quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21227: Historiografia da presença portuguesa em África (225): Os Banhuns da Guiné: num romance e na etno-história (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Tudo começou na preparação de um romance passado na Guiné Portuguesa, fundamentalmente entre a década de 1950 e a eclosão da guerrilha. O Administrador Colonial, marido de Benedita Estevão, era pesquisador e tinha escrito trabalhos sobre Manjacos e Banhuns. Na altura, tive o cuidado de ler algumas referências sobre estes Banhuns, e não hesitei em pô-los na ficção, havia poucos estudos e etnia caminhava para a extinção. Recentemente adquiri um número da revista Garcia de Orta com um curioso estudo sobre a importância dos Banhuns ao tempo em que os nossos descobridores e viajantes do século XVI ali aportaram.
É com satisfação que trago os Banhuns ao vosso conhecimento.

Um abraço do
Mário


Os Banhuns da Guiné: num romance e na etno-história

Beja Santos 

Quando estava a preparar o meu romance “Mulher Grande”, coloquei Albano Toscano, Administrador Colonial na Guiné Portuguesa desde os anos 1940 até à eclosão da guerrilha, como um estudioso emérito de um pequenino povo, os Banhuns. No romance, o funcionário colonial conhecia bem os Manjacos, os Cassangas e os Banhuns. O seu último estudo seria alvo de consagração por outros investigadores, houvera mesmo uma homenagem de arromba na Sociedade de Geografia de Lisboa. Porque me servi dos Banhuns nesta ficção? Segundo o censo populacional de 1950, o último dado como probatório na região, os Banhuns não seriam mais que 267, isto quando tinham merecido a particular atenção dos viajantes e descobridores, basta recordar André Álvares de Almada, Francisco de Lemos Coelho, Valentim Fernandes e Duarte Pacheco Pereira. Que viram esses descobridores e viajantes de tão surpreendente e porque se dera o declínio dos Banhuns?

Aquando da chegada dos portugueses à Guiné, os Banhuns tinham estado ligados ao império do Cabo, tinham sido combatidos pelos Mandingas, aos poucos foram arrastados para a margem atlântica do continente, foram-se acantonando entre o rio Cacheu e a fronteira com o rio Senegal.

Num artigo publicado na revista Garcia de Orta, em 1966, José D. Lampreia faz levantamento da sua etno-história, apresentando uma saborosa antologia de textos verdadeiramente marcantes. Diz o autor que os Banhuns cultivam intensamente o arroz e árvores de fruto, possuindo uma economia de tipo litorálico. Embora ribeirinhos, são fracos pescadores. Constroem casas circulares, com prumos enterrados no solo, revestindo as paredes com entrelaçados de bambu e tara. No século XIX, acrescenta o autor, os Banhuns constituíam ainda uma das mais importantes etnias que habitavam a região de Sédhiou (ou Sejo, na literatura portuguesa), então território nominalmente português, no Casamansa. Posteriormente fundariam, na região de S. Domingos, aldeamentos.

Valentim Fernandes, no seu manuscrito fala dos Banhuns, a propósito do rio de S. Domingos que ele diz ser um rio em que os navios podem subir 60 léguas, os navios iriam resgatar cavalos comprando escravos ao Farim Braço. E diz que o povo desta terra são os Banhuns. Fala no costume de oito em oito dias se fazer uma feira a cinco léguas do porto do mar, vem a esta feira muita gente de 15 a 20 léguas em redor. E escreve um pormenor espantoso: “Os Banhuns adoram um pau a que chamam hatichira o qual pau consagram desta maneira. Tomam um pau forcado que há-de ser cortado com um machado novo e o cabo dele também há-de ser novo e que nenhum destes haja servido em alguma coisa e então fazem uma cova no chão e têm ali um cabaz de vinho de palma e assim outro cabaz de azeite e uma alcofa de arroz. E têm ali um cão vivo e então deitam este vinho, o azeite e o arroz dentro desta cova e matam o cão com aquele machadinho novo, fendem-lhe a cabeça e deixam correr todo o sangue do cão na dita cova. E então lançam o machadinho dentro e põem depois o pau forcado e tapam-no muito bem com terra e em cima daquela forca de pau que assim sai por cima da cova penduram umas ervas do mato e para fazer esta cerimónia são chamados os melhores velhos de toda a terra”.

Também André de Faro, na sua "Peregrinação à Terra dos Gentios", carreia elementos úteis para o conhecimento dos Banhuns: “… este rei se chama D. Diogo, era cristão e seus irmãos e parentes o eram também, e na verdade me pareceu bom cristão pelo que vi em seu modo e em falar e no amor com que nos recebeu e o quanto folgava em ver frades no seu reino”. D. Diogo teria dado licença para retirar uma estátua animista que estava perto da igreja que os frades estavam fazendo no seu reino, não se podia ter uma igreja e ídolos à volta com sangue de galinha e outros animais.

Duarte Pacheco Pereira escreve sobre os Banhuns: “… deste Rio Grande se podem fazer dois caminhos para a Serra Leoa: um deles é por dentro das ilhas e por ali podem sair pela banda do Sueste (mas poucos pilotos sabem esta terra); o outro caminho é por fora segundo adiante diremos. E dentro deste Rio Grande está um rio que se chama Bugubá e os negros dele são Beafares. E adiante de Bugubá está outro rio e mais adiante acharão outro rio que se chama dos Pescadores; e adiante deste, cinco léguas, é achado outro rio; e mais avante está outro que se chama de Nuno (e aqui há muito marfim); e adiante deste rio duas léguas está o cabo da Verga. Todos os negros desta terra são idólatras. E uma geração destes negros se chama Banhuns”.

Os Banhuns, insista-se, estiveram sujeitos a razias que muito contribuíram para a sua quase extinção já que estavam situados entre os grandes inimigos da África Ocidental, os Fulas e os Mandingas. André Álvares de Almada não deixou de se referir a este assunto, referiu a guerra entre Fulas e Mandingas, os primeiros com os seus numerosos exércitos, traziam enxames de abelhas que largavam contra os inimigos assolando a terra dos Mandingas, Cassangas, Banhuns e Brames, só quando chegaram à terra dos Beafadas é que foram vencidos. Este autor localiza melhor os Banhuns: “Este reino de Mandinga é muito grande e está povoado todo de gente de uma banda e outra. Pela banda do Norte se mete muitas léguas pelo Sertão até partir com os Jalofos, e quase que estão todos de mistura. E pela banda do Nordeste vai por cima dar na terra dos Beafadas; e pela banda do Leste para partir com os Cassangas e Banhuns”.

Sem dúvida alguma que André Alvares de Almada conferiu uma grande importância aos Banhuns no século XVI, ao seu negócio de escravos, identificando S. Domingos como terra dos Banhuns, e dá-nos um pormenor relevante: “Neste rio de S. Domingos há mais escravos que em todo os outros da Guiné, porque deles os tiram estas nações – Banhuns, Brames, Cassangas, Jabundos, Felupes, Arriatas e Balantas. É rio de muito trato de arroz e outros mantimentos, bons pescados e muitas galinhas que continuamente andam os negros vendendo a troco de algodão e outras coisas. As mulheres desta terra e as Banhumas andam vestidos com uns panos curtos e os cabelos trançados, e as moças trazem uma tira de pano por diante, da largura e comprimento de um palmo, que escassamente lhes cobre as dianteiras, e desta maneira andam até se casarem”.

Tudo conjugado com base na leitura de todos estes historiógrafos se infere a ideia da importância tida pelos Banhuns em épocas passadas. As lutas entre Fulas e Mandingas certamente os levaram a um processo de interpenetração cultural e diluíram-se no seio de outras etnias, há quem sugira quem foram principalmente absorvidos por Manjacos e Balantas.

Continuo sem saber porque forjei Albano Toscano a estudar os Banhuns. Mas lendo este artigo, fiquei muito contente em saber o seu papel relevante na Guiné de outros tempos. Para os interessados em lerem o Tratado Breve dos Rios da Guiné de André Álvares de Almada, remetemo-los para o link:

https://books.google.pt/books?id=nJARAQAAMAAJ&pg=PA48&lpg=PA48&dq=banhuns,+g#v=onepage&q&f=false



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Nota do editor

Último poste da série de 29 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21207: Historiografia da presença portuguesa em África (224): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21226: Agenda cultural (751): Sai amanhã, quinta-feira, com os jornais "Correio da Manhã" e "Sábado", o volume n.º 29, "Saúde" (, de 64 pp., da autoria de Luís Graça), da coleção "Memória de Portugal: dois séculos de fotografia"


"Saúde", volume nº 29, da coleção "Memória de Portugal: 2 séculos de fotografia"  (Lisboa, Atlântico Press, 2020, 64 pp)

[Sinopse da coleção: 

(i) "uma viagem visual e narrativa da história do nosso país, desde o surgimento da fotografia até à década de 1980"; 

(ii) total de 30 livros.

(iii) apresentada pelo professor universitário e ensaísta, Guilherme d’Oliveira Martins.

(iv) mais de 2.000 fotografias inéditas dos principais arquivos do país, como a Torre do Tombo e Fundação Calouste Gulbenkian;

(v) sai um volume todas as quintas feiras com o jornal Correio da Manhã e a revista Sábado;

(vi) custo de cada volume (de cerca de 60 pp.): 4, 95 € (pode ser compardo "on line")

(vii) o primeiro volume (Grandes Tradições) saiu no dia 23/1/2020;

(viii) a edição é da Atlântico Press, Lisboa.


'Saúde' relata o longo caminho percorrido até à consagração constitucional do Serviço Nacional de Saúde, em pleno século xx. Acompanhamos o flagelo das doenças epidémicas, os dias negros da tuberculose e a posterior construção de sanatórios, dispensários e hospitais. Evocamos, também, o contributo de algumas figuras incontornáveis da nossa Medicina, como Ricardo Jorge, Sousa Martins ou Egas Moniz, que trabalharam em prol do bem-estar e do aumento do índice de esperança de vida dos portugueses.

Prefácio de António Barros Veloso
Médico e doutor «Honoris Causa» pela Universidade Nova de Lisboa


O texto do livro "Saúde: o longo caminho do progresso",é da autoria do nosso editor Luís Graça, e foi escrito em plena pandemia, entre 15 de maio e 15 de junho do corrente, "em contrarrelógio". É ilustrado por cerca de meia centena de fotografias.

Índice: Prefácio: heróis ignorados:  pp. 5 |  O longo caminho do progresso: pp. 6-7 |  Tempo de pioneiros:  o grande desafio da saúde pública;  pp. 8- 25 | Nascer e morrer:  epidemias e doenças da pobreza: pp. 26-43 | Direito universal: Século XX consagra a «saúde para todos»: pp. 44-67.

Há, por exenplo, uma  breve referência aos "Médicos Militares" (p. 39): 

"No século XX, Portugal esteve envolvido em dois conflitos armados externos: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), na qual perderam a vida 7760 soldados portugueses, e a guerra colonial. Com cerca de um milhão de homens, incluindo 200 mil africanos recrutados localmente, foi a que mais militares envolveu. Estão documentados 9196 mortos, por todas as causas – combate, acidente e doença – e 25 mil feridos.
Alguns milhares de jovens médicos enquadravam a força – um médico para cada 650 soldados – e davam, também, um excecional apoio sanitário às populações locais. Os Hospitais Militares, a começar pelo Principal, na Estrela, foram grandes escolas para estes médicos. O HM 241, em Bissau, chegou a ser considerado o melhor da África subsariana, com exceção da África do Sul.
Em 1965, foi criado o Regimento de Saúde, em Coimbra, para satisfazer as necessidades crescentes
de pessoal sanitário para os teatros de operações: médicos, enfermeiros, maqueiros. Os quadros
de saúde, e nomeadamente dos médicos milicianos, foram utilizados até à exaustão. A guerra também permitiu um grande desenvolvimento do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos."

Outros volumes que poderão interessar os nossos leitores; Guerras | Colónias | A epopeia do bacalhau | Mundo da infância... (São apenas sugestões, mas há outros tíulos com interesse, como, por exemplo educação, arte, indústria, ilhas, Lisboa, cidades, desporto, profissões perdidas, comboios, praias e turismo,  festas populares, etc.;o último volume, o nº 30, é sobre a emigração, sai no dia 13 do corrente mês. )





Cortesia de Atlântico Press (2020)

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21225: Casos: a verdade sobre... (9): Álcool & drogas na guerra colonial: de consumidores a traficantes de canábis... Seleção de comentários ao artigo do Público, de 2/8/2020 - Parte I


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > Fevereiro de 1967 > Cristal ou Sagres ? O "lobby" da cerveja na guerra... N a foto, o gen Arnaldo Schulz ao lado do piloto do helicóptero AL II... No banco de trás, duas caixas de cerveja, Sagres e Cristal... À direita, o fur mil Viegas, do Pel Caç Nat 54.

Comentário (humorístico) (*):  "Como se pode ver por esta foto, na Guiné, durante a guerra colonial, toda a gente se embebedava, do general ao soldado... E os que faziam a guerra eram os sodlados de 2ª linha, os guineenses, e nomeadamente os fulas, que, sendo muçulmanos, não bebiam, mas passavm todo o tempo a mascar cola...


Que fique bem claro para a a História: a haver atrocidades, só a eles podem ser imputadas...

A culpa foi toda da Intendência Militar que democratizou o uso de substâncias psicoativas: eram tão baratas, que eram acessíveis mesmo ao soldadp básico mais mal pago...

Não havendo 'liamba' na Guiné, o segredo da excessiva duração daquela guerra (que alguns queriam que fosse como a guerra dos 100 anos), tem um segredo: a "água de Lisboa, manga di sabe" e a "noz de cola" que dava um tusa do caraças: era como as pilhas Duracell... Podia faltar tudo, de antiaéreas a camisas de Vénus, menos a água de Lisboa e a noz de cola".
 

Foto (e legenda): © José António Viegas (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > Novembro de 1968 > "Água de Lisboa" (, ou melhor, "vinho do Cartaxo"...). O alf mil SAM Virgílio Teixeira (o segundo a contar da esquerda), a ajudar a descarregar garrafões de vinho, alguns dos quais têm o rótulo do Cartaxo (presumivelmente, da Adega Cooperativa do Cartaxo).


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Caramadas da Guiné). 

1. Seleção de comentários ao poste P21222 (*) - Parte I (**)


(i) Diconário Priberam da Língua Portuguesa:

ca·ná·bis
(latim cannabis, -is, cânhamo)
nome feminino de dois números

1. [Botânica] Designação dada a várias plantas do género Cannabis, da família das moráceas, em especial a Cannabis sativa, de folhas palmadas, cultivada pelo seu caule, que fornece uma excelente fibra têxtil, e pelas suas sementes, que dão um óleo; as flores e folhas são também usadas como droga entorpecente.= CÂNHAMO

2. Conjunto de folhas secas de cânhamo-indiano preparadas para mascar ou fumar. = MARIJUANA

3. Droga feita da resina das inflorescências dessa planta que produz sonolência ou outras alterações do sistema nervoso central. = HAXIXE

[ Palavras relacionadas: haxixe, maconha, cânabis, cangonha, marijuana, cânhamo-indiano, pango, erva, liamba,  diamba, riamba, soruma...

"canábis", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/can%C3%A1bis [consultado em 05-08-2020].
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co·la |ó|
(latim científico Cola, do quicongo nkola)
nome feminino

1. [Botânica] Designação comum a várias plantas do género Cola, da família das esterculiáceas. = COLEIRA

2. [Botânica] Fruto da coleira, cujas sementes são ricas em alcalóides estimulantes, como a cafeína. = NOZ-DE-COLA

3. Bebida refrigerante, doce, gaseificada e de cor acastanhada, preparada com uma substância extraída desse fruto ou com aromas sintéticos (ex.: pediu uma cola com limão).

"cola", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/cola [consultado em 04-08-2020].


(ii) Carlos Pinheiro:

(...) O  trabalho que a seguir partilho [, Cannabis e álcool: as companheiras esquecidas dos combatentes da Guerra Colonial, jornal "Público",  domingo, 2 de agosto de 2020], e que, possivelmente muitos de vós já tereis visto, feito por um fulano para a sua tese de doutoramento, depois de ter entrevistado 200 ex-combatentes, incomodou-me sobejamente porque – posso estar a ver mal – o senhor chegou aquelas conclusões depois de ter falado com uma inexpressiva percentagem daquelas muitas centenas de milhares de jovens que durante 14 anos deram o corpo ao manifesto. (...)

(iii) António J. Pereira da Costa:

(...) Cá estamos perante um doutorado que fez um estudo e tirou conclusões que nós não subscrevemos. Os militares portugueses não sabiam o que era "canábis", donde se extraía e como se preparava. Admito, teremos sempre que admitir, que alguns a conhecessem. Todavia, tudo se passou há 50 anos (mais ou menos) e a popularização da droga não tem essa idade.

O consumo de bebidas alcoólicas será diferente. O povo português consumia vinhos e aguardentes correntes, para além de "bebidas brancas", mais elaboradas. É provável que uma grande parte tenha tenha "descoberto" o whisky "num TO duma qualquer PU", pois na metrópole era caro e lá, com 100 paus, já se tinha uma garrafa...

Não creio que os soldados se embebedassem para ter coragem ou escorraçar a morte. Também nunca vi ninguém que recorresse ao álcool para matar o tédio ou reduzir a ansiedade em vésperas de uma acção.

Parece-me um trabalho bombástico e a crer desfazer tabus. Está na moda. A amostra apresentada será significativa? Em que contexto? O consumo de drogas na guerra, durante uma boa parte da sua duração,  não era praticado por totalmente desconhecido.

É deste tipo de "estudiosos" que eu tenho medo. Têm poder de divulgação e o que disserem, mesmo que pouco correcto,  é que vai valer para o futuro. A opinião de quem lá esteve, como não é cientista, não tem valor. (...)

(iv) Albertino Ferreira:

(...) Li o artigo, pelo menos diz uma verdade, na Guiné não houve consumo de cannabis, só de álcool, mas o clima também ajudava. Quanto à noz de cola,  só me apercebi que a usavam os soldados nativos integrantes das milícias, especialmente na zona de Bigene. (...)

(v) Alberto Branquinho:

(...) Pois é, "a ciência é com os cientistas"... Mas a "ciência" tem que ser a verdade das coisas e, principalmente, na sociologia e "arredores".

Nas minhas memórias não registei drogas nem das leves. Andei por quase 2/3 da Guiné e não cheirei nada. "Cola" sim, vi muita, mas consumida por milícias, principalmente e também soldados nativos. E álcool, muito!!!

De Bissau, não sei nada. Talvez consumissem para matar o "tédio" da ausência de guerra. (...)

(vi) António J. Perereira da Costa:

(...) Efectivamente a cola era muito consumida, mas pelo pessoal da milícia (civis armados) e recrutamento local. Era um hábito daquela sociedade que as autoridades portuguesas nunca tentaram contrariar. Lembro-me de que o chefe da tabanca de Cacine - o velho Aliu - andava com umas nosezitas embrulhadas num paninho muito branco e fechado com nós.
Mas, atenção, a cola era um excitante, um estimulante que não servia "para combater o tédio", tornava o combatente excitado, agressivo e mais "apto" para o combate.

Resultados? Nunca dei por isso. Não me consta que os "colados" tenham, alguma vez, desarvorado em direcção ao IN, estimulados pela droga... Também nunca dei por que tivessem maior resistência física.
E vocês? Alguém se recorda de um Grupo de Combate  devidamente "colado" a ter mais êxito que os não "colados"? (...)

(vii) Tabanca Grande Luís Graça:

(...) Esstou ler a entrevista do "Público" agora mesmo... São 8 (oito!!!) páginas dedicadas aos combatentes da guerra colonial e aos seus problemas psicossociais... É obra!...Ainda há gente que se interessa por este "lixo da história"...

Mas não se tirem conclusões apressadas sobre os comportamentos dos militares portugueses nos TO da Guiné, Angola e Moçambique...O próprio entrevistado previne, contra o enviesamento de umas algumas perguntas da jornalista: 'Foquei-me nos consumidores e tentei perceber o significado do consumo [, nomeadamente da "cannabis", que não havia na Guiné...] e todas as suas circunstâncias, mas deixando  sempre claro que não queria generalizar, não queria dizer que todos consumiram' " (...)

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21224: Efemérides (333): Foi há 54 anos que parti para o CTIG, no T/T Uíge, para ir formar em Bolama o Pel Caç Nat 54 (Jose António Viegas)


Foto nº 5 > O Zé António Viegas. hoje, em Faro, bebendo a sua Sagres... [Será ainda do lote de cervejas que o Arnaldo Schulz levava no heli, em fevereiro de 1967 , quando aterrou em Portogole ? ]




Foto nº 2 >  30 de julho de 1966 > No T/T Uíge, a caminho da Guiné



Foto nº 3> Na messe do T/T Uíge, com outros camaradas, sou o terceiro, na mesa,do lado direito.


Foto nº 4 > Agosto de 1966 > Chegada a Bolama, para formar o Pel Caç Nat 54



Foto nº 6 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > Cristal ou Sagres ? Parece que o Viegas já entrão preferia a Sagres... [O gen Arnalldo Schulz ao lado do piloto do helicóptero: fevereiro de 1967: a despedida: no banco de trás, duas caixas de cerveja, Sagres e Cristal; à direita, o fur mil Viegas, do Pel Caç Nat 54, com camuflado paraquedista trocado com um camarada numa operação no Morés em outubro de 1966; a aeronave parece ser um Alouette II ]

Fotos (e legendas): © José António Viegas (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada José António Viegas [ fur mil do Pel Caç Nat 54, passou por vários "resorts" turisticos em 1966/68 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e, o mais exótico de todos, a Ilha das Galinhas, na altura, colónia penal); vive em Faro; é um dos régulos da Tabanca do Algarve; tem cerca de 40 referências no nosso blogue]:

Data - 4 de agosto de 2020, 14:55

Assunto - 54 aniversário da partida para a Guiné


Caro Luís:

No passado dia 30 de Julho fez 54 anos que embarquei para o CTI da Guiné, gostaria de expor uma pequena resenha do percurso até lá.

No dia 2 de Novembro de 1965  assentei praça no CICA 1, no Porto, era o único Algarvio naquele quartel e sem dicionário. 

Depois de ter acabado a recruta,  fui para a especialidade de estafeta mota. Fazíamos a instrução à base de tattoo e mecânica, o Furriel viu que eu sabia algo de mecânica, entregava-me a aula e pirava-se. 

Numa dessas aulas entra um 1º Sargento com pouco mais de um metro e sessenta  e de capote cinzento até aos pés perguntando pelo Viegas, apresentei-me e ela só me disse: "Ide à secretaria, estais f....!".

 Chegado à secretaria, não estava ninguém, vejo em cima da secretária uma guia de marcha e apenso uma carta com a sigla da DGS, nisto entra o Sargento aos berros,  que eu ia levar uma porrada,  e entrega-me a guia de marcha. E. sempre gritando, dizia: "Ides apanhar o comboio a S. Bento , mudas no Stil  [Setil] e vais para Vendas Novas, julgais que andais a enganar a tropa!...". 

Ainda lhe perguntei onde ficava a estação do Stil [Setil], mas nem me respondeu.

Cheguei a Vendas Novas a 11 de Janeiro de 66 para frequentar o 2º ciclo do CSM, era um luxo, na altura a recruta era dada por Aspirantes da Academia.

Findo o curso em Vendas Novas,  fui colocado no BC 8 de Elvas em 13 de Abril de 66 para dar uma recruta, após o que fui mobilizado para a Guiné.

Depois de gozar os dias da praxe, vou para os Adidos 2 dias a aguardar embarque.

No dia dia 30 de Julho pego na sacola, desço a Calçada da Ajuda e venho tomar o pequeno almoço num quiosque que já não existe em frente ao museu dos Coches, nisto chegam 2 amigas que estavam em França,  não sei como me descobriram e de rompante dizem-me que têm tudo pronto para ir para a França no outro dia estávamos lá, começamos a discutir, eu que não,  elas que sim,  que não tinha que ir pra guerra... Resultado: estivemos vários anos sem nos falar, quando reatamos a amizade levaram-me a Paris.

Voltei a pegar na sacola e dirigi me para o Cais, entreguei a guia e entrei no Uíge, olhei em volta não via caras conhecidas, vim para a amura ver aquele espetáculo horripilante das despedidas.

Depois de 5 dias de viagem,  chego à Guiné, saio para o Cais e encontro um amigo e conterrâneo o Furriel Jélio, já falecido, que pegou em mim e me levou para os Adidos, 2 dias depois fui para Bolama formar o Pel Caç Nat 54. 

Guiné 61/74 - P21223: Blogpoesia (689): Boas férias, cá dentro. Volto em Setembro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845)

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 30 de Julho de 2020:

Bom dia Carlos Vinhal.
Aqui envio meu último trabalho antes das férias, e que se chama mesmo "Férias".
Em Setembro voltarei à Tabanca para publicações, mas durante o mês de Agosto, passarei sempre uma vista de olhos pela Tabanca, pois como já o disse por diversas vezes, é dela que faço o meu jornal.
Para todos, boas férias
Albino Silva


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Nota do editor

Último poste da série de 2 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21217: Blogpoesia (688): "O lavrista", "Escadas sombrias" e "Plangente e lacrimoso", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)


Recorte da edição do Público, 2 de agosto de 2020: Texto de Patrícia Carvalho e fotografia de Daniel Rocha. O artigo só está disponível para assinantes. (Excerto reproduzido com a devida vénia...)  


1. Mensagem do nosso camarada e amigo de Torres Novas, Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70)

Date: segunda, 3/08/2020 à(s) 18:23

Subject:  Artigo no jornal "Público" sobre álcool e droga na guerra colonail

Caros companheiros e amigos

Peço imensa desculpa de vos estar a incomodar, mas o trabalho que abaixo partilho, Cannabis e álcool: as companheiras esquecidas dos combatentes da Guerra Colonial, e que, possivelmente muitos de vós já tereis visto, feito por um fulano para a sua tese de doutoramento, depois de ter entrevistado 200 ex-combatentes, incomodou-me sobejamente porque – posso estar a ver mal – o senhor chegou aquelas conclusões depois de ter falado com uma inexpressiva percentagem daquelas muitas centenas de milhares de jovens que durante 14 anos deram o corpo ao manifesto.

Ele, segundo diz, nunca se tinha interessado pela Guerra Colonial, e só agora, não sei porquê, realizou o tal trabalho e chegou a estas "esplêndidas" conclusões.

Não me quero alongar mais, mas permito-me perguntar se este senhor não mereceria que lhe fosse dirigida uma reacção que desmontasse o que o senhor afirma doutoralmente.

Já me têm feito confusão algumas teses de doutoramento, mas esta suplantou todas as medidas.

Se algum ou alguns dos meus amigos se quiserem dar ao trabalho de alinhavar algumas palavras acerca do assunto, fico grato.

Cá fico à espera.

Um grande abraço, virtual

Carlos Pinheiro

 PS - Vd. artigo no jornal Público de 2 do corrente:

2.  Nota do editor LG:

Obrigado, Carlos pela tua oportuna chamada de atenção. Mas é preciso ir  às fontes, ler em primeira mão o autor, para depois se ter uma opinião fundamentada.  O tema é delicado mas não é tabu. Temos, no nosso blogue,  30 referências sobre alcool, mas apenas duas sobre drogas... 

Percebo, pelo título do artigo, que possa desencadear reações emotivas (, já me chegaram ecos de Trás-os-Montes...), porque mexe com a nossa autoestima e pode ferir a honra da generalidade dos combatentes. Mas não vamos provocar aqui uma "caça às bruxas"... Há 16 anos que falamos, aqui, no nosso blogue, de tudo ou quase tudo, com frontalidade e verdade. Mas o nosso blogue não tem por missão produzir "trabalho científico", apenas partilhar "memórias"... A ciência é com os cientistas,,,

Começo por dizer que não li a entrevista do "Público", nem o livro, mas vou consultar a tese de doutoramento, do Vasco Gil Calado,  em antropologia, pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, defendida em provas públicas em 17/9/2019.  Temos que separar o artigo de jornal (e os títulos de caixa alta dos jornais provocam muitas vezes leituras enviesadas) e o trabalho académico.

Este é um trabalho com arbitragem científica. E terá por certo méritos e desméritos. Não há trabalhos científicos perfeitos.  E é bom desde já chamar a atenção que não é um trabalho de  investigação (quantitativa) em epidemiologia mas um trabalho de investigação (qualitativa) em antropologia. Portanto, é preciso ter cuidado com as eventuais generalizações abusivas.

Este trabalho académico pode ser consultada no Repositório desta instituição ["O Repositório Institucional do Iscte tem como objetivo preservar, divulgar e dar acesso à produção intelectual do Iscte em formato digital. Na medida em que reúne o conjunto de publicações académicas e científicas do Iscte, contribui também para o aumento da visibilidade e impacto do trabalho de investigação a nível nacional e internacional."]

Referêmcia bibliográfica:

CALADO, Vasco Gil Ferreira - Drogas em combate: Usos e significados das substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa [Em linha]. Lisboa: ISCTE-IUL, 2018. Tese de doutoramento. [Consult. 3 de agosto de 2020 ] Disponível em www: http://hdl.handle.net/10071/18841. 

O acesso é restrito, por vontade expressa do autor (, por razões que desconheço, talvez relacionadas com a proteção das fontes e a confidencialidade da informação...),  podendo ser lhe pedida uma cópia em formato digital. Os trabalhos académicos, produzidos no âmbito das universidades públicas, devem estar ( e em geral estão)  em "open acesso", isto é, abertos à consulta pública.

Aqui fica o resumo da tese, o que é que está disponível "on line" no repositório, a par das palavras-chave: Antropologia cultural | Guerra colonial | Colonialismo português | Abuso de drogas | Memória coletiva | Usos e costumes | Portugal.

A Guerra Colonial Portuguesa foi um conflito de guerrilha marcado pelo desgaste físico e psicológico, tendo decorrido a milhares de quilómetros da «metrópole», em territórios inóspitos e em muito diferentes do que os jovens portugueses conheciam. 

Entre as novas experiências que tiveram lugar durante a comissão militar em África conta-se a descoberta da cannabis, uma planta de consumo tradicional em Angola e Moçambique, e a adoção de padrões de consumo intensivo de bebidas alcoólicas que a logística militar distribuía pelos quartéis. 

De acordo com as narrativas dos ex-combatentes, os usos de cannabis e álcool desenvolvidos pelos militares portugueses estão intrinsecamente relacionados com as circunstâncias do conflito, com as normas sociais e com as motivações de consumo. Na guerra, os militares portugueses recorriam às duas drogas como forma de ultrapassar as dificuldades, vencer o medo e lidar com uma realidade difícil de suportar, fosse pela omnipresença da violência, do tédio ou da tensão emocional. 

Embora a cannabis fosse uma planta que o olhar europeu historicamente associou à desordem e ao comportamento bárbaro, a partir do final da década de 60 do século XX os militares portugueses deram-lhe um uso diferente, consumindo-a de forma terapêutica, sem que isso desse aso a castigos disciplinares. No entanto, ao mesmo tempo, na «metrópole» o poder político iniciava uma «guerra às drogas», criminalizando o uso de cannabis e de outras substâncias psicoativas e fazendo da droga um problema social, associando-a à contestação social. 

Tudo isto permite perceber que a droga é um constructo social e um objeto eminentemente político, pelo que nada no uso de drogas é um facto adquirido ou algo que decorra exclusivamente das propriedades farmacológicas de cada uma, antes é condicionado histórica e socialmente, nomeadamente em função do contexto político. [Fonte: http://hdl.handle.net/10071/18841]

Há também um artigo do mesmo autor,  disponível em texto integral, "on line", na revista "Etnográfica" [Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia], e que já li em tempos (**).

Vasco Gil Calado, « As drogas em combate: usos e significados das substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa », Etnográfica [Online], vol. 20 (3) | 2016, Online desde 27 novembro 2016, consultado em 04 agosto 2020. URL : http://journals.openedition.org/etnografica/4628 ; DOI : https://doi.org/10.4000/etnografica.4628

Resumo: Apresentam-se as principais questões suscitadas pelo trabalho em curso acerca do uso de substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa (1961-1974). São identificados alguns aspetos-chave que emergem das narrativas dos ex-combatentes acerca da sua experiência de guerra e que contextualizam um conjunto de práticas, entre elas o uso de drogas. Confirma-se o abuso de álcool e o uso de canábis entre os militares das forças armadas portuguesas envolvidas no conflito, numa altura em que em Portugal surgiam as primeiras iniciativas de combate às drogas. Tanto o consumo de bebidas alcoólicas como de outras drogas pode ser entendido como uma forma de lidar com a ansiedade e a violência do quotidiano.

Em tempos, o Gil Vasco Calado pediu-nos ajuda para  este trabalho académico (**). Já não me lembro se me chegou a entrevistar, nem tenho a certeza de o conhecer pessoalmente,  O poste P16807 teve 12 comentários.
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(**) Vd. poste de 6 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16807: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (39): pedido de ajuda para tese de doutoramento em Antropologia, pelo ISCTE-IUL, sob o tema do uso de álcool e drogas na guerra colonial (Vasco Gil Calado)

(...) Chamo-me Vasco Gil Calado, antropólogo e técnico superior do SICAD [Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências]. 

Estou a fazer o doutoramento em Antropologia, no ISCTE, sobre o tema do uso de álcool e drogas na guerra colonial. Foi o Renato Monteiro quem sugeriu que o contactasse, na condição de grande especialista e dinamizador de um blog essencial sobre a guerra colonial. No âmbito académico da tese, gostava de o entrevistar, de forma anónima e confidencial, naturalmente.

O meu orientador é o Prof. Francisco Oneto, do departamento de Antropologia do ISCTE.
Nós cruzamo-nos no ISC-Sul, numa pós-graduação de Sociologia da Saúde, em que deu um módulo sobre Educação para a Saúde, se bem me lembro, para aí em 1999 ou algo do género. (...)

Guiné 61/74 - P21221: Parabéns a você (1843): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista do BENG 447 (Guiné, 1968/70) e TCor Inf Ref Rui Alexandrino Ferreira, ex-Al Mil Inf da CCAÇ 1420 (Guiné, 1965/67) e ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 18 (Guiné, 1970/72)


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Nota do editor

Último poste da série de 31 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21212: Parabéns a você (1842): Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil Cav da CCAV 8350 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21220: Blogues da nossa blogosfera (135): PANHARD - Esquadrão de Bula (Guiné, 1963/1974) (2): Modelo à escala da Panhard AML 60, MX-03-19, do EREC 3432 (1972/74). Autor: João Tavares, da Associação de Modelismo do Montijo (José Ramos)


Guiné > Região de Cacheu > Bula > EREC 3432 (1972/74) >  Panhard AML MX-03-19. Guarnição: Daniel Salgueira, aspirante miliciano cmdt; Ferreira Rosa, apontador; e Júlio Araújo (condutor)








Notável reprodução, em miniatura, da Panhard AML 60, matríula MX-03.19, do EREC 3432 (Bula, 1972/74). Cortesia do blogue do José Ramos, Esquadrão de Bula.


José Ramos
1. Do blogue Esquadrão de Bula, que estamos a seguir, e que é editado pelo  nosso camarada José Ramos,  ex-1º cabo cav, condutor de Panhard, do EREC 3432, que esteve em Bula, de 1972 a 1974 [, membro da nossa Tabanca Grande desde 4 de outubro de 2018,  com o nº 778, vive na Lourinhã e  pertence à  Liga dos Combatentes-Núcleo de Torres Vedras]


28 de julho de 2020 > Modelismo militar

O  modelismo militar permite recriar em escala reduzida diferentes tipos de armamento, de que são exemplo os veículos militares.

João Tavares enviou-nos o seu modelo da Panhard AML 60, inspirada na que o seu amigo e nosso camarada Daniel Salgueira comandou na Guiné e onde,  para além dele, estão representados o Júlio Araújo (condutor) e o Ferreira Rosa (apontador).

Pelo magnífico trabalho e pela partilha um muito obrigado,  João.

2. Comentário do editor LG:

Descobri que o João Tavares pertence à AMM - Associação de Modelismo do Montijo, com página aqui no Facebook. E tem um porfólio notável no dominio do modelismo, civil e militar.

A AMM foi criada em 1998 e tem hoje como objetivo a partilha de saberes e experiências, mostrando que o modelismo é bem mais do que a “construção de miniaturas à escala”...

Para quem não sabe, é no Montijo que, anualmente, se realiza o maior evento nacional dedicado ao modelismo.

Tiro aqui o quico ao talento do João Tavares e fico grato pela generosa  partilha deste modelo da Panhard AML 60 nas redes sociais.
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Nota do editor

Guiné 61/74 - P21219: Notas de leitura (1296): “Guiné-Bissau: Um caso de democratização difícil (1998-2008)”, por Álvaro Nóbrega; Coleção Estudos Políticos e Sociais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2015 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Maio de 2017:

Queridos amigos,

Confirmo a importância deste trabalho de Álvaro Nóbrega, convido a todos à sua leitura. Trata-se de uma investigação rigorosa que viaja do passado ao presente, que cuida da história, da sociologia, da antropologia e da etnologia, toma-as como parcelas e objeto de análise e profere um grande olhar sobre um processo democrático que tem encontrado inúmeros escolhos, daí a identificação que ao autor pretendeu ao estudar a transição democrática, colocando-a no local certo, África, repertoriando os elementos do Estado, pinçando os dados sob as elites, o papel político dos militares, o presidencialismo, a fragmentação partidária, e muito mais.

Doravante, esta obra será incontornável para o estudo da Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário


Os ziguezagues da democracia guineense:
Uma obra indispensável de Álvaro Nóbrega (3)

Beja Santos

Em “Guiné-Bissau: Um caso de democratização difícil (1998-2008)”, Álvaro Nóbrega, edição do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), 2015, dá-nos um estudo admirável sobre as sinuosidades do processo democrático guineense, a partir da luta de libertação, das tensões que esta mesma provocou, dos equívocos entre um sonho de modernização e as múltiplas dificuldades do Estado se encontrar com a nação e com as populações nela residentes.

No texto anterior aflorou-se o papel político dos militares, questão que se agudiza com o golpe de Estado de Nino Vieira, em 1980. De modo sub-reptício foram-se organizando fações, que exploraram questões étnicas, descontentamentos, questiúnculas internacionais como a dissidência do Casamansa e a venda de armas, um dos fatores que despoletou a crise político-militar de 1998-1999.

Os ajustes de contas passaram a ser cada vez mais ferozes, com assassinatos ao mais alto nível. As forças armadas guineenses são únicas no mundo: é um exército de 1869 oficiais (42%), 1218 sargentos (27%) e 1371 soldados (31%), uma autêntica pirâmide invertida. É óbvio que se procura a promoção para ganhar um pouco mais.

“A fim de os manter satisfeitos, de assegurar a sua lealdade e em cumprimentos das obrigações de parentesco, os chefes militares que não estão condicionados ao controlo civil, são facilmente tentados a dar promoções. Soma-se a este problema a situação não resolvida dos combatentes da Liberdade da Pátria”.

O número destes últimos supõem-se situar entre os 7 e os 10 mil. Outro aspeto que contribui para as dificuldades da construção da democracia na Guiné-Bissau é o papel político das forças armadas. O autor fala nos golpes de Estado mas refere igualmente que os militares estão conscientes das implicações políticas e financeiras negativas que a sua ação pode comportar perante a comunidade internacional. Nino Vieira terá sido o presidente da República mais temido e admirado pelo seu passado. Mas não compreendeu, no seu regresso em 2005, que tudo se alterara na Guiné-Bissau, o narcotráfico, o clientelismo e o sistema de influências retirara-lhe peso, quando chegou a hora do ajuste de contas, foi sujeito à humilhação de lhe entrarem portas adentro de casa e o retalharem.

Os poderes tradicionais retomaram a sua importância e os órgãos de soberania sabem que não podem prescindir de uma boa relação com eles. E nos órgãos de soberania assiste-se a uma difícil coexistência entre presidentes e primeiros-ministros, invadindo os respetivos campos, daí a permanente discussão em aberto se o regime deve ser presidencialista ou semipresidencialista.

Álvaro Nóbrega escalpeliza a fragmentação do sistema partidário. Com exceção do PAIGC e da FLING e da Resistência da Guiné-Bissau (RGB) nascido no exílio, os outros partidos guineenses são muito jovens, o seu número ultrapassava em 2008 o número de 30 partidos legalizados. Citando Francisco Fadul, grande parte dos partidos são encarados como propriedade privada:

“Todos os partidos da Guiné começam por ser partidos de um dono. Todos eles têm patrão que é aquele que coloca lá algum dinheiro para fazer funcionar a máquina e que se sente o dono. Se alguém não gosta da sua atuação, só tem é que abandonar o partido”.

Em consequência a luta é tanto mais dura quanto maior é a possibilidade do partido de vir a conquistar cargos governativos. São confrontos que podem levar ao descrédito do próprio partido, caso da batalha que opôs Hélder Vaz a Salvador Tchongo, foi uma picada mortal nos créditos eleitorais da RGB, que se mostrou aos eleitores desunida e fragmentada. Kumba Ialá aproveitou a brecha e liquidou o partido.

O autor dá inúmeros exemplos de conflitos em todos os quadrantes, as mensagens partidárias acabam por ser estandardizadas como o investigador sueco Lars Rudebeck já observara nos discursos partidários concorrentes às eleições de 1994:

“Os partidos políticos da Guiné-Bissau não podem ser distinguidos uns dos outros meramente pelo estudo dos seus programas e plataformas. As suas palavras de ordem e slogans são quase idênticas”.

A visão patrimonial do poder é cuidadosamente observada pelo autor. Há uma frase que pode resumir a situação:

“Na Guiné, quer pela vivência tradicional quer pela moderna, os indivíduos, habituaram-se a ver os carros de Estado como a solução para os seus problemas financeiros. Os régulos, por o serem, recebem as compensações de vida ao seu estatuto. Nas etnias que não têm régulos, os anciões têm direito pelo seu estatuto a exigir a prestação de trabalho e receber dádivas das classes de idades mais jovens”.

Quando abandona o poder, alguns titulares de cargos públicos e altos funcionários do Estado procuram a todo o transe manter as regalias que tiveram.

Em 2003, Álvaro Nóbrega publicara um importante livro "A Luta pelo Poder na Guiné-Bissau", é dossiê que conhece bem: a luta decorre em muitas instâncias, na presidência, no governo, no parlamento, nos quartéis, nos tribunais, na própria sociedade civil, pode envolver entidades sobrenaturais, convocar adivinhos, lançar feitiços…

E a Justiça? A Guiné dispõe de um sistema judicial sem meios humanos e materiais para cumprir a sua missão. A luta pelo poder também passa por aqui, quando o presidente não gosta das decisões dos tribunais exonera seja quem for. Basta ler os relatórios da Liga Guineense dos Direitos Humanos um número indiscritível de violações e desrespeitos.

Álvaro Nóbrega passa ao crivo a sociedade civil, as organizações não-governamentais, a liberdade de expressão, radiografa a comunicação social guineense que é materialmente pobre e como se processa a africanização do voto, realçando questões como o voto coletivo ou solidário, a compra dos votos, a intermediação etno-regional, a votação etno-religiosa e o fator relioso propriamente dito.

Nas conclusões, o investigador sumaria todas as problemáticas abordadas na sua análise:


  • baixo grau de comprometimento das elites políticas com a democracia; 
  • um Estado com falta de soberania; 
  • a etnicidade encarada como um dos maiores calcanhares de Aquiles da democratização guineense; 
  • a falta de autenticidade do poder e a sua personalização; 
  • a intervenção abusiva dos militares na política; 
  • a visão patrimonial do poder que não distingue os bens e capitais públicos dos privados e amplia consideravelmente o fenómeno da corrupção;
  • a luta pelo poder em todos os patamares institucionais e cívicos; 
  • a excessiva fragmentação partidária; 
  • os problemas das elites;
  • um sistema judicial enfermo e inerte; 
  • uma opinião pública que não é desinteressada da política nacional mas que espelha toda a heterogeneidade e a complexidade da sociedade guineense.


Tudo conjugado, o regime guineense é um misto de hegemonia e democracia e o autor atribui ao seu estudo o papel de contribuir para um melhor conhecimento do que emperra a democracia guineense e apela à necessidade de se continuar a estudar e a compreender as expressões políticas modernas que coexistem com as manifestações e estruturas das antigas instituições, é imprescindível compreender essa articulação e o seu impacto no Estado moderno. Para que a Guiné-Bissau progrida.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21202: Notas de leitura (1295): “Guiné-Bissau: Um caso de democratização difícil (1998-2008)”, por Álvaro Nóbrega; Coleção Estudos Políticos e Sociais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21218: Efemérides (332): Foi há 51 anos a emboscada noturna de Sinchã Lali, no subsetor de Piche, a um grupo IN que fora roubar a população... Participação, entre outros, do 3º Gr Comb da CART 11, "Os Lacraus", com os fur mil Abílio Duarte e Cândido Cunha (mais a sua cadela 'Judy'), o Pel Caç Nat 65, e uma secção da CART 2440 (Valdemar Queiroz)


Guiné > Região de Gabu > Piche > CART 11 > Agosto de 1969 >  O regresso das NT...  O fur mil Cândido Cunha, do 3º Gr Comb, é o primeiro do lado esquerdo. Ao fundo, os "djubis", os putos, da povoação, aclamando as tropas vitoriosas...

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu > Mapa de Piche (1957) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Piche e das tabancas de Copiró e Sinchã Lali, bem como dos rios Perade e Caium, este delimitando a fronteira.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem mais de 110 referências no nosso blogue]

Date: domingo, 2/08/2020 à(s) 17:52
Subject: Emboscada feita pelas NT

Faz 51 anos este mês, que o 3º. Pelotão da CART 11, "Os Lacraus",  fez parte de uma emboscada ao IN, perto de Sinchã Lali,  na zona de Piche.(*)

Julgo serem muito raras as emboscadas feitas ao IN pelas NT e muito mais raras seriam as feitas de noite. Nunca se saía do Quartel para o mato durante a noite.

A nossa CART 11 estava em intervenção em toda a zona Leste e 3º. Pelotão dos ex-fur mil Cândido Cunha (**) e Abílio Duarte foi o escalado para esta acção de combate.

As NT, comandadas pelo Capitão Paquim, saiu do Quartel de Piche já de noite, tendo o grupo do IN entrado na zona de morte da emboscada  perto da meia-noite.

O Cunha contou um pormenor da nossa cadela Judy, que o acompanhou desde a viagem no Timor até ao fim da comissão, sem ninguém se aperceber também seguiu com eles e teria rosnado  quando a frente do grupo IN entrou na zona de morte precipitando/iniciando assim o nosso ataque.

O outro nosso ex-fur mil Abílio Duarte que também fez parte da emboscada,  foi atingido várias vezes na cara, sem gravidade, pelos cartuchos em brasa vindos das nossas armas. O Cunha e o Duarte poderão explicar tudo muito melhor, por terem tido parte activa nesta acção de combate.

Esta emboscada  ficou por nós baptizada com o pomposo 'A Batalha de Sinchã Lali'.

Anexo o texto, da nossa "História da Unidade", sobre a emboscada e uma fotografia do regresso da NT pela manhã a Piche em que aparece o Cunha (1º. no lado esq.).

A fotografia é uma das grandes fotografias do nosso blogue. O regresso dos nossos soldados e alegria habitual dos 'djubis'  a recebê-los, que merece ser comentado.

 Valdemar Queiroz
2. CART 11 > História da Unidade > Agosto de 1969 > A emboscada de Sinchã Lali

O 3º. Gr Comb [da CART 11], com o Pelotão de Caçadores Nativos 65 e uma secção da CART 2440, comandados pelo Snr Capitão Paquim da Costa, comandante da CART 2440, toma parte na montagem duma emboscada na região do Rio Perade (Piche), a fim de interceptar na retirada um grupo IN não estimado, que tinha sido referenciado por alguns elementos da população em Sinchã Lali, as quais informaram o Comando do Batalhão.

Aproximadamente às 24h00, parte do grupo IN entrou na zona de morte. Iniciado o fogo das nossas NT, o IN ripostou utilizando armas ligeiras, morteiros, lança-roquetes e metralhadora pesada, acabando por dispersar precipitadamente, deixando um morto no terreno e sinais de arrastamento de oito corpos com grande quantidade  de sangue. 

Abandonou o produto do roubo (vacas, galinhas, artigos de vestuário e domésticos, géneros alimentícios, etc.) efectuado em Sinchã Lali e Copiró.


As NT permaneceram emboscadas até ao amanhecer, executando então uma batida à região e recolhendo material diverso e documentos, tendo  regressado ao Aquartelamento às 08h30 sem registar qualquer baixa. O material apreendido foi uma espingarda Simonov 10 granadas de RPG  e várias munições de Kalashnikov.

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Notas do editor:


Sobre o Cândido Cunha [, o nº 3, nesta foto de grupo, em Silvalde, Espinho, em fevereiro de 1969], que ainda não é membro (registado) da Tabanca Grande, escreveu o Valdemar Queiroz o seguinte (em comentários a um poste de de 1 de julho de 2019);

(...) Ainda estou à espera de um relato dele sobre a Judy, a cadela setter que foi connosco para a Guiné e que ele cuidava amorosamente, principalmente o relato do que se passou na viagem no Timor e numa emboscada feita numa noite da zona de Piche em que a cadela também foi com a nossa tropa.

Já tenho alinhavado a "A 'Judy' também foi prá guerra" mas faltam estes importantes relatos.

Quanto ao resto o Cunha é uma pessoa extraordinária. Eu costumo dizer que ele teve comportamentos surrealistas/naïfs que não lembrou aos verdadeiros autores desses movimentos artísticos. (...)


(...) O  Cunha é meu 'irmão siamês' na tropa. Entramos os dois na parte da tarde do mesmo dia em Santarém, na  EPC, depois fomos para Vendas Novas, EPA, tirar a especialidade, depois fomos colocados na Figueira da Foz (RAP3) mas ele ficou na EPA a dar instrução, depois fomos para Silvalde, Espinho, e por fim para a Guiné. Sempre Juntos.

O Cunha era músico e tocava nas boîtes noturnas, durante vários anos perdi o contacto ele, há anos que nos juntamos nos Convívios anuais e sei que é já há muitos anos afinador de pianos, profissão que ainda desempenha.

Por várias vezes tenho lhe pedido para ele escrever para o nosso Blogue, mas ele não gosta de exibições. Ainda estou à espera. (...)

(...) Coronel Miliciano Lukas Titio, assim é que era. Temos que concordar que era uma alcumha surrealista. 'Cor Mil' [, coronel miliciano,]nnão lembra ao diabo. 

Uma das máximas do Cunha e bem surrealista passou-se na EPA - Vendas Novas, quando ele lá ficou a dar Instrução depois de acabar a Especialidade.

Foi numa reunião da Bateria de Instrução com todos Aspirantes, Furriéis e Cabos Milicianos que tratavam sobre as tarefas do dia, que o Cunha mandou um VRRRRRRR!!!!,  assustando os presentes. 'Mas o que se passa,  Cunha?',  perguntou um dos Aspirantes. 'Como estou a desenhar este novo modelo Lukas Titio, experimentei os motores', respondeu o Cunha, apontando para os desenhos de carros que estava a fazer enquanto decorria a reunião. (...)

(...) Mas com todo o seu [ar] surrealista não deixou de ser um grande exigente nas várias acções de combate na Guiné, incluindo ter feito parte da célebre emboscada de Sinchã Lali feita ao IN na região de Piche. (...)

domingo, 2 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21217: Blogpoesia (688): "O lavrista", "Escadas sombrias" e "Plangente e lacrimoso", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana:


O lavrista

Tomou uma pedra. Rude.
Um seixo disforme.
Poisou-a no chão.
Afez-se a ela.
Maço e guilho afiado.
Definiu-lhe a cabeça do tronco.
Delineou-lhe um rosto oval.
Riscou-lhe o nariz.
Um nada adunco.
Traçou-lhe o sobrolho.
Desenhou-lhe a boca.
Adoçada nos lábios.
Abriu-lhe os olhos.
Como fez a Cleópatra.
Espalhou-lhe cabelos na nuca.
A correrem para a testa.
Indeciso, arriscou-lhe a barba. Hirsuta.
Lavrou-lhe as orelhas. Quase escondidas.
Alisou-lhe as faces. Macias. Sem cor.
Adornou-lhe o tronco.
Braços caídos, entre o peito e o ventre.
Vestiu-o dum manto escorrendo-lhe as pregas.
Inebriado. Fitou-o nos olhos.
Soprou-lhe a alma.
Regou-o de vida.
Exclamou a chorar:
- De ora em diante, serás meu irmão!…

Ouvindo Borodin
Berlim, 30 de Julho de 2020
19h28m
Jlmg

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Escadas sombrias

Sobem esconsas as ruelas, sombrias
Que vão do Mondego ao Penedo da Saudade.
Casas brancas, portas estreitas e ombreiras.
Capas pretas. Luarentas.
Desgarradas para as janelas.
Lá no cimo. As estudantes recatadas.
Expectantes.
Amorosas. Saudosas.
Seus amores, em segredo.
Garraiadas. Estrepitosas.
Bem regadas.
Pelas calçadas, sombrias, luarentas.
É Coimbra apaixonada do Mondego.
Do Choupal e da Lapa
A fervilhar. Hospitaleira e orgulhosa.
Pensamento. Sabedoria de primeira, em escola livre e arejada.
Alfobre perene, em combustão...

Berlim, 27 de Julho de 2020
9h49m
Jlmg

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Plangente e lacrimoso

Plangente e lacrimoso o piano chora.
Se desfaz em lágrimas.
Toca triste a melodia.
Veementes rangem suas teclas.
São de dor suas pancadas.
Rio largo, impetuoso, corre em fúria para o mar.
Clama por clemência e esperança.
A humanidade sofre atroz este sinal de ira.
Seus passos se extraviaram da rota da justiça e da fraternidade.
A terra se cobriu de sangue inocente.
Pela voragem insaciável dos poderosos.
Mas, foram, exemplarmente destronados e humilhados.
Jazem no chão incapazes de se eximirem à força desta vaga inclemente que os depôs.

Ouvindo Schubert
Berlim, 26 de Julho de 2020
7h34m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21200: Blogpoesia (687): "O sabor da sabedoria", "Quem haveria de dizer..." e "Desinfestar os males", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728