1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
As minhas memórias de Gabu
A “perícia” dos condutores enviados para a guerra na Guiné
Os homens do volante
Somos, na generalidade, conhecedores do empenho que os condutores impunham numa especialidade à qual se dedicavam desinteressadamente. Sabemos o quão importante foram os conhecimentos adquiridos ao longo de uma singular aprendizagem que lhes proporcionou um contacto real com o universo da condução. Fizeram tudo o que estava ao seu alcance, isto na minha singela opinião, obviamente. Cumpriram com os seus deveres e não viraram a cara à luta, não obstante as tormentas que o rebentar de uma mina obstinasse o seu querer e naturalmente dos camaradas.
Percebi, nessa altura, que a universalidade da especialidade não era comum a todos e distribuíam-se consoante as necessidades ou a sorte que lhes coube na roda da aventura. Razão esta que me leva a viajar num tempo sem tempo e citar especificamente a honorabilidade de camaradas que conheceram, por dentro, os teores de uma guerra que nos fora deliberadamente bárbara. Padeceram com condições adversas e suportaram as agruras impostas por uma peleja que não dava folgas.
Agarrados ao volante das Berliet, veículos fabricados nas oficinas do Tramagal, ou num Unimog, veículos denominados pela rapaziada como “carros de assalto” e que em 1946 foram projetados pela Daimler-Benz na Alemanha quando a Segunda Guerra Mundial rebentou, sendo que a sua comercialização internacional regista o ano de 1951, já no pós guerra, os condutores mereceram ao largo do conflito os nossos singelos aplausos.
Visualizar a sua despretensiosa ação pela mais recôndita picada numa Guiné a ferro e fogo, sabendo de antemão que as minas anticarro eram comuns, os condutores foram camaradas que não viravam a cara à luta e lá partiam para mais uma coluna, ou para as frequentes visitas a tabancas quando o momento passava por mais uma jornada em que a chamada “psicó” ditava ordem.
É evidente que façamos uma justa destrinça entre as colunas de reabastecimentos e de transporte de pessoal, onde normalmente se utilizavam as Berliet, por vezes intercaladas com Unimog, mas sendo este último veículo usado nas idas às tabancas onde íamos distribuir os aplaudidos “mezinhos” para uma população de todo carente e que vivia isolada na mata a contas com as duas frentes de guerra.
Creio que será de bom senso não desvirtuarmos uma veracidade bem patente que se prende com o facto de uma certa inexperiência evidenciada por alguns dos condutores nos seus inícios das comissões. Aliás, pressuponho que a dita e amadurecida experiência era adquirida com o decorrer das comissões onde um melhor conhecimento do terreno ganhava estatuto.
Conheci duas situações em que o medo se apoderou do meu então jovem corpinho. Vamos aos comentários das ditas ocorrências:
A primeira aconteceu numa das visitações a tabancas localizadas na zona de Gabu. Seguia no Unimog da frente, ao lado do condutor, quando numa picada estreita o “ás” do volante deixou a “máquina de assalto” entrar pelo capim fora, sendo que a malta se vi-o às aranhas para ultrapassar o incidente deparado. Houve umas pequenas mazelas e restou, evidentemente, um tremendo susto. Depois fez-se o “reconhecimento” que a ocasião impunha e o Unimog lá prosseguiu rumo ao seu destino.
A segunda ocorreu numa tarde a caminho de Piche quando uma viatura que seguia atrás de uma outra embateu na traseira daquela que rolava à sua frente e a malta atirou-se de pronto para o chão embrenhado entre as granadas da bazuca, do morteiro 60 e as G3 que transportávamos nas mãos.
Aqui um arrepio entrou-me no corpo dado que os arranhões provocados nas minhas pernas e braços deixaram marcas a exemplo, aliás, de outros camaradas que se queixaram do mesmo mal. Mas o “acidente”, felizmente, não causou vítimas de maior a bordo. Tudo correu bem. Mas… ficou o aviso e as pequenas feridas para o saudoso enfermeiro Dinis curar.
Este curto texto visa, essencialmente, abordar o tema que enaltece a bravura comum de camaradas de uma especialidade, condução, que conheceu em paralelo momentos de horror.
Não sei e nem tão-pouco vou lançar achas para uma fogueira alvitrando o número de condutores que terão perdido a vida na Guiné por via de emboscadas ou de minas rebentadas pelos rodados dos veículos por eles conduzidos.
Com leigo de uma matéria que não domino, deixo, porém, esse repto aos camaradas para que possamos ter uma ideia desse infortúnio, sabendo nós que o número exato das mortes na guerra guineense jamais será real.
Fiquemos, pois, pelos algarismos virtuais.
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último
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