quarta-feira, 22 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20887: Efemérides (325): De Santa Margarida ao Olossato - O Testemunho vivo de um soldado (Paulo Salgado, ex-Alf Mil Op Esp, CCAV 2721)



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Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > 2006 > Rio Olossato > O Paulo Salgado e o Moura Marques, 35 anos depois...


Fotos (e legendas): © Paulo Salgado (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado, [ex-Alf Mil Op Esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor do livro (, o mais recente,) "Milando ou Andanças por África" (Torre de Moncorvo: Lema d'Origem, 2019) com data de 19 de Abril de 2020:

Caros Editores, Camaradas,
Em anexo, a carta/mensagem que o Moura Marques me remeteu e que eu gostaria que fosse publicada - com a sua autorização, claro - uma vez que partimos a 4.4.1970.
E há dias, nesse dia, eu escrevi um texto e referi esta intenção de a publicar. [1]
Recordo que há texto no blogue sobre a ida nossa (minha mulher, Moura Marque e eu) e uma foto. Essa estadia do Moura Marques é de 2006.

Obrigado e um abraço camarada.
Paulo Salgado


De Santa Margarida ao Olossato
O Testemunho vivo de um soldado

O Moura Marques é meu Amigo (com letras maiúsculas) – foi 1.º Cabo, que eu promovi, do meu grupo de combate, pois logo ali vi, eu aspirante recente, um homem de costas direitas. Na Guerra, na Guiné, melhor, já em Santa Margarida, e depois no Olossato, e depois em Nhacra, e depois… sempre. A correspondência que temos trocado, os encontros da CCAV 2721, que vamos fazendo, as visitas que ele me fez a Coimbra (estava eu no meu local de trabalho, nos Hospitais da Universidade de Coimbra), a Moncorvo (onde a minha mulher e eu vimos frequentemente, às nossas raízes), as visitas que fizemos a sua casa em Tires, o encontro que tivemos em Bissau, aonde ele foi em 2006, estando nós em Bissau, em acção de cooperação – momentos que fortaleceram a admiração e respeito recíprocos.[2] Às apresentações dos meus livros na Associação 25 de Abril, foi sempre.

Da última vez que o visitámos em Tires (aquando do funeral de outro Amigo nosso, o grande jornalista e poeta Rogério Rodrigues, em Outubro de 2019) fiquei muito satisfeito ao ver a sua biblioteca – mais de duas centenas de obras: guerra colonial, 1.ª GG, 2.ª GG, Guerra Civil de Espanha, romances, alguns ensaios… bravo, meu Amigo, prova que sempre soubeste o que andas a fazer neste mundo. De resto, uma informação mais. Foi motorista de uma CERCI, carregou rapazes e raparigas e conduzia-os a casa e ao centro – um humanista, crede. No dia 4 de Abril último, como habitualmente, telefonámo-nos. Era o 50.º ano da nossa partida, de Santa Margarida para a Guiné. Nesse momento, referiu-me que iria mandar-me uma carta a propósito desta deslocação: a nossa ida para a Guerra.

Devidamente autorizado pelo autor – o meu Amigo Moura Marques – vou pedir aos editores que publiquem a carta. Apenas a “traduzi” para letra mais legível, sem, contudo, fugir da sua forma, com respeito pelo direito autoral. Esta carta é um monumento – na minha opinião. Aliás, guardo as suas cartas numa caixa, como guardo outras de familiares e amigos em outras caixas – numa época em que o registo epistolar se reduz aos computadores… (ainda bem que temos e lemos as saborosas cartas trocadas por Sena e Sofia… e outras…).


Ao ler esta carta, crede, fiquei emocionado, muito emocionado. Traduz sensações e sentimentos que compartilho…

Por isso, meus Caros camaradas Editores, vos peço que a publiqueis.


Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > 2006 > Rio Olossato > O Paulo Salgado e o Moura Marques, 35 anos depois...

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Aqui vai.


4/4/2020

Paulo Salgado. Meu alferes, meu amigo, meu irmão soldado, de há cinquenta anos.
Hoje foi um dia marcante para o resto das nossas vidas – 4/3/2020. A Companhia 2721 está de partida. Vou ler a minha memória tatuada [acho esta expressão profunda – opinião de quem reescreve a carta].
4 horas da manhã, toque de alvorada para tomar o café no refeitório.
5 da manhã, o Sr. capitão de cavalaria Francisco Vasco Gonçalves de Moura Borges fala na caserna aos seus soldados, porque só havia três militares na companhia, ele, e Severo e Amaro, os dois 2.ºs sargentos.
Palavras do capitão Moura Borges: bem, vamos partir para a Guiné, porque é um dever nosso defender o património que os nossos antepassados que partiram em naus e caravelas por esses mares fora e descobriram e conquistaram e colonizaram vários territórios pelo Mundo fora. Alguém sabe qual foi a primeira descoberta dos portugueses? Como ninguém se chegou à frente, o recente promovido cabo Moura Marques levanta o braço e respondeu, foi a Madeira, meu capitão. O cabo também sabia o ano da descoberta, mas não disse.
Moura Borges fala do treino operacional mesmo que o mesmo se prolongasse por mais tempo pouco adiantava.
Palavras do capitão Moura Borges: porque vocês só vão ser bons soldados quando morrerem quatro ou cinco.
Ironia do destino: Moura Borges foi o primeiro a tombar.
6 horas da manhã. Entrar nas berliets para a estação de Malpique para o comboio que nos despeja no cais de Alcântara.

No cais o cabo Moura Marques descobre que aquele barco velho e ferrugento já tinha levado o pai dele para os Açores, Ilha Terceira, local Praia da Vitória, em 1942. Só que ele viajou como um turista em plena segunda grande guerra mundial. O barco era misto de passageiros e carga. Como só viajava um pelotão de metralhadoras pesadas e alguns civis, nada tinha a ver com o Carvalho Araújo do dia 4/4/1970, com três companhias mais uns quantos de rendição individual, foi uma viagem tipo século XIX.
A 2721 teve direito a algumas tarimbas toscas feitas à pressa em tábuas de pinho, mas nem todos os homens da 2721 tiveram cama, uns trinta no chão, mas as companhias 2724 e 2725 não, foram para o porão do gado que vinha dos Açores para o Continente. Esses soldados chegaram a Bissau em péssimo estado físico e psicológico.
11 horas da manhã. O Carvalho Araújo levanta ferro do Cais de Alcântara; a cena dos familiares é dramática e alguns camaradas choram como crianças. O barco sai a barra do Tejo e volta passada meia hora ao Tejo, entra alguém a bordo, volta a sair e volta a entrar e só às 4 da tarde se faz ao mar, disseram que andava a acertar agulhas…

Quando o cabo Espichel deixou de se ver, saltou uma equipa de tripulantes com tábuas de pinho a pregá-las em caneira da proa para a ré, uma de cada lado. Colocaram dois motores a tirar água do mar que passava pelas caneiras e voltava ao mar depois da obra feita. O chefe da brigada disse para alguns soldados que estavam na coberta, o cabo Moura Marques era um deles. O homem disse: a da direita é para cagar, a da esquerda é para lavar a louça, pois tinham-nos dado um prato e um copo. A colher e o garfo já nós tínhamos no quite da campanha.
E é aqui que nasce a saga das naus e caravelas e pleno século XX, a cena é dramática porque a grande maioria não sabe que uma caneira tem uma função e a outra é para lavar a louça, por isso muitos pratos e copos foram atirados ao mar mas logo aparecia alguém com uma caneta e um papel a tirar o número mecanográfico e o nome para o desgraçado pagar uma dúzia de pratos.

Dia 11/4, chegada a Bissau. Um mundo tão diferente, o calor, os cheiros, os africanos nos seus trajes típicos da sua cultura, a cidade cheia de brancos todos vestidos de verde porque também era a nossa cultura para dominar a outra milenar e dona daquele chão. Chegada ao campo de adidos em Brá, um autêntico campo de concentração, ficámos numas tendas na terra vermelha e dormíamos vestidos nos camuflados todos transpirados, só havia água entre as 4 da tarde e as 5 e dificilmente apanhava água para beber e tomar banho, as latrinas estavam atascadas até à porta, de fezes cobertas de por milhões de larvas. Nesses malditos dias, nunca tivemos uma refeição quente, só tivemos ração de combate para preparar o estômago a ela, pois durante as saídas ela se tornava mais saborosa.

Chegada ao Olossato. Logo no primeiro dia fui posto à prova pelo capitão Vargas, da CCAÇ 2402, com a equipa dos filhos da puta, no curral das vacas, uma noite inesquecível… No dia seguinte, fui apresentado a um soldado da 2402 pelo camarada Benjamim Marques, esse soldado tem o nome de Alberto Dias e trabalhou com o Benjamim no casino Estoril. Não conhecia o Alberto, mas conhecia o pai dele, era chefe dos varredores no Monte Estoril. Dias era a experiência, era a velhice, falou de Có, Mansabá e Olossato, e eu era só ouvidos. E quando começa a falar dos tempos de criança, aí eu descubro que ele e o Benjamim são conterrâneos, do Alentejo, Benjamim não gostava de ser alentejano, de Cascais sim. E bebemos mais três ou quatro cristais. Descobri que já havia dois soldados vermelhos no Olossato…

A povoação do Olossato tem gente muito pobre que vive do gado e da natureza, fiquei de boca aberta quando reparo na etnia balanta só de tanga a lavrar o chão da bolanha com uma pá de madeira, como em 1444 João Fernandes os viu pela primeira vez, pois julga-se que foi o primeiro a viajar por terras da Guiné. Ao fim de mais de quinhentos anos as culturas indígenas não tinham sido contaminadas pelos portugueses. Na minha cabeça fica um ponto de interrogação, este povo não se deixou colonizar ou a colonização foi um embuste, pois eu vi que a maioria dos guineenses não fala o português, talvez na ordem dos 80 por cento.

Primeiro patrulhamento a norte do rio Olossato, ao atravessar aquela ponte presa à margem direita por meio metro de cimento e ferro em resultado de uma carga explosiva no dia 2 de Julho de 1963 pela guerrilha. Logo mais à frente há milhares de invólucros de balas de vários anos de confrontos com o PAIGC, mais à frente saímos da mata e vimos uma serração toda queimada, os camiões já tinham árvores de certa dimensão, nascidas dentro dos chassis, mais à frente uma aldeia queimada. Voltámos a passar à estrada para o lado leste e mais invólucros, as árvores tinham cicatrizes da metralha, as palmeiras sem copa. Acordei para a realidade, pois estou na guerra.

Hoje só restam recordações, boas ou más, ao fim de cinquenta anos ainda me recordo dos vários e diferentes ataques, 2 de abelhas, 5 de malária, e 14 ao quartel fora as do mato do PAIGC.

Recordo-te Salgado, sempre, e mais quatro ou cinco camaradas.

Para ti e esposa Conceição um abraço.
Moura Marques
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Notas do editor:

[1] - 4 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20812: Efemérides (321): No dia 4 de Abril de 1970, saiu a CCAV 2721 do cais de Alcântara em direcção a Bissau (Paulo Salgado)

[2] - 20 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16622: Memória dos lugares (348): Olossato, com o Moura Marques, o Grão de Bico, a São... 35 anos depois (Paulo Salgado, ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; autor do livro "Guiné: crónicas de guerra e de amor", 2016)

Último poste da série de 17 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20865: Efemérides (324): 17 de Abril de 1968, dia negro para a CART 1689, a morte do Furriel Miliciano Belmiro João (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art)

terça-feira, 21 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20886: 16 anos a blogar (1): O helicóptero, poema de Jorge Cabral, comentário de Torcato Mendonça




1. A APOIAR - Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra.  celebra este ano 26 anos de existência. E a sua revista, "Apoiar", começou a publicar-se em 1996, vai já em 121 números (janeiro-fevereiro de 2020). 

O nosso camarada Mário Vitorino Gaspar era então chefe de redação da revista quando foi publicado este poema do nosso Jorge Cabral, "O helicóptero" (Apoiar, nº 23, jan-mar 2002, p.2).

O "alfero" Cabral (Pel Caç Nat 63, Fá e Missirá, 1969 /71)
Embora ao poema já tenha sido reproduzido em tempos (*), voltamos a publicá-lo até para perguntar  ao seu autor, o que é feito dele, nestes tempos de "quarentena"... Não devem ser fáceis para ele, não são fáceis para minguém... Mas não sei nada dele, desde o seu último aniversário natalício (6/11/20019), dia em que falámos ao telefone.

Ex-alf mil art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71), é advogado e especialista em direito penal. Foi irector do Instituto de Criminologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Vive em Lisboa. 

Está aposentado.  Continua a figurar na nossa lista dos "colaboradores permanentes" (neste caso, para as questões jurídicas).



O helicóptero

Pelo ar lento que aquece,
Um pássaro de ferro e aço
Leva o morto que apodrece,
Na boca mais um abraço.

A gente fica a pensar,
Mas mais um morto que interessa,
Já vêm mais pelo mar,
Vêm muitos e depressa.

A gente pensa,
Mas fica com o dedo no gatilho,
Na garganta um nó que pica,
Na preta o ventre com o filho.

Jorge Cabral, Missirá, Guiné, 1970
In Jornal “Apoiar”. 23 (Jan/Mar 2002)

[Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação no nosso blogue: LG]

2. Por outro lado, acrescenta-se um comentário, publicado na altura (2014), pelo Torcato Mendonça, que,  também ele,  deixou de dar notícias há anos, deixou de aparecer, de comentar, de publicar coisas novas...Infelizmente, mais por razões de saúde e de disposição... 

Gostei de falar com ele, há dias, por telemóvel, e de saber que a sua Ana está restabelecida. Vai repartindo o seu tempo entre o Algarve e o Fundão, a cidade onde casou e onde criou os seus filhos. 

Com dupla costela alentejana e algarvia, escolheu, e bem,  o Fundão para viver, trabalhar e constituir família: x- alf mil art, pertenceu aos Viriatos, a CART 2339 (1968/69) que construiu de raíz, a pá e pica, e defendeu com unhas e dentes o aquartelamento de Mansambo, no sector L1 (Bambadinca). Comtinua a figura na lista dos nossos "colaboradores permanentes (neste caso, para as "questões operacionais). 

Tanto o Jorge como o Torcato são dois "tertulianos" da primeira hora, duas figuras de referência que já merecem a honra de ser considerados "senadores" da república da Tabanca Grande. Fporma colaboradores muito ativos: o Jorge Cabral tem 210 referências no blogue; o Torcato Mendonça tem 250.

Comentário do Torcato Mendonça (*):

Olá,  Luís Graça, estive a ler "O helicóptero", reproduzido da revista "Apoiar" que, como sabes, recebo pelo mail. 

Parei. Fui ao blogue reler o de ontem, belas fotos, e fui ler os “anexos” do poema do Jorge. Tinha vindo de uma sesta, o que não é hábito pois fico apardalado, e, lendo tudo aquilo fiquei a pensar, a pensar a sentir-me em Fá [Mandinga] a sentir a necessidade de algo que não explico. 

Reli e reli. Os escritos eram do tempo em que o blogue era de cem ou menos de cem, de um tempo que de pressa passou…e parei a olhar, fui até à marquise e, mesmo com o calor,  fiquei a ver a [serra da] Gardunha, a pensar, a regredir…até do meu “Mini artilhado” me lembrei..

Ah!,  que tempos, em que  ia dar agora uma aceleradela a sentir o roncar, o asfalto a passar, as ideias a limparem, tempos que também depressa passaram, tempos com PVT  sem radares. Mas é uma merda e estou velho para tudo isso…passará com Nespresso? 

Venho ao portátil,  vou passando para o facebook e, raios me partam ,volto ao blogue, passo ao gmail e releio…Aquilo está de antologia, aquilo tem que ser guardado para ler e reler…Os dois completos e as fotos. Agora teclei, penso que cabe e paro. 

Mando um abraço, boas férias no Marco [de Canaveses]. O barulho do heli é chato…a evacuação rápida era Zulu, eu ganhava mais de meia hora, e uma mina 1/6, kalash 1/12…
Ab, T.

3. Estamos a clebrar, por estes dias, os 16 anos do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné,  do nosso blogue,  feito a muitas mãos... Por essa razão, vamos fazer um esforço para publicar rapaidamente  alguns postes, pendentes, que nos têm vindo a chegar,  nestas últimas semanas, vividas em plena pandemia de COVID-19... Com ou sem referência explícita a esta efeméride, outros serão bem vindos. Como sabem, o blogue é glutão, precisa pelo menos de 4 postes por dia...

Mais exatamente,  no próximo dia 23/4/2020, o nosso blogue celebra 16 anos de existência (, ou sejam, 192 meses)... São muitos mais anos, meses e dias, do que o tempo que durou a guerra colonial, em particular no TO da Guiné (1961/74).

Mas, nos dias que correm, estamos numa situação para a qual poucos de nós estávamos preparados para enfrentar e viver... Estamos confinados, mas isso nãoquer dizer que estejamos  "arrumados"... Podemos é lerpar, se formos contagiados, por isso temos que nos proteger e proteger os outros,

Decididamente, queremos continuar a celebrar a amizade e a camaradagem, ainda que  à distância, enquanto as nossas Tabancas não reabram...Este ano, como já foi anunciado,  não se realizará o XV Encontro Nacional da Tabanca Grande, que chegou a estar marcado para o dia 2 de maio próximo, me Monte Real. Enfim, teremos que ficar em casa, pro enquanto, e celebrar efemérie, de outra maneira. E a melhor maneira é mandar novos "materiais" para o blogue: histórias, fotos, comentários...

4. Nesse espaço de tempo (16 anos, 192 meses...), que equivale no mínimo a oito (!) comissões de serviço militar, criámos  um espaço de partilha de memórias que pode ser resumido em alguns números, falando por si:

(i) a nossa "tertúlia", a nossa Tabanca Grande, a nossa "comunidade virtual" de amigos e camaradas da Guiné atingiu a cifra de 806 membros (, isto é, registados formalmente, e listados na coluna esquerda da página pirncipal do blogue, por ordem alfabética, de A a Z: o primeiro é o camarada A. Marques Lopes e o último é a nossa amiga Zélia Neno);

(ii) destes 806 grã-tabanqueiros, 78 já estão, fisicamente entre nós, mas honramos a sua memória: pro ordem alfabética, o primeiro é o Agostinho Jesus (1950-2016) (*) e o último o Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014);

(iii) temos membros da Tabanca Grande espalhados por todo o mundo, de Portugal ao Brasil, dos EUA à Suécia, de Cabo Verde a Macau;

(iv) já publicámos quase 21 mil  postes (, mais precisamente 20885), o que dá, em números redondos, uma média mensal de 110 postes;

(v) o total de visualizações de página deverá atingir  os 12 milhões, e meados deste ano, o que dá uma média mensal de 61500;

(vi)  desde junho de 2006, os nossos visitantes vêm sobretudo de Portugal (4, 1 milhões), Estados Unidos (2, 5 milhões); Brasil (580 mil), França (503 mil), Alemanha (450 mil), Reino Unido (140 mil) e Rússia (117 mil);

(vii) temos 713 seguidores;

(viii) foram produzidos, desde junho de 2006, 81 700 comentários (, de um total de 150 800 mensagens, das quais 69 mil foram consideradas como "SPAM" ou "lixo", pelo nosso servidor, o Blogger, ou foram eliminadas, em número muito reduzido,  pelos nossos editores): grosso modo, temos uma média de 4 comentários por poste;

(ix) é difícil de quantificar o nº total de material iconográfico que reunimnos ao fim destes  16 anos, mas entre fotografias, vídeos e outras imagens (aerogramas,cartas, mapas, infografias...) devemos etr mais de 100 mil documentos.

(x) estamos também presentes no Facebook, com a página Tabanca Grande Luís Graça, que contém já mais de 3 milhares de "amigos", dos quais não sabemos exatamente quantos foram combatentes, e muito menos combatentes no TO da Guiné; mas "amigo do Facebook" não significa automaticamente ser "membro de facto et de jure" da nossa Tabanca Grande: para este efeito, é preciso que o candidato faça o pedido expresso, e se apresenta, aos editores, com as 2 fotos da praxe e um pequeno texto sobre as suas andanças na Guiné.
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 30 de agosto de  2014 > Guiné 63/74 - P13548: Blogpoesia (388): O helicóptero (Jorge Cabral)

Guiné 61/74 - P20885: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (3): Amigos que não esqueço

 


1. Em mensagem do dia 15 de Abril de 2020, o nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas memórias, desta vez dedicada aos amigos que não vai esquecer.





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Nota do editor

Último poste da série de 16 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20862: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (2): Em Teixeira Pinto, um pintor/maqueiro ou um maqueiro/pintor

Guiné 61/74 - P20884: (De)Caras (155): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte IV: Versões contraditórias sobre o "resto da história" deste português, de quem o ex-alf mil médico José Pratas (, BCAV 3864, Pirada, 1971/73) disse que foi "porventura o branco mais africano que conheci"


Guiné > Região de Gabu > Pirada > c. 1973/74 > "Na casa do célebre senhor Mário Soares. Acompanhando-o quatro alferes milicianos e um capitão miliciano". Um dos alferes era Manuel Valente Fernandes, ex-Alf Mil Médico do BCAV 8323, Pirada, 1973/74, membro da nossa Tabanca Grande desde 17/10/2012. (,. o segundo, do aldo esquerdo).  Do anfitrião (o primeiro, a contar da direita) sabe-se que gostava de (e sabia)  bem receber, qualquer que fosse as suas motivações.

Foto (e legenda): © Manuel Valente Fernandes (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mário Soares, o comerciante de Pirada, de seu nome completo Mário Rodrigues Soares,  terá sido uma das personagens mais intrigantes (e poderosas) da pequena comunidade portugueses, civil, que  ficou na Guiné, no tempo da guerra  (1971/74)

Já aqui recolhemos o testemunho do ex-alf mil Carlos Geraldo, da CART 676 (Bissau, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66), a primeira companhia a ficar aquartelada em Pirada (, a partir de 15 de outubro de 1964), O nosso saudoso camarada Carlos Geraldo (Lisboa, 1941 - Viana do Castelo, 2012) foi visita da sua casa até ao fim da comissão (em abril de 1966) (*)

Mas há mais referências, no nosso blogue, a este homem de quem não sabemos exatamente o runo que seguiu a sua vida, depois da independência da Guiné.Bissau. Temos, pelo menos, duas versões contraditórias: a da historiadora Maria José Tistar, e a do ex.alf mil médico José Pratas. Vamos fazer referência a cada uma delas.


2. A historiadora Maria José Tíscar, no seu livro "A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas", Lisboa, Edições Colibri, 2017, pp. 191/192), revela a identidade de dois comerciantes portugueses, que terão sido "informadores da PIDE", um deles o comerciante Rodrigo José Fernandes Rendeiro, que alguns de nós conhecemos em Bambadinca.

Já aqui publicamos a sua história, que não vamos repetir (**)

 Das conversas da autora com o antigo inspetor Fragoso Allas, vem à baila um outro nome , o do Mário Soares, estabelecido em Pirada, na fronteira com o Senegal. 

Contrariamente ao Rendeiro, que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS, o  Mário Soares ficou na Guiné independente mas terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, um ano e tal depois, em novembro de 1975, segundo a investigadora Maria José Tíscar. 

Há também aqui uma divergência quanto ao nome: António Mário Soares ou Rodrigo Mário Soares (como o chamava o nosso Carlos Geraldes) ?


3. Outra versão é a  do José Manuel de Almeida Ferreira Pratas, que entre o final de 1971 e fins de 1973 prestou serviço militar no CTIG,  como alferes miliciano médico, tendo sido colocado inicialmente em Pirada,  sede do BCAV 3864 (**)

É autor do livro "Senhor médico, nosso alferes: Guiné, os anos de guerra" (Lisboa, By the Book, 2014), de que o Beja Santos fez uma recensão, e de cujo poste reproduzimos os seguintes excertos:

(...) "Vemo-lo em primeiro lugar em Pirada, o que dá motivo para exaltar os seus colaboradores que não tinham mãos a medir para atender aos doentes daquele ponto do Leste onde diariamente chegavam senegaleses. Discreteia sobre as doenças tropicais, fala da sua própria doença, das suas relações litigiosas com oficiais superiores, um capitão execrável e capelães que pairavam sobre a realidade.

"Em Pirada, tinha um agente da PIDE na vizinhança, bom para seviciar e intimidar, o Carvalho, substituído pelo senhor Pereira que tinha farroncas mas com as flagelações termia como varas verdes.

"Também em Pirada vivia Mário Soares, com quem Pratas conviveu, pode aperceber-se como o Soares intermediava entre o PAIGC e as autoridades portuguesas, houve encontros secretos à mesa da sua sala de jantar ou no respaldo das cadeiras de lona. Tinha acesso privilegiado às informações da PIDE, ascendente junto das redes de informadores locais, geria com astúcia o assédio e a adulação das autoridades locais. Reflete sobre o drama deste protagonista entre dois campos em confronto: 

“O tempo corria em seu desfavor, porque a guerra no terreno se perdia em cada dia que passava e era facilmente previsível a derrota da teimosia de Lisboa. No seu relacionamento com a tropa, este europeu, porventura o branco mais africano que conheci, só a muito custo conseguia refrear os impulsos beligerantes das chefias militares, sedentas de ação, indisponíveis, por dever de ofício, para tolerar diplomacias paralelas de que muitas vezes é feita uma guerra de guerrilha”.

"E veio a independência e mais problemas para Mário Rodrigues Soares: 

“Poucos dias depois seria preso e enviado para Bissau. Ter-lhe-á valido a intervenção de Alpoim Calvão, que intercedendo a tempo junto do novo dono do Palácio do Governo, o terá arredado da mira das armas de um pelotão de fuzilamento. Deportado, chegou a Lisboa com a roupa suja que ainda trazia vestida, para ser detido de imediato no aeroporto da Portela pelo COPCON e arbitrariamente preso em Caxias sem culpa formada. Libertado sem julgamento, ultrapassou tranquilo todas as prepotências e perdoou com indiferença aos mandantes e funcionários do PREC”. (...) (***)

Não sabemos depois o resto da história de vida do Mário Soares... Vou tentar contactar o nosso camarada José Pratas, médico, gastrenterologista, que prestou funções no SNS, e hoje aposentado, e que privou com o nosso homem, tal como outro alf mil médico,o  Manuel Valente Fernandes, ex-alf mil médico do BCAV 8323 (Pirada, 1973/74). Falaremos dele e do seu conhecimento do Mário Soaresm num próximo postes. (Acrescente-se, a título de inconfidência, que o dr. Manuel Valente Fernandes foi aluno do nosso editor Luís Graça, no curso de especialização em medicina do trahalho, da ENSP / NOVA).
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16 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20861: (De)Caras (126): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal ? Um "agente duplo" ? - Parte II (Depoimento do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)

15 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20858: (De)Caras (125): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal ? Um "agente duplo" ? - Parte I (Depoimentos do embaixador Nunes Barata, e do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)

(**) Vd. poste de 3 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17929: (D)o outro lado do combate (16): O Rodrigo Rendeiro, depois de regressar a Bissau, terá fornecido preciosas informações à FAP , permitindo a localização (e bombardeamento) das bases do PAIGC em Morés e Dandum, segundo Maria José Tístar, autora de "A PIDE no Xadrez Africano: conversas com o inspetor Fragoso Allas", Lisboa, Colibri, 2017 (pp. 191/192)

(***) Vd. poste de 30 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14206: Notas de leitura (675): “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book, (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20883: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (12): os sítios que ficaram por visitar...



Petra, Jordânia, s/d, dezembro de 2016 > "A saída em Aqaba, com a estrada de 110 quilómetros até Petra e descida para a impressionante cidade perdida na bruma dos séculos, vale quase meia Volta ao Mundo" .(*)

Foto (e legendas): © António Graça de Abreu (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Três camaradas da Guiné, a bordo do MSC - Magnifica:
da esquerda, para a direita, António Graça de Abreu, José Vinhas
e Constantino Ferreira. Já convidámos o Vinhas a integrar a
nossa Tabanca Grande...
Foto: Constantino  Ferreira (2020)
1. Os nossos camaradas Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala Mampatá, 1969/71) e António Graça de Abreu ), ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), estão a escrever o seu "diário de bordo", nesta viagem de volta ao mundo. O MSC - Magnífica teve, entretanto, de apressar o seu regresso ao ponto de partida (, Marselha), devido à pandemia de COVID-19. O navio chegou ontem, com um "avanço" de uma semnana: era pressuposro só chegar ao ponto de partida em 29 deste mês, depois de repetir o percurso de circum-navegação do grande Fernão de Magalhães, um português de Sabrosa que ofereceu os seus serviços ao rei de Espanha...


Com a devida vénia, reproduzimos aqui a última crónica do António Graça de Abreum, disponível na página do Facebook 
do Constantino Ferreira:



2. Estes são os textos a intercalar nos outros textos (**), nestas datas, sobre os locais que não visitámos.


Em navegação, Sul da Austrália, Mar Antártico,
20 de Março de 2020




Esta manhã, não fora o pavor causado pelo vírus que se aproxima de nós, toca, entranha e mata, estaríamos a desembarcar na ilha de Pins, na Melanésia Francesa. 

Fui ver as imagens na net. A ilha, linda de morrer, não de pandemia, mas de felicidade.




Em navegação, Sul da Austrália, Mar Antártico, 

21 de Marco de 2020



Esta manhã, não fora o desespero causado pelo virus, etc., estaríamos em Numea, capital da Nova Caledónia. Enseadas, penínsulas e praias, recifes de coral, vegetação exuberante, histórias. 

Nao vi nada, não posso contar nada.



Em navegação, Sul da Austrália, Oceano Pacifico,

24 de Marco de 2020



Esta manhã, nao fora o medo causado pelo virus, etc., estaríamos em Cairns, Austráalia, diante da Grande Barreira de Coral, uma das maravilhas do mundo. Haveria mares esmeralda, jardins aquaticos, peixes tropicais, corais em catadupas, mais uma cidade de entusiasmantes lugares a oferecer ao turista de passagem. Tudo, uma miragem.


Em Navegação, Australia Ocidental, 

mar de Fermantle, Oceano Indico, 

26 de Marco de 2020


Esta manhã, não fora o pasmo causado pelo vírus, etc., estaríamos em Alotau, Papua, Nova Guiné, uma pequena ilha com areais mágicos e vegetação exuberante, onde aconteceram sangrentas batalhas entre japoneses e norte-americanos, na II Guerra Mundial. 

Deu para ver imagens de Alotau, no monitor do computador, fechado no remanso triste do navio.



Em navegação, Australia Ocidental,

mar de Fermantle, Oceano Indico,

29 de Marco de 2020



Esta manhã, não fora o sufoco causado pelo vírus, etc., estaríamos em Doini Island, Papua, Nova Guine, outra ilha de cortar a respiração a gente saudável, espaços maravilha, com praias de cair para o lado, ou seja, cair para dentro das lagunas de água tépida e nadar como um principe. 

Nem sequer em sonhos consegui entrever a ilha de Doini.




Em navegação, Oceano Indico,

31 de Marco de 2020

Esta manhã, nao fora o sofrimento causado pelo vírus, estaríamos na cidade de Darwin, a ver enormes crocodilos do mar passeando pelas avenidas, a lembrar que as ainda nossas aparentadas gentes de Timor vivem aqui ao lado. 

Não vi Darwin, nem Timor. Só vi mar e mais mar, céu sobre mais céu, mais nada.




Em navegação, Oceano Indico,

2 de Abril de 2020



Esta manhã, nao fora o horror causado pelo vírus, etc., estaríamos a pôr o pé na ilha de Komodo, famosa pelos seus dragões, uns enormes repteis molengões, creio que inofensivos para os homens que se passeiam por tudo quanto é sítio, na ilha. 

Gostava de ter feito uma festa (pode-se?) aos simpáticos e repelentes animais, mas o Magnifica navega já por outros mares, a mais de dois mil quilómetros da Indonésia.




Em navegação, Oceano Indico, 

4 de Abril de 2020


Esta manhã, não fora a catástrofe causada pelo vírus, etc., estaríamos no segundo dia de estada em Bali, aquele lugar excelente a que os portugueses chamaram ilha das Flores, com praias de cristal, bailadeiras formosas, uma profusão de exotismos, enfim, uma Indonésia doce à nossa espera. 

Eu é que continuo a esperar sentado pelo dia de pôr o pé em Bali.




Em navegação, Oceano Indico,

5 de Abril de 2020

Esta manhã, não fora a tragédia causada pelo virus, etc., e estaríamos a desembarcar em Singapura. 

Estive lána outra Volta ao Mundo, por isso, desta vez, seria o revisitar da fantástica cidade e a ida aos dois museus que ficaram por conhecer na outra viagem, o Museu das Civilizações Asiáticas, o Louvre da Asia. 


Nenhum cheiro de Singapura me chegou trazido pela brisa maritima.





Em navegação, Oceano Indico, 

8 de Abril de 2020

Capa do famoso livro de aventuras
"Sandokan,. o tigre da Malásia",
um livro que povoa a nossa infância...
Cortesia de Wook.

Esta manhã, não fora a angústia causada pelo vírus, etc., estaríamos a desembarcar em Port Kelang, o porto que serve Kuala Lumpur. Tinha possibilidade de ir dar um abraço ao Sandokan, o Tigre da Malásia, meu amigo desde os meus doze ou treze anos. Trago de Italia, para lhe entregar, uma carta escrita por outro bom amigo dele, o Emilio Salgari, mas informaram-me que, por causa do vírus, o Sandokan se refugiou no seu reduto, a ilha de Mompracem, e passa os dias aconchegando-se nos bracos da sua dulcissima Mariana. Precisava de um helicópetro para ir ao seu encontro mas, no navio, só há botes salva-vidas.

Ficaram por beber uns valentes copázios de chá da Escocia, o velhissimo whisky que Sandokan costuma reservar para dias especiais com os seus melhores amigos.



Em navegação, mar Vermelho,

12 de Abril de 2020


Esta manhã, nao fora a desgraçaa causadas pelo vírus, etc., estaríamos a desembarcar em Colombo, Sri Lanka. Deja vue, há uns anos atrás, a cidade não me impressionou. Tem crescido bastante, com arranha-céus construidos com capitais chineses. Acabei por ter pena de não a ter revisitado. 


Quem me garante que, desta vez, não iria encontrar elefantes a passear em jardins floridos ou macacos a viajar em tuk tuks coloridos?


Em navegação, Canal do Suez, 

15 de Abril de 2020



Esta manhã, não fora a tragédia causada pelo vírus, etc., estaríamos a desembarcar em Bombaim, ou Mumbai, a maior cidade da India, com 23 milhões de habitantes. 


Como pude comprovar em 2016, Bombaim tem gente a mais, confusão a mais, lixo a mais. A India costuma ser um país que se ama ou se detesta. Eu não sou por uma coisa, nem por outra. Por isso é melhor não emitir opinião sobre terras que mal conheço.



Em navegação, mar Mediterrâneo,

19 de Abril de 2020


Amanhã chegamos a Marselha e cumpriremos a Volta ao Mundo, toda a circum-navegação do globo. Vimos com dez dias de avanço em relação à data prevista para a conclusão da viagem que aconteceria em Civitavecchia, Itália, a 29 de Abril.

Por causa de pecados que não cometemos, acabamos por não tocar em ene portos e viemos fechados no Magnifica, sem pôr pé em terra, desde Wellington, Nova Zelândia, de onde partimos no dia 10 de Março. 


Vamos cumprir um mês e vinte e um dias de viagem directa, desde a Nova Zelândia até Françaa, cerca de 16 mil quilómetros, É obra! Poucos navios se dão a estes luxos.

Nos dias finais da longa jornada, passaram-nos ao lado mais duas escalas que faziam parte do itinerário inicial, Salalah, no sultanato de Oman e Aqaba, Jordânia, que da acesso à fabulosa cidade fantasma de Petra, outra das sete maravilhas do mundo. 


Ai vão umas tantas palavras sobre estes dois lugares que tive a felicidade de conhecer em outras viagens:

No que a Salalah diz respeito, a sua não visita não tera sido uma grande perda. Em 2016 o sultanato de Oman não me entusiasmou. Salalah tem um grande porto para exportação de gás natural, uma montanha escalavrada no topo da qual se encontra o túmulo do profeta Job, do Antigo Testamento, reverenciado por cristãos, judeus e muçulmanos, mais uma cidadezinha desinteressante apesar do palácio do sultão, tem praias desérticas e o deserto a tudo rodear. Salalah sera lugar para desdobrar o olhar, pouco entender e seguir viagem.

Já a saída em Aqaba, com a estrada de 110 quiloéetros até Petra e descida para a impressionante cidade perdida na bruma dos séculos, vale quase meia Volta ao Mundo. 


Estive em Petra em 2008 e 2016, com passagem pelo deserto de Wadi Rum. Na primeira viagem encontrei o Lawrence da Arábia, aliás Sir Thomas Edward Lawrence, inglês de extracção, árabe de coração, que me serviu de guia na cidade rósea de Petra e depois, com uns amigos árabes, bebemos um chá no deserto de Wadi Rum.

Desta vez, 2020, nem cicerone, nem magias, Foi Mar Vermelho, mais Mar Vermelho, sempre em frente, para norte. Tinhamos à nossa espera um ansioso mar Mediterrâneo.


António Graça de Abreu

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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 24 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19042: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXIX: Petra, Jordânia, com o Lawrence da Arábia como cicerone, e o Indiana Jones como guarda-costas...


(**) Último poste da série > 20 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20881: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (11): Enfim, Marselha, porto de abrigo, fim de um cruzeiro de sonho no "annus horribilis" de 2020

Guiné 61/74 - P20882: Parabéns a você (1791): António Branquinho, ex-Fur Mil Inf do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20876: Parabéns a você (1790): António Joaquim Oliveira, ex-1.º Cabo Quarteleiro da CART 1742 (Guiné, 1967/69)

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20881: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (11): Enfim, Marselha, porto de abrigo, fim de um cruzeiro de sonho no "annus horribilis" de 2020




MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo >  20 de abril de 2020 > Chegada a Marselha, "porto de abrigo", fim de  cruzeiro...Amanhã dois autocarros trazem os  26 portugueses até casa... Entre eles, os nossos camaradas António Graça de Abreu, José Vinhas e Constantino Ferreira (1ª foto, de cima, da esquerda para a direita. Em baixo, o cartaz do MSC Magnífica a anunciar a chegada ao porto de Marselha, com uma belíssima citação do escritor chileno Luís Sepúlveda (1949-2020), que acaba de morrer, há 5 dias atrás, na cidade de Oviedo, vítima de COVID-19: "Somente sonhando e sendo fiéis aos sonhos, seremos melhores e, se formos melhores, o mundo será melhor"...

Fotos (e legenda): © Constantino Ferreira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Os nossos camaradas Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala Mampatá, 1969/71) e António Graça de Abreu ), ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), estão a escrever o seu "diário de bordo", nesta viagem de volta ao mundo. O MSC - Magnífica teve, entretanto, de apressar o seu regresso ao ponto de partida (, Marselha), devido à pandemia de COVID-19. O navio chegou hoje, estava programado só chegar a 1 de maio.

Com a devida vénia, reproduzimos aqui a última crónica do Constantino Ferreira, inserida na sua página do Facebook:


Segunda feira, 20 de abril de 2020, 9h26 > De novo  no porto de Marselha!

Cá estamos, de novo no porto de Marselha.

Foi daqui que partimos, no dia 6 de Janeiro deste Ano horribilíssimo de 2020.

Foi aqui, que acabámos de atracar ás seis horas da madrugada, neste mesmo porto de Marselha, neste dia de 20 de Abril de 2020, depois de meia volta ao mundo fantástica, pela Rota de Magalhães, até chegarmos á lha da Tasmânia na Austrália.

Pois aí, em Hobart o tristemente célebre “coronavirus” já lá tinha chegado, a seis pessoas.

A decisão do comandante e das autoridades da Austrália,foi de não visitarmos a cidade, e, assim perdemos a oportunidade de vermos ao vivo, o mamífero marsupial batizado com o nome de “Diabo da Tasmânia”!

A partir daí, parámos e atracamos em muitos portos, como: Sidney, Melbourne, Perth, Colombo e Suez, mas nunca mais fomos autorizados a pôr os pés em terra.

Mas hoje, vamos começar a sair; primeiro os Franceses que são cerca de mil, mais os Belgas, Holandeses, Alemães, Suecos e Dinamarqueses, enfim todos os do norte da Europa.

Amanhã dia 21, todos os restantes, incluindo nós, os Portugueses, que somos 26, e aqui teremos amanhã dois autocarros vindos de Portugal, alugados por nós, para nos levarem para a nossa Pátria Amada!

Por hoje, não digo mais nada, ou melhor! Não escrevo mais nada. Mas, mais tarde, escreverei o que falta contar.

Até lá temos que nos cuidar, para que esse “malvado” do coronavírus não se propague, por este nosso Mundo fóra!

Mas temos que acreditar na Ciência, que certamente irá conseguir lançar uma “vacina” antes deste próximo Outono.

A esperança não morre!

A primeira fotografia é já em Marselha, onde já estava atracado, mesmo aqui em frente, o navio Costa Smeralda.

As outras fotografias, são as últimas que publico desta Viagem de Volta ao Mundo, aqui concluída neste porto de Marselha.

[Publicaremos amanhã um texto do António Graça de Abreu, com as pequenas crónicas sobre os locais que não visitaram, desde 20 de março a 19 de abril de 2020]
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Guiné 61/74 - P20880: Notas de leitura (1280): “O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Março de 2017:

Queridos amigos,
O conteúdo deste livro impõe-se por si: identificasse o tipo de jornalismo que existiu durante o período que abarcou a guerra colonial, como se encenavam as notícias, como nos jornais, rádio e televisão atuavam os ideólogos do Estado Novo; depois quais eram os mecanismos da censura e da autocensura, vão depor nomes sonantes do jornalismo, tenho para mim que a peça que passará à história é do jornalista Moutinho Pereira.
Haverá testemunhos e interrogações sobre história e jornalismo, desinformação e descolonização. Dirão alguns que da leitura deste livro resultará o que já sabíamos, o jornalismo tinha tremendas condicionantes e a censura era implacável, mas o mais importante é que ficou a visão dos autores, e há quem saiba expender juízo sobre o seu trabalho jornalístico, entre a realidade e a ilusão, e mesmo a memória que ficou desse jornalismo.

Um abraço do
Mário


O jornalismo português e a guerra colonial (3)

Beja Santos

Sílvia Torres
“O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016, é um laborioso trabalho de pesquisa e de inquirição a protagonistas diretos na ótica de uma dupla temática: como era feita a cobertura jornalística dos jornalistas portugueses da Metrópole e das províncias ultramarinas envolvidas no conflito, uma investigação que obrigou a identificar o jornalismo português durante o Estado Novo, quais os meios de comunicação portugueses vigentes nas colónias/províncias ultramarinas sobretudo durante a guerra colonial, com se fabricavam as notícias, como agia a censura, sob que prisma atuava, e com base em testemunhos de alguns dos protagonistas diretos este género jornalístico é de estudo indispensável na investigação histórica.

José Manuel Barroso foi colaborador dileto de António Spínola, esteve na Guiné entre Julho de 1972 e Maio de 1974, como capitão miliciano; antes do 25 de Abril, como jornalista, passou pelas redações dos jornais Comércio do Funchal e República. Viu nascer o livro  "Portugal e o Futuro", que virá a ser publicado em Fevereiro de 1974:

“O livro começou a ser construído, ainda em Bissau, no final de 1972, início de 1973, com tarefa de sistematização a que se dedicou o Tenente-Coronel Pereira da Costa, que havia sido Chefe da Repartição de Informações do Comando-Chefe. A base conceptual do livro era constituída pelos discursos e pela posição de Spínola sobre a política ultramarina, já reunida em diversos volumes ao longo dos anos de governo da Guiné. Spínola distribuía os capítulos do original por alguns dos seus mais próximos colaboradores, pedindo sugestões e críticas, que depois recolhia e incorporava, ou não, no texto base. Após esta fase, o livro ainda teve outras leituras externas, até atingir a versão final”.

Confessa que trabalhou numa atmosfera a alguns títulos estimulante, havia a guerra e a visão particular de Spínola sobre a guerra e a política ultramarina.

Preparava notícias que Spínola aprovava. Perguntado sobre o que é que era proibido noticiar respondeu que não se utilizavam por exemplo informações relacionados com êxitos do inimigo.

“No entanto, por vezes, escrevia-se sobre essas vitórias para obter uma reação de Lisboa, mostrando que a situação estava pior e que havia cada vez mais problemas. Explica como se fez a intermediação entre Spínola e Raul Rego e como fez de intermediário e Mário Soares". 

Spínola cessa funções em Agosto de 1973, é substituído por Bettencourt Rodrigues, perguntam-lhe o que mudou nas suas funções, nada aconteceu, responde.

A grande peça da entrevista que este volume organizado por Sílvia Torres oferece foi feita ao jornalista Moutinho Pereira. Avisa o entrevistador que o que vai dizer não é nada agradável.
Logo a origem da guerra colonial, é cortante e direto:

“Até 1961, Angola pertencia a meia-dúzia de entidades. Entre elas estavam os senhores do café. Quando se desencadeou a guerra no Norte de Angola, além dos colonos portugueses, houve uma população negra que foi muito vitimada: os Bailundos. E o que faziam os Bailundos ali, se são do Sul, das terras do planalto do Huambo, e se são inimigos tradicionais das tribos do Norte, como os Bacongos? 

"Os Bailundos eram contratados para ir tratar nas roças de café – só a vida desses contratados é uma longa e terrível história. Sempre que havia problemas no Norte, criava-se uma tropa de Bailundos para lutar contra os Bacongos. Havia um ódio tribal antigo, que foi explorado e mantido pelas autoridades portuguesas durante séculos. A zona do café é a zona dos dembos, que coincide com o reino dos Dembos. Ao contrário do que dizem, o início da guerra não tem a ver com outras descolonizações, o início da guerra está ligado à exploração do café. Todas as revoltas dos Dembos estão relacionadas com altas na cotação do café, que levam os proprietários de plantações a alargarem-nas ainda mais, entrando na terra dos outros, como se não tivessem dono”.

Louva as personalidades de Ferreira da Costa e de Fernando Farinha. Esteve em Mucaba numa das colunas do Tenente-Coronel Maçanita, teve cuidado no que escreveu, e diz que nessa reportagem referiu-se que a tropa da UPA incluía chineses. Sobre o conflito disse que a guerra em Angola foi sempre a mesma.

“Era uma guerra desgastada, em que ninguém ganhava, e isso sabia-se. O conflito só teve um sobressalto quando o MPLA abriu a frente Leste".

E volta a ser cortante e direto:  

“Os portugueses escondem os factos mais relevantes da guerra, porque parece mal, porque os militares que foram para lá segundo a historiografia oficial, foram vítimas de um governo fascista que os obrigou a ir combater contra os nossos irmãos africanos. A verdade está nessa história do café, está no facto de ser proibido ter fábricas de algodão – e a história da Cotonang (Companhia Geral dos Algodões de Angola) é outra que está por contar. Fala-se muito dos massacres de 1961, que foram muito divulgados em Portugal, juntando a UPA e o MPLA na mesma panela, e que de facto foram horríveis, mas ninguém fala dos horrores das fossas comuns que se lhe seguiram e de outras barbaridades mais”.

Explica a sua técnica de observação para a elaboração das suas reportagens. Nunca esqueceu a entrevista que fez ao General Costa Gomes publicada na Notícia a 17 de Outubro de 1970:

“É a primeira vez que se diz que a guerra não tem solução militar, que tem de ter uma solução política. É a primeira vez que se diz quanto é que se está a gastar com a guerra e quem é que a está a pagar”.

Depõem ainda Otelo Saraiva de Carvalho sobre o seu trabalho na Guiné, seguem-se os testemunhos do jornalista Avelino Rodrigues que entrevistou Spínola para o Diário de Lisboa e onde se usou o termo de autodeterminação, Spínola disse que o termo não o incomodava.

Manuela Gonzaga fala do seu trabalho no jornal Notícias, de Lourenço Marques e faz a seguinte observação acerca do teatro de guerra e da vida normal das populações mais a Sul:

“Era como se houvesse dois números, em planos sobrepostos, que, por vezes, entravam em dramática colisão, acordando-nos para um fim que se avizinhava, mas que ninguém, a começar pelas mais altas autoridades da nação, queria ver. Na capital, a guerra não existia. Mas, em breve, o hospital de Vila Cabral rebentava pelas costuras para responder a situações graves. Nesses casos, os soldados tinham que ser transferidos para o Hospital Militar de Nampula em helicópteros cujas pás de ventoinha gigante acabaria por desencadear em muitos civis e militares um reflexo condicionado de puro horror”.

Seguem-se ainda outras entrevistas e no final do livro Aniceto Afonso, José Manuel Tengarrinha e Joaquim Furtado debruçam-se sobre descolonização, desinformação e investigação histórica. Joaquim Furtado adianta que “A consumação das descolonização, nos termos em que ocorreu, é um resultado de desinformação generalizada que atingia também os jornalistas. Mais do que qualquer outra forma de repressão, a censura terá sido o instrumento do Estado Novo cujos efeitos mais penalizaram o desenvolvimento de Portugal, até hoje”.

Insiste-se que este livro sobre o jornalismo português e a guerra colonial é incontornável para todo e qualquer trabalho de investigação histórica no que toca às três frentes que travámos na guerra de África.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20853: Notas de leitura (1279): “O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20879: In Memoriam (364): Dos sete militares chacinados pelo PAIGC no “Chão Manjaco”, mártires da sua fé na autodeterminação e na consagração do direito do Povo da Guiné- Bissau ao poder (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 17 de Abril de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) traz-nos à lembrança o Massacre dos Três Majores no Chão Manjaco  ocorrido há precisamente 50 anos.


IN MEMORIAM

Dos sete militares chacinados pelo PAIGC no “Chão Manjaco”, mártires da sua fé na autodeterminação e na consagração do direito do Povo da Guiné- Bissau ao poder.

Em 16 de Abril de 1970, o Governador e Comandante-Chefe General António de Spínola reuniu em Bissau cerca de 400 oficiais do CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné), capitães do mato na sua maioria, para directivas e anúncio do “fim da guerra” – o fim do seu sonho louco, de sentar Amílcar Cabral no Palácio cor-de-rosa da Praça do Império, em Bissau, investido das funções de Secretário-Geral (Chefe do Governo) da Guiné, a oportunidade para o Capitão Vasco Lourenço, Comandante da CCaç 2549, na quadrícula de Cuntima, revelar a sua verve conspiratória e, também, o momento em que ele o tomou de ponta, com a inspecção ao seu comando, 15 dias depois, circunstância que ajudará à emergência do MFA (Movimento das Forças Armadas) e às suas consequências.

No entendimento do General Spínola, o “fim da guerra” da Guiné começara no Norte, pela transumância das FARP do comando do PAIGC o comando do Exército Português, trabalhada pela PIDE e manobrada pela nata dos oficiais do seu Estado-Maior, os malogrados Majores Magalhães Osório, Passos Ramos e Pereira da Silva, extensiva às restantes, por efeito sistémico, a começar pelas do Sul.


Para Amílcar Cabral e seus pares cabo-verdianos, a ideia spinolista do “fim da guerra” presenteou-os com a oportunidade de lhe aprontar a cilada da sua liquidação física (já recorrente, afirmará Nino Vieira), sob a superintendência do Comandante Pedro Pires, do Conselho Superior de Luta, manobrada por Quintino Vieira e Luís Correia, responsáveis da pide paigcista na região e na zona Norte, comandada pelo corajoso André Gomes, ora membro do Comité Executivo, que havia sido condecorado com a medalha da “Estrela Negra”, pelo seu êxito no ataque do aeroporto de Bissalanca com morteiros de 82, em 1968, e que o ex-milícia Braima Camará, implacável comandante militar da zona Norte, executou mas não consumou, pela falta de comparência do General Spínola.

O Comandante-Chefe surpreendera o seu 9.º encontro com a sua presença, abraçara o Quintino e o André, mostrou grande satisfação em corresponder à continência deste, o caso teve o seu desenvolvimento, foram aprazados o 10.º encontro, o dia D e a hora H para a renegação, com uma última condição pelos renegados: Só se renderiam ao Comandante-Chefe, com o seu armamento, mas ele e a sua escolta teriam de comparecer desarmados…

Pelas 16H00 do dia 20 de Abril de 1970, aqueles três Majores, o Alferes Miliciano Ranger Palmeiro Mosca, os naturais e milícias 1.º Cabo Patrão da Costa, condutor, Aliú Sissé e Mamadu Lamine, guias, todos inermes, compareceram no ponto de encontro, junto aos destroços duma autometralhadora Daimler, na estrada Pelundo-Jolmete, foram logo assassinados a rajadas de metralhadoras, cobardemente, e os seus corpos esquartejados à catanada, criminosamente.

“Sacrifício das vidas para nada” – últimas palavras do Major Pereira da Silva, o operacional daquela manobra.

Enquanto no seu tempo, o Major Teixeira Pinto era o “Capitão Diabo”, no tempo General Spínola, a Guiné era a “Spinolândia”, e nem sempre este terá estado à altura daquele seu predecessor.

Meio século antes, os antepassados manjacos da mesma região massacraram a pequena força portuguesa que construía um pontão, refugiaram-se no Senegal, Teixeira Pinto disfarçou-se de comerciante, fez o reconhecimento a todos, comandou a patrulha que os foi catar, cuidou de negociar a paz com a autoridade gentílica, mas vitorioso.

Terá havido um Alto-Comando para a Guerra da Guiné? Não obstante as evidências do aventureirismo militar, do grau de temeridade dessa operação e da tragédia do seu resultado, por se ter subestimado a “natureza substantiva” do IN, o Comandante-Chefe da Guiné não só não foi demitido, como a recorrência lhe será permitida, com a “vendeta” a Conacri, que serviu para projectar o prestígio do PAIGC e acelerar a internacionalização da sua guerra.

O “massa dos majores” e o quase falhanço do assalto a Conacri evidenciaram a mediocridade atávica da PIDE, como agência de informações para acções militares. 

Manuel Luís Lomba
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20807: In Memoriam (363): Coronel Luís Fernando de ANDRADE MOURA (6-5-1933 - 23-3-2020), notável soldado da Pátria e da Democracia (Manuel Luís Lomba)