domingo, 9 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21239: (Ex)citações (366): Álcool e canábis na guerra colonial: o conteúdo e o "timing" do artigo da jornalista do "Público" não são "inocentes" quando desde o início do ano se fala do "estatuto do (antigo) combatente" (José Martins)


Mensagem do José Martins, nosso colaborador permanente, ex.fur mil trms, CCAÇ 5, Gatos Pretos (Canjadude, 1968/70), ex-técnico oficial de contas, reformado, residente em Odivelas, com mais de 410 referências no nosso blogue [, foto acima]:

Data - 08/08/2020, 23:50
Assunto - Artigo do Público sobe álcool e drogas na guerra colonial (*)



Boa noite.

Segue abaixo o texto do meu comentário que, por duas vezes tentei colocar no post, que entretanto foram retirados.

Abração, Zé Martins


O comentário que ia tecer, não era para este post. Era para o que foi substituído por este. Este está mais elaborado, e coloca a questão de outra forma. O anterior estava simples, directo e objectivo.

Porém, o que pretendia/pretendo dizer é que não deve ter sido por acaso que, Patrícia Carvalho, jornalista do Público, apresente uma entrevista sobre Cannabis  e Álcool (*), que foi tema de tese de doutoramento e publicada em livro em Junho do corrente ano, quando desde o inicio do ano parlamentar, se tem falado “vigorosamente” o Estatuto do (Antigo) Combatente". Coloquei propositadamente “antigo” entre aspas, porque não concordo com essa palavra no título do estatuto.

De tempos a tempos, vem “à baila” a questão dos militares que estiveram envolvidos na Guerra do Ultramar  – Guerra Colomial  – Guerra de Libertação, pois assim dá para todos os “gostos”.

Os militares que estiveram na guerra, não estiveram lá por gosto. Foram para lá porque, a constituição que vigorava no país assim o determinava. 

Não foram só os nascidos a partir de 1940, cujo número de matrícula militar correspondia ao sufixo “61” que foram para África.

Pode-se observar que, na longa lista dos “Tombados em Campanha”, muitos dos número terminam em 60, 59 ou mesmo de antes. Isto quer dizer que o contingente que era normal incorporar por 18 meses, era pequeno para a necessidade do contingente a mobilizar e enviar para África. O exército teve de ir buscar “a casa” os militares que já tinham passado à disponibilidade.

Foram os “militares colonialistas” que deram tempo ao governo de então, para encontrar uma solução política e, como tal não aconteceu, foram os militares que avançaram com o 25 de Abril, sob o comando e orientação de capitães e outras patentes, com três ou mais comissões cumpridas.

Depois dos últimos militares terem deixado África, faz quase 50 anos, outros já regressaram há 50 anos e, os que foram primeiro, há quase 60 anos, é que vêm, mais uma vez levantar questões que nunca foram assinaladas porque, mesmo que as houvesse, eram irrelevantes. 

Por outro lado, entre os militares há Espírito de Corpo. Mesmo que não fossem versados na matéria, haveria sinais que não passariam despercebidos aos seus camaradas que, por uma questão de princípio, se não soubessem resolver essa questão, a colocariam a quem os pudesse orientar.

Concluindo:

A senhora jornalista escolheu muito mal o tema, mesmo que no mês de lançamento do livro que o autor. O jornal também lançou a “produto” na primeira página do jornal e no cabeçalho;

Do novo Doutor,  para se entender tudo, basta ler o início:

«Nunca tive qualquer fascínio por guerras, lutas ou soldados. Nem mesmo na infância, quando via outras crianças brincarem aos exércitos e às batalhas, com armas imaginárias ou de plástico. Eu não. Mais tarde, na adolescência, passei por uma fase ferozmente antimilitarista.» 

E por aqui me fico.

Sempre estive, e estarei, de CONSCIÊNCIA TRANQUILA. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de agosto de 2020 > Guiné 51/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)

Guiné 61/74 - P21238: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (73): Canábis - Parte I: Modo de usar




 .

1. Já tanto aquu falámos, nos últimos dias, da "cannabis" , e afinal de contas parece que vamos morrer virgens sem ter consumido a "dita cuja" (nem hoje nem ontem, no TO da Guiné), que é bom saber algo mais sobre esta "substância psicoativa"... 

A Guiné era uma terra atrasada onde chegavam tarde, e a más horas,  as "novidades" da civilização... Em Angola e Moçambique, ou pelo menos em Luanda e Lourenço Marques, parece que alguma rapaziada nossa (?)  terá tido contacto com a liamba ou a maconha (em Angola) ou a soruma (Moçambique)... Na Guiné mascava-se cola, mas a coisa mão pegou...entre o "Zé Tuga".

Não se vá dar o caso de alguém, inadvertidamente,   a querer experimentar,  para "não morrer estúpido", deixamos aqui uma informação sobre a canábis, considerada a mais popular de todas as "drogas ilegais": sim, porque há muitas drogas legais: álcool, tabaco, xantias (cacau, café, chá), psicofármacos... 

É importante saber que, para além da infração à lei (e eu conheço gente que está atrás das grades por cultivar no quintal e consumir canábis....), a "sustância" tem efeitos "psicoativos", a curto, médio e longo prazo.  Dizer que a "liamba" é(era) inofensiva pode ser perigoso, para quem nos lê,,, E o nosso blogue tem um forte sentido de responsabilidade social.

Lí há dias nos jornais, e é importante partilhar esta imformação com os nossos leitores: 

"Cannabis provocou mais de 3200 internamentos hospitalares em 16 anos... Os números de internamentos por episódios psicóticos associados ao abuso ou dependência de cannabis aumentam a cada ano, num período em que a toxicidade da substância quintuplicou. Se uso recreativo da cannabis for aprovado, alerta investigador, há que activar os mecanismos de detecção precoce dos problemas."  (Pùblico, 1 de julho de 2020).

Hoje fala-se muito dos "benefícios" desta planta, Cannabis Sativa,  para a saúde, e inclusive há um crescente interesse médico, farmacológico, social  e, seguramente,  económico por esta  "droga" (, de resto, todos os medicamentos são "drogas". com benefícios e malefícios para a saúde humana). A sua cultura, para efeitos medicinais, já foi inclusive autorizada no nosso país...

Os "cotas" e "virgens", como nós, ex-combatentes da Guiné, desconhecem em geral as formas do consumo (ou administração) da canábis. Basicamentem, há duas  formas de consumo: "erva" (flor e folha) e "haxixe" (resina e óleo). Coisa que, eu, confesso, desconhecia: para mim, era só "erva"...

È bom saber isto, e mais alguma coisa sobre esta "substância", bem como os seus efeitos, até para podermos saber  falar com os nossos netos,  e ajudá-los a evitar que, por ignorância, se deixem facilmente "enrolar" na escola, no círculo de amigos, no Erasmus...Mas há outras "merdas", aparentemente inocentes, que os nossos miúdos, fora de casa, em grupo, querem experimentar, como os "cogumelos mágicos": ora, há dezenas deles, com   efeitos alucinogénios ou psicadélicos.. E infelizmente há quem apanhe um surto psicótico e vá parar dois meses ao hospital psiquiátrico, no melhor dos cenários... Porque há também suicídos e tentativas de suicídio...

2. Ainda anteontem estive com um ex-camarada da FAP, o T..., hoje com 67 anos, que foi 1º cabo especialista mecânico em Angola, chegou lá em março de 1974 e voltou a casa na véspera da independência, em novembro de 1975

E já agora: esteve com o Savimbi, duas ou três vezes, em deslocações pelo território, fazia parte de um protocolo das NT o "transporte aéreo" dos líderes dos três movimentos nacionalistas, MPLA, UNITA e FNLA...Ainda chegou a ter um convite para lá ficar na Força Aérea angolana, mas apercebeu-se, felizmente a tempo,  da incerteza gerada pelo espetro da guerra civil...

E, a propósito do tema da liamba ou maconha, que eu introduzi, à mesa onde estávamos, eu, ele e mais outro camarada da Guiné, disse-me que participara, certo dia, numa sessão de chá de maconha no aeródromo de Santa Eulália... Foi convidado para beber, ao fim da tarde, um chazinho, com bolachas, com outros camaradas da FAP... Tudo na boa, não desgostou do efeito da susbtância mas percebeu que não devia repetir, com as resonsabilidades que tinha... Aos 20 anos, está-se aberto a "experiências novas", nomeadamente em contexto grupal e de guerra.

Neste caso não era "charro", mas "chá", com base nas folhas da canábis (em Angola, liamba ou maconha). Estamos a falar já depois do 25 de Abril. Era então já um certo "hábito social", mas ele não pôde garantir que o "chá de maconha" estivesse generalizado entre os militares da FAP (e muito menos do exército e da marinha, com quem pouco ou nada convivia).

3. Este folheto, acima reprozido,  é já antigo, foi elaborado pelo IDT - Instituto da Droga e da Toxicodependência, que mais tarde (em 2012) deu origem ao SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependência

Mas o SICAD tem, na sua págian oficial, mais  informação, actializada e bastante didática, sobre as substâncias psicoativas (leia-se: "drogas), de que reproduzimos, com a devida vénia, e algums adaptações livres, os seguintes excertos

SICAD > Cidadão > Substâncias psicoativas > Derivados da Cannabis:

A história das drogas é a nossa história, enquanto seres humanos, do nascer ao morrer... Os especialistas tendem a classificá-las da seguinte maneira: (i) estimulantes; (ii) perturbadoras; e (ii) sedativas. Os derivados da canábis são sobretudo estimulantes. São o grupo de substâncias de maior popularidade e que têm suscitado maior debate social, havendo crescente pressão para a sua "legalização".

Falemos então dos "derivados da Cannbis", ou seja , a tal planta denominada Cannabis Sativa, que praticamente pode ser ser cultivada em quase todo o mundo, tanto em climas quentes como temperadas, e até secos, desde que haja um bocado bom de água.

A Europa, e em particular a Espanha, foram grandes produtoras na primeira metade do passado século. Hoje, os principais produtores mundiais são os Estados Unidos. Pela ação do homem, espalhou-se por todo o planeta mas sempre dentro de um determinado contexto cultural. Por exemplo, em África, espalhou.se ao longo de todo o séc. XIX, e e em especial , na época do colonialismo, em função da aceitação ou rejeição por parte dos diferentes povos ou grupos etnicos. Por exemplo, tem mais aceitção em Angola ("liamba", maconha"), do que na Guiné (onde não se cultivava no nosso tempo).

Ao que se sabe, foram as campanhas napoelónicas no Egito, nos finais do séc. XVIII,  que reintroduziram a canábis nos círculos intelectuais da Europa.

Passando por cima da Geografia e da História, diremos que há três formas de consumo da Cannabis Sativa:

(i) "Marijuana" ou "Erva” (preparada a partir das folhas secas, flores e pequenos troncos da planta);

(ii) "Haxixe"  (repara-se prensando a resina da planta fêmea e se transforma numa barra de cor castanha, com o nome coloquial de "Chamom". O seu conteúdo em THC (a  susbtância psicoativa) (até 20%) é superior ao da Marijuana (de 5% a 10%), pelo que a sua toxicidade é potencialmente maior.

(iii) "Óleo de Cannabis" ou "Óleo de Haxixe" (líquido concentrado que se obtém misturando a resina com um dissolvente, como a acetona, o álcool ou a gasolina; este evapora-se em grande medida e dá lugar a uma mistura viscosa, cujas quantidades em THC são muito elevadas, podendo ir até aos 85%).

O THC (Delta 9 tetrahidrocannabinol, o  alcaloide responsável por quase todos os efeitos característicos desta substância) não se dissolve na água, pelo que as únicas formas de consumo para os seres humanos são a ingestão e a inalação. Normalmente fuma-se misturada com tabaco em forma de cigarros feitos à mão. O fumo da Cannabis alcança altas temperaturas, pelo que os seus utilizadores colocam no cigarro grandes filtros. 

Outra forma de fumar a canábis é em cachimbos feitos especialmente para esse fim. Todavia, em certas culturas de África ou do Caribe, persiste a velha prática de beber tisanas feitas com esta planta e água. Embora de sabor amargo, é utilizada como ingrediente em doçaria e rebuçados.

(Continua)
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21237: Parabéns a você (1846): Anselmo Reis Garvoa, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21232: Parabéns a você (1845): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado CAR da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)

sábado, 8 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21236: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (17): Laurindo Arriaga, o retornado (Parte I)

As Quedas do Duque de Bragança são quedas de água situadas na província de Malange. Estão localizadas no rio Lucala, o mais importante afluente do Rio Kuanza. Fica a 80 km da cidade de Malanje, capital da província e a 420 km de Luanda, a capital do país. Com uma extensão de 410 metros e uma altura de 105, são as segundas maiores de África.[1][2] 
Desde 1975 tomaram o nome de Quedas de Calandula


1. Em mensagem do dia 4 de Agostoo de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, desta vez dedicada ao "retornado" Laurindo Arriaga.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 16

LAURINDO ARRIAGA, O RETORNADO

PARTE I

Nasceu em 1927, junto à povoação ribeirinha de Arnelas, com o nome de Laurindo Ferreira Pedrosa, mas logo ficou conhecido coma alcunha de Arriaga, herdada do pai, Manuel Ferreira Carvalho. O Manel Arriaga era casado com a Maria de Oliveira, ambos agricultores na Quinta do Casalinho. Mudaram-se para a Quinta de Rio do Lobo, onde permaneceram.
O pai Manel apanhou a alcunha de Arriaga ainda era adolescente. Entusiasmado com a efervescente e anormal movimentação política de então, chamava a atenção a sua forte simpatia pelo primeiro Presidente da República Portuguesa, Dr. Manuel de Arriaga, que tanto admirava.

Esse Grande Presidente, nascido no Faial, manifestou-se na oratória, nas letras e na política, mas afirmou-se pelo seu comportamento humano e como republicano e democrata. Filho de gente rica, fidalga, burguesa e monárquica, teve de trabalhar para continuar a estudar em Coimbra, quando lhe foi retirado o apoio por se manifestar activamente na luta política a favor da república e da democracia.

“Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue (Horta, Matriz, 8 de julho de 1840 — Lisboa, 5 de março de 1917) foi um advogado, professor, escritor e político de origem açoriana. Grande orador e membro destacado da geração doutrinária do republicanismo português, foi dirigente e um dos principais ideólogos do Partido Republicano Português. A 24 de agosto de 1911 tornou-se no primeiro presidente eleito da República Portuguesa, sucedendo na chefia do Estado ao Governo Provisório presidido por Teófilo Braga. Exerceu aquelas funções até 29 de maio de 1915 e é recordado em centenas de nomes de ruas e praças.” (Fonte: Wikipédia)

Manuel Carvalho e Maria Oliveira ”faziam” as terras da Quinta do Rio de Lobo, em Olival. Naqueles tempos era muito difícil sobreviver à luta pelo sustento familiar e, ao mesmo tempo, pagar as rendas ao senhorio. Por mais que se esforçassem, a Quinta não produzia rendimento para tanto encargo.
O Laurindo não queria aceitar tanto esforço familiar, não compensado. Gostaria de ir para a escola primária, mas a ajuda do seu trabalho na lavoura tornara-se imprescindível.

Por volta dos anos 40, ali perto de Olival, fervilhava de crescimento industrial a pequena freguesia de Crestuma, muito favorecida pelo Rio Douro como importante via fluvial e pelo aproveitamento da energia hidráulica produzida pelas quedas do Rio Uíma, ali perto da sua foz no Douro. Nessa altura, destacavam-se as indústrias têxtil, metalúrgica e do papel.



A Companhia de Fiação de Crestuma continuava a sua expansão e já muito longe das suas origens (1754). Tornara-se num pequeno império. Dava trabalho a largas centenas de pessoas ligadas e aí se especializavam e faziam carreira na indústria têxtil. Na sua origem dedicara-se ao fabrico de arcos de ferro para os pipos e, noutra fase, funcionou como fundição.
Também dava ocupação a lavradores, no aproveitamento dos vastos terrenos aráveis, adjacentes. Outra actividade permanente que ocupava muita gente era a do alargamento de instalações fabris (e sociais) e na construção de muros de suporte das terras e na vedação de quase toda a Quinta.

O Laurindo convenceu o pai que poderia auxiliar mais a família indo para lá como ajudante dos pedreiros do Silva de Lever. E ficou lá alguns anos. Tal como o pai, foi muito gozado devido ao uso do apelido Arriaga. Se, por um lado, sentia algum orgulho por ser portador do apelido tão honroso, por outro, lado notava o ridículo a que era exposto, dado o extremo contraste com a ilustre personalidade.
De vez em quando lá ouvia ele:
- Ó Arriaga, vê se vais a Lisboa prender os teus amigos, aqueles filhos da puta que nos governam.

Ele era muito interessado em tudo que o rodeava. Falava pouco, mas teimava nas suas opiniões. Por ser analfabeto, perdia quase toda a credibilidade, até que um dia, num contacto mais alargado com um senhor que andava a apontar a obra e a colher as horas de trabalho, falaram na possibilidade de ele o ensinar a ler e a escrever minimamente.
E foi através de galos, galinhas, ovos e coelhos, que ia subtraindo lá em casa, que iniciou a sua aprendizagem escolar. Ávido de conhecimento, logo que juntou as letras, devorava tudo que pudesse ler. Então, nem parecia o mesmo. Até de poesia falava.

Quando regressava a Olival, tinha que passar por Fioso, no alto de Crestuma. Ali, no lugar dos Aidos havia uma família numerosa, conhecida por Os do Estrada. O Serrador Jaquim do Estrada era casado com a Deolinda, a “Mãe Linda”.Também eram conhecidos pela sua boa disposição e pelo gosto de cantar.
Por vezes, nesses regressos do trabalho pelo Regato de Soutelo e Vale da Cana, coincidia serem feitos ao mesmo tempo que uma das filhas do Joaquim do Estrada, que vinha da fábrica do papel do Tavares da Fontinha. Era a jovem Barbara Francisca Gonçalves (1925) que, apesar de introvertida, evidenciava muita beleza e simpatia.

E um dia, quando ela cantarolava, em jeito de marcha, “Ó Crestuma tecedeira”, o Laurindo acrescentou, na sua voz grossa: “Das fitas que nos enlaçam”. Olharam-se e continuaram em coro: “Dos apitos a vibrar dos operários que passam…” Era uma marcha musical muito em voga naquela fase das consoadas, em favor da construção da igreja nova de Crestuma. A letra era do famoso poeta local Eugénio Paiva Freixo (1919) e a música do compositor António Ferreira Alves (1915).

Casaram pouco tempo depois. Ficaram a viver lá na casa dos do Estrada. Amavam-se intensamente e tiveram logo o filho Manel. Poucos anos depois, nasceu o Toninho.
A vida estava difícil e o Laurindo queria melhor e o seu tempo parecia que lhe estava a fugir. Ouvia falar muito das boas oportunidades em Angola e viu esse escape como a melhor solução para o salto que ansiava para a sua vida.
Foi pedir uma declaração profissional ao Delegado do Sindicato, mas, com grande surpresa, este não o atendeu. O nome Arriaga não o abonava junto dos lacaios do Estado Novo.

Chegado a Luanda, sem habilitação profissional, conseguiu trabalhar de ajudante de motorista. Já com alguma prática, conseguiu tirar a carta de pesado profissional. E foi trabalhar como motorista, para as estradas do Huíla.

Curvas da Serra da Leba 

Como não era essa a vida que desejava viver com a família por perto, aproveitou uma proposta para trabalhar numa fazenda agrícola, a Fazenda Dona Amélia, junto ao Pungo Andongo, perto de Cacuso.


Em pouco tempo, o Laurindo mostrou gratas qualidades e foi nomeado encarregado nessa Fazenda. Com a vida estabilizada, veio a Crestuma buscar a mulher e os dois filhos.


Viveu, então, alguns anos felizes. E foi ali que lhe nasceu o filho mais novo (27.09.1961). A cerca de 80 Km de Malange, onde a Bárbara esperava vir a ter a assistência médica desejável no parto, teve que se limitar à ajuda momentânea e inesperada da Mãe Nêga, uma velhinha muito experimentada na matéria. Mas a Bárbara, sempre serena, confiante e resistente, mostrou bem o calibre da sua raça.

Gratos às forças divinas, festejaram o baptismo do Zézito, precisamente no cume mais sagrado das Pedras Negras do Pungo Andondo, junto à Fonte dos Passarinhos, depois da cerimónia religiosa na capelinha.


Entretanto, convidaram o Laurindo para a grande Fazenda Cahombo, do grande empresário Manuel Vinhas, o dono da cerveja Cuca.

O Laurindo como anfitrião de um grupo de Furriéis que vieram ali caçar. 

Estava no melhor das suas capacidades e gozando a estabilidade que sempre ansiou. Mandou “chamar” os cunhados Manuel, Joaquim e António (Neca, Quim e Tono).
O Neca, que era fundidor, ficou em Luanda e o Tono (carpinteiro) e o Quim (enfardador) foram se juntar ao Laurindo.



Faltava-lhe ainda concretizar um sonho: criar uma fazenda. E como conhecia bem a zona, chamou para sócios os dois cunhados, que ali viveram nessa fazenda. Deu-lhe o nome de Fazenda S. José, em homenagem ao filho mais novo, o 100% angolano. Tinha a água do Rio Céu e espaço arável mais que suficiente para o cultivo de girassol e de algodão. Caça também não faltava.
No seu início, o Laurindo construiu a casa com adobes de barro negro, feitos pelas suas próprias mãos e cobriu o telhado com chapas de zinco. Ainda sem casa, a família cozinhava à sombra de uma enorme figueira brava e dormia na carrinha Austin.

Esta carrinha viria a ser apelidada de “Carrelha dos Mausmosteiros”, em homenagem aos carros de bois que circulavam na rua da “Mãe Linda”, a matriarca da família dos “Do Estrada”. Já fora das picadas, a carrinha funcionou muito bem como galinheiro. 

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21115: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (16): A DGS boa ou má e outras siglas, ou Lembrando a resistência dos meus conterrâneos

Guiné 61/74 - P21235: Os nossos seres, saberes e lazeres (405): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Março de 2020:

Queridos amigos,
Com exceção do período das férias, todas as semanas durante os últimos catorze anos acompanhei um querido amigo nonagenário que perdera a visão, mas recrudescera em curiosidade pelos livros e pelas Artes Plásticas. Correspondi sempre aos livros que queria ler, fundamentalmente tudo aquilo que aparecia no mercado e que lhe merecia o entusiasmo imediato: os trabalhos sobre as direitas portuguesas, o surrealismo literário e plástico português, as polémicas sobre o Cristóvão Colombo português, os novos estudos sobre Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco, e muitíssimo mais. Mas Ponte de Lima e também Viana do Castelo, onde estudou, lhe suscitava imensa curiosidade. Daí a correnteza de jornais que lhe lia todas as semanas, com destaque para A Aurora do Lima e Cardeal Saraiva, mas não faltavam as publicações periódicas limianas.
Isto para significar que fui a Ponte de Lima todas as semanas sem nunca lhe ter posto os olhos em cima. Este meu querido amigo partiu, para meu profundíssimo desgosto, e fui-lhe dar esta satisfação, mais não lhe posso fazer como forma de agradecimento do muito que lhe fico a dever.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (1)

Mário Beja Santos

Durante cerca de catorze anos, uma, duas ou até três vezes por semana, fiz leituras a um grande amigo que tinha perdido a visão, o limiano Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo, morreu nonagenário em janeiro de 2020. Lia-lhe o que ele me pedia, logo dois jornais, o Aurora do Lima e o Cardeal Saraiva, mantinha-se permanentemente informado sobre o que se passava na terra-berço, e logo que se noticiava uma publicação havia que a encomendar. Chegavam revistas como a Limiana e o Anunciador das Feiras Novas, eram outros meios de convívio em que eu me via envolvido. Mal surgia um título sobre o poeta António Feijó, por exemplo, era indispensável adquiri-lo depressa e lê-lo quase de um só fôlego. Isto para dizer que Ponte de Lima, a mais antiga vila de Portugal, tem andado comigo sem eu nunca, até agora, lá ter posto os pés. E jurei a mim próprio, quando o meu querido amigo partiu para as estrelinhas, que iria até este Alto Minho que conheço aos farrapos, iria lembrá-lo em sede própria, era este o último penhor de amizade que queria cumprir. E em 6 de março parti, era algo como uma romagem de saudade, de confirmação, de paraninfo. E um deslumbramento aconteceu nesse universo que incidentalmente conheci na juventude através de um grande poeta que se estudava em literatura portuguesa, no então sexto ano do liceu, Diogo Bernardes, nascido talvez na Ponte da Barca ou em Ponte de Lima, mas que cantou essas terras vicejantes, verdejantes. Aqui estou num alojamento local, sito na Rua do Souto, impossível não captar esta rua algo medieval, na continuidade, tudo aqui aparenta respeito pelo património. Desço e vou até à igreja primaz, tem a escultura do Cardeal Saraiva (que foi cardeal patriarca) ali ao pé. Ao fundo, avisto o Lima, esse formidável Lima, que li ao meu querido amigo cego, milhentas vezes.


O portal, belíssimo, é tardo-gótico, com grande equilíbrio e sobriedade, o templo foi alvo de imensas alterações, a rosácea que se sobrepõe é relativamente recente, mas de modo algum desfeia a singeleza da fachada, pelo contrário.


Entra-se no templo e uma litografia logo prende a atenção, faz parte de um tempo em que eu já vivi, com anjos da guarda a proteger criancinhas, havia imagens da Imaculada Conceição e muito mais. Empolga-me a fé dos homens, a sua capacidade de moldar graças às Artes Plásticas figuras que nos possam fazer entender um quadro de mentalidade e de valores, este São José parece tirado da imagem de um cavalheiro do princípio do século XX, não interessa esta conjetura, é a imagem cativante que fica, pronta para a exultação da Sagrada Família.


Sei que aqui voltarei outras vezes, o que importa é que avanço pela nave central até à cabeça do templo e não resisto a fixar o contraste das luzes entre as paredes laterais e o abobadado, é tudo lavra severas só quebrada pelas riquezas do altar.


Logo à saída do templo, temos a atração pela esplendorosa esplanada que vai beijar o rio Lima, é inevitável olhar à direita para o seu ex-líbris, uma ponte medieval que entronca numa ponte romana, do lado de Arcozelo. Mas fica-se especado a ver os restos dos panos de muralha que se adossam a edifícios, não é chocante. A imagem permite ver ao fundo do lado esquerdo a Igreja da Misericórdia, uma congregação que tem grande peso na vila mais antiga de Portugal.


Ouve-se ao fundo um rumor de música, tipicamente minhota, não há que enganar, e o grupo avança, é dia fasto para apresentar a concertina, as violas e o reco-reco, os sons troam no casco histórico de Ponte de Lima, e que beleza.


A vila está em animação, já se fala do Covid-19, mas o estado de despreocupação sobrepõe-se. Verifico que são escassos os panos de muralha que restam, estão bem cuidados, bem embebidos pelos edifícios e dá gosto entrar no casco histórico por esta porta medieval.


Quantas vezes vi e li esta Avenida dos Plátanos ligada às feiras e mercados que aqui se realizam. É frondosa, apetece nela caminhar, fazer paragens para contemplar o Lima e a sua corrente vagarosa, a outra margem, de Arcozelo até ao infinito, e os montes ao longe, é ali que se abre caminho que leva à majestosa Serra d’Arga. Para ganhar os benefícios de todo este efeito cénico, caminho para lá e depois regressarei também contemplando o casario, os jardins, a beleza da fachada do Museu dos Terceiros.



Este o Lima que tanto cativa poetas, esta a nova ponte que alterou a política urbanística e garantiu a preservação da ponte romana e medieval que vemos ao fundo, o açude dá-lhe imensa beleza.


Vou parando aqui e acolá, o Lima, ao longo de tempos imemoriais encheu-se de veios de água, ilhotas de tufo, formas de uma flora aquática, multiplicação de verdes, sobreposições de arvoredo, constatarei depois, em certas horas do dia, a atração romântica que sugere, quando surgir aquela neblina que marca uma identidade da região. Por hoje chega. Vou documentar-me sobre a rota das camélias em Ponte de Lima, os monumentos de visita indispensável, dar umas passadas pelo chamado Caminho Português de Santiago em Ponte de Lima e preparar passeios a Ponte da Barca, Arcos de Valdevez e Viana do Castelo, veio comigo a obra Alto Minho, de Carlos Ferreira de Almeida, Editorial Presença, 1987, é o meu guia de viagem, tenho seis dias por minha conta, quero fruí-los por inteiro, tudo em memória desse querido amigo Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo.




(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21215: Os nossos seres, saberes e lazeres (404): Alfredo Keil, um bom pretexto para ver a pré-primavera no agreste Cabril (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21234: (Ex)citações (365): álcool & droga na guerra colonial: oportunismos mediáticos... agendados ou não (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)



1. Mensagem de José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia: 

Date: sexta, 7/08/2020 à(s) 00:04
Subject: Oportunismos mediáticos... agendados ou não. 

Com as malas feitas [para os States], aqui envio um curto "protagonismo" numa análise de um assunto cáustico (e sério ) de que não deveria ser descurado  por todos os que serviram na Guiné.

Este blogue tem sabido, balancear, navegar, abranger, as opiniões  dos seus leitores e participantes.  Felizmente.

Na sua história de já muitos anos surgem por vezes assuntos que, pela sua seriedade e importância acabam por unir mesmo alguns dos mais "desunidos".

As menos verdadeiras generalizações quanto ao uso de drogas por parte de militares aquando da guerra na Guiné são um bom exemplo de que, quando "toca a reunir", os antigos combatentes ainda sabem formar quadrado.

Tudo o resto fica esquecido quando os Camaradas da Guiné se unem em defesa da honra, dignidade e respeito, pelo esforço e sacrifício oferecido com a honestidade da nossa juventude.

As fileiras dos jovens portugueses que serviram em África, na sua quantidade numérica, na sua inclusão geográfica e social, e num espaço de tempo de 13 anos, acabaram por criar uma verdadeira "rotatividade geracional" que veio a afetar a sociedade portuguesa na sua generalidade.

As boas e más experiências de todos estes milhares de jovens vieram a refletir-se, tanto nos seus familiares próximos  como nos outros grupos etários que não participavam diretamente na guerra.
Uma vivência quase (!) generalizada hoje difícil de ser compreendida por gerações nascidas e educadas fora dos parâmetros incrivelmente limitativos da conjuntura político-social da época.

As novas gerações com um conhecimento das guerras através de filmes mais ou menos fantasiosos feitos em Hollywood, em que soldados e drogas é imagem comum, podem ser facilmente levadas a associar a guerra de África e o soldado português com estas "realidades ". Identificações geracionais.

Estudiosos sérios deveriam ter consciência de que "flashes" jornalísticos, sejam eles apressados ou agendados, poderão dar-lhes alguns momentos de ribalta mediática, acabando no entanto por criar... apreciações menos verdadeiras e conclusões erradas!

Como quase sempre, são as leituras demasiado apressadas por parte do "grande público" que acabam por criar as verdades do momento.
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21233: (Ex)citações (364): canábis e álcool na guerra colonial (António Ramalho)

Mensagem de António Ramalho  [, natural da Vila de Fernando, Elvas, a viver em Vila Franca de Xira, foi fur mil at da CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, com o nº 757: tem mais de duas dezenas de referências no nosso blogue]

 Date: quarta, 5/08/2020 à(s) 18:25 

 Subject: Cannabis e o álcool na guerra colonial 

 Caro Luís Graça, boa tarde. 

Depois de ler o excerto que publicaste e os comentários sobre o tema (*), acho duma ligeireza a tese de doutoramento, com o devido respeito, resultante de uma entrevista a 200 ex-combatentes, que além do mais com a agravante do distinto doutor declarar nunca ter ido à tropa!

Como foi possível apresentar e defender uma tese com um número tão restrito de entrevistados num universo por onde tantos de nós andámos, aos milhares e, que segundo referes só estão mencionados Angola e Moçambique, a Guiné foi excluída!

Entendo a reacção do nosso camarada Carlos Pinheiro pelo inexpressivo número de testemunhos além do conceito filosófico em que assenta, mas neste Mundo já nada me admira!

Dissertar sobre temas tão sensíveis onde o saber e o conhecimento escasseiam e a ignorância prevalece além de especulativo, é um atrevimento à luz daquilo que nós sabemos pela nossa experiência, porque estivemos lá, não ouvimos histórias!

Ao longo dos tempos tenho lido e ouvido os comentários mais desapropriados, desproporcionados e distantes da realidade sobre a guerra colonial, muitos de Mensagem de ex-fur mil at caves por gente que também lá esteve, outros de familiares e pessoas próximas que de barco só viajaram até Cacilhas! 

Não li o artigo, desconheço o carácter científico do mesmo mas daquilo que me lembro de ter contribuído para o nosso bem-estar momentâneo era o efeito da Coca-Cola e da Chandy, fabricadas e importadas da África do Sul que nos davam alento e energia para tudo e mais alguma coisa!

É verdade que tínhamos toda a liberdade para beber toda a variedade e qualidade de bebidas, independentemente do local, situação ou posto. Infelizmente essa liberdade originou alguns momentos de descontração que terminaram em tragédias.

Convivi com um cabo enfermeiro de outra Companhia, competentíssimo, que na vida civil era ajudante de anatomopatologista, que só conseguia ir para o mato com um grãozinho na asa, contingências da vida!

Não tenho meios nem provas para contrariar o ilustre doutor, muito menos conhecimentos científicos onde assenta a sua tese, também não ponho de parte que tenha havido algum contributo ilícito do género, pelos poderes instituídos da altura, nalguns pressupostos onde assenta a tese.

Daquilo que me lembro e que julgo ter resultado positivamente foram os tratamentos profiláticos e preventivos para melhorar a salubridade das águas, para o paludismo além de outros para determinados descuidos em momentos de euforia!...

Também me lembro da má qualidade do vinho tinto que segundo julgo saber era "baptizado" logo à saída de Lisboa com a bênção do Cristo Rei, que nós substituímos com as bazucas da Sagres, Vat 69, Dimple e similares que tinham muito mais qualidade!

Será difícil contar a história da guerra colonial só numa direcção, houve acontecimentos tão díspares, para o bem e para o mal, desde as más condições das estradas, falta de pontes, de transporte, de alojamento, de segurança, da qualidade e quantidade do armamento disponível, por planeamentos (obtusos) elaborados no QG ou na Amura e outros, que cada um de nós teve que interpretar e suportar cumprindo tendo sempre no horizonte a segurança de todos os envolvidos nas acções.

Termino lembrando que a nossa missão em África, hoje ex-combatentes, não foi devidamente reconhecida, começando pela classe política que por desconhecimento, incompetência e falta de respeito, com total e especial relevância para os que lá ficaram e para todos aqueles que regressaram com enormes sequelas físicas e mentais para o resto das suas vidas, esses nunca farão parte da história muito menos de teses de doutoramento.

Tenho uma resposta: estes nossos eleitos nunca foram à tropa, muito menos estiveram na guerra!

Um forte abraço

António Ramalho (membro da Tabanca Grande, nº 757)
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Notas do editor:

 (*) Vd. poste de 4 de agosto de 2020 > Guiné 51/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)

(**) Último poste da série > 29 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21206: (Ex)citações (363): Colonialismo e pós-colonialismo: as três cidades da África Ocidental: Bissau, Conacri e Dacar (António Rosinha / Cherno Baldé)

Guiné 61/74 - P21232: Parabéns a você (1845): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado CAR da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21228: Parabéns a você (1844): Coronel Inf Ref Fernando José Estrela Soares, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2445 (Guiné, 1968/70)

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21231: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (14): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2020:

Queridos amigos,
Pronto, os pombinhos já estão arrulhados, custou mas foi, ela soube tomar a dianteira, e no local próprio. Paulo está doido de alegria, dá conta da sua felicidade a um amigo de longa data, compincha de trabalhos, dão-se muitíssimo bem, será Gilles o primeiro a saber que tudo se alterou na vida daqueles cinquentões, saltaram, graças à roda da fortuna, por cima da sua solidão e têm sonhos entusiásticos que atravessam fronteiras.
Nesta altura da trama ficcional ainda não se sabe muito bem como vão reagir os filhos de ambos, para Annette é a felicidade dos dois que está no cume da montanha, e antes de partir para Berlim ela disse-lhe claramente: "O futuro a Deus pertence, cabe aos nossos filhos verem-nos felizes. Paulo, continua a escrever o romance, já temos quase 3 meses de Guiné e tu disseste-me que vão aparecer agora eventos sangrentos. Quero saber a verdade, conta tudo".

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (14): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Cher Gilles Jacquemain, Venho agradecer-te muito calorosamente a ajuda que me deste nas reuniões que tivemos segunda e terça-feira, acho que os teus pareceres sobre a publicidade comparativa e a etiquetagem do calçado enlaçaram perfeitamente com os documentos que enviei para a Comissão, vamos ver agora o andamento dos trabalhos. Disseste que eu estava com ar muito feliz, dei-te respostas curtas, mas na verdade tu és merecedor, graças à nossa amizade e trabalho contínuo há mais de 10 anos, tens-me recebido tão bem em tua casa, e gostas tanto de me visitar em Lisboa que quero neste momento dar-te uma notícia importante, presumo que totalmente imprevista para ti. Sabes que sou um cinquentão há muito divorciado, procuro trabalhar afincadamente, com gosto e com sentido de dever, até tenho alguma compensação material. Não me perguntes porquê, em novembro passado, tu não foste a essa reunião, tratava-se de uma atividade para representantes de organismos públicos, vim a pé desde o hotel até à Rue Froissart, trazia a cabeça cheia de recordações da minha guerra na Guiné, procurava pôr alguma ordem no tropel dessas memórias, entro na sala da reunião, olho para a cabine, vejo alguém e avanço por ali fora, bato à porta e explico à dita senhora que pretendia estruturar um romance, havia no contexto um par amoroso, cada um do seu país, ela pede-lhe para saber coisas sobre o seu passado, está muitíssimo interessada em conhecer esse ponto tropical onde ele combateu, que o marcou indelevelmente, pedi então a essa senhora se podíamos almoçar para eu lhe falar da trama ficcional e ver se ela estava em condições de me dar ajuda. Tenho a impressão que a senhora ficou arrelampada e talvez mesmo a pensar que eu vinha com outras intenções, o pedido que eu trazia era estranhíssimo.

Pois bem, imagina tu que gerámos empatia, a senhora embarcou nesta história da trama ficcional, comecei a enviar-lhe textos, a telefonar-lhe com regularidade, mails em catadupa, demos connosco a falar de intimidades, tanto ela como eu a dizermos ao outro que sentíamos falta de companhia, era inacreditável como nos sentíamos bem. Viajei várias vezes e pude confirmar que algo amadurecera, havia aquele espinho da distância, mas que paradoxalmente dava azo a uma comunicação redobrada, quase compulsiva.

Sei que começas a rir-te de mim, achas que isto é uma farsa, asseguro-te que não é. E assim preparamos mais um encontro, havia feriado na Bélgica na sexta-feira, tanto Annette (é o seu nome) como eu tínhamos disponibilidade de estarmos juntos três dias, ou quase, ela tinha um voo para Berlim ao fim da tarde de domingo, iria trabalhar como intérprete numa conferência de ministros da agricultura toda a segunda-feira. A nossa relação era muito convivial, mas cada semana que passava havia mais entusiasmo, mais saudade, mais exigência da presença física.

E chegamos aos factos. Cheguei quinta-feira muito tarde, nem por sombras queria que a Annette se preocupasse em trazer-me de Zaventem para o centro da cidade, acordámos num encontro a hora matinal, ela já tinha desenhado um programa para a manhã, era segredo, queria surpreender-me. Sabes como eu aprecio Arte-Nova. Ela marcou uma visita com espaço magnífico que eu creio mesmo que não conhecia o exterior, o Hôtel Hannon, podes ver pela imagem o requinte, a fantasia e a extraordinária conjugação dos materiais do exterior, as janelas bem rasgadas, e entras na habitação e ficas petrificado no átrio a olhar uma escadaria como não há outra igual, foi uma visita demorada, até porque lá dentro funciona um centro fotográfico, o que mais me interessou foi a tal conjugação de mármores, mosaicos, vitrais e trabalhos de marcenaria como raramente tenho visto. Annette tinha carro, fomos depois tomar um café e ela perguntou-me o que é que eu pensava de Saint-Gilles. Lembrei-me de uma visita guiada, eu vinha para um curso de três dias sobre contratos e respetivas cláusulas, os organizadores no fim da tarde do primeiro dia deram-nos este passeio, o guia era um homem de grande franqueza e deplorava como entre as décadas de 1950 e 1970 tinha havido tanta destruição, tudo fruto, como tu sabes melhor do que ninguém da criação das Comunidades Europeias, a necessidade de muito mais espaço para os milhares de recém-chegados, e daí aquela estranha mistura entre prédios modernos e imagens da prosperidade de uma Bélgica industrial e colonial. E então a Annette disse-me que íamos para o Parque do Cinquentenário, entraríamos no Pavilhão das Paixões Humanas, tratava-se do primeiro monumento de Victor Horta, ainda não estava marcado pela Arte-Nova, o intuito era visitar a monumental escultura de Jeff Lambeaux e o seu tratamento do tema da felicidade e dos pecados humanos, sem iludir o tema da morte. Annette estudara bem o que estava a mostrar, estava calorosa e carinhosa, olhava-me fixamente, e num dado momento agarrou-me pelas mangas do casaco, aproximámos os rostos, pôs a mão na minha nuca, beijou-me docemente. Senti nesse instante que a minha vida mudara, era uma autêntica felicidade a dois, e o local da declaração o mais apropriado possível. Pegou-me na mão, saímos do monumento, sugeriu-me irmos comer ligeiro, sopa e tarte, e passámos a tarde em Lovaina, eu tinha a presunção que conhecia bem a cidade, Annette acompanhou-me à beguina, mostrou-me como viviam desde a Idade Média as viúvas e solteiras com algumas posses em ambiente comunitário, tudo muito bem enquadrado por relvados, buxos e arvoredo. Quis-me fazer uma surpresa, há um casal de ceramistas de quem ela é amiga, fomos recebidos de braços abertos, ele é holandês, mas tem um apelido que eu penso que é francês, Gilot, mostrou-me como trabalha, ali estivemos em amena conversa o resto da tarde, na despedida Annette e eu recebemos prendas, mais gentileza não podia ter havido.

Regressámos a Bruxelas, no caminho Annette avisou-me que tínhamos endívias com presunto e molho branco, um bom Bordéus, uma sobremesa de mirtilos e outros frutos campestres. Annette abriu a janela onde eu estive a contemplar o fim do dia, enquanto preparava o jantar. Conversámos imenso, ela é espantosa a descrever certos comportamentos de participantes, um deles ficou furioso por ela não ter tido a expressão apropriada, fez um quase charivari à porta da cabine, acabou por se desculpar pelo destempero, a expressão era mesmo embrulhada e prestava-se a confusão. O que tu ficas a saber é que eu não voltei ao hotel nem nos dias seguintes, isto é, fui buscar as minhas coisas, protestei um regresso súbito a Portugal, só vejo um futuro radioso para mim com a Annette, amamo-nos profundamente. Agora, aqui em Lisboa, tenho que sopesar todas as consequências deste amor, para ela e para mim, espero que tenhamos a capacidade de superar as distâncias físicas, é impossível qualquer um de nós reformar-se, temos obrigações com os filhos, é tudo agora uma questão de saber lidar com o próximo e o distante. Somos tão vincadamente amigos, tudo isto aconteceu no teu país, um país que eu tanto amo, impunha-se que tu fosses o primeiro a saber que tenho a vida virada do avesso, e por um ditoso bem. O anúncio está feito, dentro de dois ou três dias vou começar a preparar o documento com que me comprometi com o diretor-geral, e ficas também com a responsabilidade de dar o teu parecer, felizmente que tenho aqui peritos a quem posso recorrer. Oxalá que tu partilhes da minha alegria. Deixo um beijo para a tua mulher e afago os teus filhos, deseja-me sorte para o meu provir, Paulo.

(continua)

 Edifício do Hôtel Hannon, Saint-Gilles

 Hôtel Hannon, detalhe da entrada e escadaria

 No interior do Pavilhão de Victor Horta, esta esplendorosa escultura de Jeff Lambeaux

Rua do Eclipse, Bruxelas, aqui a minha vida mudou de rumo
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21214: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (13): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21230: Casos: a verdade sobre... (11): Álcool & drogas na guerra colonial: de consumidores a traficantes de canábis... Seleção de comentários ao artigo do Público, de 2/8/2020 - Parte III


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (1963/65) > 1964 > Uma pausa nos trabalhos ciclópicos de construção do famoso "Forte Apache"

Um dos piores lugares do inferno verde e vermelho que foi, para muitos de nós, a Guiné... Foto do álbum do José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (*)

Foto (e legenda): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Seleção de comentários ao poste P21222 (**) - Parte III (***)

(xv) Hélder Sousa

Comecemos pelo princípio.

O Carlos Pinheiro fez bem em trazer para aqui esta questão que teve então a relevância que lhe foi dada pelo artigo do "Público". E fez bem, não só a avaliar pela quantidade (e qualidade) de comentários já existentes, alguns colocados de forma "apaixonada", mas principalmente por, a partir dele, se poder escrever mais alguma coisa sobre o tema.

Várias coisas entrelaçadas aparecem por aqui. Por um lado é costume haver lamúrias sobre o desprezo, o esquecimento, o mal-tratamento com que a questão das "guerras africanas" e principalmente os seus protagonistas são tratados e/ou ignorados. Por outro, sempre que aparece qualquer coisa (atenção! não estou a dizer que seja boa ou má) que pode servir para aumentar, ampliar ou dar maior visibilidade ao debate, costumam vir as observações de que "querem destruir a nossa imagem", "deturpam tudo", etc.
Muitas vezes os comentários (os mais indignados) partem da leitura de títulos (já de si concebidos para chamariz) bombásticos, a puxar para a polémica por causa das audiências e "shares"...

E uma coisa será a entrevista de uma pessoa e outra a tese escrita pela equipa que a produziu e não são as mesmas pessoas.

Num primeiro impulso rejeitei a ideia/tese em si mesma e nos "considerandos" que li nos resumos. Mas será pouco, deverei ter que ler mais.

Claro que, obviamente, não conheci o que se passava ou passou em Angola e/ou em Moçambique, pois não estive lá. E mesmo que tivesse estado como se pode "conhecer" tudo, quando uma pessoa individualmente estaria em apenas alguns, poucos, locais? Teria certamente uma visão muitíssimo limitada e seria desonesto fazer generalizações. Se por acaso visse algum consumo de droga (e parece que o foco é na "liamba") era abusivo dizer que todo o TO consumia. Se por acaso não tivesse visto nada, também não poderia dizer mais nada a não que "onde estive, não vi" e não fazer generalizações.

No meu caso particular, em que estive na Guiné, sabemos todos que não havia "liamba" e, como tal, não havia o seu consumo. Por extensão, os nossos militares não a consumiriam como forma de se alienarem, fosse para "ganhar coragem", fosse "para esquecer", fosse lá para que raio fosse. A ausência de "liamba" (que parece ser o foco) na Guiné é referida no artigo, ou pelo menos, no resumo que li. Portanto, de forma geral, não temos com que nos preocupar com "enxovalhos" desse tipo.

Mas a insinuação de que tais processos "aditivos" (como modernamente se referem a esses casos) era para a superação psicológica é muito "forçada" para não dizer desonesta e com pouca inspiração, parecendo aparecer na senda do que se disse, escreveu e viu, com os militares americanos no Vietnam.

Sobre a "cola", na forma de "noz de cola" já foi por aqui falado bastante. Também quis experimentar mas não "pegou". Sabor amargo.

Aquando da estadia em Piche havia um estabelecimento comercial (digamos assim...) onde para além de venda de artigos vários também serviam refeições (normalmente "frangos") e bebidas entre as quais o café.

O proprietário, sr. Tufico, costumava perguntar, quando lhe pedia café, "com bolinha ou sem bolinha?". Disseram-me para pedir "com bolinha" pois aquilo era bom, saboroso e "animador". Claro que experimentei mas nunca senti qualquer efeito especial a não ser ter ficado com a ideia que aquilo que ele colocava no café (as tais "bolinhas") eram pequenas sementes de anis. Pelo menos era esse o sabor que memorizei.

Não posso jurar que em alguns locais, em Bissau, pessoal mais abastado (lá está, o consumo das "drogas" não poderia ser assim, generalizado, ao militar comum, com poucos recursos), com mais acesso a "modernices", com maior integração em "certos ambientes", não pudesse fazer outro tipo de experiências mas, obviamente sendo humanamente impossível falar por todos os locais do interior, é minha forte convicção de que o "acesso a drogas" não foi utilizado e muito menos para os "objectivos" propalados.

Quanto ao consumo de álcool.... entendido aqui como "bebidas alcoólicas em geral"... Ao lermos (no resumo, insisto) uma pequena frase "mortal", a qual pelo seu tom dá logo a entender a tendência/conclusão do que se pretende, de que "a adoção de padrões de consumo intensivo de bebidas alcoólicas que a logística militar distribuía pelos quartéis" revela ignorância dos ambientes e um grande desfasamento dos costumes da época, apreciados à luz dos conceitos e preconceitos actuais.

Não resulta seriedade quando se apreciam e/ou valorizam comportamentos passados há 50 anos, quando se os avaliam com os "olhos de hoje". A frase insinua que o "consumo de álcool" era incentivado e estimulado pela hierarquia militar, através da logística militar. Por extensão pode-se concluir que isso era propositado e objectivamente para "embebedar" os militares.

Vamos lá a ver, "bebidas alcoólicas" vão desde o vinho às aguardentes, passando pela cerveja e também bebidas espirituosas. O vinho, convém lembrar, para além dos seus efeitos benéficos para a saúde, agora tão defendidos em artigos mais ou menos científicos, era uma situação bem aceite na nossa sociedade de então, mesmo para além daquele velho slogan de que "beber vinho é dar de comer a 1 milhão de portugueses". Os militares no interior pediam e bebiam vinho à refeição nas messes, não para ganharem "coragem para as missões".

A cerveja não era distribuída insidiosamente pela "logística militar" mas sim fortemente exigida pelos militares no mato. No regresso aos aquartelamentos, após as missões, encontravam de facto conforto numas "bejecas" bem fresquinhas. E isso era recompensador.

As outras bebidas mais "finas", principalmente os wiskies foram, realmente, oportunidade de "descoberta" para a generalidade dos nossos militares oriundos de zonas menos citadinas do nosso Portugal mas, lá está, mais uma vez como forma de "ascensão social" e não para "ganhar coragem".

Hoje por hoje há imensos cursos de antropologia, de sociologia, teses de mestrado, disto e daquilo e, como é natural e acho bem, embora com descoberta tardia, o(s) tema(s) das "guerras africanas" podem estar na ordem do dia.

Não deve haver "condenação" por esse facto. É muito melhor que se debrucem sobre esses tempos do que se continue a ignorá-los. É claro, também, quem nos tempos de feroz concorrência que os académicos e também os livreiros vão vivendo, parece ser uma atracção fatal a procura de "temas fracturantes", ou apresentados de forma polémica. Mas para isso devemos ter a serenidade necessária (e a firmeza) para desmontar o que for preciso e dar o desconto ao que tiver menos importância.

Em resumo:

O título da entrevista é bombástico/provocador. Não conheço (não li) essa entrevista nem a tese a que se refere. Do que me apercebi dos resumos há algumas "falhas" que se podem perfeitamente corrigir.
O problema é "onde", "como" e "quem", pois o jornal tem a audiência que terá e nós aqui "falamos" uns com os outros.

Tenho como posição que é melhor falarem e abordarem as questões que nos dizem respeito, mesmo com falhas e/ou erros do que manterem a ignorância e ostracismo habitual.

Hélder Sousa
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9360: Operação Tridente, Ilha do Como, 1964: Terminada a operação, a luta e a labuta no Cachil continuam (CCAÇ 557): Parte II (José Colaço)

(**) Vd poste de 4 de agosto de 2020 > Guiné 51/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)

(***) Vd. os dois últimos postes da série:

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21229: Casos: a verdade sobre... (10): Álcool & drogas na guerra colonial: de consumidores a traficantes de canábis... Seleção de comentários ao artigo do Público, de 2/8/2020 - Parte II


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá >  Setor L1  (Bambaddinca) > Mansambo > CART 2339 , "Os Viriatos" > Abril de 1968 >  Não, não estavam a curar nenhuma bebedeira daquelas de " caixão à cova", estavam simplesmente a dormir ao luar...

Fase de construção de raiz, "a pá, enxada e pica" (!),  do aquartelamento de Mansambo (que a "Maria Turra", na rádio Libertação, em Conacri, chamava "campo fortificado de Mansambo")...Os alferes milicianos Cardoso e Rodrigues apanham "banhos de luar" (sic)...

 Legenda do nosso saudoso coimbrão Carlos Marques dos Santos (1943-2019), o primeiro dos "Viriatos" a chegar ao nosso blogue, logo em 2005, tendo depois trazido com ele o Torcato Mendonça: 

(...) "Em Mansambo, a céu aberto. Camas de ferro nos fossos que iriam ser o aquartelamento fortificado de Mansambo. Data: abril de 1968. A foto é do Henrique Cardoso, alferes da CART 2339 e seu comandante. Os 3 Capitães, que comandaram a Companhia anteriormente estiveram sempre doentes !!! Ele assumiu o comando. Era miliciano e responsável" (...).

Foto (e legenda): © Henrique Cardoso / Carlos Marques Santos (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Seleção de comentários ao poste P21222 (*) - Parte II (**)

(viii) Tabanca Grande Luís Graça

.(...) As fotos de "arquivo" (não se identificam as fontes, o que é lamentável para um jornal como o "Público" que dantes tinha um "livro de estilo"...), das páginas 6 e 9  [,do suplemento dominical, P2, 2/8/2020] são "fotos de caricatura" ou de "pura bravata", não podem ser tomadas como "retrato socioantropológico" do quotidiano da guerra: 

Na página 6, um soldado, empunhando uma G3, com uma fita de metralhadora de HK 21, ao pescoço, na caserna com beliches, e uma mesa com cerca de 4 dezenas de garrafas, sobretudo de cerveja (Cristal) e 4 garrafas de vinho e/ou bebibas destiladas (reconhece-se a marca Macieira, o brandy mais acessível às praças)... Sem data, sem local, sem legenda... O rosto desfocado...

Na página 10, dois militares (?) , um dá a beber a outro, através de um funil, com uma garrafa de uma bebida licorosa (não se consegue ler o rótulo..., talvez "Cointreau"). Sem data, sem local, sem legenda. Os rostos desfocados...

O artigo do suplemento de domingo (P2), do Público, edição nº 11057, de 2/8&2020, "Cannabis e álcool: as companheiras esquecidas dos combatentes da Guerra Colonial", é da autoria de Patrícia Carvalho (texto) e Daniel Rocha (fotografia).(...)


(ix) António Graça de Abreu

(...) Diz este senhor: "Na guerra, os militares portugueses recorriam às duas drogas como forma de ultrapassar as dificuldades, vencer o medo e lidar com uma realidade difícil de suportar." 

Leram bem: "Os militares portugueses". Os militares portugueses somos todos nós. O álcool, com certeza, o canábis é droga que nunca vi, nunca soube que fosse consumido e fizesse parte dos quotidianos dos "militares portugueses", e peregrinei pelo norte, centro e sul da Guiné, 72/74. 

É mais uma das muitas mentiras factuais com que nos carimbam a nós, "tropa colonial-fascista". Apetece mandar esta gente (a crescer em Portugal!) para a grande p... que os pariu. (...)


(x) Antº Rosinha

(...) Parece-me que estamos a falar de "liamba", "maconha"... que nem droga (perigosa) era considerada, entre os negros velhos e novos de Angola, tal como na Guiné é o consumo da tal noz de cola.

De facto em Angola, nos últimos anos, chamemos-lhe no pós-Salazar, em que talvez por uma questão psicológica,  tudo pareceu mais moderno, mais aliviado, mais descontraido, também jovens brancos eventualmente poderiam aparecer com os olhos muito vermelhos e meio atordoados: eram já os maconheiros,  tal como aparecia o velho cozinheiro, o vendedor de jornais, o velho criado...etc.

Entretanto já se falava no negócio à porta dos liceus, mais judiciária, já se falava no consumo por gente fina,  mais por alferes milicianos e furriéis, não pelo soldado, pois era preciso alguma classe para consumir.

Portanto, com a bandalheira (abertura) que se adivinhava com a novidade do marcelismo, entre os jovens era fino consumir, constava.

De repente,  o 25 de Abril e com os retornados vinha maconha, diamantes e caixotes, dizia-se.
Hoje o haxixe é remédio.

Entretanto o uísque (a pataco) para a tropa, isso é história já velha, que até o Lobo Antunes náo deixou passar em branco. (...)

(xi) Jorge Picado

O nosso Comandante [da Tabanca Grande] já referiu que o autor "previne contra o enviesamento da jornalista". Desculpem-me aqueles que de facto são jornalistas (muito poucos, na verdade), mas hoje em dia esta é uma classe de jornalixa(o)s.

Lá que se bebia, é uma verdade. Mas isso era a própria máxima do "ex" [, Salazar,] que tinha incutido na mente do Zé Povinho que "beber é dar de comer a um (uns) milhão (ões) de Portugueses".

O mais grave é que passamos todos nós, os ex-combatentes, a ser catalogados como drogados e não se admirem se amanhã, algum dos muitos iluminados que agora por aí campeiam,  vier dizer que foram os ex-combatentes os responsáveis pela introdução deste flagelo, no País.

Só vi bebidas, conheci os naturais a mascarem cola, mas "cânhamos" só na minha activadade, como engenheiro agrónomo.


(xii) Rui G. dos Santos

(..) Sinto-me ofendido bem como aos meus soldados nativos, Não havia Canábis, havia , sim, Cerveja, Uísque e Vinho. A noz de cola era consumida pelo velhos/as das tabancas por causa das dores, quando andava de noite por entre as moranças das tabancas via os velhotes sentados num banquinho mastigando e ficando com a boca vermelha, nunca vi um soldado meu consumir que não fosse cerveja, ou vinho ... E pergunto atualmente quem não bebe álcool ??? 

Matreirices por detrás deste "jornaleiro" que pretende minimizar o trabalho que nos foi dado, expondo o peito às balas, o corpo aos rebentamentos sucessivos enquanto que muitos que hoje se intitulam de qualquer titulo "meritório" da tanga como diziam os meus soldados PAPA KI PARE !!!!

Rui G dos Santos, Comandante de um pelotão de nativos em Bedanda 4ª CC 1963/64, 
Comandante de dois pelotões de Instrução em Bolama no CIM 1964/65
 
(xiii) Valdemar Queiroz


(...) Esta é das boas, e ainda nos apanharam vivos para dizer, como a outra, É MENTIRA!!

Não li nada sobre as 200 entrevistas, e não sei quem fazia parte desse universo, como: data da comissão, território do cumprimento da comissão, dentro desse território no mato ou em localidades (aqui a Guiné era mais complicado), patentes militares, acções em combate e ambiente familiar na metrópole..e o clima.

Todos nós sabemos bem, dos mais antigos aos mais novos, que na Guiné estávamos dentro da guerra e nesses 200 entrevistados teria que haver uma ponderação especial em relação a Angola ou Moçambique.

Todos se recordam de chegar a Bissau e logo começar a atestar umas cervejas ou uns uísques com coca-cola no Bento ou na Solmar e à noite ouvir Tite a 'embrulhar'.  E desde esses dias foi um ver se te avias, uns mais outros menos, lá se 'embrulhava' no mato e lá se mandavam abaixo uns bioxenes.

Não me recordo de haver bebedeiras por cagufa, nem nunca vi, enquanto estávamos à noite de prevenção nas valas, haver alguém acompanhado com garrafas de cerveja ou vinho.

Até aconteceu com os nossos cabos e soldados de cá, quando saíamos em patrulhamento, nas primeiras vezes alguns levaram vinho no cantil em vez de água, mas serviu-lhes de emenda pela sede que passaram. 

Realmente os nossos soldados fulas, muçulmanos e por isso nada de bioxene, todos mascavam a tal castanha, cola, que, diziam, era para matar a sede. Eu experimentei e realmente criava uma maior quantidade de saliva mas nada de especial e não serviu para criar habituação.

Essa do Rosinha achar que a efémera primavera marcelista veio criar hábitos modernos do consumo de drogaria,  tem graça. Todos sabemos que foi por causa da guerra do Vietname e tudo o que se seguiu é que deu origem ao consumo generalizado e depois ao grande negócio da droga à escala mundial.

Uf!! agora ia mesmo um bioxene com duas pedrinhas de gelo e uns amendoins bem torrados. (...) 

(xiv) José Belo

(...) Certamente que “a estrutura militar,  logística,ou Comando, não fornecia bebidas alcóolicas a preços baixos ao pessoal para criar um ambiente de alienação “.

Os Excelentíssimos Quartéis Mestres Generais (plural,  devido ao longo período da guerra) não seriam de modo algum...perversos alienadores psicodélicos! Tinham outras grandes qualidades humanas na bagagem ontológica militar.

Mas que os fornecimentos, desde os "rebatizados"  vinhos a água da bolanha somada às águas municipais da Manutenção Militar em Lisboa, aos famosos-inesquecíveis-supra-especiais Whiskys de “candonga”,  ajudavam alguns dos muitos e inocentes “sacos azuis” intermediários....Iso fazia parte de um certo ambiente de alienação controlada.

Muito controlada mesmo. Chegou a dizer-se, em meios certamente subversivos, que o pano azul para a fabricacão  dos referidos sacos se esgotava rapidamente.

Subversivos e ...invejosos!

Um abraço do J. Belo

PS - Que alguém aponte, onde quer que seja por esse mundo fora, uma Manutenção Militar onde tais “alienações” não existam. (...)

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Guiné 61/74 - P21228: Parabéns a você (1844): Coronel Inf Ref Fernando José Estrela Soares, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2445 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21221: Parabéns a você (1843): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista do BENG 447 (Guiné, 1968/70) e TCor Inf Ref Rui Alexandrino Ferreira, ex-Al Mil Inf da CCAÇ 1420 (Guiné, 1965/67) e ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 18 (Guiné, 1970/72)