terça-feira, 14 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20855: O que podemos aprender com as epidemias e pandemias do passado? (Luís Graça) - Parte IV: Saúde e terror até ao fim do Antigo Regime


Lisboa, vista em perspectiva. Gravura em cobre, meados do Séc. XVI  (Pormenor) (in G. Braun - Civitates Orbis Terrarum.., vol. V, 1593) (Fonte: Museu da Cidade de Lisboa).

Em meados do Séc. XVI, a cidade de Lisboa não sofrera grandes alterações desde o reinado de D. Manuel. Destaque, ao centro, para a representação do Terreiro do Paço e, mais a norte, a Praça do Rossio, com os edifícios do Paço dos Estaus, ao fundo,  e do Hospital Real de Todos os Santos, do lado direito. O hospital ocupava grande parte do que é hoje a Praça da Figueira. Em 1569, no reinado de Dom Sebastião, por por acasião da "Grande Peste",   a cidade perde um terço dos seus habitantes. Era então uma das maiores cidades da Europa.


Mesmo no auge dos Descobrimentos, a deslumbrante e magnífica Lisboa, celebrada por viajantes estrangeiros que aportavam ao estuário do Tejo, não passa de uma montureira em que a peste é endémica. A Lisboa que o médico, de origem hebraica, Amato Lusitano (1511-1568) evoca nas suas "Centuriae", não é apenas a do conhecido "postal ilustrado", publicado na obra de J. Braunius, Civitates orbis terrarum (1572). Para além da sua ímpar topografia e da benignidade do seu clima, a par da grandiosidade do seu porto, muralhas e palácios bem como das centenas das suas igrejas e conventos, Lisboa continua a ser uma cidade medieval no que respeita à sua malha urbana e sobretudo às suas condições sanitárias.





Como diz Ricardo Jorge, na sua biografia de Amato Lusitano (s/d. 170/171), "as ruas afogavam-se em estrumeiras; quem podia, só as transitava a cavalo. Canos, apenas mencionados no regimento de municipal de 1502, só ao findar do século XVI é que tinham traçado figurável - tudo parcelar e desconexo, contando-se tão somente dois canos reais. Na praia vazavam-se todos os despejos e despojos; e a barbárie era tal que os próprios cadáveres dos escravos eram deitados ao monturo, entregues ao dente do cão, do rato e à podridão livre". E acrescenta: "Daí a mortandade, a curteza de vida. Amato viu superiormente, e é o primeiro a dizê-lo, quanto Lisboa reduzia a vida dos seus habitantes, assinalando o seu regime de baixa longevidade; e, antecipando-se à observação mais moderna, afirma de ciência certa que a maior parte dos lisboetas sucumbem às primeiras idades - maiori ex parte juvenes e vita decedunt ".


Até aos séc. XVI/XVII, há três grandes
Luís Graça,
docente jubilado da ENSP/NOVA
 epidemias com maior ou menor impacto na situação sanitária e demográfica da Europa Cristã: a lepra, a peste e a sífilis. No séc. XVIII,o maior flagelo será a varíola. E, depois com a industrialização, o tifo, a febre amarela,  a cólera, a tuberculose, passam a ser os novos problemas de saúde pública, a par dos acidentes de trabalho. 


Estamos a abordar cada uma delas, para procurar tirar algumas lições para os dias de hoje, em que enfrentamos a pandemia de COVID-19.

Recorremos para isso a textos, já com duas décadas, que continuam disponíveis na página Saúde e Trabalho: Página Pessoal de Luís Graça, Sociólogo, alojada do sítio da Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade MOVA de Lisboa.


São excertos de textos que estamos a rever e a atualizar, mas também a aligeirar, retirando por exemplo  maior parte das citações e referências bibliográficas, descabidas num blogue como este. Depois da lepra  e da peste, duas epidemias que continuam no nosso imaginário, depois da peste negra (1348-1253) ,  o maior desastre demográfico da Europa, o Ocidente cristão continua assolado por um um ciclo de pestes que se prolonga até ao séc. XVII. Importa pereceber melhor as medidas que foram sendo tomadas pelos nossos embrionários sistemas de saúde.


1. "Regimento do Que se Ha-de Observar Succedendo Haver Peste (de que Deus nos Livre!)" (1695)


As preocupações com a defesa da saúde pública não são exclusivas do Estado Moderno, ou seja, dos últimos dois séculos, já vêm de muito mais longe. Em todo o caso, as medidas propostas tanto pelo poder central e pelos municípios como pelos próprios médicos que se interessaram pela higiene (sinónimo de saúde pública até aos princípios do séc. XX), sempre foram avulsas, inconsequentes e, em grande parte, ditadas pelo terror que inspiravam as cíclicas epidemias.por ex., rarefacção da mão de obra nos campos e subida dos salários) e nos reinados seguintes. 

O curto reinado de D. Pedro I (que sobe ao trono em 1357 e morre em 1367), é marcado pelos efeitos da terrível crise demográfica, sanitária, social e económica em que está mergulhado o reino de Portugal bem como o resto da Europa. 

Mas, por outro lado, essa conjuntura vai ser propícia ao reforço do centralismo laico e estatal, de que D. Dinis fora o arquitecto. Para fazer face aos novos surtos de peste que se registam até 1365, e para impedir o alastramento da doença, são tomadas sobretudo medidas repressivas, incluindo a perseguição às feiticeiras e a discriminação contra os judeus.

A partir das três principais fontes que compulsou (Leis Extravagantes, de Duarte Nunes de Leão, princípios do Séc. XVII; Colecção dos Regimentos por Que se Governa a Repartição de Saúde do Reino, 1819; Elementos para a História do Municipio de Lisboa, de E. Freire de Oliveira, 1881), o grande historiógrafo da medicina portuguesa, Maximiano Lemos  (Régua, 1860- Porto, 1923)  inventariou e analisou sumariamente o essencial da legislação sanitarista que foi promulgada desde o início do Séc. XVI ao Séc.XVIII (
Lemos, 1991. 155-159).

Sobre a natureza desta legislação, o nosso ilustre historiógrafo da medicina portuguesa começa, aliás, por fazer uma distinção entre:

(i) aquela que se reporta à "profilaxia das epidemias" (sic), em geral emanada pelo poder régio;

(ii) e a que se refere a "medidas de higiene local", em princípio da iniciativa dos municípios (ou, pelo menos, dos principais municípios do Reino, com destaque para o de Lisboa).

O conceito de prevenção das doenças transmissíveis ou infectocontagiosas era, obviamente, desconhecido na época, embora já fosse intuitivo para os médicos de formação arábico-galénica. A sua fundamentação científica, como se sabe, é recente, remontando ao triunfo da bacteriologia, com Pasteur e Koch,  na segunda metade do Séc. XIX.
 

Medidas que hoje são óbvias,como a higienização das mãos e das superfícies, a desinfeção, a esterilização, enfim, a antissepsia e a assepia, eram complemente estranhas à medicina e aos médicos... A teoria miasmática das doenças e a teoria da geração espontânea eram então dominantes... Foi preciso que surgisse a 1ª revolução científica e técnica no campo da medicina, em meados do sec. XIX para que estas teorias se tornassem, pouco a pouco, obsoletas.

O que os tratadistas da higiene, enquanto ramo do conhecimento e da prática médicas, podiam até aí propor não era mais do que um conjunto de medidas elementares com vista não só a erradicar a doença ou eliminar as suas causas (atribuídas a estranhos miasmas ou à conjugação dos planetas, em particular Saturno, Júpiter e Marte) como sobretudo a minimizar, tanto quanto possível, os seus efeitos devastadores. 

Para se ter uma ideia desses efeitos, basta referir que,  durante a Grande Peste de Lisboa , que durou de julho de 1569 à primavera de 1570, terão morrido 50/60  mil pessoas (Roque, 1982). Tudo indica que tenha sido trazida por mercadores vindos de Veneza, dando razão mais uma vez ao provérbio Mercator, ergo pestiferus (Sou mercador, logo portador de peste). De qualquer modo, ficou na memória dos portugueses que grafaran a expressão e no passado usavam o provérbio "Não matou mais a Grande Peste de Lisboa", quando precisavam de um termo de comparação para uma grande mortandade.

A natureza endémica ou epidémica da doenças então mais prevalentes, aliada ao total desconhecimento da sua etiologia e à total ineficácia terapêutica, não dava aos médicos grandes alternativas de acção. 

A via da repressão, com as suas diversas variantes (v.g., isolamento, segregação, internamento forçado ou abandono puro e simples dos doentes), é o traço comum do sanitarismo até ao final do Antigo Regime. O termo "quarentena" só aparece nas línguas modernas (por ex., em inglês) no princípio do sec. XVII); o cordão sanitário (, do francês, "cordon sanitaire", é um terno de meados do séc. XIX.

A pouco e pouco vai-se criando um corpo de administração de saúde (provedor-mor de saúde e seus ajudantes), fazendo parte integrante do aparelho de Estado.

Um dos regimentos de saúde mais antigos que se conhece é o alvará de 1506, no reinado de D. Manuel I, estipulando violentas medidas de repressão para quem, acometido de "peste" (nome comum para muitas das doenças transmissíveis da época), entrasse na cidade ou para quem mandasse para a cidade algum "empestado": multas, penas como çoites em público, ou degredo na ilha de S.Tomé. Outras providências: marcação, com sinais especiais, das casas com doentes empestados; criação da futura "Casa da Saúde", no Vale de Alcântara, em Lisboa; enterramentos em cemitérios especiais; fecho das casas de prostituição ao sol posto, etc.

Era compreensível o terror que as epidemias (e sobretudo as de peste bubónica, depois da pandemia de 1348-1353), ainda continuava (e continuaria) a infundir século e meio depois. Talvez mais aos burgueses e à "outra gente de melhor condição", a começar pelo rei e a sua corte, a nobreza e o alto clero, do que propriamente à arraia miúda (na feliz expressão de Fernão Lopes) para quem a experiência continuada da miséria, da doença, do sofrimento e da morte fazia parte integrante do seu quotidiano. 

De qualquer modo, ficou-nos da memória dessa época ditados como: "Da fome, da guerra e da peste ...e do bispo da nossa terra, libera nos, Domine!" ou "Não matou mais a Grande Peste de Lisboa" (a de 1569).

Não sabemos como, na prática e com que relativa eficácia, eram aplicadas estas medidas punitivas por parte do poder régio, secundado pelo provedor-mor de saúde. De qualquer modo até as penas, devidas por infracções às leis sanitárias, eram diferenciadas, em função da condição social do infractor:

(i) o peão era açoitado em público e, em seguida, posto em degredo, na Ilha de S. Tomé, durante sete longos anos;

(ii) ao escudeiro, cavaleiro ou mercador, aplicava-se uma pena mais suave e menos vergonhosa: multa e dois anos de degredo que o rei, eventualmente, comutaria em fixação da residência por uns meses numa qualquer aldeia da Beira Interior.

Na legislação de 1506 previa-se já a construção de um tipo de estabelecimento, completamente novo, distinto do hospital e da gafaria: destinar-se-ia, em particular aos pestiferados e aos portadores de doenças infectocontagiosas que não podiam ser internados no Hospital Real de Todos os Santos.


A esse estabelecimento se referem as cartas régias de 22 de junho e 23 de julho de 1520, em que se recomenda à câmara municipal de Lisboa a sua construção e em que se aprova a escolha do terreno.  

A futura "Casa da Saúde" será construída no Vale de Alcântara, junto ao estuário do Tejo, num local espaçoso e arejado, e na altura bem longe das portas da cidade e do paço real (situado no que é hoje a Praça do Comércio, vulgo Terreiro do Paço, e destruído com o terramoto de 1755). Em 1520 o plano aprovado pelo rei previa um estabelecimento de 160 camas.

Noutros sítios, como Évora, também existiam casas de saúde que, no entanto, mais não eram que casas particulares,  situadas fora das muralhas,  requisitadas pelo município, e transformadas em hospitais temporários.

A "casa da saúde" é a versão portuguesa  do "lazzaretto" italiano (, termo grafado no séc. XVI,)  uma estrutura que no final da Idade Média irá desempenhar um papel indispensável na gestão da saúde pública em Itália.  





Ilha do "Lazzaretto Vecchio", em Veneza, perto do atual Lido de Veneza.  


Por um decreto de 1423 pelo Senado da República Sereníssima Epública, foi aqui criado  o primeiro lazareto da história. O seu nome deriva do nome  da ilha que o viu nascer, n altura ILha de Santa Maria da Nazaré... O povo chamava-o "Nazaretum", mais tarde  tornou "Lazzaretto", talvez por analogia com a leprosaria que existia numa ilha ao lado, já desde o séc. XII (e que hoje se chama  San Lazzaro degli Armeni). 

Como se sabe,São Lázaro era o patrono dos leprosos. Mas o novo estabelecimento sanitário destinava-se a isolar e a segregar um novo tipo de doentes, os de doenças infecto-contagiosas ou "exótico-pestilenciais", e nomeadamente as vítimas de peste, os "pestiferados".

Posteriormente, será craido, em 1468, noutra ilha ("Vigna Murada") o "Lazzaretto Nuovo", que funcionará como uma espécie de depósito  de  convalescentes... Enquanto os doentes eram, sem dó nem piedade, isolados no "Lazzaretto  Vechio", e aqui chegaram a morrer, às centenas, os que tinham a sorte de sobreviver, passavam depois do "Lazzaretto Nuovo" antes de poderem regressar à comunidade.

A ilha (que hoje que se chama "Lazzaretto Vechio" foi progressivamente ampliada com terras roubadas à lagoa de Veneza. Mas não oterá mais do 2,5 hecares. Escavações arqueológicas recentes (2004) revelaram a presença de valas comuns, contendo milhares de esqueletos que datam das epidemias de peste dos século XVI e XVII. Sucessivamente, o "Lazzaretto Vecchio" também foi utilizado como local de quarentena e descontaminação de mercadorias.

Sabe-se que nos surtos de peste do séc. XVI chegavam a morrer 500 pessoas por dia, de todas as classes sociais. Uma das vítimas do surto de peste de 1485 terá sido o
 "doge" Giovanni Mocenigo (1409-1485) (Valsecchi, 2007).

Com o tempo, o lazareto passa a ser distinto do hospital e de outros hospícios (onde coabitam a doença, a miséria, o vício, a deficiência, a loucura...). Começa pela sua localização: extra-muros, fora da cidade, isolado, é um espaço que, criando um tampão de segurança, entre o seu perímetro e a população, confere segurança, não apenas psicológica mas também física. É, portanto, uma primeira medida preventiva: afastam-se e isolam-se os marginais, os vagabundos, os indigentes, os mendingos, todos os grupos de risco que podem infetar os saudáveis, em caso de surto epidémico.

Para além da segregação socioespacial dos doentes, vítimas de epidemias (só os pobres eram internados à força na "Casa da Saúde", em Alcântara...), criava-se ao mesmo tempo um esboço de aparelho sanitário com o seu corpo de funcionários, sob a autoridade do provedor-mor da saúde.

Não sabemos exactamente quando foi criada esta figura, que era distinta do físico-mor e do cirurgião-mor (cuja origem remonta ao reinado de D. João I e que tinham funções de regulamentação das respetivas profissões). A criação da figura do provedor-mor da saúde dataria do início do Séc. XVI. A sua origem seria provavelmente municipal. Na Câmara Municipal de Lisboa, o serviço sanitário constituía mesmo um dos pelouros mais importantes do Século dos Descobrimentos:

"No princípio de cada ano, era este pelouro distribuído a um dos vereadores que tomava o nome de provedor-mor da Saúde da corte e do Reino e cuja esfera de acção transpunha a capital, irradiando por todo o País (Lemos, 1991. 156).


Em 1506 sabe-se quem é o provedor-mor, o desembargador Pedro Vaz, de nomeaçao régia.  Terá vistado a Itália (Roma, Milão, Florença), em missão de estudo sobre o sistema em vigor na prevenção e combate às epidemias.

No reinado de D. João III também terá ido a Veneza uma legação para se inteirar das medidas sanitárias a adoptar em caso de peste. A República Venesiana, pelas relações comerciais que mantinha com o Oriente, era uma das cidades europeias mais expostas ao risco de peste. Mas também foi das primeiras a adoptar medidas de profilaxia contra a doença, medidas essas rapidamente imitadas por outras cidades e nações (por exemplo, as quarentenas, os lazaretos, o culto de São Roque).


Por carta régia de 1525, alargam-se as medidas a tomar em caso de epidemia, ampliando-se as providências constantes do Alvará de 1506:
  • isolamento dos doentes em ruas e bairros especiais;
  • pastagem pelas ruas de manadas de gado vacum;
  • purificação do ar por meio de queima de ervas aromáticas;
  • encerramento, a pedra e cal, das casas em que houvesse vítimas mortais da peste;
  • sinalização das casas com bandeiras ou ramos de alecrim;
  • utilização do vinagre e da cal como desinfectante;
  • proibição da compra e venda da roupa de doentes;
  • criação de cemitérios especiais foras de portas;
  • proibição de procissões e ajuntamentos, etc.

Estas medidas constam do "Regimento que Leva Pedro Vaz sobre o Que Toca ao Bem da Saude", de 1526.


O alvará de 1537 prevê penas severas para quem vier para Lisboa, proveniente de lugares empestados, ou para quem sair das embarcações ancoradas no Tejo sem a devida licença. As sanções são extensíveis a quem acolher pessoas suspeitas de contaminação.

Em 1569, será a vez de D. Sebastião mandar vir de Sevilha dois médicos (Tomas Alvarez e Garcia de Salzedo) com experiência no combate a epidemias (Mira, 1947. 124-125).

O conselho que estes especialistas espanhóis deram às autoridades portuguesas para minimizar os efeitos da "grande peste de Lisboa" (1569) incluíam medidas de natureza diversa (resumindo assim o que então se sabia em matéria de saúde pública, incluindo medidas repressivas), tais como:

  • reforçar o abastecimento e víveres à cidade;
  • zelar pela qualidade e conservação dos géneros alimentícios;
  • proceder à limpeza cuidados das ruas;
  • lançar ao mar as imundícies;
  • acender fogueiras de lenhas aromáticas na via pública, de manhã e à noite;
  • evitar expor ao ar o sangue obtido das sangrias;
  • proibir os bailes e os ajuntamentos de negros;
  • fechar as casas de prostituição;
  • encerramento dos banhos públicos;
  • manter desabitadas as casas onde tivessem morrido doentes de peste;
  • mandar queimar as roupas, de menor valor, das pessoas atacadas pela doença (e mandar lavar as de maior valor, com água do mar e vinagre);
  • proibir a circulação, nas ruas, de mendigos portadores de chagas;
  • pôr em quarentenas os navios de transporte de escravos;
  • mandar enterrar de imediato os mortos, em covas fundas e com ma espessa camada de cal viva por cima dos cadáveres;
  • organização de dois hospitais nos extremos da cidade para prestação dos primeiros socorros, internamento e convalescença;
  • contratação de médicos para prestação de cuidados domiciliários;
  • emprego de terapêuticas de "purificação do sangue" (sangrias, clisteres, sudoríferos, etc.), etc.

A nível da prolifaxia individual, os médicos espanhóis faziam também algumas recomendações: 


  • não abrir as janelas antes do nascer do sol; 
  • não sair de casa senão decorridas duas horas depois de ele ter nascido; 
  • aspergir o interior da casa com água e vinagre ou com vinho aromático;
  • fazer lume de lenhas aromáticas; 
  • enramar as casas com plantas de aroma agradável;
  • trazer nas mãos pomas feitas de substâncias balsâmicas, etc. 

E, por fim, uma nota de humanização: que se procurasse "alegrar e pôr ânimo ao enfermo nesta enfermidade por todas as maneiras possíveis" (Mira, 1947. 126).

O alvará de 1580 cofirma e amplia o regimento do provedor-mor da saúde: 

  • declaração obrigatória de casos de peste perante o cabeça de saúde (o representante do provedor a nível da paróquia); 
  • tratamento diferenciado dos empestados ricos e pobres (devendo estes últimos serem internados na Casa de Saúde); 
  • providências sobre os enterramentos;
  • lavagem e desinfecção das roupas; 
  • criação de um corpo de emergência de médicos e cirurgiões dependente do provedor-mor. 


2. Um incipiente corpo de administração sanitária

O pensamento geral do século XVI sobre as causas da peste não tinha evoluído: a peste era atribuída aos misteriosos e invisíveis miasmas, enfim, à corrupção do ar, à contaminação dos poços pelos judeus, a condições telúricas mal definidas, a castigo de Deus, a conjunções malévolas dos planetas e dos cometas... E recomendava-se o isolamenento dos doentes e e das zonas de infeção bem como a adoção do regime das quarentenas. 

Acreditava-se em que era suficiente o hálito para transmissão do contágio. Daí já o uso de panos, tapando a boca e o nariz,   no contacto com os doentes, bem como de máscaras e fatos especiais,  para se evitar o contágio pelo corpo do doente e da roupa da cama.

Pelo alvará de 1580, o regimento do provedor-mor da saúde é não só confirmado como ampliado. Cem anos depois, através de decreto de 1688, a autoridade do provedor-mor sai aparentemente reforçada, ao ordenar-se que as câmaras e as justiças do reino não só não se intrometam na esfera de competência do provedor-mor da saúde como cumpram e façam cumprir as as suas ordens. 


Por alvará de 1627, e devido à epidemia em Málaga, são cortadas todas as comunicações com esta cidade e outras do sul de Espanha. As cartas devem ser desinfectadas (através do vinagre e do fogo).

Por decreto de 1688, ordena-se que as câmaras e as justiças do reino não se intrometam na jurisdição do provedor-mor da saúde e que, além disso, cumpram e façam cumprir as suas ordens. A autoridade do provedor-mor de saúde estende-se aos territórios de além-mar.

Já no início do Séc. XVIII, é publicado novo "Regimento do Provedor-Mor de Saúde" (1707) ampliando e modificando algumas das disposições relativas à administração san

O provedor-mor da saúde passa a ver alargada a autoridade: a eles e aos provedores, seus ajudantes, compete fazer o registo dos facultativos, a inspecção das boticas e dos depósitos de géneros, o controlo sanitário de bebidas, exercer as funções de polícia sanitária marítima do porto de Belém, etc.

Em 1695, tinha entretanto saído o famoso "Regimento do Que se Ha-de Observar Succedendo Haver Peste (de que Deus no Livre) em Algum Reino ou Provincia Confiante com Portugal".

Trata-se de um típico documento de sanidade internacional que será completado, dez meses depois, com o Regimento para o Porto de Belém. Entre outras medidas, estes dois diplomas vêm instituir o cordão sanitário à volta das fronteiras e as quarentenas (isolamento de 40 dias ou mais) para tripulações e navios que demandassem os portos portugueses, oriundos de país suspeito. 


Curiosamente, estas providências surgem noventa e dois anos depois da última e derradeira epidemia de peste bubónica no nosso país. Esta epidemia desaparece depois de 1603 do território nacional,com excepção do Algarve (em que irá ressurgir por meados do Séc. XVII) e do Porto (onde haverá um derradeiro surto epidémico em 1899, atempo de Ricardo Jorge).

Para além do provedor, havia ainda o guarda-mor de saúde (uma figura que foi copiada do sistema italiano e que chegará inclusive até ao séc. XX, estando consagrada nos diplomas da reforma sanitária de Ricardo Jorge, 1899-1901) (Graça, 2017).

Originalmente, os guardas-mores estavam incumbidos de vigiar as portas e os postigos das cidades, de modo a impedir, tal como aconteceu no Porto, durante o inverno de 1574-1575, a entrada dos "pobres", e o risco da sua sempre temida aglomeração.

Em 1579, por ocasião de outra epidemia de peste bubónica, era guarda-mor de saúde de Lisboa o Dr. Diogo Salema (Lemos, 1991. 176).

Ainda a propósito da figura do guarda-mor da saúde, refira-se o caso de Évora, estudado por Abreu (2004) ("A cidade em tempos de peste: medidas de protecção e combate às epidemias, em Évora, entre 1579 e 1637"): Duas dessas medidas foram a criação do cargo de Guarda-Mor da Saúde (1569) e o Regimento da Porta de Alconchel (1582). 


"A ordem dos procedimentos a seguir em caso de declaração de peste era relativamente simples: nomeado o Guarda-Mor da Saúde, este indicava dois meirinhos a quem, por sua vez, competia recrutar os homens que considerassem necessários à defesa da cidade. 

"As portas eram imediatamente encerradas, sendo colocadas bandeiras brancas ao longo das muralhas - sinal identificador de que a urbe estava sob quarentena e, portanto, com acesso condicionado. Brancas eram também as varas que os meirinhos transportavam, símbolo legitimador do poder que o monarca, temporariamente, lhes concedia.

"A partir deste regulamento, pelo menos em termos teóricos, os abusos deixaram de ser tolerados passando a ser exemplarmente punidos: concretamente, e para além das penas pecuniárias estipuladas, quatro anos de degredo para o ultramar, tratando-se das elites, açoitamento público e dois anos de degredo para as galés, um pregão era encarregue de as divulgar pelas ruas da cidade.

"Seria, porém, o Regimento da porta de Alconchel que, em 1582, apertaria as malhas do controle sobre o espaço, definindo com mais precisão as atribuições do Guarda-Mor da Saúde e daqueles que com ele faziam equipa (...).

"Três notáveis da cidade tornavam-se depositários das chaves das portas, que lhe deviam ser entregues pelos meirinhos ao cair da noite. 

"Terminada a epidemia, a vereação recolhia as chaves e levantava as bandeiras da saúde, o Guarda-Mor e os meirinhos suspendiam as suas funções. 

"A precaridade nestes cargos (...) acabaria por limitar não só o grau de conhecimentos, e portanto de eficácia, dos seus detentores como até a sua própria autoridade. Ao contrário de muitas cidades italianas onde o poder e o prestígio destes indivíduos se tornou uma força normativa da cidade". (Fonte: Abreu. 2004)

Para além do cargo de guarda-mor, a cidade do Porto também tinha ao seu serviço um físico e um cirurgião que, entre outras, exerciam funções de autoridade sanitária, competindo-lhes, por exemplo, examinar todos os que chegavam em naus e navios de terras donde havia  novas de estarem impedidas por causa de epidemias (caso da França, Flandres, etc., com quem os mercadores do Porto tinham relações comnerciais, pro mar).  


Em meados do séc. XVIII continua a ser uma preocupação das autoridades sanitárias a prevenção e o controlo das epidemias. Em 1748 é publicado o "Tratado sobre os Meyos da Preservação da Peste mandado fazer por ordem de Sua Magestade". Lemos (1991. 145) resume no essencial as medidas preventivas que deveriam ser tomadas, segundo o tratadista cujo nome se desconhece:

  • estabelecimento, nas fronteiras,  de um cordão sanitário [, "avant a lettre", já que a expressão em francês aparece pela primeira vez em 1821 para designar o encerramento da fronteira da França com a Espanha, nos Pirinéus por ocasião de surto de febre amarela, e a medida será depois teorizada pelo grande higienista francês Adrien Proust (1834-1903)];
  • imposição de rigorosas quarentenas nos portos de mar;
  • manutenção cuidadosa da limpeza nas ruas, mercados e habitações;
  • vigilância do estado dos bens alimentares;
  • repressão da mendicidade;
  • criação de hospitais especiais, fora de portas, para empestados, suspeitos e convalescentes;
  • criação de cemitérios próximos desses hospitais;
  • organização de primeiros socorros...

Há ainda uma medida, aparentemente nova, a "proibição de instalação, no interior da cidade, de oficinas cujos produtos possam inquinar o ar. É muito provável que esta seja a primeira referência, entre nós, aos  famosos "estabelecimentos insalubres, incómodos e perigosos" que vão surgir como desenvolvimento do capitalismo industrial. 

O país tinha conhecido um primeiro surto industrialista a partir de 1675 (, ano em que Duarte Ribeiro de Macedo, o nosso primeiro teórico da 'política industrial', publica a sua obra "Sobre a Introdução das Artes",) e vai conhecer outro,  entre 1720 e 1740, antes do pombalismo. 

 No final do Antigo Regime, é à intendência geral de polícia, de que Pina Manique (1733-1805) será o todo poderoso superintendente, no período que vai de 1780 a 1803) que se devem medidas legislativas tais como:
  • o decreto que cria a obrigatoriedade da inspecção sanitária das prostitutas (1781);
  • a regulamentação da oferta de trabalho para os indigentes (1781);
  • a organização da estatística das mortes violentas e o estudo da criminalidade (1791);
  • o plano de construção de cemitérios públicos (1791).

Este último tinha um objectivo sanitário explícito, além do registo e controlo da mortalidade (por ex., proibição de enterramentos sem certidão de óbito).


Em resumo, pode-se dizer que até ao século das Luzes, o séc. XVIII, não há  consciência colectiva da saúde/doença, o que  terá a ver, antes de mais, com o nível de conhecimento sobre a etiologia (ou a causalidade) das doença humanas. 

Até à revolução bacteriológica de meados do Séc. XIX (protagonizda por Pasteur, Koch e outros), as doenças infecciosas eram atribuídas a misteriosos miasmas; daí (i) o sentido do provérbio português "Livra-te dos ares, que eu livrar-te-ei dos males" e (ii) a vulgarização de práticas mais ou menos ritualizadas como as fogueiras nas ruas em caso de epidemia, as fumigações de pessoas, animais, objectos e casas, a travessia das ruas por manadas de gado bovino, etc... (
A proibição dos porcos deambularem livremente pelas ruas da cidade de Lisboa data apenas de 1773!).

Quando surgiam epidemias (, de resto, cíclicas), a única resposta societal era a da imposição do terror através da segregação socioespacial (separação dos doentes e dos sãos, separação dos doentes ricos dos doentes pobres). O lazareto, distinto do hospital,  é uma das "instituições totalitárias" que o Ocidente cristão vai criar para lidar com as epidemias da 1ª era da globalização. E não é por caso que nasce em Veneza.

(Continua)

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Referências bibliográficas:

ABREU, L. (2004) - A cidade em tempos de peste: medidas de protecção e combate às epidemias, em Évora, entre 1579 e 1637. Sesión 18: crisis de mortalidad y epidemias em España y Portugal. Congresso Associación de Demografia Historica (ADEH), VII, Granada 1-3 de Abril de 2004. Facultad de Filosofia y Letras. Universidad de Granda.

GRAÇA, L. - Hospital Real de Todos os Santos: da ostentação da caridade ao génio organizativo. Dirigir-Revista para Chefias. 32 (1994)26-31.


GRAÇA,  L. - Ricardo Jorge e a modernização da saúde pública. In: Veloso AJ, Mora LD, Leitão H, editors. Médicos e sociedade: para uma história da medicina em Portugal no século XX. Lisboa: By The Book; 2017. p. 34–49.

JORGE, R. (s/d) - Amato Lusitano. Comentos à sua vida, obra e época. Lisboa: Instituto de Alta Cultura.

LEMOS, M. - História da medicina em Portugal: instituições e doutrinas, Volume II. Lisboa: D.Quixote; Ordem dos Médicos, 1991 (1ª ed., 1899)

MIRA, M.F. - História da medicina portuguesa. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1947.

ROQUE, M. C. - A "Peste Grande" de 1569 em Lisboa. Lisboa, 1982 (Separata dos Anais da Academia Portuguesa da História, 1982, II série, vol. 28).


VALSECCHI, M. C. - Mass Plague Graves Found on Venice "Quarantine" Island."National Geopraphical", AUGUST 29, 2007.

4 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20810: O que podemos aprender com as epidemias e pandemias do passado? (Luís Graça) - Parte II: Peste: "Mercator ergo pestiferus"

7 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20827: O que podemos aprender com as epidemias e pandemias do passado? (Luís Graça) - Parte III: Entrevista dada ao jornalista José Pedro Frazão, programa "Da Capa à Contracapa", emitido aos sábados, às 9h30, na Rádio Renascença

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20854: Efemérides (323): No dia 13 de Abril de 1970, a CART 2732 embarcou no Cais do Funchal, no navio Ana Mafalda, com destino à Guiné (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA)


Se dos fracos não reza a História, da História da CART 2732 e dos seus valorosos Combatentes, reza que hoje se completam 50 anos após o seu embarque no Cais do Funchal, no navio Ana Mafalda, com destino à Guiné, onde chegaram no dia 17 para cumprir uma esforçada comissão de serviço de 23 meses.

Companhia de quadrícula, esteve aquartelada em Mansabá durante 22 meses, onde deixou muitos amigos e saudades entre a população.

Cais do Funchal, 13 de Abril de 1970 - O Governador do Distrito, Coronel Braamcamp Sobral, e o Governador Militar da Madeira, Brigadeiro Luís Mário do Nascimento, passam revista à formatura da CART 2732.

Cais do Funchal, 13 de Abril de 1970 - Desfile da CART 2732, comandada pelo Alf Mil Manuel Casal, momentos antes do embarque. Como Porta-estandarte o então Segundo Sargento António Piedade Santos.


Foi este o efectivo da CART 2732 que embarcou no navio Ana Mafalda

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Notas:

São estes os que embora "não achando quem armas lhes resistisse" acabaram por sucumbir no cumprimento da sua missão, não voltando connosco:

a) - O Alf Mil Art MA José Armando Santos do Couto, faleceu em combate em 6 de Outubro de 1970
b) - Soldado José do Espírito Santo Barbosa, faleceu no HMP em 14 de Dezembro de 1971, vitima de ferimentos recebidos em combate no dia 2 de Dezembro.
c) - Soldado Manuel Vieira faleceu em combate no dia 2 de Dezembro de 1971.
d) - Soldado José Silvestre Nunes Vieira faleceu vítima de acidente de viação  em 17 de Maio de 1971.

Há ainda a registar o falecimento por doença, em 16 de Maio de 1971, do Soldado Artur Malcata de Matos, integrado na CART 2732 já na Guiné.

A estes 5 saudosos camaradas de armas, neste dia, a nossa homenagem.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20851: Efemérides (322): O meu domingo de Páscoa de 1968 (Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG)

Guiné 61/74 - P20853: Notas de leitura (1279): “O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Março de 2017:

Queridos amigos,
Dirão alguns que esta investigação universitária aborda o demasiado óbvio: havia censura de que um regime totalitário não abria mão, a guerra colonial ainda é uma história para contar. Há que reconhecer o mérito da metodologia utilizada: o que foi concretamente o jornalismo português na divulgação da guerra colonial, como operou a censura, que memórias guardam radialistas e jornalistas que chegaram a pisar o solo nos teatros de operações, qual a atmosfera das redações, que papel desempenhou a autocensura, e muito mais. Há memórias e testemunhos de valor perdurável e estamos em querer que a investigação histórica de futuro não poderá prescindir desta sondagem sobre o jornalismo e os jornalistas, em Portugal e nas colónias.

Um abraço do
Mário


O jornalismo português e a guerra colonial (2)

Beja Santos

Sílvia Torres
“O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016, é um laborioso trabalho de pesquisa e de inquirição a protagonistas diretos na ótica de uma dupla temática: como era feita a cobertura jornalística dos jornalistas portugueses da Metrópole e das províncias ultramarinas envolvidas no conflito, uma investigação que obrigou a identificar o jornalismo português durante o Estado Novo, quais os meios de comunicação portugueses vigentes nas colónias/províncias ultramarinas sobretudo durante a guerra colonial, com se fabricavam as notícias, como agia a censura, sob que prisma, e com base em testemunhos de alguns dos protagonistas diretos este género jornalístico é de estudo indispensável na investigação histórica.

O professor Francisco Rui Cádima aborda o tratamento da guerra colonial na RTP, observa que a ausência da ideia de império nos telejornais da década de 1950, ou mesmo a ausência de uma estratégia deliberada de manipulação das consciências, a informação era tipo oficioso, com pouco uso da imagem.

Iniciada a guerra colonial em Angola, mostram-se imagens do terror praticado, mas insistia-se na tese de tranquilidade e incriminava-se a ingerência estrangeira e os bandidos vindos do exterior. A RTP abriu uma campanha nacional de apoio às vítimas do terrorismo em Angola para recolha de donativos.

Toda a informação televisiva aparecerá altamente condicionada. Manuel Maria Múrias irá desempenhar o papel de agente de legitimação da política salazarista. Haverá uma viragem com a chegada de Ramiro Valadão em 1970. “Esta mudança não foi apenas uma mudança de pessoas, ou de liderança na redação, mas significou também uma importante alteração no quadro do próprio discurso jornalístico televisivo”. O regime não deixou abrir fendas na doutrina oficial de que o Ultramar era matéria fora de discussão.

Vários autores debruçam-se sobre a censura e como esta se constituiu como o elemento dissuasor de qualquer veleidade em abrir discussões sobre o nacionalismo, a existência de atrocidades ou até exploração económica.

A equipa organizada por Sílvia Torres ouviu memórias de jornalistas e intervenientes na guerra colonial, desde Agostinho Azevedo que escrevia no oficioso Voz da Guiné, passando por Armor Pires Mota que publicava crónicas durante a sua comissão militar na Guiné no Jornal da Bairrada, nem a PIDE nem a censura deram por nada, publicou o livro Tarrafo com as mesmíssimas crónicas, foi imediatamente apreendido e houve interrogatórios, depõem igualmente Baptista Bastos, Cesário Borga, Diamantino Monteiro, do Rádio Clube da Huíla, como também David Borges da Rádio Clube da Huíla, o jornalista Fernando Correia que pisou os três teatros de operações e que explica cabalmente todo o processo de crescente desinteresse do próprio regime em dar informações sobre a guerra; o jornalista Fernando Dacosta observa que a guerra foi muito mal contada, nenhum jornalista legou um grande trabalho sobre a guerra colonial e justifica:

“Não podia fazer. Na literatura, hoje, a história já começa a ser contada. Cada vez se escrevem mais livros sobre a guerra colonial. Mas, neste plano, importa destacar um dos primeiros escritores: o jornalista Fernando Assis Pacheco, que escreveu Walt, um livro que situa a guerra colonial na guerra do Vietname para, desta forma, poder falar sobre a guerra colonial e escapar ao corte da censura. É talvez um dos documentos mais importantes sobre a guerra colonial que foi publicado muito antes do 25 de Abril”.

E analisa igualmente a imprensa na metrópole: “A censura era ferocíssima em relação às notícias, filtrava tudo quanto os jornais tentassem publicar e, de uma maneira geral, cortava. Só se publicavam as informações que a própria censura entendia ou que o gabinete militar divulgava”.

Uma figura lendária, o jornalista Fernando Farinha, que acompanhava as tropas no terreno, descreve os seus métodos de trabalho, como é que as suas reportagens chegavam à redação:

  “Fazer chegar os rolos fotográficos e os textos ou notas de texto à redação requeria alguma imaginação. Umas vezes, aproveitava o transporte de feridos, feito por helicóptero, para o Hospital Militar de Luanda, para enviar rolos e notas de texto. Punha o papel dentro do rolo e colava tudo com fita-adesiva às ligaduras ou talas dos feridos. Os próprios feridos ou outros militares informavam depois a redação de que era preciso ir buscar o material ao hospital. Outras vezes, verbalmente, via rádio do Exército para o rádio do avião que sobrevoasse a zona, pedia aos pilotos que transmitissem determinadas informações”.

E discreteia quanto ao modo quanto o conflito passou a ser visto internamente:

“No início, a guerra era vista pelos militares como um dever de patriotismo a cumprir. Era fundamental manter a pátria unida e defender um território que era português, custasse o que custasse. O inimigo era terrorista e tinha de ser abatido. Mais tarde, o pensamento já não era este, sendo a guerra vista como desnecessária. No final, já só se queria um entendimento com os terroristas e o fim da guerra. O inimigo passou a ser mais respeitado, porque as tropas portuguesas perceberam que os guerrilheiros lutavam pela sua terra. O amor à pátria e a portugalidade das colónias foi-se perdendo à medida que a guerra avançava”.

Segue-se a entrevista a alguém que teve atividade humorística na imprensa, Fernando Gonçalves criou o cartoon Zé da Fisga, que aparecia em publicações com sede em Luanda; Francisco Pinto Balsemão, João Palmeiro e Joaquim Letria irão depor sobre o seu papel de jornalistas ou intervenientes nos meios de comunicação social.

Letria fala dos problemas com a censura mas também da autocensura, e conta a experiência amarga que teve na Guiné como repórter de guerra:

“Posso contar que me levaram ao Palácio do Governo por causa de um telegrama, com cerca de 150 palavras, que eu enviei para o Diário de Lisboa por correio. Julgava eu que o telegrama tinha sido enviado, quando aparece um jipe, conduzido por um funcionário para me levar ao palácio. E aí fui muito maltratado por General Arnaldo Schulz e pelo representante do SNI. Porquê? Porque eu tinha tentado enviar para Lisboa informação classificada que prejudicava as nossas tropas. Eu escrevi no telegrama que tinha havido um ataque do PAIGC que tinha matado nove soldados portugueses e dizia aonde é que tinha sido o ataque, quantos soldados é que tínhamos na Guiné e quando é que a guerra tinha começado. Fui repreendido por ter contado a verdade. Tinha cometido um erro gravíssimo e se o voltasse a fazer mandavam-me para Lisboa”[1].

Para Letria a guerra colonial é uma história por contar, ainda há muito para mostrar. E recorda que ainda não foi ouvida gente que gravava as mensagens de Natal, esses operadores da RTP ainda não testemunharam.

(Continua)
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Notas do editor:

[1] - A propósito destas mortes anunciadas pelo jornalista Joaquim Letria, consultar o Poste de 7 de Dezembro de 2017 > Guiné 63/74 - P15455: Notas de leitura (783): “Sem Papas na Língua”, Joaquim Letria em conversa com Dora Santos Rosa, Âncora Editora, 2014 (Mário Beja Santos).

Último poste da série de 6 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20820: Notas de leitura (1278): “O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20852: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (8): 11 de abril de 2020, a caminho do Mar Vermelho e, a seguir, do "Mare Nostrum", o Mediterrâneo...


MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Em navegação,   a caminho do Mar Vermelho e do "Mare Nostrum", o Mediterrâneo. >  11 de abril de 2020 >

Cortesia da página do faceboook de Constantino Ferreira. Foto reeditada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala e Mampatá, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande desde 16 de fevereiro de 2016. Vai a bordo do MSC -Magnífica, que teve de apressar o seu regresso ao ponto de partida, devido à pandemia de COVID-19. Está a escrever o seu diário de bordo, desde 23 de janeiro de 2020, disponível na sua página do Facebook. A ele junta-se o António Graça de Abreu, que também, está a escrever o seu diário de bordo...


Excertos do diário de bordo de Constantino Ferreira

Sábado, 11 de abril de 2020, 11h27

Ontem, Sexta-feira Santa, todo o navio, passageiros e tripulantes, cumpriram 1 Minuto de silêncio, em memória das vítimas no Mundo, da Covid-19.

Eram 14 Horas locais, ainda estávamos á mesa do almoço. O silêncio foi total, ninguém se mexia, apenas o navio
NAVEGAVA !

Depois, pelas 15 horas, no Royal Theatre, tempos de reflexão, com leituras e representação do Julgamento de Jesus da Nazaré, frente a Pilatos e Sacerdotes Judeus. De que resultou a sua morte cruel por crucificação, por equívoco do “povo” e, desleixo de Pilatos.

As intervenções foram feitas voluntariamente em todas as línguas. Terminou com um concerto dirigido pelo nosso Maestro Manfrini, que toda a assistência aplaudiu de pé, em silêncio!

Hoje, Sábado de Páscoa, navegamos no fim do Golfo de Áden, já com vista de terra a Bombordo e a Estibordo, que aqui coloco fotos respectivamente, as duas primeiras fotografias que acabei agora mesmo de tirar !

Mais à frente, a bombordo, iremos ver Djibuti, onde está a Base Naval Francesa, que se ofereceu para nos receber e, reabastecer, caso fosse necessário!

Depois, será navegar Mar Vermelho acima ,..... até à Cidade de Suez, onde entraremos no Canal, para chegarmos ao “Mare Nostrum”! ...Até lá !!!


Excertos do diário de bordo do António Graça de Abreu 


Excerto enviado pelo António Graça de Abreu, com data de 10/4/2020, 19h02
[ ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com 250 referências no nosso blogue; temos recebido as suas mensagens por correio eletrónico]


Taiti, Polinésia Francesa, 27 de Fevereito de 2020

Ontem, no regresso da ilha de Morea, ainda tivemos tempo para um extenso passeio a pé por Papeete, a cidadezinha capital de Tahiti. De criação recente, só em 1817,  Papeete passou a sede do muito limitado poder britânico sobre uma ilha que entãoo os ingleses disputavam com a Françaa.

Foram os franceses, com tropas mais numerosas, quem conseguiu impor o seu protectorado a Taiti, de 1842 até hoje.A ilha tem 185 mil habitantes, a capital conta com 30 mil pessoas, predominantemente polinésios, gente simpática e educada, alguma dela diz com orgulho que frequentou universidades, em Françaa. 

Papeete é uma cidade limpa e organizada, com um mercado central onde rivalizam as cores das flores, da roupa e da comida. Em Taiti, as mulheres costumam colocar uma flor nos cabelos, presa, ou por cima da orelha esquerda ou da orelha direita. A flor na cabeça, a direita, significa que a mulher ja é casada ou comprometida, a flor, à esquerda, corresponde a uma donzela, ou senhora, livre de compromissos, aberta a qualquer tentativa de namoro. 

Quando me contaram esta história, não acreditei nas flores de esquerda e de direita, mas bastou vir para as ruas de Tahiti para comprovar que nesta formosa ilha, esquerda e direita, em flor, são duas opções indiscutíveis . Era bom que fosse assim em todo o mundo.

Em Pappete há jardins impecavelmente tratados suspensos sobre o porto de onde se parte em velozes catamarãs para outras ilhas, outras aventuras. Disseram-me que 9% da população é de etnia chinesa, detentora de grande poder económico. Os filhos do Império do Meio são resultado da emigração massiva, a partir de meados do século XIX, quando milhões e milhõees de chineses fugiram do centro e sul da China durante a tremenda rebelião do Reino Celestial dos Taiping que se prolongou de 1850 a 1864 e tera provocado cinquenta milhões de mortos. Deixando para trás a guerra, registou-se o maior êxodo de sempre de chineses que pocuraram trabalho e paz nas ilhas do sudeste asiático, Malasia, Singapura, Tailândia, nas ilhas mais distante do Pacífico e até no Peru e em Cuba. 

Em Havana, o consul de Portugal, um senhor chamado Eca de Queiros, haveria de defender e ajudar milhares de chineses que chegavam a Cuba com documentos de emigração passados em Macau e que sofriam as prepotências e impiedosa exploração dos fazendeiros e autoridades espanholas. Os culies chineses substituiam os escravos negros nas grandes plantações de cana-do-acúcar. Mas isso são outros continentes e outras histórias.

As praias de Taiti, em cenário natural de grande beleza, contam quase sempre com tapetes de areia negra. Estive em Point Venus, com um antigo farol e uma perfeita baía onde os primeiros europeus desembarcaram, em 1767, e só não fui ao banho na belíssima praia de areia preta, porque estava alinhado na excursão do navio, com tempo muito limitado. Foi nesta baía que a Bounty, com o capitão William Bligh, chegou em 1789 e os seus marinheiros. Logo depois, como ja vimos, ficaram fascinados com os encantos de Taiti.

A ilha tem uma superficie de 1.042 km 2, um pouco maior do que a nossa Madeira, e como não podia deixar de ser também a circundei, no autocarro público, com paragem em Taravao. Foi no segundo dia de estadia em Tahiti e, como o navio partia as 19 horas, tivemos de programar o dia quase ao minuto. 

A vila de Taravao, a mais importante do sul da ilha e a entrada para a península de Tahiti Iti, ou seja a "pequena Taiti", com mais baias, enseadas, lagunas e praias de areia branca que só visitarei numa proxima reencarnação quando aproveitar um fim de semana para descer do c+eu e nadar num mar esmeralda e me por a tostar ao sol deste paraíso na Terra.

Perto de Taravao, na aldeia de Mataiea, fica o Museu Paulo Gaugin, perto da última casa onde o pintor viveu em Taiti, ante do seu exilio definitivo e morte em Hiva Oa, nas ilhas Marquesas. Por aqui pintou Gaugin algumas das suas obras primas, como as lânguidas mulheres polinésias que soube, ou não soube amar. 

O museu está fechado desde 2013 "para obras". Paulo Gaugin, aos cinquenta e muitos anos, manteve relacionamentos sexuais e tomou por companheiras raparigas polinésias com quinze ou dezasseis anos de idade, e não deixou de as retratar em quadros plenos de sensualidade. Será por isso que o "politicamente correcto" mandou fechar o Museu Gaugin, em Taiti e procedeu a uma limpeza do seu nome em todos os folhetos turísticos que promovem a ilha. 

Eu entendo. Contudo, Paulo Gaugin deixa a todos nós um legado mágico, intemporal e louco, é um dos grandes mestres da pintura universal. Basta olhar os seus quadros sobre Taiti, esfuziantes de cor, alegria e tristeza, basta beber os seus verdes intensos das folhas das palmeiras, os azuis acariciando o ondular do mar, os amarelos aquecidos pelo grito do por-do-sol. O seu amigo Van Gogh, logo após uma zanga com Gaugin na casa de Arles, no sul de França, decidiu cortar uma orelha, embrulhá-la em papel de jornal e ir entrega-la num bordel que ambos tinham frequentado, na pequena cidade francesa. Os homens e mulheres de excepção não tem juizo, entenda-os cada um como muito bem achar.

Em Taravao fui a um grande supermercado impecavelmente abastecido. Dizem-me que o salário minimo em Taiti ronda os 1.250 dólares, que o ordenado medio é de 2.250 dolares, O nivel de vida eéelevado, superior ao de Portugal, creio, o que acontecerá também em algumas outras ilhas do Pacífico.
Os preços também me pareceram caros. Comprei sabonetes e óleos corporais fabricados com óleo de coco e com monoi , uma mistura de tiaras, flores raras existentes em Taiti. Numa loja do supermercado descobri uma t-shirt muito bonita,, preta, estampada com o pequeno desenho de uma beldade tahitiana, de corpo inteiro, sentada de lado, com uma flor no cabelo, ataviada com um pequeno vestido vermelho que lhe modelava o corpo. Tinha escrito Hinano e 1955. Hinano parecia-me ser o nome de uma das ilhas da Polinésia Francesa e 1955 deveria ser o ano em que essa ilha se autonomizou, em relação ao poder politico francês. Comprei-a por sete ou oito euros. 

De regresso ao navio, consultei a pequena brochura que trouxe de Papeete e lá encontrei a figura da elegante tahitiana da minha t-shirt, e a explicaça: " The brand of Hinano beer, sold since 1955 by the Brasserie of Tahiti, has become a real institution present everywhere in Polinesya. Recognized by its famous logo, a sitting vahine ( jovem mulher em polinesio) often brought as a souvenir by tourists."

Antonio Graca de Abreu



MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Em navegação, oceano Pacífico  >  Fevereiro de 2020 > Um "recuerdo" do Taiti

Foto (e legenda): © A ntónio Graça de Abreu (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


domingo, 12 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20851: Efemérides (322): O meu domingo de Páscoa de 1968 (Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG)

Ressurreição de Cristo - Rafael


1. Em mensagem de hoje, dia 12 de Abril de 2020, o nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), lembra o seu dia de Páscoa de 1968.


O Domingo de Páscoa de 1968

Já estava na tropa desde Outubro de 67 quando no dia 10 daquele mês assentei praça na EPC em Santarém, de má memória, onde chumbei no CSM e mais 200 camaradas – sim chumbámos 201 em 360 - tendo passado para o Contingente Geral e no início do ano de 68 sido transferido para o RTM no Porto onde tirei a especialidade de Operador de Mensagens bem como a Escola de Cabos.

Mal acabada a especialidade, fui transferido para o BT na Graça em Lisboa, mas rapidamente colocado a prestar serviço na Delegação do STM – Serviço de Telecomunicações Militares – no Quartel General da 2.ª Região Militar, em Tomar.

Estava desarranchado, dormia num quarto com mais dois camaradas em três divãs separados, em casa do Cabo RD Almeida, como também ali dormiam noutros quartos mais camaradas de armas. Aquilo não era bem um quartel, mas principalmente de manhã, apesar de não haver toque de alvorada, todos nos movimentávamos bem e depressa.

Comia no Restaurante Diamante Verde, na Rua dos Arcos, por trás do Quartel General. Acho que o desarranchamento eram 500$. Do quarto pagava 120$ e do Restaurante pagava 500$. Mas como “matava” alguns serviços de camaradas que se podiam safar e pagar, a coisa compunha-se.

Todos estes serviços de “matança” eram “coordenados” pelo Sargento, chefe do Posto do STM.
O STM era nas águas furtadas do QG onde, para além do Centro de Mensagens (a minha especialidade), existiam a Central de Teleimpressores com contacto com o Batalhão de Telegrafistas em Lisboa e com o QG do Campo Militar de Santa Margarida, bem como com os outros Quartéis Generais do País e, claro, o Posto de Rádio, em grafia, que comunicava com as mesmas entidades.

Existia ali ainda um aparelho do tempo da 2.ª Grande Guerra, um fac-simile da altura, marca Siemens, que todos os dias era posto à prova com uma transmissão de exploração para o BT e a devida resposta. Aquilo era mesmo antigo. A técnica era baseada num cilindro onde se acoplava o documento a transmitir e ia rodando, depois de se fazer a ligação telefónica para transmitir o documento. Usava um tinteiro e um sistema com um aparo que ia impressionando o papel conforme a imagem do documento. Claro que por vezes borrava-se a pintura… mas aquilo tinha que ser posto à prova todos os dias como mandavam as normas.

No 1.º andar, para além dos Gabinetes do Brigadeiro Comandante da Região Militar e do Coronel Chefe do Estado-Maior e outras repartições, havia o Centro de Cripto onde, nós quando recebíamos alguma mensagem classificada, íamos ao postigo daquele Centro entregar a mesma por protocolo e eles, depois de fazerem a passagem a cifra, vinham ao postigo do nosso Posto entregá-la para ser encaminhada e transmitida para o ou os destinatários. Era assim o dia a dia.

No Rés do Chão, para além dos serviços do quartel General e as instalações da PM, havia a Central Telefónica do QG, com uma Central Civil e outra Militar que eram operadas por telefonistas do STM. Era dali que de vez em quando, sem grandes abusos, conseguíamos fazer uma ou outra chamada para casa, para dar notícias, ou para algum dos nossos vizinhos que tivesse telefone porque naquela altura esses aparelhos eram raros.

Era assim a vida dentro daquelas quatro paredes. Falta dizer que no Rés-do-Chão, virado para uma pequena parada interna, havia a Cantina muito frequentada por todo o pessoal do QG, do STM e da PM que ali estava instalada.

A comida no Restaurante não podia ser muita nem nós podíamos ser exigentes dado o preço que se pagava. Mas comia-se sempre uma boa sopa, um prato de peixe ou de carne, pouco abundante para se manter a linha, um jarrinho de vinho e algumas vezes uma peça de fruta.

Ora, no Domingo de Páscoa de 1968, estava de serviço e lá fui almoçar. A senhora D. Rosa avisou-me que havia rancho melhorado. De facto, veio uma canjinha de galinha apetitosa e depois arroz com frango corado no forno. O arroz estava muito bom, mas o frango ou a galinha vinha aleijado. Só havia patas e pescoços… pelo que perguntei se ela tinha ido comprar o frango ao Entroncamento que nessa altura estava na sua grande época dos fenómenos. Ainda bem que fiz aquela pergunta pelo que a senhora sempre me arranjou uns bocados de carne para ajudar a empurrar o arroz.

Coisas da tropa, neste caso passadas fora do Quartel, mas mesmo ali ao lado.

Boa Páscoa para todos os amigos e, já agora cuidem-se e não façam aventuras porque a Pandemia está bem viva, anda por aí cheia de força, a fazer a vida negra a uma população indefesa. Por isso temos que nos resguardar em casa, nada de visitas, nada de cumprimentos mesmo que ocasionais, porque todo o cuidado é pouco. Mas temos que ter esperança e esperar melhores dias porque depois da tempestade vem sempre a bonança. Esperamos que desta vez também seja assim. Mas, entretanto, toca a recolher em casa.

Um abraço colectivo para todos os amigos.

Carlos Pinheiro
12.04.2020
Domingo de Páscoa caseiro…
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20812: Efemérides (321): No dia 4 de Abril de 1970, saiu a CCAV 2721 do cais de Alcântara em direcção a Bissau (Paulo Salgado)

Guiné 61/74 - P20850: Manuscrito(s) (Luís Graça) (183): para a minha neta que hoje faz 5 meses e para todos os avós e netos que estão sozinhos em casa, em dia de Páscoa...


Lourinhã > Paimogo > 2020 > Pandemia de COVID-19 > Só as aves do céu não estão confinadas...


Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Parabéns, Clarinha, pelos teus 5 meses de vida,
em plena pandemia de COVID-19!


À minha neta terei de contar um dia
Os primeiros meses da sua aventura,
No planeta azul, e este tempo de clausura,
Que nos foi imposto por uma pandemia.

Nada sabe do mal e sua virulência,
Seu sorriso é mais belo que a mais bela flor,
Seus olhos claros já perscrutam em redor,
Mas toda ela é apenas inocência.

É Páscoa, hoje o amor e a vida celebramos,
E as alegrias que tu tens dado, bebé,
A teus pais e a todos nós, que muito te amamos.

É Páscoa, é abril, mas nada de beijinhos,
Porque há um vírus que nos quer mal, pois é,
E os avós, cá e lá(*), em casa estão sozinhos.

Lourinhã, 12 de abril de 2020.

(*) no Funchal



2. Mensagem que mandámos, eu e a Alice, à nossa "gente do Norte", em nosso nome e dos nossos filhos, cada um para seu lado, em confinamento:

Queridos/as irmãs, irmãos, cunhados/as, tios/as, primos/as:

Dizem que a distância faz esquecer…
Talvez, se for prolongada no tempo.
Mas agora, não é distância, é confinamento,
que nos foi imposto por uma pandemia…

E logo hoje que é Páscoa,
festa maior da nossa gente de Candoz.
E logo hoje que não nos podemos abraçar nem beijar,
cada um de nós confinados nas nossas casas.

Esta dramática circunstância aviva a saudade,
que nos faz lembrar, e lembrar cada um de vós,
com quem gostaríamos de estar,
hoje muito em particular…

É Páscoa, é abril, é primavera,
não haverá compasso, nem arroz pingado, nem foguetes,
nem o ruído nem a alegria de uma mesa grande e farta.

Mas, daqui, do Sul, da Lourinhã, de Alfragide, de Lisboa,
comungamos da esperança de, em breve,
nos podermos voltar a encontrar
e sabermos, de viva voz,
como é que cada um de vós “toureou o corno do vírus”…

Hoje é dia de alegria também
pelos cinco mesinhos de vida da nossa Clarinha,
que ainda nada sabe dos males do mundo.

Estaremos, em pensamento, convosco.
E desejamos que rapidamente a gente
consiga, individual e coletivamente,
sair bem deste tempo de ameaça e de clausura.

Um cesto grande de abraços, chicorações, beijinhos… 
com uma lagrimazinha devidamente “higienizada”…

Luís e Alice (Lourinhã), Joana (Alfragide), João e Catarina (Lisboa)

12/4/2020

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20822: Manuscrito(s) (Luís Graça) (182): para a Joana que hoje faz anos, e para todos os nossos filhos que estão sozinhos em casa...

Guiné 61/74 - P20849: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (12): A minha primeira Páscoa, em Bissau... desde 1985!... Com o meu filho...



Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2020 > Praça dos Heróis Nacionais, mas o povo continua a chamar-lhe Praça... do Império.


Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2020 >  "Mangos, da nossa casa"

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro, um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.; tem mais de 90 referências no nosso blogue]
Data - 12 abril 2020 13:25


Assunto . A Páscoa em Bissau


Luís,

Para ti e tua família, uma Santa Páscoa.

Passado 35 anos, volto a passar a Páscoa em Bissau, a primeira foi em 1985. Desta vez na companhia é do meu filho.
Junto 2 fotos,
- Frutos da Páscoa (na nossa casa);
- Praça do Império... (como é conhecida até hoje pela população).

Abraço,
Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guine Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com



Guiné > Bissau > s/d > "Monumento ao Esforço da Raça (Bissau)". Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 131". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal. Imprimarte, SARL). (Detalhe)

2. Comentário de LG:

Obrigado, Patrício, pelas tuas "amêndoas" de Bissau... As tuas notícias e fotos são sempre bem recebidas pela Tabanca Grande... Também eu passo a Páscoa, pela segunda vez, creio eu, cá em baixo, no Sul, em mais de 40 anos, casado com uma nortenha... Confesso que não há como a gente do Norte para fazer a festa da Páscoa, que tem de ter ruído, foguetes, mesa grande e farta, muita gente, muita alegria, compasso, cabrito assado, nuns sítios, ou anho assado com arroz de forno noutros...

Mas em relação à foto da "Praça do Império" (sic), deixa-me acrescentar o seguinte:

O monumento é da autoria do arquiteto Ponce de Castro. A primeira pedra foi lançada em 1934.  O monumento foi inaugurado em 1941. O granito veio do  Porto.  Enquanto a estatuária colonial foi derrubada, a seguir à independência, este monumento, colonialista por excelência, foi o  o único que resistiu à fúria do camartelo do PAIGC.  Ainda lá está, agora encimado com a  a estrela de cinco pontas, que faz parte da bandeira da República da Guiné-Bissau.

Há, na Foz do Douro, Porto, um monumento, datado de 1934,  que terá inspirado o de Bissau, o "Monumento ao Esforço Colonizador Português", da autoria dos escultores Alferes Alberto Ponce de Castro (? - ?) e de José de Sousa Caldas (1894-1965). "Foi construído expressamente para a Exposição Colonial, inaugurada em Junho de 1934 no Palácio de Cristal. Compõe-se de um obelisco encimado com as armas nacionais; na base, seis esculturas estilizadas simbolizam as figuras a quem se deve o esforço colonizador: a mulher, o militar, o missionário, o comerciante, o agricultor e o médico!. (Fonte: Turismo do Porto).

O arquitecto e escultor Alberto Ponce de Castro era natural de Tavira, é o autor do Monumento aos Mortos da Grande Guerra, situado defronte dos Paços do Concelho de Tavira. Em 1922 o alferes de cavalria Alberto Ponce de Castro era reformado e fez um requerimento, à Câmara dos Deputados, ao abrigo da Lei nº 1244. O requerimento seguiu para a Comissãod e Guerra (Fonte: Debates Parlamentares > 1ª Reoública > Câmara dos Deputados > VI Legislatura > Sessão legislatuiva 01 > Número 101 > 1922-07-12 > Página 4)
  
A estética deste monumento é, pois,  claramente estado-novista,  típica dos anos 40/princípios de 50... Fazia parte dos projetos de "monumentalização" da cidade de Bissua, anunciados em 1945 pelo governador Sarmento Rodrigues... Foi parcialmente destruído (ou vandalizado) depois da independência (ao que me disseram), mas resistiu: o que é irónico, é que os habitantes de Bissau continuem a chamar àquela praça, a Praça do Império...

O monumemto tem várias leituras: para uns pode ser uma obra-prima, para outros um mamarracho... Eu, que sou contra o camartelo dos iconoclastas (de todos os iconoclastas, a começar pelo camartelo camarário), acho piada  que o monumento tenha sido poupado, contrariamente ao resto da estatuária do colonialismo português...

Para os camaradas que fizeram a guerra colonial, como eu, e que conheceram este monumento, devo dizer o seguinte: toda a arte (e é difícil fazer a distinção entre arte e propaganda...)  traz a marca do seu tempo e fala do seu tempo...  Seria fácil, há cinquenta  atrás, do alto da nossa arrogância juvenil, apodar o monumento de 'colonial-fascista'... Mas já nos tempos que por lá passei, em Bissau, em 1969/71, o termo raça me fazia urticária... Qualquer que fosse a raça em causa...

Hoje é sabido, de resto, que não existem raças humanas... Pertencemos todos à mesma espécie, Homo sapiens sapiens... É uma constatação científica, não é uma asserção do politicamente correcto... Dito isto, ainda bem que os guineenses souberam reaproveitar  o Monumento ao Esforço da Raça... Afinal,  parte do seu património histórico, tal como a "o casco velho" de Bissau, da mesma maneira que os marcos milíários que pontuavam as vias romanas ligando a Lusitânia ao resto do Império Romano, fazem parte do nosso património histórico...
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P20848: Blogues da nossa blogosfera (127): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (42): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

DELICADAMENTE

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Delicadamente ela abriu a blusa
e levantou os olhos decidida.
Era uma mulher de guerra combatida
daquelas cuja face conta a história.
Mansamente
baixou a medo as alças do soutien
inclinou a cabeça e fechou os olhos
à espera da minha mão.
Depois comemos pão de centeio
molhado num golpe de azeite
bebemos um capitoso vinho
e fomos à procura de uma paisagem com cegonhas.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20816: Blogues da nossa blogosfera (125): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (41): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P20847: Blogpoesia (672): "Gatos de arame na loiça de barro", "Não importa o lugar..." e "Parece que foi ontem", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


Gatos de arame na loiça de barro

Corriam as aldeias perdidas na serra.
Traziam a oficina singela numa geringonça de ferro.
Apitavam constantes a chamada para o conserto.
A vida era dura. Nada se podia perder.
Trazia gatos com ele que lhes podiam valer.
E a pequenada à volta, curiosa da arte, se divertia com ele.
Bendito senhor.
A malga da sopa. A travessa da mesa.
Caíram ao chão.
Ficaram em cacos.
Paciência tem ele e todo o saber...

Mafra, 6 de Abril de 2020
10h08m
Jlmg

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Não importa o lugar...

Não importa onde nem quando.
O que importa é a vida vivida intensa e certa.
Sonhando e criando.
Bebendo beleza.
Buscando verdade.
As asperezas da vida aguçam o engenho.
Ultrapassando o difícil.
Ladeando o obstáculo.
Recuando e avançando.
Esperando a hora e momento.
Só vence quem tenta
E nunca desiste.
Se ganha e se perde.
Aproveitando o que sobra,
Terás o que queres.
Só vence quem luta.
Desanimar, o maior inimigo.

Ouvindo HAUSER - Adagio for Strings
Mafra, 9 de Abril de 2020
11h5m
Jlmg

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Parece que foi ontem...

O navio gordo e imenso passou a barra e subiu o Tejo.
Atracou em Alcântara.
Um mar de lenços, de um e outro lado,
sacudiam as saudades muitas que ardiam nos corações sedentos.
Repleto o cais.
Longas horas de sofrimento e de suspiros.
Nem queriam acreditar.
Será que vem?...
Quantas noites de lágrimas e de temores pelo pior.
-O Senhor o proteja!...
Subiram-se as escadas altas.

E, num cortejo infindável,
começaram a descer, um a um.

Tamanhos abraços. Encheram tudo de alegria infinita.
As mães e namoradas.
Os pais e irmãos.
Amigos.

Do passado, tudo esqueceu.
Era o sol da liberdade e da vida que renascia pela segunda vez.

Já lá vão 54 anos!
Foi em Agosto.
Parece que foi ontem...

Ouvindo Evgeny Kissin: Chopin - Piano Concerto No. 1, Op 11
Mafra, 10 de Abril de Abril de 2020
9h16m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20817: Blogpoesia (671): "Aquele olhar...", de António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873

Guiné 61/74 – P20846 : Memórias de Gabú (José Saúde) (92): A insofismável batalha dos antigos combatentes (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 


Memórias de Gabu

A insofismável batalha dos antigos combatentes
Contornos da guerrilha com laivos preocupantes

Somos estéreis partículas ao cimo deste imenso cosmos terrestre que precipitadamente se dissolvem num universo desigual, onde os valores humanos parecem dissipar-se no seio de uma sociedade mundana, cujas gerações atuais, e vindouras, deslizam para o perverso sentimento de um profundo desconhecimento que houve uma guerra recente onde estiveram envolvidos jovens cuja luta travada no terreno consumiu gerações.

Porém, esses fatídicos sons das armas que atormentaram centenas de milhares dos então meninos e moços, apelidados como “carne para canhão”, tendem ser escamoteadas da história e pouco ou nada se agindo para incutir nas gerações que muitos dos seus pais e avós foram rigorosamente atirados para as frente de combate sem a mínima preocupação de os dotarem com bastos conhecimentos de como atuar numa guerrilha que, para nós, se apresentava porventura desigual, sendo a luta nos campos de batalha excessivamente terrível.

Neste varandim a que vamos chamar marcial, sendo por outro lado a contextualização de dados disponíveis pelo Estado Maior das Forças Armadas nos três palcos de guerra, Angola, Moçambique e Guiné, um fórum teatral onde se retiram somente números, sabendo-se no entanto que estes poderão não apresentar-se como reais, vistos que dizem existirem outros que por força de uma razão ou outra não foram contabilizados. 

Recorrendo, com a devida vénia, ao livro “Cronologia da Guerra Colonial”, de José Brandão, concentro a minha presunção numa aprendizagem sempre infinita e centralizo-me no infeliz número de mortos e feridos que o conflito ultramarino registou entre 1961 e 1974 nas três frentes de guerra.

Aliás, estes hediondos números, bem como o texto, ficam narrados no meu último livro “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74”.

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. também o último poste desta série em:

Guiné 61/74 - P20845: Parabéns a você (1786): Francisco Alberto Santiago, ex-1.º Cabo TRMS do BART 3873 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20841: Parabéns a você (1785): Jorge Félix, ex-Alf Mil PilAv, Alouette III, da BA 12 (Guiné, 1968/70); Jorge Picado, ex-Cap Mil, CMDT das CCAÇ 2589 e CART 2732 - CAOP 1 (Guiné, 1970/72) e Manuel Marinho, ex-1.º Cabo At Inf do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)