1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do
BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Memórias
de Gabu
“Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74”
Camaradas, deixo-vos aqui um de muitos textos que o meu último
livro, o nono, contempla. Viagens por espaços físicos que muitos de vós
conheceram. A obra, com a chancela da Editora Colibri, é tão-só uma
reminiscência de circunstâncias que permanecem eternamente nas nossas memórias.
Comprem o livro e rever-se-ão em cada tema narrado.
Bafatá, cidade acolhedora
Um olhar sobre o Geba
Cativava-me uma viagem a Bafatá! E foram muitas as jornadas àquela
cidade guineense. Um olhar lançado sobre o rio Geba, ao cimo da rua principal,
deleitava espíritos de jovens militares que, no mato, se deparavam com
frequência a imensos problemas de índole diversa. A guerrilha, sempre ativa,
quebrava permanentemente a monotonia de tropas dispersas por toda a
região.
Uma ida a Bafatá simbolizava uma jornada à faustosa urbe para
militares entregues a um profundo isolamento. A cidade debruçava-se sobre uma
das margens do leito do rio Geba, um portentoso curso de água que ao longo da
guerra registou inúmeras histórias fatídicas. Bafatá era uma boa anfitriã.
As minhas idas a Bafatá baseavam-se em colunas de
reabastecimentos. A estrada era asfaltada. A distância que separava as duas
localidades (Bafatá-Nova Lamego), rondavam, mais ou menos, os 35 kms, julgo.
Lembro-me de uma ocasião em que o major Óscar Castelo da Silva, segundo
comandante do BART 6523, me pediu para o acompanhar a Bafatá. Tendo em conta a
distância e o ambiente de guerra que se vivia, disse-lhe que “preparava o grupo
e o meu major levava o jipe com o condutor”. Resposta: “Não, você acompanha-me,
armado, e iremos os três”.
E lá nos fizemos à estrada. Confesso que a certa altura cheguei a
ter receio da aventura. Havia quilómetros de mato denso. Sabia que esse
trajeto, todo em alcatrão, não oferecia problemas de maior. Regressámos sem
nada se registar.
Bafatá foi também um azimute traçado quando um dia subi o rio
Geba. Embarquei em Bissau e ancorei no Xime. As ligações para Gabu, via aérea,
complicaram-se. A guerrilha estava ao rubro. Ganhava uma imponente dimensão. Impunha-se
um maior cuidado. Esperei alguns dias, comparecia nos Adidos (estrada que unia
Bissau a Bissalanca) e a resposta negativa mantinha-se. Aguardavam ordens,
diziam-me. Numa manhã, já desolado com a situação deparada, colocaram-me como
hipótese o meu regresso ao Leste por via fluvial. Disse prontamente que sim.
Nunca imaginei uma viagem tão atribulada. A lancha da marinha –
LDG – ia cheia que nem um ovo. Os negros, em grande número, transportavam
consigo vários apetrechos pessoais. Nem a galinha faltou à chamada!
Ao chegarmos à zona da Ponta Varela, e com o rio a estreitar as
suas margens, o comandante da embarcação mandou-nos deitar. “Nem uma cabeça a
ver-se do exterior”, avisou. Os marinheiros, já feitos à dita viagem,
agarraram-se às metralhadoras e fez-se silêncio. Prevaleceu, momentaneamente, o
medo. O “cabo Bojador” foi ultrapassado e, desta feita, o pessoal passou isento
de eventuais novidades.
Disseram-me que a zona era extremamente perigosa. Contava-se que
aquela viagem já tinha conhecido contornos fatais resultantes de ataques do
PAIGC a partir das margens do rio.
A navegar já em águas fluviais mais “calmas” ancorámos no cais do
Xime. Seguiu-se a viagem numa Berliet que cruzou Bambadinca,
Bafatá e, finalmente, Gabu.
Bambadinca era também conhecida como a terra do tenente Jamanca,
um negro de corpo franzino, estatura baixa e que comandava a CCAÇ 21. Recordo
as suas virtualidades como guerrilheiro. Tive a oportunidade de com ele
contactar e ouvir histórias em que o soneto da guerra agitava as curiosidades.
A rua principal de Bafatá com o Geba ao fundo
Cais do Xime, 1973
Um
abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: ©
Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. também os postes: