do BCAV 490.
Devo ao nosso confrade Carlos Silva a amabilidade, nele muito comum, disponibiliza generosamente os papéis da sua farta biblioteca, desta História da Unidade. Espera-se que os intervenientes comentem, acrescentem, recordem e juntem-se à exaltação lírica do Santos Andrade... A missão vai-se cumprindo, até ao último de nós partir para as estrelas.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (15)

Beja Santos

“Foi então a retirada.
Nas tabancas se ficou.
Atacaram noite inteira e três dias se regressou.

O Comandante do Batalhão
toda a emboscada passou
e feridos às costas carregou
seguindo para a povoação.
É homem de bom coração,
deu provas de ser camarada.
Ele e toda a rapaziada
vir a coisa muito feia
e mais ou menos às 5 e meia
foi então a retirada.

Com o Sequeira carregava
o amigo Crespo do morteiro.
Mostrou ser bom companheiro,
ele e quem o ajudava.
A uma clareira se chegava
e um cerco se montou,
o helicóptero poisou
para os feridos mais graves levar.
E para a noite se passar,
nas tabancas se ficou.

À povoação abandonada
todo o pessoal chegou
e em redor se acampou
e a bandeira foi içada.
Tivemos um camarada
que viu chegar dois à sua beira.
O amigo Ventura Pereira
estava ferido e não dormia,
porque com muita rebeldia
atacaram a noite inteira.

Dois pelotões o renderam
para continuarem a missão
e abalaram estes então
e mais um ataque sofreram,
mais três colegas gemeram
porque o fogo lhes acertou.
Em seguida, a sede apertou
e numa bolanha se bebeu.
Tudo isto se sofreu
e três dias se regressou.”

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É o momento azado para se consultar a história do BCAV 490, há muita sintonia entre o que nos conta o bardo e o que ficou exarado em máquina datilográfica. Em resumo, o BCAV 490 estruturou-se em Estremoz, predominava o alentejano dentre as regiões de naturalidade do pessoal. Foi durante o período de licença que se recebeu a comunicação que o batalhão já não se destinava a Moçambique mas à Guiné, e escreve-se: “Esta alteração provocou uma certa perturbação no espírito do pessoal, até porque já tinham sido feitas as declarações de pensões, as quais, à última hora, tiveram de ser substituídas e reduzidas para cerca de metade. No entanto, ninguém deixou de comparecer ao embarque”. Segue-se a relação nominal de todo o efetivo, ler-se-á adiante que houve um sem número de alterações na sua composição. Partiram no Niassa em 17 de julho, conjuntamente com outras unidades. Durante a viagem houve instrução de armamento, o pessoal estava a familiarizar-se com a G3, arma que nunca tinham visto.

Por razões de ordem logística, sobretudo devido à falta de alojamentos em Bissau, o BCAV 490 só desembarcou em 27 de julho. Leia-se sobre as suas condições de habitabilidade:  
“Após o desembarque, ficou alojado na Bolola, recinto constituído por alguns barracões sem as mínimas condições de vida. O pessoal utilizava as marmitas (nos dois anos de comissão só utilizou pratos durante dois meses) para as suas refeições, sem qualquer recinto abrigado que o protegesse das inclemências do tempo. Os alojamentos não tinham portas nem janelas e os telhados dos barracões eram permeáveis à chuva. Não existia qualquer compartimento que pudesse ser utilizado como arrecadação. Na altura em que as obras já estavam quase concluídas, e em que o batalhão poderia beneficiar dos melhoramentos, em meados de dezembro de 1963, foi-lhe determinada a mudança para o Forte da Amura, com instalações mais apropriadas, mas mesmo assim deficientes. Antes de terminar este capítulo, não é descabido referir que no deslocamento da Unidade, de Bissau para o Setor 02, as condições especiais em que aquele foi executado, não permitiram nem aconselhavam que o pessoal transportasse a sua bagagem, até porque se calculava que o Batalhão desempenhasse uma missão de intervenção com a duração de cerca de 20 dias. Assim não sucedeu e o batalhão entrou em Sector, possuindo os homens apenas uma muda de roupa e organizando as suas posições ao mesmo tempo que combatiam um IN moralizado e atrevido. Em consequência das dificuldades de transportes, grande parte do pessoal, somente oito meses após a entrada em Sector, recebeu as bagagens com os seus pertences, alguns incapazes de serem utilizados devido à influência perniciosa do clima”.

De Bissau seguem para a região do Oio, na História da Unidade é tratada como o fulcro do terrorismo e o reduto do Morés como santuário. O BCAV 490 permanece até final do ano, está em intervenção à responsabilidade do BCAÇ 512, sediado em Mansoa. Irá atuar nas regiões de Mansabá e Bissorã, executando ações de rusga, reconhecimento, limpeza, remoção de abatises, fazendo emboscadas, patrulhamentos, dialogando com a população e participando em operações de maior envergadura. Não houve tempo para incluir os relatórios de todas as operações realizadas, apensam-se algumas das mais importantes, sempre o Oio, sempre o Morés.

Há o relatório de Operação Adonis A-2, uma operação para aniquilar um forte grupo IN na região delimitada pelas povoações de Mindodo – Sansabato – Iracunda – Fajonquito – Maca. Saiu-se de Bissorã, viaturas estacionadas em Ponte de Maquê e Olossato. Descansaram em Canicó, tabanca fiel, estabeleceram cerco a Sansabato, dispôs-se o efetivo para atacar e cortar os itinerários de retirada. Em Sansabato prenderam-se elementos de ligação dos terroristas e conhecedores dos caminhos utilizados pelos indígenas, o chefe da tabanca foi forçado a incorporar-se na operação, os outros elementos seguiam amarrados uns aos outros. De Sansabato encaminharam-se para Fajonquito, encaminharam-se duas mulheres e duas sentinelas. Foram recebidos por forte tiroteio, houve que retirar para a orla da mata e solicitar apoio aéreo. Como este não chegou, prosseguiu-se o caminho para o Olossato. Os guerrilheiros respondiam na mata. É nisto que apareceram dois T-6, voltou-se atrás, até ao local do primeiro tiroteio, numa pequena clareira houve uma nova troca de tiros, desta vez quase à queima-roupa. Foram abatidos elementos do IN e apreendido armamento. E regressou-se ao Olossato e daqui a Bissorã. O autor do relatório, o Capitão Romeiras Júnior considerava que a cooperação ar-terra se deveria basear em observação aérea para orientação e indicação das forças terrestres e também indicação por estas forças para os objetivos da aviação.

Vejamos agora o relatório da Operação Adonis B-3, a missão é detetar, aprisionar e destruir um bando IN referenciado no Morés, comanda a operação o Coronel Fernando Cavaleiro. Uma primeira força dirige-se diretamente ao Morés e uma outra fica emboscada na região de Mamboncó. A saída foi a partir de Mansabá. A força atacante não encontrou obstáculos até Cai, aí começou o fogo das nossas forças, um elemento IN fora gravemente ferido na anca e prontificou-se a colaborar para o cumprimento de chegar ao Morés. Um outro elemento pôs-se em fuga, progrediu a marcha e depois de Cai foram vistos 6 ou 7 elementos IN armados de pistola e espingarda.
E escreve-se:  
“Morés foi atingida pelas 8,30 da manhã. Imediatamente foi passada revista às palhotas existentes e detida uma nativa velha que estava numa delas junto do marido doente. A velha, que se chamava Mala Seidi, deu informações de grande interesse e coincidentes com as declarações anteriores do prisioneiro ferido. Ficámos então com a certeza que a casa de mato se encontrava junto do caminho que de Morés conduz a Talicó, pouco mais ou menos a meio das duas bolanhas existentes a Sul. Entretanto, foram vistos a cerca de 300 metros a Nordeste de Morés oito elementos IN armados, fardados de camuflado. Internaram-se na mata e não tornaram a ser vistos. Pelas 11 horas, aterrou o helicóptero com o Comandante-Chefe da Guiné e na sua presença foi hasteada a bandeira da Pátria em Morés e tiradas algumas fotografias. Mais adiante, chegaram dois T-6, de acordo com o pedido feito de intervenção sobre as zonas das casas de mato. Enquanto os aviões metralharam a área, procedeu-se à destruição de cerca de 300 palhotas que se encontravam de pé nos aglomerados do Centro e Sul da tabanca do Morés.”

Procurou-se alcançar a casa de mato considerada o quartel-general dos grupos que atuavam na região do Oio, a força atacante encontrou resistência, alguns foram abatidos, da parte da força atacante havia feridos, o 1.º Cabo-Enfermeiro Adozindo Carvalho de Brito fora gravemente atingido. Foi um período de 45 minutos de inferno de fogo e sangue até que chegaram os T-6 que metralharam o IN. “Durante a retirada, alguém se lembrou da velha que foi utilizada como guia, mas essa pagou com a vida a colaboração que anteriormente dera aos terroristas, varada com uma rajada de pistola-metralhadora dos próprios correligionários. O 1.º Cabo Adozindo não resistiu aos ferimentos. Permaneceu-se no Morés até ao dia seguinte, o IN espingardeou durante a noite".
O relator foi o Capitão António Pais do Amaral, escreve em dado passo:  
“É de justiça fazer uma referência muito especial ao nosso guia, Malan Seidi, que nos acompanhou desde Mansabá. Pretendemos evacuá-lo na manhã de 3 de Novembro por se encontrar com um ferimento no joelho recebido na emboscada da véspera, possivelmente por bala que não chegou a sair segundo a opinião do nosso médico. Depois de um comportamento exemplar, respondeu terminantemente que iria acompanhar a tropa. Estas palavras sinceras, ditas por nativo ferido, da cor e raça daqueles que nos fazem guerra no Oio, são extremamente consoladores e o melhor incentivo para não abandonarmos à ignomínia todos aqueles que por nós serão capazes de proceder como fez o nosso guia e amigo Malan”.
Na manhã seguinte foram recolhidos os feridos e chegaram munições e água, a aviação bombardeou e metralhou as zonas das casas de mato. No regresso, levantaram-se abatises colocadas nas estradas entre Bigine e Cudana e mais 24 abatises foram removidas no caminho do Morés até à estrada de Bissorã. No final do relatório, a propósito dos ensinamentos colhidos, o relator observa: “Hoje em dia, nenhum informador nativo se aventura a percorrer certas zonas do Oio e nós que já temos muitas dezenas de quilómetros percorridos na região, desola-nos nem sempre a podermos colher, porque raramente se encontra alguém e quando isto sucede os nativos interrogados ou não sabem ou não dizem talvez por recearem represálias por parte dos terroristas”. E não esconde o seu orgulho em citar o nome do comandante do batalhão pela sua nunca desmerecida valentia.

(continua)



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Notas do editor

Poste anterior de 12 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19972: Notas de leitura (1197): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (14) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 15 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19979: Notas de leitura (1198): “Estratégias de Vivência e de Sobrevivência em Contextos de Crise: Os Mancanhas na Cidade de Bissau”, por Mamadú Jao; Nota de Rodapé Edições, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19992: Historiografia da presença portuguesa em África (168): a colónia das terras vermelhas, por Machado Saldanha: excertos de "O Império Português na primeira Exposição Colonial Portuguesa : álbum-catálogo oficial" [, Porto, 1934,] capa + pp. 279-283.












Guiné: a colónia das terras vermelhas, por Machado Saldanha. In: O Império Português na primeira Exposição Colonial Portuguesa : álbum-catálogo oficial [, Porto,  1934,] capa, + pp. 279-283. (*)


1. No início da década de 1930, a colónia portuguesa da Guiné tinha pouco mais de 340 mil habitantes, dos quais apenas 983 eram "brancos" (0,29 %) e 1310 "mestiços (0,38%)... 

No catálogo da Exposição Colonial do Porto,  de 1934, faz-se a apologia da Guiné como "colónia de exploração", dando-se algumas "dicas" para a fixação do europeu: a parte oriental (região leste) era "mais saudável", devido à disposição orográfica, sendo a vinda do colono aconselhada na estação "seca ou fresca", de dezembro a abril...

Não se esconde que a "ocupação" total e efetiva do território só se efetuou a partir de 1913 (início das campanhas de pacificação do capitão Teixeira Pinto)... A festa do "fanado", as festas do Ramadã e o regime matriarcal dos bijagós são três notas marcantes da "idiossincrasia" guineense, segundo o autor do texto, Machado Saldanha, que não esconde a sua "simpatia" pelos povos guineenses, os "aborígenes", termo muito em voga na época, mas hoje arcaico e até depreciativo... (O "africanista" Machado Saldanha usa até um termo, não grafado nos dicionários, para expressar a sua admiração por estes povos, o "maravilhosismo"...).

Pelas fotos publicadas, Bolama, a capital,  ainda era uma cidadezinha colonial com alguns belos edifícios, mas Bissau parecia caminhar, rapidamente, para a suplantar e substituir como capital da colónia, uma década depois.

Trata-se de um escrito jornalístico, e não propriamente propagandístico, O  autor, por exemplo, não deixa de sublinar que a economia local ressentia-se da grande crise do capitalismo em 1929, havendo excesso de produção das oleaginosas em todo o mundo...  A "mancarra" e o arroz eram já os dois principais produtos da agricultura guineense. E até aos finais da década de 1920, e desde 1917, a balança comercial era equilibrada, as exportações excedendo as importações.

Era uma terra "pujante", plena de potencialidades, na perspetiva deo "desenvolvimento económico da colónia". Machado Saldanha destaca também  algumas das recentes realizações da administração da colónia, como a rede de estradas e a rede de linhas telefónicas e telegráficas (c. 800 km, 16 estações). Não deixa de apontar para 3 vertentes essenciais para o futuro: a saúde, a educação e o fomento agropecuária, embora a perspetiva ainda fosse meramente "assitencial"... Um dos graves erros da administração colonial, como sabemos, foi a tardia aposta na formação de quadros técnicos e superiores... Privilegiava-se ainda, desde a I República,  a construção de infraestruturas, mas era preciso esperar pelo pós-guerra e o "desenvolvimentismo" do Sarmento Rodrigues...

Machado Saldanha compara o litoral da Guiné ao "sistema fiórdico da Noruega" (sic), "entrecortado por diversos braços de mar e por um grande número de canais, constituindo uma espécie de rede aquática, engrossada por alguns rios que nascem em território francês, a leste da colónia", sem citar os nomes dos grandes rios como o Geba e o Corunal. Curioso, o rio Corubal era navegável até ao Xitole (ou Xitoli...), por navios de cabotagem, o que deixou de acontecer com o início da guerra na década de sessenta, obrigando ao abandomo das férteis "pontas" que existiam na bacia hidrográfica do Corubal (como, por exemplo, a ponta do Inglês, a ponta João da Silva, a ponta Luís Dias...).

Além de Bissau e Bolama, os principais centros comerciais eram já Bafatá, Canchungo, Mansoa e Farim ... Bissau, por sua vez, já possuía um cais de cimento armado aonde podiam acostar navios de 8 mil toneladas... Curiosamente, as fotos são todas de... Bolam, incluindo a do terreno da futura Escola de Artes e Ofícios...

2. Surpreendentemente, Machado Saldanha  tem nome de rua na cidade de Luanda, uma rua comprida de mais de 3 km, no Bairro Neves Bendinha (ex-Bairro Popular), na parte sudeste da capital. Pelo que apuramos, ele foi um elemento influente, liberal,  da redação do diário ABC - Diário de Angola, fundado em 1958. (**)

Nascido possivelmente no início do século, temos dúvidas sobre a sua região de origem: ou Aveiro ou Cabo Verde. De qualquer modo, ao longo da sua vida, como jornalista, teve uma relação especial com a Guiné, Cabo Verde e Angola.

João Manuel Rocha, que fez um estudo recente sobre a imprensa diária de Luanda, antes da independência, diz o seguinte: "De forma resumida e muito simplificada, pode traçar-se uma paisagem que coloca o Diário de Luanda no papel de porta-voz do regime (...) ; O Comércio como entusiasta da política colonial; o Província como arauto de aspirações autonomistas da sociedade colonial; e o ABC como pólo de aglutinação de oposicionistas ou pelo menos críticos relativamente ao regime e às suas políticas coloniais. (**)

Este investigador cita, entre outros, o testemunho de Adelino Torres, que integrou a redacção do ABC em 1961 e 1962, antes de partir para o exílio, e que escreveu o seguinte em 2000: "É justo relembrar a actividade do quotidiano ABC de Luanda que, cercado (e, poder-se-ia dizer, constantemente 'trucidado') pela Censura, sobrevivia em 1961 com quatro elementos: o director Machado Saldanha, um velho e honrado democrata; o chefe de redacção Acácio Barradas, hoje no Diário de Notícias de Lisboa; e dois redactores: Adolfo Rodrigues Maria e o signatário". (**)

Há pelo menos 10 registos bibliográficos do Manuel Machado Saldanha, na biblioteca digital do portal Memórias de África e do Oriente, da Fundação Portugal-África, Universidade de Aveiro. Tem vários escritos sobre a economia e o comércio coloniais. (LG)

PS - Em 1934, a colónia portuguesa da Guiné ainda era um projeto de país... Será que alguém, no  Estado Novo,  alguma vez pensou ou pôs a hipótese de vir a ser um país independente, como aconteceu com os seus vizinhos, francófonos, embora  com relações privilegiadas com Portugal ? E nós, hoje, podemos fazer a pergunta, meramente teórica e seguramente ingénua: o que seria a Guiné-Bissau sem a maldita guerra colonial / guerra de libertação ? E o que seria o nosso país, hoje, sem o 25 de Abril de 1974 ?
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 Notas do editor:

 (*) Último poste da série > 17 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19985: Historiografia da presença portuguesa em África (167) “A Cultura do Poder, a propaganda nos Estados autoritários”, com coordenação de Alberto Pena-Rodríguez e Heloísa Paulo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016 (Mário Beja Santos)

 (**) Vd. João Manuel Rocha, « Os jornais diários de Luanda em vésperas da guerra colonial », Ler História [Online], 74 | 2019, posto online no dia 25 junho 2019, consultado no dia 07 julho 2019. URL : http://journals.openedition.org/lerhistoria/4898  ; DOI : 10.4000/lerhistoria.4898

Guiné 61/74 - P19991: O nosso livro de visitas (201): Guilherme António Resendes Morgado, ex-fur mil mecânico rádio e radar, STM, Bissau, Santa Luzia, 1971/73


Guiné > Bissau > Santa Luzia > 1972 > Quartel do Agrupamento de Transmissões

Foto (e legenda): © Sousa de Castro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso leitor e camarada Guilherme António Resendes Morgado:

Data: terça, 16/07/2019 à(s) 13:33
Assunto: Camarada da Guine


Olá, camarada!

O meu nome é Guilherme António Resendes Morgado.

Fui furriel miliciano mecânico de rádio e radar. Estive na Guiné de 1971 a 1973, no STM de Bissau,  em Santa Luzia. O meu nº mecanografico era o 017819 69.

Gostei muito de tomar conhecimento deste teu blogue. Serei seu seguidor e,  caso consiga sem dor entrar bem fundo nas minhas recordações guineenses, terei muito gosto em dar o conhecimento que elas bem merecem.

Afinal a Tabanca é Grande. Não há lugar para esconder seja o que for.

Um grande abraço

Os meus emails são [...]

Guilherme Morgado

NB - Desculpa a acentuação e pontuação não serem correctas mas não me dou e fujo sempre que posso do sistema Apple, que a minha filha, Isabel Morgado, me emprestou.
Para mim só Microsoft. Manias!

2. Comentário do editor Luís Graça:

Camarada Morgado, tens toda a razão, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!... Temos, por isso, um lugar à tua espera, para te poderes sentar, confortavelmente, à sombra do nosso poilão: o lugar nº 794 ou números seguintes, até 800. Estamos a fazer uma campanha de angariação de novos membros da Tabanca Grande... Queremos chegar aos 800, até pelo menos ao Natal... Na calha, para o nº 794, tenho já o Lúcio Vieira, que vive em Torres Novas, e que pertenceu à CCAV 788 / BCAV 790, Guiné, 1965/67. Tu podes ser o nº 795, se entretanto me mandares, no "gosse gosse" [, ou seja, depressa...],  as duas fotos da praxe, uma do teu tempo em Bissau, e outra mais atual.

Vais encontrar aqui muita malta da tua arma de transmissões, do STM de Bissau, e do teu tempo, 1971/73.

Sobre o STM temos mais de 40 referências no nosso blogue. Também temos uma meia dúzia sobre Santa Luzia.

Precisamos de histórias, memórias, fotos, documentos... Vê o que nos podes arranjar para enriquecer as nossas "geografias emocionais"... Manda pelo mesmo endereço do blogue, que utilizaste. Creio que és o primeiro furriel mecânico que se apresenta com a "dupla especialidade" de rádio e radar... Tinha a ideia de que não havia radares (operacionais)... no CTIG. Não sei se é verdade, e eu estou a cometer uma injustiça para com a nossa gloriosa FAP... Tens de nos explicar o que fazias em Santa Luzia... Não devias antes estar em Bissalanca, na BA 12, onde havia um radar de defesa mas que não funcionava ?!

Até a uma próxima. Um alfabravo do Luís Graça, fundador, administrador e um dos editores do blogue.
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Nota do editor:

Último poste da série >  3 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19941: O nosso livro de visitas (200): Ana Catarina Tavares, sobrinha-neta do capelão Libório Tavares (, nascido em 1933, em Rabo de Peixe, São Miguel; esteve em Nova Lamego, ao tempo do BCAÇ 2835, 1968/69; foi pároco em Brampton, Toronto, Canadá)

Guiné 61/74 - P19990: Parabéns a você (1655): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732 (Guiné, 1970/72) e João Santos, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70)


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19984: Parabéns a você (1654): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 3492 (Guiné, 1971/74); Jaime Bonifácio Silva, ex-Alf Mil Paraquedista do BCP 21 (Angola, 1970/72) e José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Guiné, 1971/73)

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19989: Os nossos seres, saberes e lazeres (341): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (1) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 12 de Julho de 2019, onde nos fala de um projecto em que esteve envolvido no Saltinho, a criação de um jornal para a CCAÇ 2701, a que foi dado o o título de O Saltitão.


O Saltitão

Quando, no final de Agosto/71, após as minhas primeiras férias na metrópole, regressei ao Saltinho, fui convidado pelo Capitão Carlos Trindade Clemente, Comandante da Companhia ali instalada (CCAÇ 2701), para levar avante a criação do Jornal da Unidade, que era uma coisa que ele tinha em mente há muito tempo. Só ele saberá das razões que o levaram a escolher-me para missão de tamanha responsabilidade, tanto mais que eu não fazia parte dos quadros da Unidade – estava lá em diligência desde Março/71, após estágio de informações, com a duração de cerca de três meses, em Bambadinca. Claro que logo aceitei a incumbência com o maior entusiasmo, ou não tivesse eu, sem que ele conhecesse o facto, grande experiência do antecedente naquelas coisas do jornalismo – fora, de parceria com um conterrâneo do mesmo pelotão, o grande feitor do Jornal de Parede da 5.ª Companhia no RI 5, nas Caldas da Rainha (recruta do 4.º turno de 1969 – Curso de Sargentos Milicianos), após termos afastado a indesejável concorrência à bofetada.

A Direção do jornaleco pertenceria por inteiro, e por inerência do cargo, ao mentor da obra, o Capitão Carlos Clemente, Comandante da Companhia, que, desde logo, delegou em mim todas as competências e mais algumas: Migueis, você fica com inteira liberdade para orientar e dirigir o Jornal. Não há censuras. Mas, respeitaremos o objetivo primordial – já falámos sobre isso –, que é contribuir para manter as tropas com o moral tão elevado quanto possível. Do resto, tratará o nosso bom censo. Gostaria também que o jornal não estivesse virado apenas para as elites. Com erros ou sem erros de gramática, ponha-me os soldados a escrever. Com estas ou com outras palavras, a mensagem estava passada. E, se, no imediato, não seria possível atender a esta última recomendação do nosso Capitão – lembremo-nos do baixo nível de literacia, ao tempo, da maioria esmagadora dos nossos soldados –, para lá caminharíamos rapidamente nos números seguintes.

O Corpo Redatorial, sem o qual nada seria possível, acabaria, então, constituído por mim próprio – o moiro de trabalho, pois claro – e pelos 1.ºs Cabos Operadores Cripto, José Sargaço e Rui Coelho – com gente desta estirpe, O Saltitão só poderia ter feito um enorme ronco não só na Guiné como também no resto do mundo e arredores (se não acreditam no sucesso da coisa, perguntem ao PIFAS, que ele ainda se há de alembrar).

Para gáudio dos seus mentores, feitores, colaboradores e apoiantes, ainda naquele mês de Setembro de 1971, saltaria para as bancas o primeiro número de O Saltitão (a ideia do nome foi-nos sugerida pelo lugarzinho onde nos encontrávamos, pois claro), em tamanho A4 (normalmente, cada número dos jornais do género não passava de meia dúzia de páginas e era impresso em folhas tamanho A5), e impressão em stencil, maquineta que, em conjunto com umas boas toneladas de papel almaço branco e liso, o Capitão Clemente se apressara a requisitar a Bissau – ainda estou a ver e a ouvir o helicóptero de dois rotores, pairando, a 10 metros de altura, sobre a pista do Saltinho, a descarregar cuidadosamente aquele fardo gigantesco de resmas e mais resmas de papel para impressão.

Para satisfação da curiosidade dos estimados seguidores do nosso blog, estou a anexar algumas das cerca de trinta páginas do primeiro número do mensário (Setembro/1971). Dependendo dos likes (leia-se comentários) recebidos, divulgarei ou não o segundo número editado (Outubro/71).

Esposende, 10 de Julho de 2019
Mário Migueis

O héli de dois rotores, descarregando as preciosas toneladas de papel para impressão do Saltitão
Com a devida vénia à Sputnik Brasil, onde a foto foi publicada oportunamente

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2. Primeiras 5 de 19 páginas do primeiro número de O Saltitão






(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19976: Os nossos seres, saberes e lazeres (340): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19988: (Ex)citações (356): A Exposição Colonial do Porto, 1934: a balanta Rosinha, com os seus seios ao léu, foi capa de revista, num tempo e lugar em que nenhum jornal ou revista se atreveria a mostrar uma mulher branca de mamas à mostra... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCaç 3535 / BCaç 3880, Angola, 1972-74)



Capa da "Civilização: grande magazine mensal", Porto, 1928-1937 (Direção de Ferreira de Castro, e Campos Monteiro) > Exposição colonial portuguesa, 1934: a Rosinha Balanta, fotografada pelo portuense por Domingos Alvão (1872-1946). Exemplar da coleção de Mário Beja Santos (2017) . [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Comentário de Fernando de Sousa Ribeiro ao poste P17782 (*):

[ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 (Zemba e Ponte de Rádi, 1972/74), do BCAÇ 3880; é licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; vive no Porto; está reformado; é membro da nossa Tabanca Grande desde 11/11/2018, sentando à nossa sombra do nosso poilão nº lugar nº 780.]

A grandiosa Exposição Colonial do Porto, ocorrida no Palácio de Cristal em 1934, deverá ter sido um ensaio geral para a (ainda mais grandiosa) Exposição do Mundo Português de 1940, em Lisboa. Ainda Salazar não tinha vergonha de chamar colónias às colónias.

Feita à imagem e semelhança de outras exposições coloniais realizadas em França, Inglaterra, Alemanha, etc., a Exposição Colonial do Porto de 1934 foi organizada por Henrique Galvão, esse mesmo, o do assalto ao paquete Santa Maria, que antes de ser um feroz opositor de Salazar tinha sido um seu fervoroso admirador.

A Exposição Colonial do Porto teve como finalidade, como facilmente se compreende, exaltar o orgulho imperial dos portugueses, supostamente portadores de um mandato divino de civilizar os povos primitivos sob seu domínio, e ao mesmo tempo consolidar o regime do Estado Novo, comandado pelo pulso de ferro de António de Oliveira Salazar. 

A exposição teve características idênticas às das exposições coloniais estrangeiras, a começar pela redução dos povos colonizados à condição de indígenas atrasados, cujo exotismo se procurava sublinhar. Para tanto, mostraram-se seres humanos trazidos das colónias ao público visitante, como se de animais do jardim zoológico se tratasse.

No caso da Exposição Colonial do Porto de 1934, a Guiné teve um papel de particular relevo, não necessariamente pelas melhores razões. Foi instalada uma "tabanca" de bijagós numa ilha de um pequeno lago existente nas imediações do Palácio de Cristal, onde pessoas seminuas eram exibidas ao público como se estivessem no seu ambiente natural. Ora o clima do Porto é consideravelmente mais frio do que o da Guiné. Nem quero pensar no frio que essas pessoas terão passado.

O grande êxito da exposição foi, sem sombra de dúvida, uma moça balanta de seios descobertos, a Rosinha, que deve ter povoado os sonhos eróticos de muitos homens do Porto. Além da Rosinha, teve também bastante sucesso entre o público um menino guineense que andava completamente nu, o Augusto. Mas a balanta Rosinha é que foi a grande sensação da exposição. Multidões acorreram ao Palácio de Cristal para verem ao vivo as mamas da Rosinha, além da pilinha do Augusto. Até capa de revista a Rosinha foi, com os seus seios ao léu. É claro que, naquele tempo, nenhum jornal nem nenhuma revista se atrevia a mostrar uma mulher branca de mamas à mostra, mas como a Rosinha era negra, já podiam mostrar...

Há poucos anos, encontrei na internet um blog com uma vastíssima coleção de imagens da Exposição Colonial do Porto. Dezenas e dezenas de imagens, para não dizer centenas. Não consigo voltar a encontrar esse blog. O que encontrei foi uma página de um outro blog, que faz uma referência mais resumida à exposição, mas que mesmo assim já consegue ser muito elucidativa. É a seguinte:

Porto, de Agostinho Rebelo da Costa Aos Nossos Dias > 23 de setembro de 2013 > Diverimentos dos portuenses, IX.

Também encontrei o seguinte trabalho académico: