Mensagem de Ana Paula Ferreira (que nos mandou um aerograma de hoje):
Não poderia deixar de lhe agradecer pelo seu blogue: procurando algumas informações sobre a Guiné, onde o meu pai esteve de 64 a 66 (Fernando das Neves Ferreira, 1º Cabo, nº 2514, CCAÇ 616, do BCAÇ 619), deparei-me com as suas páginas repletas de testemunhos, fotografias, ou seja, algo que me é tão familiar, não porque lá estive, mas porque conheço as histórias através do meu pai.
Por coincidência iniciei também hoje um blogue sobre este assunto. Há muito tempo que pensava numa forma de dar a conhecer tudo aquilo que ouvi e senti através das palavras do meu pai. Tanta coisa aconteceu e muita gente não esqueceu. Eu não esqueci.
Eu sei que deve parecer estranho falar assim, não embarquei para a Guiné, não peguei em armas, não matei ou vi morrer, mas as palavras são poderosas, principalmente quando proferidas por quem viu a sua vida mudada para sempre.
A minha mãe guarda centenas de aerogramas, fotografias e memórias de um cais de onde viu partir um jovem, que voltou homem amargurado.
Os meus parabéns pela sua iniciativa!
Atentamente,
Ana Paula Ferreira
Comentário de L.G.
Ana: Fico/amos muito sensibilizado(s) pelas suas palavras de carinho e de amor pelo seu pai, que foi nosso camarada, bem como de simpatia pelo nosso blogue. Este é também um ponto de encontro entre gerações, entre nós e os nossos filhos... Você não esqueceu, nós também não.
Gostaria de a convidar para integrar a nossa tertúlia, se assim o desejar. Dê-nos mais notícias suas, diga-nos qual o endereço do seu blogue... Temos ainda poucos testemunhos e documentos do tempo em que o seu pai esteve na Guiné (1964/66). Teremos muito gosto também em divulgar o seu blogue.
Fica aqui também a notícia do 12º almoço/convívio da Companhia de Caçadores 617 – BCAÇ 619 (Guiné 1964/66) em Guimarães, no próximo dia 28 de Maio de 2006.
3. Também o nosso histórico Sousa de Castro quis transmitir à Ana Paula algumas palavras de boas-vindas ao nosso blogue (Como eu faço questão de lembrar, ele é o tertuliano nº 1, o mais antigo, o primeiro a trazer outros camaradas para a nossa tertúlia, e nessa medida um dos co-responsáveis pela abertura das comportas deste rio de memórias da Guiné, cujas águas continuam a correr e a engrossar):
Ana Paula, fiquei muito sensibilizado pelo testemunho e pelo interesse demonstrado sobre estórias da guerra colonial. Graças ao nosso comandante Luís Graça, porque sem ele não teria sido possível o trabalho extraordinário que é o blogue-fora-nada.
Não se encontram, todos os dias, filhos interessados nas estórias que os pais contam sobre aquele tempo desperdiçado. Foram os melhores anos da nossa juventude, embora no meu caso pessoal não estou minimamente arrependido de ter ido para a Guiné, creio que fiquei muito mais rico com aquela experiência. Um dia hei-de lá voltar.
Cumprimentos e, como o Luís diz, faça o favor de entrar para a nossa tertúlia e conte as estórias do seu pai. Se achar bem, pode publicar no seu blogue.
Sousa de Castro (ex- 1º Cabo TRMS, CART 3494, Xime e Mansambo, Jan 72 a Abr 74)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 8 de abril de 2006
Guiné 63/74 - P673: Antologia (37): Carlos Fabião, o conciliador (Luís Graça)
Texto publicado no Diário de Notícias 'on line', de 3 de Abril de 2006
Carlos Fabião, um conciliador entre dois fogos
Podia ter sido primeiro-ministro. Podia ter ascendido à Presidência da República em 1976. Mas Carlos Fabião acabou por ficar a meio caminho entre dois golpes - a Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974, em que participou, e o 25 de Novembro de 1975, em que já não desempenhou nenhum papel de relevo. Tudo se jogou nesse período de efémera fama, em que o coronel que se distinguira por acções militares na Guiné ostentou as estrelas de general. Fabião, chefe do Estado-Maior do Exército e membro do Conselho da Revolução no Verão quente de 1975, faleceu ontem, em Lisboa. Tinha 76 anos.
Carlos Alberto Idães Soares Fabião, lisboeta da freguesia da Graça, ingressou como voluntário na Escola do Exército aos 20 anos, em 1950. Desempenhou várias comissões de serviço em África, designadamente em Angola e na Guiné, onde se notabilizou como um dos colaboradores mais próximos do então governador António de Spínola. Foi louvado e medalhado. Após o 25 de Abril, viria a ser investido como governador do território até Setembro de 1974, quando a Guiné-Bissau ascendeu à independência.
Ao regressar a Lisboa, Fabião verificou como a unidade dos militares revolucionários fora drasticamente quebrada. Tentou então o impossível: conciliar as facções em conflito. E foi como conciliador que atravessou o período mais turbulento do processo revolucionário, já graduado em general. No comando do Exército, afasta-se da ala spinolista e aproxima-se da esquerda mais radical. "Não há revolução sem leis revolucionárias", proclamava a 18 de Janeiro de 1975, em entrevista ao Expresso. À época era presença assídua nos telejornais: distinguia-se pelo porte altivo e pela pera aristocrática que ostentava. Quem o conhecia garante que era um homem com mais dúvidas do que certezas. Nada que se ajustasse a esses tempos de verdades inflamadas e vociferantes.
Em Agosto de 1975, já a esquerda militar estava em perda acentuada, o então Presidente da República, General Costa Gomes, convidou-o a formar governo, em substituição de Vasco Gonçalves. Fabião pediu para reflectir, acabando por recusar. Em vez dele, avançou Pinheiro de Azevedo, que passou à História como chefe do VI Governo Provisório. Em Novembro, acabaria substituído na chefia do Exército por Vasco Lourenço, regressando ao posto de coronel, que manteve até ao fim. A hora era de outros, como Ramalho Eanes, que sete meses depois chegaria a Belém. Fabião jamais voltou à ribalta: em 1983 pediu a passagem à reserva, depois reformou-se.
"Naquela altura andava com a mania das conciliações", recordaria em 1994, numa entrevista ao Público, este militar reservado, que confessava não ser ambicioso. O Almirante Rosa Coutinho, também protagonista do 25 de Abril, recordava-o ontem, em declarações ao DN, como "um homem muito digno, que teve o azar de ser cilindrado pela revolução, mas deixou saudades em todos quantos o conheceram". Outro militar de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho, disse ao DN que Fabião foi "um grande oficial" com quem partilhou "alguns dos momentos mais difíceis" do processo revolucionário.
O funeral de Carlos Fabião parte hoje, pelas 12h30, do Grémio Lusitano para o cemitério do Alto de São João, em Lisboa.
Carlos Fabião, um conciliador entre dois fogos
Podia ter sido primeiro-ministro. Podia ter ascendido à Presidência da República em 1976. Mas Carlos Fabião acabou por ficar a meio caminho entre dois golpes - a Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974, em que participou, e o 25 de Novembro de 1975, em que já não desempenhou nenhum papel de relevo. Tudo se jogou nesse período de efémera fama, em que o coronel que se distinguira por acções militares na Guiné ostentou as estrelas de general. Fabião, chefe do Estado-Maior do Exército e membro do Conselho da Revolução no Verão quente de 1975, faleceu ontem, em Lisboa. Tinha 76 anos.
Carlos Alberto Idães Soares Fabião, lisboeta da freguesia da Graça, ingressou como voluntário na Escola do Exército aos 20 anos, em 1950. Desempenhou várias comissões de serviço em África, designadamente em Angola e na Guiné, onde se notabilizou como um dos colaboradores mais próximos do então governador António de Spínola. Foi louvado e medalhado. Após o 25 de Abril, viria a ser investido como governador do território até Setembro de 1974, quando a Guiné-Bissau ascendeu à independência.
Ao regressar a Lisboa, Fabião verificou como a unidade dos militares revolucionários fora drasticamente quebrada. Tentou então o impossível: conciliar as facções em conflito. E foi como conciliador que atravessou o período mais turbulento do processo revolucionário, já graduado em general. No comando do Exército, afasta-se da ala spinolista e aproxima-se da esquerda mais radical. "Não há revolução sem leis revolucionárias", proclamava a 18 de Janeiro de 1975, em entrevista ao Expresso. À época era presença assídua nos telejornais: distinguia-se pelo porte altivo e pela pera aristocrática que ostentava. Quem o conhecia garante que era um homem com mais dúvidas do que certezas. Nada que se ajustasse a esses tempos de verdades inflamadas e vociferantes.
Em Agosto de 1975, já a esquerda militar estava em perda acentuada, o então Presidente da República, General Costa Gomes, convidou-o a formar governo, em substituição de Vasco Gonçalves. Fabião pediu para reflectir, acabando por recusar. Em vez dele, avançou Pinheiro de Azevedo, que passou à História como chefe do VI Governo Provisório. Em Novembro, acabaria substituído na chefia do Exército por Vasco Lourenço, regressando ao posto de coronel, que manteve até ao fim. A hora era de outros, como Ramalho Eanes, que sete meses depois chegaria a Belém. Fabião jamais voltou à ribalta: em 1983 pediu a passagem à reserva, depois reformou-se.
"Naquela altura andava com a mania das conciliações", recordaria em 1994, numa entrevista ao Público, este militar reservado, que confessava não ser ambicioso. O Almirante Rosa Coutinho, também protagonista do 25 de Abril, recordava-o ontem, em declarações ao DN, como "um homem muito digno, que teve o azar de ser cilindrado pela revolução, mas deixou saudades em todos quantos o conheceram". Outro militar de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho, disse ao DN que Fabião foi "um grande oficial" com quem partilhou "alguns dos momentos mais difíceis" do processo revolucionário.
O funeral de Carlos Fabião parte hoje, pelas 12h30, do Grémio Lusitano para o cemitério do Alto de São João, em Lisboa.
Guiné 63/74 - P672: O outro Carlos Fabião (5) (Carlos Vinhal)
Texto do do Carlos Vinhal, ex-furriel miliciano da CART 2732 (Mansabá, 1970/72):
O homem é o resultado do seu tempo e das suas ideias. Não há democratas sem democracia nem ditadores sem ditadura. Ambos estão manietados se não estiverem integrados no seu tempo e meio.
O que acabei de escrever será discutível, muito, mas conheci alguns democratas e ditadores que pacientemente esperaram pela queda da ditadura. Muitos a milhares de quilómetros. Conheci outros que lutaram pelos seus ideais, mas as suas lutas eram pouco produtivas face ao que lhes custava, a eles pessoalmente e às suas famílias. A estes últimos as minhas homenagens. O nosso colega Rui Felício reforça a minha ideia da capacidade que o homem tem de adaptar as suas ideias e acções ao seu meio, conveniências e momento da sua vida.
Os militares do QP que fizeram múltiplas comissões em África, mais não fizeram que alimentar o regime que não queria, ou não sabia, dar a liberdade de escolha aos povos das Províncias Ultramarinas, mas muitos deles depois do 25 de Abril foram essenciais para a consolidação da democracia. Assim de momento, e sem pensar muito, lembro os nomes Salgueiro Maia, Melo Antunes e Ramalho Eanes a quem tanto devemos.
Os militares recrutados por imposição por sua vez, independentemente das suas convicções políticas ou posição face à guerra, tinham que alinhar ou destruiam o seu futuro. Eramos apanhados na idade em que iniciávamos os cursos superiores ou consolidávamos os nossos conhecimentos profissionais.
Ainda hoje me pergunto se o 25 de Abril, que foi feito pelos capitães (classe mais explorada pela guerra), teve como fim principal derrubar o regime ou se se aproveitou do estado de podridão do mesmo, para acabar com uma guerra sem solução.
Felizmente correu tudo bem; a guerra acabou, o regime caiu e a democracia foi imposta (no melhor dos sentidos) para nosso bem. Pode-se discutir os diversos modelos de democracia (se os há) que as diversas facções do MFA preconizavam e nos queriam impor.
Lá voltamos ao artigo do nosso camarada Felício (1) que em palavras directas retrata essas pessoas e esses tempos, imediatamente antes e depois do levantamento militar. Havia militares adaptados (ou inadaptados?) ao seu meio e ao seu tempo. A História falará deles com menos paixão do que nós o fazemos hoje. Há-de discutir-se no futuro o 28 de Setembro, o 11 de Março e o 25 de Novembro e, dependendo dos ideais de cada observador, os resultados serão considerados negativos ou positivos.
Saudações para todos os camaradas e amigos.
Carlos Vinhal
____________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 5 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 : DCLXXV: O outro Carlos Fabião (3) (Rui Felício)
"(...)Ficaria sossegado no meu canto, a observar as opiniões dos tertulianos a propósito da morte do CARLOS FABIÃO, sem nenhuma intenção de intervir, se não acabasse neste mesmo momento de ler um e-mail do Zé Teixeira em resposta a um outro do J.Vacas de Carvalho (meu contemporâneo na E.P.I. em Mafra).
"O Zé Teixeira afirma que o Carlos Fabião que conheceu na Guiné não é o mesmo que o Vacas de Carvalho retrata no seu e-mail. E eu acredito que o Zé Teixeira fale verdade. Mas não precisava que o Vacas de Carvalho escrevesse o que escreveu para saber que o que este diz também é verdade... Ou seja, ambos retratam o mesmo homem, em tempos diferentes mas próximos, com dois comportamentos completamente antagónicos!" (...)
O homem é o resultado do seu tempo e das suas ideias. Não há democratas sem democracia nem ditadores sem ditadura. Ambos estão manietados se não estiverem integrados no seu tempo e meio.
O que acabei de escrever será discutível, muito, mas conheci alguns democratas e ditadores que pacientemente esperaram pela queda da ditadura. Muitos a milhares de quilómetros. Conheci outros que lutaram pelos seus ideais, mas as suas lutas eram pouco produtivas face ao que lhes custava, a eles pessoalmente e às suas famílias. A estes últimos as minhas homenagens. O nosso colega Rui Felício reforça a minha ideia da capacidade que o homem tem de adaptar as suas ideias e acções ao seu meio, conveniências e momento da sua vida.
Os militares do QP que fizeram múltiplas comissões em África, mais não fizeram que alimentar o regime que não queria, ou não sabia, dar a liberdade de escolha aos povos das Províncias Ultramarinas, mas muitos deles depois do 25 de Abril foram essenciais para a consolidação da democracia. Assim de momento, e sem pensar muito, lembro os nomes Salgueiro Maia, Melo Antunes e Ramalho Eanes a quem tanto devemos.
Os militares recrutados por imposição por sua vez, independentemente das suas convicções políticas ou posição face à guerra, tinham que alinhar ou destruiam o seu futuro. Eramos apanhados na idade em que iniciávamos os cursos superiores ou consolidávamos os nossos conhecimentos profissionais.
Ainda hoje me pergunto se o 25 de Abril, que foi feito pelos capitães (classe mais explorada pela guerra), teve como fim principal derrubar o regime ou se se aproveitou do estado de podridão do mesmo, para acabar com uma guerra sem solução.
Felizmente correu tudo bem; a guerra acabou, o regime caiu e a democracia foi imposta (no melhor dos sentidos) para nosso bem. Pode-se discutir os diversos modelos de democracia (se os há) que as diversas facções do MFA preconizavam e nos queriam impor.
Lá voltamos ao artigo do nosso camarada Felício (1) que em palavras directas retrata essas pessoas e esses tempos, imediatamente antes e depois do levantamento militar. Havia militares adaptados (ou inadaptados?) ao seu meio e ao seu tempo. A História falará deles com menos paixão do que nós o fazemos hoje. Há-de discutir-se no futuro o 28 de Setembro, o 11 de Março e o 25 de Novembro e, dependendo dos ideais de cada observador, os resultados serão considerados negativos ou positivos.
Saudações para todos os camaradas e amigos.
Carlos Vinhal
____________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 5 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 : DCLXXV: O outro Carlos Fabião (3) (Rui Felício)
"(...)Ficaria sossegado no meu canto, a observar as opiniões dos tertulianos a propósito da morte do CARLOS FABIÃO, sem nenhuma intenção de intervir, se não acabasse neste mesmo momento de ler um e-mail do Zé Teixeira em resposta a um outro do J.Vacas de Carvalho (meu contemporâneo na E.P.I. em Mafra).
"O Zé Teixeira afirma que o Carlos Fabião que conheceu na Guiné não é o mesmo que o Vacas de Carvalho retrata no seu e-mail. E eu acredito que o Zé Teixeira fale verdade. Mas não precisava que o Vacas de Carvalho escrevesse o que escreveu para saber que o que este diz também é verdade... Ou seja, ambos retratam o mesmo homem, em tempos diferentes mas próximos, com dois comportamentos completamente antagónicos!" (...)
Guiné 63/74 - P671: O outro Carlos Fabião (4) (Paulo Raposo)
Texto do Paulo Raposo:
Os mesmos militares que antes do 25 de Abril nos exigiam os maiores sacrifícios, que à conta disso muitos dos nossos não regressaram, depois do 25 [de Abril] andaram aos abraços com aqueles que eram nossos inimigos.
Ainda vinham dizer com todo despudor que a guerra que faziam era contra o governo e não contra o povo. Ao que eu saiba, o Governo estava no Terreiro do Paço, e nós povo é que estavamos no mato.
Em que ficamos, que raio de homens são estes? Não podem ser a mesma pessoa. Onde está a integridade? Spínola queixou-se amargamente de Fabião quando o tinha como homem de sua confiança.
E bem podem limpar bem as mãos á parede pelo trabalho que fizeram, só falta vender os Açores e a Madeira em talhões.
Mas respeitemos os que já partiram. A verdadeira história far-se-à um dia.
Paulo Lage Raposo
Alf. Mil. Inf.
BCAÇ 2852
CCAÇ 2405
Guiné 68/70
Os mesmos militares que antes do 25 de Abril nos exigiam os maiores sacrifícios, que à conta disso muitos dos nossos não regressaram, depois do 25 [de Abril] andaram aos abraços com aqueles que eram nossos inimigos.
Ainda vinham dizer com todo despudor que a guerra que faziam era contra o governo e não contra o povo. Ao que eu saiba, o Governo estava no Terreiro do Paço, e nós povo é que estavamos no mato.
Em que ficamos, que raio de homens são estes? Não podem ser a mesma pessoa. Onde está a integridade? Spínola queixou-se amargamente de Fabião quando o tinha como homem de sua confiança.
E bem podem limpar bem as mãos á parede pelo trabalho que fizeram, só falta vender os Açores e a Madeira em talhões.
Mas respeitemos os que já partiram. A verdadeira história far-se-à um dia.
Paulo Lage Raposo
Alf. Mil. Inf.
BCAÇ 2852
CCAÇ 2405
Guiné 68/70
sexta-feira, 7 de abril de 2006
Guiné 63/74 - P670: CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos de Canjadude (José Martins)
Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 > Brazão da unidade
© José Martins (2006)
História da Companhia de Caçadores nº 5 - Os Gatos Pretos de Canjadude (por José Martins, ex-fur mil transmissões, CCAÇ 5, 1968/70)
Caros amigos
Alguns contributos para a história das unidades da Guiné. Ainda faltam muitos elementos, nomeadamente situados nas datas de 1 de Abril de 1967 a Janeiro de 1970 e após Julho de 1973.
Tenho nomes e factos, mas toda a colaboração é benvinda.
Um abraço
José Martins
_____________
A legislação publicada em 16 de Agosto de 1895 retirou a feição administrativa policial às tropas ultramarinas.
A Conferência de Berlim, realizada entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885, estabelece que nos territórios descobertos e colonizados em África, entre os quais se encontrava o antigo ultramar português, é abolido o direito de posse obtido pelo descobrimento, passando a vigorar o direito de posse por ocupação efectiva, dando voz ao interesse das potências que não tinham territórios no continente africano.
Há referências a diversas unidades existentes na Guiné, constituídas por tropas indígenas enquadradas por oficiais e sargentos pertencentes aos quadros coloniais, e designadas como:
· Exército de Terra
· Companhia de Guerra de Angola e Guiné
· Companhia de Infantaria da Guiné
· 1ª Companhia Indígena de Infantaria da Guiné
· 2ª Companhia Indígena de Infantaria da Guiné
· 2ª Companhia Indígena Mista de Artilharia e Infantaria da Guiné.
A partir de 14 de Novembro de 1901, data da remodelação da Organização Militar do Ultramar, que contemplava as experiências obtidas nas Campanhas de África de 1895, existe diversa legislação que, além de dispersa, se aplicava, normalmente, a uma só Província Ultramarina.
Em 10 de Junho de 1926, o Decreto-Lei nº 11746, na sua Base VI, visa extinguir os quadros privativos coloniais, avançando na unificação dos Exércitos Ultramarino e Metropolitano. No entanto, as forças militares das províncias ultramarinas continuam a ter a sua estrutura assente em quadros oriundos da metrópole que enquadravam militares do recrutamento provincial.
Os Decretos-Leis nºs 425654 e 43351 de 7 de Outubro de 1959 e 24 de Novembro de 1960, respectivamente, definem e desenvolvem o que deveria ser o Dispositivo Militar Metropolitano e Ultramarino.
Para a Província da Guiné, constituída como Comando Territorial Independente, além do Quartel-General, estava previsto a existência de quatro companhias de caçadores e uma bateria de artilharia de campanha. Além destas unidades, as províncias ultramarinas eram reforçadas com unidades expedicionárias, idas da metrópole, de acordo com as necessidades e/ou a situação de cada província.
No início das Campanhas de África (1961-1974) havia a 1ª Companhia de Caçadores e a 4ª Companhia de Caçadores. Para completar o dispositivo previsto faltava constituir, ainda, duas companhias de caçadores.
Em 1 de Fevereiro de 1961, constitui-se um pelotão, adstrito à 1ª Companhia de Caçadores, que viria a ser o embrião de uma nova unidade. Assim, com um dispositivo de 2 pelotões, foi criada a 3ª Companhia de Caçadores Indígenas que, em 1 de Agosto de 1961, foi colocada em Nova Lamego, ficando integrada no dispositivo de manobra do Batalhão de Caçadores 238, estacionada em Bambadinca que tinha à sua responsabilidade o Sector Leste, que abrangia os concelhos de Bafatá e Gabú (Nova Lamego).
Esta nova companhia de recrutamento local, enquadrada por metropolitanos, deslocou efectivos para Piche e Pirada. Posteriormente, deslocou forças para guarnecer as povoações de Buruntuma, Bajucunda, Cabuca e Canquelifá. Efectuou diversas operações de patrulhamento nas regiões de Beli e Madina do Boé, onde instalou dois pelotões em 6 de Maio de 1963. Destacou ainda, em diversas ocasiões e de acordo com as necessidades operacionais, forças para reforço ou guarnição de diversas localidades, além das já referidas, nomeadamente Geba, Contubuel, Canjadude e Cheche.
Em 1 de Abril de 1967 e no âmbito da reestruturação das unidades de recrutamento local já definidas no final da década de 50, passa a designar-se como Companhia de Caçadores nº 5 e fixa a sua localização em Nova Lamego, mantendo forças destacadas em Canjadude, Cheche e Cabuca.
Com a criação do subsector de Canjadude e integrado no dispositivo de manobra do Batalhão estacionado em Nova Lamego e responsável pelo entretanto criado Sector L3, foi a Companhia de Caçadores nº 5 transferida em 14 de Julho de 1968 para este subsector, do qual assumiu a responsabilidade.
Como a Unidade ainda mantinha pelotões a guarnecer os aquartelamentos de Cabuca e Cheche, foi o subsector de Canjadude reforçado pela Companhia de Artilharia nº 2238, que fez deslocar um grupo de combate para reforço da guarnição do Che-che em 4 de Julho de 1968. O dispositivo era complementado com uma Esquadra do Pelotão de Morteiros nº 2105 e o Pelotão de Milícia nº 254 da Companhia de Milícias nº 18.
Com o fim da Operação Mabecos Bravios, realizada entre 2 e 7 de Fevereiro de 1969 e que procedeu à retirada da guarnição do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento do Cheche, junto ao Rio Corubal, a guarnição deste destacamento reuniu-se à sua unidade em Canjadude.
Quando em 20 de Abril de 1969, o grupo de combate destacado em Cabuca foi rendido por outra unidade, e a CART 2338 foi transferida para Nova Lamego, o aquartelamento de Canjadude passou a dispor da totalidade dos elementos da CCA5 5, passando a ser a unidade de fronteira com a zona do Boé, a partir de Nova Lamego.
Como todas as unidades em quadrícula, teve a seu cargo o reordenamento da povoação de Canjadude, com a construção de casas em adobe e, no início, cobertas de capim. Em 1969 iniciou, em local construído para o efeito, as aulas para as crianças e escola regimental, que eram leccionadas, respectivamente, pelo sargento enfermeiro e o sargento de transmissões. Posteriormente, e com melhor organização, foi constituído o Posto Escolar Militar nº 45, tendo nele leccionado além de vários oficiais e sargentos, soldados de Acção Psicossocial.
Esta unidade sempre dispôs de praças do recrutamento provincial, não só nas especialidades combatentes mas também em vários serviços, à excepção de transmissões. Só em Junho de 1973 foi aumentado ao efectivo um soldado do recrutamento local com a especialidade de Transmissões de Infantaria.
No que respeita a sargentos, desde o início da unidade até Outubro de 1970, teve ao seu serviço um 2º Sargento Enfermeiro, do recrutamento local, que prestou inúmeros serviços não só aos militares, mas também à população civil. Só em Maio de 1973 é que foram colocados cinco Furriéis Milicianos do rutamento local com a especialidade de Atiradores.
A Companhia de Caçadores nº 5 teve como comandantes:
- o Capitão Miliciano de Infantaria Barros e Silva (Abril de 1967 -Junho de 1968);
- o Capitão de Cavalaria Pacífico dos Reis (Junho de 1968- Setembro de 1969);
- o Capitão de Infantaria Ferreira de Oliveira (Setembro de 1969-Março de 1970);
- o Capitão de Infantaria Gaspar Guerra (Março de 1970- Maio de 1970);
- o Capitão de Infantaria Silveira Costeira (Maio de 1970-Abril de 1972);
- o Capitão de Cavalaria Figueiredo de Barros (Abrild e 1972-Maio de 1973);
- e o Capitão Miliciano de Infantaria Silva de Mendonça (Maio de 1973-Agosto de 1974).
Como comandantes interinos houve vários Alferes Milicianos que assumiam o comando na ausência e/ou impedimento dos titulares.
Apesar da vasta Zona de Acção que tinha de patrulhar, ainda em diversos períodos de 1970 e 1971, destacou pelotões para reforço de Nova Lamego, Buruntuma e Copá, cuja ausência se reflectiu no estado psicológico e de estado de saúde geral, devido ao esforço dispendido, apesar de os patrulhamentos não poderem ser efectuados por períodos longos nem muito para além das áreas adjacentes ao aquartelamento.
Nas diversas operações que efectuou ao longo do período da sua existência, destacam-se a intercepção de um grupo IN que atravessava o Rio Corubal, num barco pneumático, cujos ocupantes foram abatidos ou se afogaram na tentativa de fuga, e outra na região do Siai em que se destaca a captura de 70 granadas de armas pesadas, 10 minas e 650 quilos de munições de armas ligeiras.
De composição maioritariamente da etnia Fula instalada em chão Mandinga, registaram-se alguns atritos com a população civil, nomeadamente após o ataque ao aquartelamento de Canjadude efectuado em 3 de Agosto de 1970 e, quando na época seca, os civis fechavam os poços para que os militares não pudessem utilizar a água, mas que foram rapidamente sanados.
O número de militares que passaram por esta unidade deve rondar o milhar, correspondendo três quartos destes a efectivos do recrutamento local.
Quanto a baixas teve, no período da sua existência, 16 mortos em combate ou por doença, incluindo 5 metropolitanos, sofrendo ainda, no período de Janeiro de 1970 a Julho de 1973, pelos registos existentes, 23 feridos dos quais alguns tiverem de ser evacuados para o Hospital Militar de Bissau.
À Companhia de Caçadores nº 5 foi conferido um louvor pelo Comandante do Batalhão de Caçadores nº 2893, em Ordem de Serviço nº 231 de 7 de Setembro de 1971, tendo o mesmo sido considerado como concedido pelo Brigadeiro Comandante Militar, por despacho de 18 de Outubro de 1971.
Grande parte dos elementos da unidade foram louvados pelo seu comandante em exercício, sendo a maior parte destes considerado como concedidos pelo Comando do Batalhão e muitos destes foram considerados como concedidos pelo Brigadeiro Comandante Militar. Em 1967 um dos soldados africanos foi condecorado com a Cruz de Guerra de 4ª Classe.
Em 20 de Agosto de 1974 e já na fase de retracção do dispositivo, depois de todos os militares do recrutamento local terem passado à disponibilidade, foi o aquartelamento de Canjadude desactivado e entregue aos militares do PAIGC, sendo extinta a Companhia que usou como emblema as armas da Guiné Portuguesa, tendo sobreposto um GATO PRETO e usando a divisa JUSTOS E VALOROSOS.
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Bibliografia:
Resenha Histórico-Militar das Campanhas de Africa (1961-1974) Edição do Estado Maior do Exército – 1º Volumes; 3º Volume, 7º Volume (Tomo II) e 8º Volume (Tomo II – Livros 1 e 2).
Meio Século de Lutas no Ultramar do Tenente-coronel BELLO DE ALMEIDA – edição da Sociedade de Geografia de Lisboa – 1937
C.Caç 5 – História da Unidade - Arquivo Histórico Militar.
Guiné 63/74 - P669: Do Porto a Bissau (5): já se vê neve no Atlas (Albano Costa / Zélia)
1. Notícias enviadas pelo Albano (9h13):
Caro amigo LG:
Cá estou eu mais uma vez para ir dando notícias, sobre os mosqueteiros... Tudo vai correndo bem, perderam-se um pouco por Tanger, mas já tudo voltou à estrada, e já chegaram a Marraqueche, e por lá vão pernoitar e conhecer um pouco a cidade.
Depois é meter os pés ao caminho e andar até à próxima cidade. Eu bem gostaria de ilustrar com umas fotos, já pedi ao Hugo mas não tem sido possível ele poder enviar nem que seja só uma imagem deles no deserto... Temos de compreender... não pode ser como nós estamos habituados.
Um abraço, Albano
2. Notícias enviadas pela Zélia, mulher do Allen e mãe da Inês, às 16h32:
A malta vai bem disposta, dormiram em Marraqueche e já hoje viram neve no cume do Atlas. Neste mesmo minuto estou a receber mensagem da minha filha, pois antes de iniciar este email, pedi-lhe a posição onde iam, mas a resposta dá mais logo pois vai a conduzir. A minha intenção era poder transmitir-te algo mais".
Caro amigo LG:
Cá estou eu mais uma vez para ir dando notícias, sobre os mosqueteiros... Tudo vai correndo bem, perderam-se um pouco por Tanger, mas já tudo voltou à estrada, e já chegaram a Marraqueche, e por lá vão pernoitar e conhecer um pouco a cidade.
Depois é meter os pés ao caminho e andar até à próxima cidade. Eu bem gostaria de ilustrar com umas fotos, já pedi ao Hugo mas não tem sido possível ele poder enviar nem que seja só uma imagem deles no deserto... Temos de compreender... não pode ser como nós estamos habituados.
Um abraço, Albano
2. Notícias enviadas pela Zélia, mulher do Allen e mãe da Inês, às 16h32:
A malta vai bem disposta, dormiram em Marraqueche e já hoje viram neve no cume do Atlas. Neste mesmo minuto estou a receber mensagem da minha filha, pois antes de iniciar este email, pedi-lhe a posição onde iam, mas a resposta dá mais logo pois vai a conduzir. A minha intenção era poder transmitir-te algo mais".
Guiné 63/74 - P668: Do Porto a Bissau (4): A fortaleza de Schengen retém 20 caixas de material médico-cirúrgico (Zélia)
A Zélia mandou-me ontem notícas, às 15h48, que não pude inserir no blogue por falta de tempo (tive que ir e vir Funchal), e que a assim (excerto):
(...) O principal motivo era dar-te noticias da nossa gente,pois ontem e já hoje lançaste notécias deles... Pois é, lá está um dos meus dois tesouros, a minha Inês que faz 27 anos em Agosto e tirou férias, incentivada por mim «,para ir conhecer a Guiné, pois ela tem Formatura em Design de Equipamentos e a partir de 1 Maio efectiva na fábrica de mobiliário onde vem trabalhando em part-time quase há um ano porque há 5 que trabalha no Jornal O JOGO, das 18 às 2 da manhã ,de onde se vai agora desvincular... Era lá efectiva.. Tem também o bacharelato em Design Gráfico e faz lá a montagem das páginas do jornal que concerteza já tantas vezes leste (se por acaso te interesses por desporto).
A talho de foice, posso dizer-te que nesta área ela praticou Atletismo como velocista, tendo passado por alguns clubes além do FCP. Chegou a subir ao Pódio como Campeã Nacional.Além disto é bonita (parece mal a mãe dizer?), simpática, prestativa e alegre, o que julgo ajudar nesta viagem.
Hoje,falando mesmo ou através de mensagens,já contactámos umas 6 vezes, pois como ontem e já em Ceuta o jipe teve que ficar no posto fronteiriço pois implicaram com as caixas de material cirúrgico(soro e seringas) destinadas aos hospitais... Pernoitaram no hotel IBIS, convencidos que seriam liberados logo pela manhã, mas acabei de saber que tiveram que deixar lá as 20 caixas desse material pois não deixaram seguir.
Vale a pena alguém de boa vontade tentar ajudar quem mais precisa, caso de países como a Guiné, quando a burocracia criada por OUTROS não deixa ou não quer?
Além do desalento causado por este incidente - pois conheço bem o Xico e o empenho que teve para angariar estas coisa -, foi o tempo que ali perderam, pois julgando eu que por esta altura já iriam bem mais adiante, seriam 14h de cá quando estavam a passar Tânger.
Agora, permita Deus que nada mais os atrapalhe pois sempre tem havido problemas na fronteira do Senegal.
Sempre que possível vou-te dando notícias, pois com a minha filha lá o meu telemóvel não vai ter descanso (estava habituada em situações idênticas a fazer o mesmo com o Xico, só que ele resmungava sempre).
Um grande abraço e até logo,quem sabe!?
Zélia
(...) O principal motivo era dar-te noticias da nossa gente,pois ontem e já hoje lançaste notécias deles... Pois é, lá está um dos meus dois tesouros, a minha Inês que faz 27 anos em Agosto e tirou férias, incentivada por mim «,para ir conhecer a Guiné, pois ela tem Formatura em Design de Equipamentos e a partir de 1 Maio efectiva na fábrica de mobiliário onde vem trabalhando em part-time quase há um ano porque há 5 que trabalha no Jornal O JOGO, das 18 às 2 da manhã ,de onde se vai agora desvincular... Era lá efectiva.. Tem também o bacharelato em Design Gráfico e faz lá a montagem das páginas do jornal que concerteza já tantas vezes leste (se por acaso te interesses por desporto).
A talho de foice, posso dizer-te que nesta área ela praticou Atletismo como velocista, tendo passado por alguns clubes além do FCP. Chegou a subir ao Pódio como Campeã Nacional.Além disto é bonita (parece mal a mãe dizer?), simpática, prestativa e alegre, o que julgo ajudar nesta viagem.
Hoje,falando mesmo ou através de mensagens,já contactámos umas 6 vezes, pois como ontem e já em Ceuta o jipe teve que ficar no posto fronteiriço pois implicaram com as caixas de material cirúrgico(soro e seringas) destinadas aos hospitais... Pernoitaram no hotel IBIS, convencidos que seriam liberados logo pela manhã, mas acabei de saber que tiveram que deixar lá as 20 caixas desse material pois não deixaram seguir.
Vale a pena alguém de boa vontade tentar ajudar quem mais precisa, caso de países como a Guiné, quando a burocracia criada por OUTROS não deixa ou não quer?
Além do desalento causado por este incidente - pois conheço bem o Xico e o empenho que teve para angariar estas coisa -, foi o tempo que ali perderam, pois julgando eu que por esta altura já iriam bem mais adiante, seriam 14h de cá quando estavam a passar Tânger.
Agora, permita Deus que nada mais os atrapalhe pois sempre tem havido problemas na fronteira do Senegal.
Sempre que possível vou-te dando notícias, pois com a minha filha lá o meu telemóvel não vai ter descanso (estava habituada em situações idênticas a fazer o mesmo com o Xico, só que ele resmungava sempre).
Um grande abraço e até logo,quem sabe!?
Zélia
quinta-feira, 6 de abril de 2006
Guiné 63/74 - P667: Do Porto a Bissau (3): o pequeno almoço no Porto Alto (Moura Ferreira)
Porto Alto, Vila Franca de Xira > 5 de Abril de 2006 > O Hugo Moura Ferreira estava à espera dos seis mosqueteiros (como lhes chama o Albano) para tomar com eles o pequeno almoço... Um gesto bonito, solidário, próprio de um verdadeiro amigo, camarada e tertuliano... (LG)
© Hugo Moura Ferreira (2006)
Texto do Moura Ferreira:
Caro Luís:
Aqui seguem já algumas das fotos referentes às primeiras horas de viagem dos nossos camaradas, com destino à Guiné-Bissau.
Foram fotos tomadas no Porto Alto, próximo de Vila Franca de Xira, onde eu os estava esperando, para tomarem o pequeno-almoço e para lhes desejar o melhor para a viagem.
Chovia que Deus a dava. Interpretámos isso como de bom augúrio e como que um baptismo.
Como podes verificar iam que "nem sardinhas em lata". Então a filha do Francisco Allen, coitada, até seguia instalada conjuntamente com as bagagens, como podes verificar. Só desejo é que quem vai nos bancos de trás não venha a sentir cãibras, pois se assim for muitas hão-de ter até lá. Mas como quem corre por gosto... Se tivesse tido possibilidade, até eu tinha ido em cima dos meus 183 cm.
Das fotos escolhe as que entenderes e usa-as como quiseres. Quanto a legendas, se fazes favor… imagina-as.
Um abraço.
Hugo Moura Ferreira
Ex-Alf Mil Inf (1966/1968)
CCAÇ 1621 e CCAÇ 6
Como podes verificar iam que "nem sardinhas em lata". Então a filha do Francisco Allen, coitada, até seguia instalada conjuntamente com as bagagens, como podes verificar. Só desejo é que quem vai nos bancos de trás não venha a sentir cãibras, pois se assim for muitas hão-de ter até lá. Mas como quem corre por gosto... Se tivesse tido possibilidade, até eu tinha ido em cima dos meus 183 cm.
Das fotos escolhe as que entenderes e usa-as como quiseres. Quanto a legendas, se fazes favor… imagina-as.
Um abraço.
Hugo Moura Ferreira
Ex-Alf Mil Inf (1966/1968)
CCAÇ 1621 e CCAÇ 6
Guiné 63/74 - P666: Do Porto a Bissau (2): a partida (Albano Costa)
Do Porto a Bissau: O grupo de seis que partiu, de jipe, em viagem por terra, até à nossa querida Guiné-Bissau... De joelhos, o Hugo e o Allen (da esquerda para a direita); de pé, na segunda fila, reconheço a filha do Allen, a Inês, junto ao jipe e o A.Marques Lopes (o segundo, a contar da esquerda para a direita)...
Os outros dois elementos da comitiva são também antigos combatentes da Guiné. Segundo explicação do Albano, "o mais velho é o Armindo Pereira, esteve em Jumbembem [a norte de Farim, região do Oio], já é repetente nestas idas à Guiné e de de tal forma que quando o Allen lá vai ele vai sempre... O mais novo e calvo é o Manuel Costa (meu primo), esteve em Canjabari [ a oeste de Farim, na região do Oio] e Chugué [a norte de Bedanda, na região de Quínara] ".
Em cima, o Allen ao volante e junto à janela, do banco de trás, o nosso coronel Marques Lopes... Que a sorte os proteja, já que são audazes e solidários... Vê-se que o jipe vai cheio qe nem um ovo e que o Allen conseguiu alguns apoios e patrocínios de empresas do Norte. Em princípio, o jipe vai ficar em Bissau, como apoio logístico para futuras viagens, devendo o pessoal (os seis da comitiva) regressar de avião a Portugal (LG).
Duas notícias enviadas pelo Albano Costa, uma ontem, às 8h23 da manhâ; outra, já esta madrugada, às 00h23.
Texto e fotos do © Albano Costa (2006):
1. Caro LG
Às sete em ponto [do dia 5 de Abril de 2006] lá partiram os seis mosqueteiros , à aventura, com destino à Guiné-Bissau... Fez-me recordar um pouco aquelas partidas que se faziam para mais uma comissão, hà muitos anos atrás...
Sempre ia lá o Hugo e a Inês, dois jovens filhos de ex-combatentes (1)... Lembrei-me como as mães sofriam com a partida dos seus filhos...
Eles e os demais companheiros de viagem mostravam todos um misto de euforia contida e de apreensão mas no fundo todos iam contentes por esta aventura. Sempre é o baptismo nestas coisas para todos menos o Allen, que já é repetente (2)...
Vamos torcer todos para que daqui por cinco/seis dias eles cheguem à Guiné-Bissau com toda a segurança.
Um abraço para todos os tertulianos, Albano
2. Caro Luís Graça:
Estou só a informar que a comitiva lá vai andando de vagar, de vagarinho, mas lá vai indo... Fizeram a travessia para Marrocos, às 11 horas (hora espanhola). Neste momento já se encontram do lado de lá, agora vão pernoitar e descansar até amanhã, que já é outro dia, e cada vez a Guiné fica mais próxima.
Um abraço, Albano
____________
Notas de L.G.:
(1) O Hugo e a Inês são filhos, respectivamente, do Albano Costa e do Xico Allen (e da Zélia).
(2) O A. Marques Lopes já tinha ido à Guiné em 1998; mas, em termos de viagem por terra, é um novato, como os restantes (com excepção do Xico)...
quarta-feira, 5 de abril de 2006
Guiné 63/74 : P665: O outro Carlos Fabião (3) (Rui Felício)
Texto do Rui Felício (ex-Alf Mil Inf., CCAÇ 2405, Dulombi, 1968/70)
Meu Caro Luis Graça,
Sei que acabas por ser o pivot de desencontrados sentimentos que o teu blogue saudavelmente proporciona.
Tal como outros já o disseram, também eu preferia não alimentar polémicas sobre o passado da Guiné, que é afinal o espaço que nos une a todos, independentemente das naturais diferenças de pensamento que são próprias dos homens.
Assim consigamos respeitá-las mutuamente...que é isso que enobrece a alma humana.
Ficaria sossegado no meu canto, a observar as opiniões dos tertulianos a propósito da morte do CARLOS FABIÃO, sem nenhuma intenção de intervir, se não acabasse neste mesmo momento de ler um e-mail do Zé Teixeira em resposta a um outro do J.Vacas de Carvalho (meu contemporâneo na E.P.I. em Mafra).
O Zé Teixeira afirma que o Carlos Fabião que conheceu na Guiné não é o mesmo que o Vacas de Carvalho retrata no seu e-mail.
E eu acredito que o Zé Teixeira fale verdade. Mas não precisava que o Vacas de Carvalho escrevesse o que escreveu para saber que o que este diz também é verdade...
Ou seja, ambos retratam o mesmo homem, em tempos diferentes mas próximos, com dois comportamentos completamente antagónicos!
Como é isto possivel?
O problema é que os homens coerentes e verdadeiros não mudam de um ano para o outro!
Mas infelizmente outros que conheci na Guiné, do quadro permanente, também sofreram essa mudança pela simples varinha mágica do 25 de Abril, passando de oficiais louvados e até condecorados pelo regime então vigente, para de repente se transformarem em revolucionários que não eram, progressistas que antes eram conservadores, falsos emocratas que antes eram autoritários...
Em suma: Cavalgaram a onda que os trazia à praia, para se salvarem de morrer afogados!
Os verdadeiros homens mantêm seus ideais independentemente da onda que os carrega e são coerentes consigo mesmos.
Os outros, os que o não são, adulam o chefe seja ele qual for, para se manterem na crsita da onda.
Há uma enorme diferença entre os dois tipos de homem e eu, que quero continuar a pertencer aos primeiros, digo como o Vacas de Carvalho: Ainda admito, por respeito para com a morte de alguém, que a Família do Carlos Fabião sofra com o seu passamento.
Mas não me peçam para cantar loas aos que quase destruiram o nosso Portugal após o 25 de Abril!
Rui Felício
ex Alf Mil Inf
CCAÇ 2405
Meu Caro Luis Graça,
Sei que acabas por ser o pivot de desencontrados sentimentos que o teu blogue saudavelmente proporciona.
Tal como outros já o disseram, também eu preferia não alimentar polémicas sobre o passado da Guiné, que é afinal o espaço que nos une a todos, independentemente das naturais diferenças de pensamento que são próprias dos homens.
Assim consigamos respeitá-las mutuamente...que é isso que enobrece a alma humana.
Ficaria sossegado no meu canto, a observar as opiniões dos tertulianos a propósito da morte do CARLOS FABIÃO, sem nenhuma intenção de intervir, se não acabasse neste mesmo momento de ler um e-mail do Zé Teixeira em resposta a um outro do J.Vacas de Carvalho (meu contemporâneo na E.P.I. em Mafra).
O Zé Teixeira afirma que o Carlos Fabião que conheceu na Guiné não é o mesmo que o Vacas de Carvalho retrata no seu e-mail.
E eu acredito que o Zé Teixeira fale verdade. Mas não precisava que o Vacas de Carvalho escrevesse o que escreveu para saber que o que este diz também é verdade...
Ou seja, ambos retratam o mesmo homem, em tempos diferentes mas próximos, com dois comportamentos completamente antagónicos!
Como é isto possivel?
O problema é que os homens coerentes e verdadeiros não mudam de um ano para o outro!
Mas infelizmente outros que conheci na Guiné, do quadro permanente, também sofreram essa mudança pela simples varinha mágica do 25 de Abril, passando de oficiais louvados e até condecorados pelo regime então vigente, para de repente se transformarem em revolucionários que não eram, progressistas que antes eram conservadores, falsos emocratas que antes eram autoritários...
Em suma: Cavalgaram a onda que os trazia à praia, para se salvarem de morrer afogados!
Os verdadeiros homens mantêm seus ideais independentemente da onda que os carrega e são coerentes consigo mesmos.
Os outros, os que o não são, adulam o chefe seja ele qual for, para se manterem na crsita da onda.
Há uma enorme diferença entre os dois tipos de homem e eu, que quero continuar a pertencer aos primeiros, digo como o Vacas de Carvalho: Ainda admito, por respeito para com a morte de alguém, que a Família do Carlos Fabião sofra com o seu passamento.
Mas não me peçam para cantar loas aos que quase destruiram o nosso Portugal após o 25 de Abril!
Rui Felício
ex Alf Mil Inf
CCAÇ 2405
Guiné 63/74 - P664: O outro Carlos Fabião (2) (José Teixeira)
Texto do Zé Teixeira (ex- 1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).
O homem e militar que conheci na Guiné, não foi o que o J. Vacas de Carvalho descreve.
Na conjuntura da guerra que vivi, considero-o um dos poucos oficiais do quadro permanente que sabiam assumir a sua missão de forma integra, cordial e respeitadora do pessoal sobre o seu comando.
A conjuntura que se viveu pós 25 de Abril teve outros contornos que me parece muitas vezes ultrapassaram as barreiras dos próprios órgãos de comando, isto sem querer desculpar ninguém, naturalmente.
Zé Teixeira
O homem e militar que conheci na Guiné, não foi o que o J. Vacas de Carvalho descreve.
Na conjuntura da guerra que vivi, considero-o um dos poucos oficiais do quadro permanente que sabiam assumir a sua missão de forma integra, cordial e respeitadora do pessoal sobre o seu comando.
A conjuntura que se viveu pós 25 de Abril teve outros contornos que me parece muitas vezes ultrapassaram as barreiras dos próprios órgãos de comando, isto sem querer desculpar ninguém, naturalmente.
Zé Teixeira
Guiné 63/74 - P663: O outro Carlos Fabião (1) (J. Vacas de Carvalho)
Guiné > Zona Leste > Xitole > 1970 > O Alf Mil Cav J. Vacas de Carvalho, comandante do Pelotão de Reconhecimento Daimler 2206 (Bambadinca, 1969/71), à chegada de uma coluna logística ao Xitole.
© Humberto Reis (2006)
Texto do J. Vacas de Carvalho:
Camaradas e Amigos:
Não é intenção minha criar, aqui, um espaço de debate politico ou ideológico. Todos somos livres de ter as nossa ideias e não é por isso, que se pode pôr em causa a nossa amizade ou tornear memórias.
O General Carlos Fabião foi, como nós, um militar que esteve, também, na Guiné.
Depois do 25 de Abril, fez uma opção ideológica, que não tem nada a ver comigo. Não me esqueço do juramento de Bandeira, de punho erguido, que mandou fazer no Ralis. Não me esqueço da bandalheira a que chegaram os nossos militares, quando ele foi o Chefe das Forças Armadas, que tive orgulho em servir.
Não me esqueço, que por causa disso, directa ou indirectamente, morreram em Angola, Moçambique, Timor e Guiné, milhares de pessoas. Entre eles alguns que combateram ao nosso lado (CCAÇ 12, Comandos, etc).
Que a família e os amigos tenham sentido a morte dele, ainda vá.EU NÃO CONSIGO.
Um abraço a todos
J. Vacas de Carvalho
© Humberto Reis (2006)
Texto do J. Vacas de Carvalho:
Camaradas e Amigos:
Não é intenção minha criar, aqui, um espaço de debate politico ou ideológico. Todos somos livres de ter as nossa ideias e não é por isso, que se pode pôr em causa a nossa amizade ou tornear memórias.
O General Carlos Fabião foi, como nós, um militar que esteve, também, na Guiné.
Depois do 25 de Abril, fez uma opção ideológica, que não tem nada a ver comigo. Não me esqueço do juramento de Bandeira, de punho erguido, que mandou fazer no Ralis. Não me esqueço da bandalheira a que chegaram os nossos militares, quando ele foi o Chefe das Forças Armadas, que tive orgulho em servir.
Não me esqueço, que por causa disso, directa ou indirectamente, morreram em Angola, Moçambique, Timor e Guiné, milhares de pessoas. Entre eles alguns que combateram ao nosso lado (CCAÇ 12, Comandos, etc).
Que a família e os amigos tenham sentido a morte dele, ainda vá.EU NÃO CONSIGO.
Um abraço a todos
J. Vacas de Carvalho
Guiné 63/74 - P662: Carlos Fabião, sete momentos de intervenção (Afonso Sousa)
Guiné > Bissau > o Afonso Sousa (CART 2412, 1968/70) junto à estátua de mais um pacificador da Guiné, dos primeiros anos da República.
© Afonso M. F. Sousa (2006)
Texto do Afonso M. F. Sousa (ex-furriel miliciano de transmissões, CART 2412, 1968/70).
Para um conhecimento mais preciso do homem e do militar.
Carlos Fabião: mais um dos militares de Abril que parte.
Do seu percurso de militar, sobretudo nos primeiros tempos da revolução de Abril, Fabião sobessai como uma figura que parece trepar a montanha da revolução por vertente diferente da dos seus camaradas.
...Os seus comportamentos, são questionáveis. Mostram, por vezes, um homem enigmático...uma figura que parece fazer suscitar algumas dúvidas ou objecções !
É necessário um melhor conhecimento do homem, do cidadão e do militar Carlos Fabião, para uma melhor análise e entendimento do seu verdadeiro ideal, no contexto da revolução e da descolonização.
Atentemos nos seguintes sete momentos (entre outros possíveis) da sua intervenção no processo e período revolucionários:
1) - Os seus instintos de democrata já se evidenciaram, e de forma corajosa, em finais de 1973, quando numa aula do Instituto de Altos Estudos Militares fez a denúncia de um golpe de estado de direita em preparação, que seria conduzido por Kaúlza de Arriaga e onde estariam também Silva Cunha e Silvino Silvério Marques.
2) - Aquando do convite do Presidente da República, General António de Spínola, para assumir o governo transitório da Guiné, escreveu-lhe uma carta em que, a dada altura, dizia: "O senhor tem o direito de me pedir isto, mas está a destruir-me".
3) - Em Maio de 74, no seu discurso de tomada de posse, terminou dizendo a frase inesperada: "por uma Guiné melhor num Portugal continuamente renovado".
4) - No Verão do mesmo ano, não quis presenciar o arriar da última bandeira portuguesa, no território da Guiné. Quis trazer para a metrópole os comandantes africanos, com quem fora sempre tão cúmplice e solidário (Fabião tinha sido o criador do Corpo Especial de Milícias, quando Spínola chegou à Guiné). Ficou triste e desiludido, por este seu testemunho de gratidão não ter sido concretizado e, por vicissitudes várias, até impedido.
5) - De regresso à metrópole haveria de ser convidado para formar governo, sucedendo a Vasco Gonçalves. Declinou o convite. Da sua escusa, mais tarde, haveria de justificar: "Eu, para formar Governo precisava de apoio total dos 'gonçalvistas' que não mo iriam dar. Os 'otelistas' (...) também não. Quanto aos Nove (...), a força deles nessa altura era quase só conspiratória."
6) - No Verão quente de 75, acaba afastado da vida militar activa, na sequência do 25 de Novembro, mas nunca recriminou os que o ostracizaram. Dizem que foi uma atitude incompreensível, injusta e iníqua.
7) - O papel de Carlos Fabião no exemplar processo de descolonização da Guiné merece sempre ser destacado pelos altos serviços prestados a Portugal, mas só muito recentemente foi reconhecido pelo Presidente da República, ao atribuir-lhe a Ordem da Liberdade. Porquê só agora ?
Ao afigurar-se como um um militar diferente do da grande maioria dos seus camaradas, fazedores do 25 de Abril, todas as reflexões parecem importantes para dissipar dúvidas e fazer brotar alguma clarificação na indubitável definição do perfil e do carácter de Carlos Fabião.
Testemunhos pessoais dizem dele um homem de poucas palavras, muito observador e de uma rectidão extrema e sobretudo muito humano. Sempre muito preocupado com os seus homens, em todos os aspectos: segurança, saúde, alimentação. Um bom estratega e um grande militar.
Homem de carácter íntegro, de exemplaridade de comportamento moral e de honestidade e simplicidade incomensuráveis.
Que a história lhe faça a devida justiça.
Afonso Sousa
© Afonso M. F. Sousa (2006)
Texto do Afonso M. F. Sousa (ex-furriel miliciano de transmissões, CART 2412, 1968/70).
Para um conhecimento mais preciso do homem e do militar.
Carlos Fabião: mais um dos militares de Abril que parte.
Do seu percurso de militar, sobretudo nos primeiros tempos da revolução de Abril, Fabião sobessai como uma figura que parece trepar a montanha da revolução por vertente diferente da dos seus camaradas.
...Os seus comportamentos, são questionáveis. Mostram, por vezes, um homem enigmático...uma figura que parece fazer suscitar algumas dúvidas ou objecções !
É necessário um melhor conhecimento do homem, do cidadão e do militar Carlos Fabião, para uma melhor análise e entendimento do seu verdadeiro ideal, no contexto da revolução e da descolonização.
Atentemos nos seguintes sete momentos (entre outros possíveis) da sua intervenção no processo e período revolucionários:
1) - Os seus instintos de democrata já se evidenciaram, e de forma corajosa, em finais de 1973, quando numa aula do Instituto de Altos Estudos Militares fez a denúncia de um golpe de estado de direita em preparação, que seria conduzido por Kaúlza de Arriaga e onde estariam também Silva Cunha e Silvino Silvério Marques.
2) - Aquando do convite do Presidente da República, General António de Spínola, para assumir o governo transitório da Guiné, escreveu-lhe uma carta em que, a dada altura, dizia: "O senhor tem o direito de me pedir isto, mas está a destruir-me".
3) - Em Maio de 74, no seu discurso de tomada de posse, terminou dizendo a frase inesperada: "por uma Guiné melhor num Portugal continuamente renovado".
4) - No Verão do mesmo ano, não quis presenciar o arriar da última bandeira portuguesa, no território da Guiné. Quis trazer para a metrópole os comandantes africanos, com quem fora sempre tão cúmplice e solidário (Fabião tinha sido o criador do Corpo Especial de Milícias, quando Spínola chegou à Guiné). Ficou triste e desiludido, por este seu testemunho de gratidão não ter sido concretizado e, por vicissitudes várias, até impedido.
5) - De regresso à metrópole haveria de ser convidado para formar governo, sucedendo a Vasco Gonçalves. Declinou o convite. Da sua escusa, mais tarde, haveria de justificar: "Eu, para formar Governo precisava de apoio total dos 'gonçalvistas' que não mo iriam dar. Os 'otelistas' (...) também não. Quanto aos Nove (...), a força deles nessa altura era quase só conspiratória."
6) - No Verão quente de 75, acaba afastado da vida militar activa, na sequência do 25 de Novembro, mas nunca recriminou os que o ostracizaram. Dizem que foi uma atitude incompreensível, injusta e iníqua.
7) - O papel de Carlos Fabião no exemplar processo de descolonização da Guiné merece sempre ser destacado pelos altos serviços prestados a Portugal, mas só muito recentemente foi reconhecido pelo Presidente da República, ao atribuir-lhe a Ordem da Liberdade. Porquê só agora ?
Ao afigurar-se como um um militar diferente do da grande maioria dos seus camaradas, fazedores do 25 de Abril, todas as reflexões parecem importantes para dissipar dúvidas e fazer brotar alguma clarificação na indubitável definição do perfil e do carácter de Carlos Fabião.
Testemunhos pessoais dizem dele um homem de poucas palavras, muito observador e de uma rectidão extrema e sobretudo muito humano. Sempre muito preocupado com os seus homens, em todos os aspectos: segurança, saúde, alimentação. Um bom estratega e um grande militar.
Homem de carácter íntegro, de exemplaridade de comportamento moral e de honestidade e simplicidade incomensuráveis.
Que a história lhe faça a devida justiça.
Afonso Sousa
Guiné 63/74 - P661: Do Porto a Bissau (1): o jipe está de saída (Albano Costa)
1. Texto e fotos de Albano Costa (que desta vez não vai, fica cá de castigo, mas manda o filho, o Hugo):
Caro Luís Graça:
Estas são as primeiras fotos e carregar o jipe... Isto é o que dá mais dores de cabeça, é o acomodar a mercadoria... Olha, era tanta que teve de ficar cá alguma mas um dia vai lá chegar... As fotos ilustram um pouco da azáfama dos elementos da equipa (entre eles, os nossos tertulianos A. Marques Lopes e Xico Allen) a preparar o jipe.
Depois mando a foto da partida... Um abraço, até logo, Albano-
2. Em homenagem aos nossos valentes camaradas, que partem dentro de umas escassas horas para a Guiné-Bissau, aqui fica uma conhecida letra, belíssima, do Fausto, inspirada na Peregrinação do nosso tuga Fernão Mendes Pinto (c. 1510-1583), e que faz parte do seu álbum musical Por Este Rio Acima (1982), uma obra-prima da música popular portuguesa... L.G.
O barco vai de saída
O barco vai de saída
Adeus ao cais de Alfama
Se agora vou de partida
Levo-te comigo ó cana verde
Lembra-te de mim ó meu amor
Lembra-te de mim nesta aventura
P'ra lá da loucura
P'ra lá do Equador
Ah mas que ingrata ventura
Bem me posso queixar
da Pátria a pouca fartura
Cheia de mágoas ai quebra-mar
Com tantos perigos ai minha vida
Com tantos medos e sobressaltos
Que eu já vou aos saltos
Que eu vou de fugida
Sem contar essa história escondida
Por servir de criado essa senhora
Serviu-se ela também tão sedutora
Foi pecado
Foi pecado
E foi pecado sim senhor
Que vida boa era a de Lisboa
Gingão de roda batida
corsário sem cruzado
ao som do baile mandado
em terra de pimenta e maravilha
com sonhos de prata e fantasia
com sonhos da cor do arco-íris
desvaira se os vires
desvairas magias
Já tenho a vela enfunada
marrano sem vergonha
judeu sem coisa nem fronha
vou de viagem ai que largada
só vejo cores ai que alegria
só vejo piratas e tesouros
são pratas, são ouros,
são noites, são dias
Vou no espantoso trono das águas
vou no tremendo assopro dos ventos
vou por cima dos meus pensamentos
arrepia
arrepia
e arrepia sim senhor
que vida boa era a de Lisboa
O mar das águas ardendo
o delírio do céu
a fúria do barlavento
arreia a vela e vai marujo ao leme
vira o barco e cai marujo ao mar
vira o barco na curva da morte
e olha a minha sorte
e olha o meu azar
e depois do barco virado
grandes urros e gritos
na salvação dos aflitos
estala, mata, agarra, ai quem me ajuda
reza, implora, escapa, ai que pagode
rezam tremem heróis e eunucos
são mouros são turcos
são mouros acode!
Aquilo é uma tempestade medonha
aquilo vai p'ra lá do que é eterno
aquilo era o retrato do inferno
vai ao fundo
vai ao fundo
e vai ao fundo sim senhor
que vida boa era a de Lisboa
terça-feira, 4 de abril de 2006
Guiné 63/74 - P660: O Fabião que conheci em meados dos anos 50 (Mário Dias)
Texto do Mário Dias (ex-sargento comando, Brá, 1963/66):
O INFELIZ DESAPARECIMENTO DO FABIÃO:
Embora não tivesse lidado muito de perto com ele, conheci-o perfeitamente na Guiné em 1955 e anos seguintes. Falei com ele algumas vezes em circunstâncias mais de índole social que profissional.
Tenho, no entanto, familiares que lidaram com ele e que sempre por ele nutriram admiração:
- O Fabião foi em 1955 para a Guiné e, nessa altura como alferes, foi instrutor da recruta do meu irmão mais velho, que decorreu em Bolama;
- Mais tarde foi professor de matemática da minha irmã mais nova no liceu de Bissau. Havia vários oficiais que, por falta de professores de carreira, eram autorizados a ministrar a docência na Guiné.
A minha opinião sobre a sua conduta como interveniente em toda a história recente de Portugal, é que foi de uma exemplar lisura. Nunca chamou a si os louros dos êxitos alcançados que soube resguardar no recato da sua simplicidade.
Um abraço
Mário Dias
O INFELIZ DESAPARECIMENTO DO FABIÃO:
Embora não tivesse lidado muito de perto com ele, conheci-o perfeitamente na Guiné em 1955 e anos seguintes. Falei com ele algumas vezes em circunstâncias mais de índole social que profissional.
Tenho, no entanto, familiares que lidaram com ele e que sempre por ele nutriram admiração:
- O Fabião foi em 1955 para a Guiné e, nessa altura como alferes, foi instrutor da recruta do meu irmão mais velho, que decorreu em Bolama;
- Mais tarde foi professor de matemática da minha irmã mais nova no liceu de Bissau. Havia vários oficiais que, por falta de professores de carreira, eram autorizados a ministrar a docência na Guiné.
A minha opinião sobre a sua conduta como interveniente em toda a história recente de Portugal, é que foi de uma exemplar lisura. Nunca chamou a si os louros dos êxitos alcançados que soube resguardar no recato da sua simplicidade.
Um abraço
Mário Dias
Guine 63/74 - P659: Tabanca Grande: O ex-Fur Mil José Manuel Samouco da CCAÇ 2381 e o Major Fabião
Mensagem do nosso camarada José Manuel Samouco, ex-Fur Mil da CCAÇ 2381 (1968/70)
Camarada Luís Graça...
Apresenta-se o ex-furriel miliciano José Manuel Samouco, pertencente à Companhia de Caçadores 2381, "Os Maiorais", que passou pela Guiné entre Maio de 1968 e Abril de 1970.
Sou camarada de guerra do Zé Teixeira e, por ele viciado no blogue.
Feita a necessária mas sumária apresentação, venho, carregado de emoção, solicitar a devida autorização para me juntar a vós. Leitor atento, diário, emocionado, por tudo o que se escreve e mostra no blogue, senti hoje uma vontade enorme de me tornar participante de viva voz.
Ao ter conhecimento do falecimento do Major Carlos Fabião (para mim será sempre o Major Fabião) não resisti, e nesta hora de luto, entendi que era chegada a minha hora.
Presto a minha mais sincera homenagem ao Homem, ao Militar, ao Líder, ao Amigo, com quem tive a felicidade de conviver, sob o seu comando, em Mampatá, entre Janeiro e Maio de 1969. É certamente um momento de grande tristeza para todos aqueles que com ele privaram de perto.
O nosso novo tertuliano, o José Manuel Samouco. Foto recente.
Em próximos capítulos, não deixarei de contar algumas estórias em que me vi envolvido e das quais fazem parte o Homem que teimava em se fazer acompanhar sempre com um enorme cabo de vassoura!
Por hoje fico por aqui. O primeiro passo (normalmente o mais difícil) está dado. Anexo duas fotos. Uma com a Farda da música, obrigatória para o cartão militar, tirada em Abrantes em Janeiro de 1968 e outra recente.
Um grande abraço extensivo a todos os tertulianos e os meus parabéns pelo magnifico trabalho que tens levado a efeito.
José Manuel Samouco
Comentário de L.G.:
Camarada Samouco: Não precisas de licença para entrar nem cartas de apresentação. Basta teres pertencido aos Maiorais, a CCAÇ 2381, que a gente já tão bão bem conhece graças ao testemunho do Zé Teixeiram e que andou por Buba, Mampatá, Quebo e Empada. A caserna é tua, ou melhor, arranja um espaço para ti, acomoda-te e depois mostra o que vales... Isto é: abre lá o teu rio da memória... Bem vindo à nossa tertúlia, em meu nome e dos restantes amigos e camaradas. L.G.
Camarada Luís Graça...
Apresenta-se o ex-furriel miliciano José Manuel Samouco, pertencente à Companhia de Caçadores 2381, "Os Maiorais", que passou pela Guiné entre Maio de 1968 e Abril de 1970.
Sou camarada de guerra do Zé Teixeira e, por ele viciado no blogue.
Feita a necessária mas sumária apresentação, venho, carregado de emoção, solicitar a devida autorização para me juntar a vós. Leitor atento, diário, emocionado, por tudo o que se escreve e mostra no blogue, senti hoje uma vontade enorme de me tornar participante de viva voz.
Ao ter conhecimento do falecimento do Major Carlos Fabião (para mim será sempre o Major Fabião) não resisti, e nesta hora de luto, entendi que era chegada a minha hora.
Presto a minha mais sincera homenagem ao Homem, ao Militar, ao Líder, ao Amigo, com quem tive a felicidade de conviver, sob o seu comando, em Mampatá, entre Janeiro e Maio de 1969. É certamente um momento de grande tristeza para todos aqueles que com ele privaram de perto.
O nosso novo tertuliano, o José Manuel Samouco. Foto recente.
Em próximos capítulos, não deixarei de contar algumas estórias em que me vi envolvido e das quais fazem parte o Homem que teimava em se fazer acompanhar sempre com um enorme cabo de vassoura!
Por hoje fico por aqui. O primeiro passo (normalmente o mais difícil) está dado. Anexo duas fotos. Uma com a Farda da música, obrigatória para o cartão militar, tirada em Abrantes em Janeiro de 1968 e outra recente.
Um grande abraço extensivo a todos os tertulianos e os meus parabéns pelo magnifico trabalho que tens levado a efeito.
José Manuel Samouco
Comentário de L.G.:
Camarada Samouco: Não precisas de licença para entrar nem cartas de apresentação. Basta teres pertencido aos Maiorais, a CCAÇ 2381, que a gente já tão bão bem conhece graças ao testemunho do Zé Teixeiram e que andou por Buba, Mampatá, Quebo e Empada. A caserna é tua, ou melhor, arranja um espaço para ti, acomoda-te e depois mostra o que vales... Isto é: abre lá o teu rio da memória... Bem vindo à nossa tertúlia, em meu nome e dos restantes amigos e camaradas. L.G.
Guiné 63/74 - P658: O sentimento de um tuga... na hora da despedida (A. Marques Lopes)
Mensagem de A. Marques Lopes:
Caríssimo amigo Luís
Sabes tu, e todos os nossos amigos tertulianos, que há-de haver uma comoção e um sentimento enorme, só ultrapassável, com certeza, quando pisarmos aquele chão que marcou a nossa juventude.
Não é das minhas simpatias - e tu calculas porquê -, mas estou admirado, e sinto quase tudo o que ele diz (há as nuances das divergências, é claro), pelo que vou transmitir algumas palavras do Alpoim Calvão na Introdução do livro que o Jorge Santos, muito bem, enviou recentemente para conhecimento do blogue:
«A guerra ensinou-me muitas coisas. Entre elas, o respeito por alguns adversários, neste caso, os guerrilheiros do PAIGC, principalmente os homens do mato, corajosos, frugais e persistentes. Os dois lados em confronto, por vias diferentes, em última análise e síntese, batiam-se pelo mesmo objectivo: Uma Guiné melhor, na feliz frase do general Spínola, via da autodeterminação e independência.
"Foi uma vida cheia de movimento, de aventura, de plenitude. António Gedeão, resumiu magistralmente tudo isto, no Poema da Malta das Naus:
Com a mão esquerda benzi-me
Com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
Outras mil me levantei.
Tremi no escuro da selva,
Alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
Mulheres de todas as cores.
(In: Operação Mar Verde - Um documento para a história, de António Luís Marinho, 2006, pp. 9-10)(1)
... Claro que eu não tenho casa em Bolama, não sou amigo do Nino, mas vou sentir o que ele sentiu, de certeza:
«Aqui, da varanda da minha casa de Bolama, avisto o canal do porto e, do outro lado, São João. A pequena cidade está bastante escalavrada, mas as pessoas são hospitaleiras e afáveis. Emana do próprio lugar um encanto que não sei definir. A Guiné-Bissau é toda assim. Sinto-me solidário com estes povos e procuro, no limite das minhas pequenas possibilidades [tem lá empresas de cajú], ajudá-los a criar postos de trabalho onde possam, através do seu labor, ganhar o pão com a dignidade única que o trabalho dá... Entre eles, encontram-se alguns dos que, apanhados pelas encruzilhadas da história e pela falta de vergonha e de sentido de honra de certos portugueses, contubernais quase permanentes da mesa do poder, sofreram angústias e derramaram lágrimas. Foram meus amigos e camaradas nas Forças Armadas Portuguesas. Continuam a sê-lo.
"Estamos todos empenhados no caminho da Guiné melhor, senhora dos seus destinos, no combate à pobreza, à doença, à ignorância, como merece este povo que habita um país tão bonito, com reais possibilidades de desenvolvimento económico e consequente criação de riqueza.
"É, provavelmente, a minha última aventura. Cai a noite. Agradeço a Deus a vida e o livre arbítrio. A escolha está feita. Vai diminuindo a luminosidade e passo a contemplar um docel de estrelas igual ao avistado por Nuno Tristâo e Diogo Gomes, quinhentos e cinquenta anos passados (talvez com pequeninas diferenças de declinação e ascensão recta).» (Ib., pp 10-11).
... Mais: sei que vou sentir as minhas próprias emoções. Hei-de transmiti-las também.
Abraços
A. Marques Lopes (a escassas horas de partir para a Guiné-Bissau, em viagem por terra, de jipe)
__________
Nota de L.G.
(1) Vd pots de 1 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVII: Bibliografia de uma guerra (12): Op Mar Verde
Caríssimo amigo Luís
Sabes tu, e todos os nossos amigos tertulianos, que há-de haver uma comoção e um sentimento enorme, só ultrapassável, com certeza, quando pisarmos aquele chão que marcou a nossa juventude.
Não é das minhas simpatias - e tu calculas porquê -, mas estou admirado, e sinto quase tudo o que ele diz (há as nuances das divergências, é claro), pelo que vou transmitir algumas palavras do Alpoim Calvão na Introdução do livro que o Jorge Santos, muito bem, enviou recentemente para conhecimento do blogue:
«A guerra ensinou-me muitas coisas. Entre elas, o respeito por alguns adversários, neste caso, os guerrilheiros do PAIGC, principalmente os homens do mato, corajosos, frugais e persistentes. Os dois lados em confronto, por vias diferentes, em última análise e síntese, batiam-se pelo mesmo objectivo: Uma Guiné melhor, na feliz frase do general Spínola, via da autodeterminação e independência.
"Foi uma vida cheia de movimento, de aventura, de plenitude. António Gedeão, resumiu magistralmente tudo isto, no Poema da Malta das Naus:
Com a mão esquerda benzi-me
Com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
Outras mil me levantei.
Tremi no escuro da selva,
Alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
Mulheres de todas as cores.
(In: Operação Mar Verde - Um documento para a história, de António Luís Marinho, 2006, pp. 9-10)(1)
... Claro que eu não tenho casa em Bolama, não sou amigo do Nino, mas vou sentir o que ele sentiu, de certeza:
«Aqui, da varanda da minha casa de Bolama, avisto o canal do porto e, do outro lado, São João. A pequena cidade está bastante escalavrada, mas as pessoas são hospitaleiras e afáveis. Emana do próprio lugar um encanto que não sei definir. A Guiné-Bissau é toda assim. Sinto-me solidário com estes povos e procuro, no limite das minhas pequenas possibilidades [tem lá empresas de cajú], ajudá-los a criar postos de trabalho onde possam, através do seu labor, ganhar o pão com a dignidade única que o trabalho dá... Entre eles, encontram-se alguns dos que, apanhados pelas encruzilhadas da história e pela falta de vergonha e de sentido de honra de certos portugueses, contubernais quase permanentes da mesa do poder, sofreram angústias e derramaram lágrimas. Foram meus amigos e camaradas nas Forças Armadas Portuguesas. Continuam a sê-lo.
"Estamos todos empenhados no caminho da Guiné melhor, senhora dos seus destinos, no combate à pobreza, à doença, à ignorância, como merece este povo que habita um país tão bonito, com reais possibilidades de desenvolvimento económico e consequente criação de riqueza.
"É, provavelmente, a minha última aventura. Cai a noite. Agradeço a Deus a vida e o livre arbítrio. A escolha está feita. Vai diminuindo a luminosidade e passo a contemplar um docel de estrelas igual ao avistado por Nuno Tristâo e Diogo Gomes, quinhentos e cinquenta anos passados (talvez com pequeninas diferenças de declinação e ascensão recta).» (Ib., pp 10-11).
... Mais: sei que vou sentir as minhas próprias emoções. Hei-de transmiti-las também.
Abraços
A. Marques Lopes (a escassas horas de partir para a Guiné-Bissau, em viagem por terra, de jipe)
__________
Nota de L.G.
(1) Vd pots de 1 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVII: Bibliografia de uma guerra (12): Op Mar Verde
segunda-feira, 3 de abril de 2006
Guiné 63/74 - P657: Adeus... e até ao meu regresso! (A. Marques Lopes)
marques lope Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro > 1998 > O A. Marques Lopes, atravessando de piroga o Rio Cacheu, no decurso da sua primeira viagem à Guiné, depois do regresso em 1968.
© A. Marques Lopes (2005)
Texto do nosso querido amigo e veterano desta tertúlia, o A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...
Amigo Luís:
1. Lá vamos na próxima quarta-feira. Partimos às 7 da manhã, de Vila Nova de Gaia. Além daqueles que já sabes (o Allen, o Armindo, o Casimiro, o Manuel Costa, o Hugo Costa e eu) vai mais um, isto é, uma: a filha do Allen, uma jovem de 27 anos, decidiu ir também. O Albano lá estará para registar a partida e há-de mandar-te fotografia.
Houve alterações nos projectos da viagem: já não vai connosco a equipa da Diana Andringa (o Flora Gomes está nos EUA e, falta de dinheiro, não dá para ir agora e voltar lá depois...); o comandante Gazela morreu há três semanas, primeiro que eu.
Temos ainda dúvidas sobre o ponto da entrada na Guiné. Eu e o Allen pensamos que não haverá problemas em entrar por S. Domingos, o melhor sítio. É isso que me confirmou o Jorge Neto Neto, que contactei para o efeito. Diz ele que o tráfego se faz aí normalmente, quer de transportes colectivos quer de privados. Os problemas poderão surgir é nas zonas de Varela e Suzana, mais para o lado.
O Indami diz-me que se pode entrar por Farim. Mas o Jorge Neto dá-me um local do Senegal, na fronteira, Saly Cagnez, que, creio, vai dar a Pirada. A ver vamos, e não vão cegos connosco... De qualquer modo, o Jorge Neto deu-me o contacto dele em Bissau para lhe telefonar do Senegal e ele me fazer um up date em cima da hora.
2. Quanto ao Fabião, além das lembranças do 25 de Abril, escrevi uma coisa sobre ele no blogue, mas não consegui encontrá-la. Se conseguires, coloca agora novamente. Os bons vão partindo... mas valha-nos que os filhos da puta também vão, embora, infelizmente, não com tanta celeridade.
3. Sobre o major Passos Ramos, era capitão em Barro quando aí cheguei. Passados quinze dias foi promovido a major e foi para Bissau. Mas deu para confirmar o que os nossos amigos têm dito dele.
Um abraço e... adeus, até ao meu regresso.
A. Marques Lopes
Comentário de L.G.:
António, Allen, Hugo... O grande dia está a chegar!... Nós ficaremos aqui, no cais da partida, a dizer-vos adeus, a rezar para que tudo corra bem, a esperar ansiosamente as vossas notícas, fotos e estórias e, naturalmente, a desejar-vos uma boa estadia e um melhor regresso...
Um pouco do nossso coração também vai convosco. Saibam que temos orgulho em vós. Resta-nos a consolação de estarmos representados, de algum modo, nessa magnífica e generosa equipa que parte para Bissau.
Se me permitem conselhos, ficaria apenas por um: Safety, firt!... Nunca sacrifiquem a segurança a outras considerações... Adeus, amigos & camaradas! Estaremos convosco nestes dias de grande adrenalina, de aventura, de camaradagem, de amizade e de sentido de missão!
Vila Nova de Gaia > Madalena > Vésperas de Natal de 2005 > Uma minitertúlia de camaradas e amigos da Guiné...
Da esquerda para direita: Eu, Marques Lopes, José Teixeira, Albano Costa, Hugo Costa e Francisco Allen (mais conhecido pelo Xico de Empada...). Três deles - o Marques Lopes, o o Hugo Costa e o Allen - partem 4ª feira, dia 5 de Abril, de Vila Nova de Gaia para Bissau...
© Hugo Costa / Francisco Allen (2005)
© A. Marques Lopes (2005)
Texto do nosso querido amigo e veterano desta tertúlia, o A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...
Amigo Luís:
1. Lá vamos na próxima quarta-feira. Partimos às 7 da manhã, de Vila Nova de Gaia. Além daqueles que já sabes (o Allen, o Armindo, o Casimiro, o Manuel Costa, o Hugo Costa e eu) vai mais um, isto é, uma: a filha do Allen, uma jovem de 27 anos, decidiu ir também. O Albano lá estará para registar a partida e há-de mandar-te fotografia.
Houve alterações nos projectos da viagem: já não vai connosco a equipa da Diana Andringa (o Flora Gomes está nos EUA e, falta de dinheiro, não dá para ir agora e voltar lá depois...); o comandante Gazela morreu há três semanas, primeiro que eu.
Temos ainda dúvidas sobre o ponto da entrada na Guiné. Eu e o Allen pensamos que não haverá problemas em entrar por S. Domingos, o melhor sítio. É isso que me confirmou o Jorge Neto Neto, que contactei para o efeito. Diz ele que o tráfego se faz aí normalmente, quer de transportes colectivos quer de privados. Os problemas poderão surgir é nas zonas de Varela e Suzana, mais para o lado.
O Indami diz-me que se pode entrar por Farim. Mas o Jorge Neto dá-me um local do Senegal, na fronteira, Saly Cagnez, que, creio, vai dar a Pirada. A ver vamos, e não vão cegos connosco... De qualquer modo, o Jorge Neto deu-me o contacto dele em Bissau para lhe telefonar do Senegal e ele me fazer um up date em cima da hora.
2. Quanto ao Fabião, além das lembranças do 25 de Abril, escrevi uma coisa sobre ele no blogue, mas não consegui encontrá-la. Se conseguires, coloca agora novamente. Os bons vão partindo... mas valha-nos que os filhos da puta também vão, embora, infelizmente, não com tanta celeridade.
3. Sobre o major Passos Ramos, era capitão em Barro quando aí cheguei. Passados quinze dias foi promovido a major e foi para Bissau. Mas deu para confirmar o que os nossos amigos têm dito dele.
Um abraço e... adeus, até ao meu regresso.
A. Marques Lopes
Comentário de L.G.:
António, Allen, Hugo... O grande dia está a chegar!... Nós ficaremos aqui, no cais da partida, a dizer-vos adeus, a rezar para que tudo corra bem, a esperar ansiosamente as vossas notícas, fotos e estórias e, naturalmente, a desejar-vos uma boa estadia e um melhor regresso...
Um pouco do nossso coração também vai convosco. Saibam que temos orgulho em vós. Resta-nos a consolação de estarmos representados, de algum modo, nessa magnífica e generosa equipa que parte para Bissau.
Se me permitem conselhos, ficaria apenas por um: Safety, firt!... Nunca sacrifiquem a segurança a outras considerações... Adeus, amigos & camaradas! Estaremos convosco nestes dias de grande adrenalina, de aventura, de camaradagem, de amizade e de sentido de missão!
Vila Nova de Gaia > Madalena > Vésperas de Natal de 2005 > Uma minitertúlia de camaradas e amigos da Guiné...
Da esquerda para direita: Eu, Marques Lopes, José Teixeira, Albano Costa, Hugo Costa e Francisco Allen (mais conhecido pelo Xico de Empada...). Três deles - o Marques Lopes, o o Hugo Costa e o Allen - partem 4ª feira, dia 5 de Abril, de Vila Nova de Gaia para Bissau...
© Hugo Costa / Francisco Allen (2005)
domingo, 2 de abril de 2006
Guiné 63/74 - P656: In Memoriam: Depoimentos sobre Carlos Fabião (1930-2006) (Luís Graça)
1. Amigos e camaradas:
Morreu o Carlos Fabião, nesta última noite. Foram o Zé Teixeira e o José Martins que me fizeram chegar a triste notícia, que eu ainda não tinha ouvido na comunicação social.
Nunca o conheci pessoalmente mas ele foi nosso camarada de Guiné, e isso é que importa. Era uma figura pública. Julgo que foi um grande militar e um grande português. A nossa caserna está mais pobre. Curvo-me à sua memória.
Publicarei os vossos depoimentos. L.G.
Carlos Fabião (1930-2006)
Ingressou na Escola do Exército em 1950. No dia 25 de Abril de 1974 era tenente-coronel e prestava serviço no D.R.M. de Braga, para onde tinha sido transferido na sequência da denúncia de um golpe de Estado, que fez no IAEM - Instituto de Altos Estudos Miliatres, sito em Pedrouços, em 17 de Dezembro de 73. Foi membro activo do Movimento dos Capitães.
Foi nomeado governador da Guiné, cargo que exerceu até 15 de Outubro de 1974. Na sequência dos acontecimentos do 28 de Setembro foi nomeado para a Junta de Salvação Nacional (e por inerência para o Conselho de Estado). Em fins de 1974 passou a integrar a estrutura informal do Conselho dos Vinte e a partir de 14 de Março de 75 o Conselho da Revolução, sempre por inerência das funções que desempenhou. Passou à Reserva em Dezembro de 1993, no posto de tenente-coronel.
Fonte: Universidade de Coimbra > Centro de Documentação 25 de Abril > Biografias > Carlos Fabião
Sobre o Carlos Fabião, escreve o coronel Fernando Policarpo no seu livro sobre as Guerras de África: Guiné (1963/-1974) (Matosinhos: QuidNovi. 2006. 58-59. Academia Portuguesa de História: Batalhas da História de Portugal, 21) o seguinte:
"Terá sido Carlos Fabião um dos miliares portugueses que melhor conheceu a Guiné, tantos foram os anos que lá permaneceu, antes e depois da guerra. Conta que quando foi para Bissau, em 1955, ainda conheceu antigos guerreiros das 'Campanhas de Pacificação' do início do século.
"Nascido em 1930, Carlos Fabião viveu seis anos de paz na Guiné. Mas viveu também os tempos da guerra, já que, depois de 27 meses a combater em Angola, voltou ao território por duas vezes (1965-1967 e 1971-1973).
"Serviu sob o comando de dois generais bem distintos na manobra militar, Arnaldo Schultz e António Spínola, incumbindo-o este último de chefiar as milícias, uma força nativa constituída por elementos responsáveis pela defesa das suas próprias povoações" (...).
"Militar de grande confiança do General Spínola", denunciou em Dezembro de 1973 um alegado planoo de Kaúlza de Arriaga para desencadear um golpe de Estado da extrema-direita, numa altura em que o MFA desenvolvia os seus próprios planos para derrubar o governo de Marcelo Caetano.
Voltou à Guiné, depois do 25 de Abril, para assumir, em Maio de 1974, os poderes de governador-geral. Umas semanas antes, Spínola tinha-o incumbido de ir a Paris, para um encontro com Leopoldo Senghor. Este insistiu na necessidade de Portugal reconhecer, pura e simplesmente, o novo Estado da República da Guiné-Bissau, conselho que Spínola obviamente não aceitou. O velho general atribiu-lhe então a missão de disciplinar o MFA na Guiné e impor um plano de autodeterminação com a necessária consulta às populações locais. "Missão impossível". Fabião rende-se à vontade do MFA, negoceia a paz com o PAIGC e gere no terreno a transição...
Como já foi acima referido, depois do 28 de Setembro de 1974, integra a Junta de Salvação Nacional e, em Março de 1975, o Conselho da Revolução. Passa à reserva em Dezembro de 1993.
2. Do Zé Teixeira (2 de Abril de 2006, 12h53)
Caro Luís:
Saúde, paz e felicidade!
Como deves calcular o teu/nosso blogue continua a ser para mim um ponto de encontro diário. São contínuos momentos de reflexão e revivência dum tempo que marcou profundamente a juventude da época e consequentemente a minha Pátria até aos tempos que correm e continuará a ser uma marca perene.
Aprecio imenso os camaradas que continuam a vir a lume com as suas histórias e reflexões. É a nossa história em construção. A ti o devemos, deve ser dito e sentido por todos os bloguistas e leitores. Há muitos leitores que não se atrevem a escrever. Daqui os desafio a pôr em comum o que viveram e o que sabem e o que sentem. Só assim a verdadeira história da guerra da Guiné será construída.
Por mim, ainda há estórias de caserna e outras para contar, mas creio que devo dar espaço aos periquitos para se imporem. Todos, e somos muitos, serão poucos para tão grande história.
Hoje resolvi reentrar no Blogue para me curvar perante um homem que tive o prazer de conhecer lá na Guiné e que acaba de partir para o acampamento eterno. As notícias de hoje dão como falecido o Tenente Coronel Carlos Fabião, o nosso Major. Tive o prazer de ser comandado por ele em Buba.
Homem de poucas palavras, muito observador e de uma rectidão extrema e sobretudo muito humano. Nos contactos que tive com ele, que não foram muitos - um simples enfermeiro tinha de se render à sua insignificância! - encontrei um homem preocupado com os seus homens, em todos os aspectos (segurança, saúde, alimentação). Bom estratega. Um grande militar. A minha singela homenagem.
Zé Teixeira
3. Do José Martins (2 de Abril de 2006, 13h08)
Esta noite no Hospital Militar de Belém morreu o Coronel Carlos Fabião, nossso camarada combatente da Guiné.
Cada vez mais há necessidade dos vivos contarem a história, para não corrermos o risco se serem outros, menos informados, a fazê-lo.
R.I.P.
Martins
4. Do Carlos Vinhal (2 de Abril de 2006, 21h38)
Caro Luis
Por uma questão de justiça informo-te que ouvi no Rádio Clube Português, da parte da manhã, a notícia da morte do Coronel Carlos Fabião, precisamente quando estava a consultar o 1º. volume de A Guerra de África, páginas 371 (onde está uma sua fotografia) a 373. Consultava este livro para tirar elementos sobre a guerra da Guiné, a fim de falar sobre os 3 majores mortos em Abril de 1970 e enviar-te um texto, como o fiz.
Às 13 horas, julgo que na RTP1, a notícia foi dada novamente.
Um abraço fraterno de
Carlos Vinhal
5. Do Virgínio Briote (2 de Abril de 2006, 22h47)
Viva Luís,
O Cor Carlos Fabião estava doente há uns tempos e sabia-se que era uma daquelas coisas que raramente perdoam. Conheci-o na Guiné (o que não é para admirar uma vez que ele cumpriu lá, salvo erro, 3 comissões), era ele capitão. Numa das saídas do meu grupo para os lados de Tite, ainda nos finais de 65, ele comandou os dois grupos de combate que nos foram apoiar e recolher.
Recordo-me de ver um sujeito sob o forte, com uma varinha na mão, ar calmo. Via-se que lidava muito bem com o pessoal dele. Sentia-se que o rodeava uma aura mística, tinha carisma. E tu sabes o valor que isso tem nos soldados, o poder de os fazer acreditar que estavam protegidos. E tive oportunidade de constatar pesoalmente que os soldados tinham motivos, ele merecia que acreditassem nele.
Durante a minha comissão ainda tive o gosto de o rever mais duas vezes. E depois com o 25 de Abril, o Carlos Fabião tornou-se conhecido de quase toda a gente que viveu aqueles tempos, odiado por uns, amado por outros. Do que conheci dele, penso que a história não o tratou muito bem. Aqueles ventos chamuscavam os que andavam longe dos acontecimentos, quanto mais os que estavam no centro da fogueira.
Um bem-hajas por o teres recordado.
Um abraço para a tertúlia que tão bons momentos me tem dado.
vb
6. Do João Carvalho (3 de Abril de 2006, 23.30h)
Olá Luis e camaradas
Não tive a felicidade de conhecer pessoalmente o nosso ex camarada Carlos Fabião.
Pelo pouco que fui ouvindo sobre ele, penso que era uma pessoa íntegra.
A minha pequena contribuição para que não seja esquecido mais um nosso camarada está e em: Wikipédia > Biografias > Carlos Fabião .
A todos os camaradas que saibam mais promenores da sua biografia agradeço, caso tenham tempo e paciência para isso, que acrecentem mais informação.
Um grande abraço
João Carvalho
Morreu o Carlos Fabião, nesta última noite. Foram o Zé Teixeira e o José Martins que me fizeram chegar a triste notícia, que eu ainda não tinha ouvido na comunicação social.
Nunca o conheci pessoalmente mas ele foi nosso camarada de Guiné, e isso é que importa. Era uma figura pública. Julgo que foi um grande militar e um grande português. A nossa caserna está mais pobre. Curvo-me à sua memória.
Publicarei os vossos depoimentos. L.G.
Carlos Fabião (1930-2006)
Ingressou na Escola do Exército em 1950. No dia 25 de Abril de 1974 era tenente-coronel e prestava serviço no D.R.M. de Braga, para onde tinha sido transferido na sequência da denúncia de um golpe de Estado, que fez no IAEM - Instituto de Altos Estudos Miliatres, sito em Pedrouços, em 17 de Dezembro de 73. Foi membro activo do Movimento dos Capitães.
Foi nomeado governador da Guiné, cargo que exerceu até 15 de Outubro de 1974. Na sequência dos acontecimentos do 28 de Setembro foi nomeado para a Junta de Salvação Nacional (e por inerência para o Conselho de Estado). Em fins de 1974 passou a integrar a estrutura informal do Conselho dos Vinte e a partir de 14 de Março de 75 o Conselho da Revolução, sempre por inerência das funções que desempenhou. Passou à Reserva em Dezembro de 1993, no posto de tenente-coronel.
Fonte: Universidade de Coimbra > Centro de Documentação 25 de Abril > Biografias > Carlos Fabião
Sobre o Carlos Fabião, escreve o coronel Fernando Policarpo no seu livro sobre as Guerras de África: Guiné (1963/-1974) (Matosinhos: QuidNovi. 2006. 58-59. Academia Portuguesa de História: Batalhas da História de Portugal, 21) o seguinte:
"Terá sido Carlos Fabião um dos miliares portugueses que melhor conheceu a Guiné, tantos foram os anos que lá permaneceu, antes e depois da guerra. Conta que quando foi para Bissau, em 1955, ainda conheceu antigos guerreiros das 'Campanhas de Pacificação' do início do século.
"Nascido em 1930, Carlos Fabião viveu seis anos de paz na Guiné. Mas viveu também os tempos da guerra, já que, depois de 27 meses a combater em Angola, voltou ao território por duas vezes (1965-1967 e 1971-1973).
"Serviu sob o comando de dois generais bem distintos na manobra militar, Arnaldo Schultz e António Spínola, incumbindo-o este último de chefiar as milícias, uma força nativa constituída por elementos responsáveis pela defesa das suas próprias povoações" (...).
"Militar de grande confiança do General Spínola", denunciou em Dezembro de 1973 um alegado planoo de Kaúlza de Arriaga para desencadear um golpe de Estado da extrema-direita, numa altura em que o MFA desenvolvia os seus próprios planos para derrubar o governo de Marcelo Caetano.
Voltou à Guiné, depois do 25 de Abril, para assumir, em Maio de 1974, os poderes de governador-geral. Umas semanas antes, Spínola tinha-o incumbido de ir a Paris, para um encontro com Leopoldo Senghor. Este insistiu na necessidade de Portugal reconhecer, pura e simplesmente, o novo Estado da República da Guiné-Bissau, conselho que Spínola obviamente não aceitou. O velho general atribiu-lhe então a missão de disciplinar o MFA na Guiné e impor um plano de autodeterminação com a necessária consulta às populações locais. "Missão impossível". Fabião rende-se à vontade do MFA, negoceia a paz com o PAIGC e gere no terreno a transição...
Como já foi acima referido, depois do 28 de Setembro de 1974, integra a Junta de Salvação Nacional e, em Março de 1975, o Conselho da Revolução. Passa à reserva em Dezembro de 1993.
2. Do Zé Teixeira (2 de Abril de 2006, 12h53)
Caro Luís:
Saúde, paz e felicidade!
Como deves calcular o teu/nosso blogue continua a ser para mim um ponto de encontro diário. São contínuos momentos de reflexão e revivência dum tempo que marcou profundamente a juventude da época e consequentemente a minha Pátria até aos tempos que correm e continuará a ser uma marca perene.
Aprecio imenso os camaradas que continuam a vir a lume com as suas histórias e reflexões. É a nossa história em construção. A ti o devemos, deve ser dito e sentido por todos os bloguistas e leitores. Há muitos leitores que não se atrevem a escrever. Daqui os desafio a pôr em comum o que viveram e o que sabem e o que sentem. Só assim a verdadeira história da guerra da Guiné será construída.
Por mim, ainda há estórias de caserna e outras para contar, mas creio que devo dar espaço aos periquitos para se imporem. Todos, e somos muitos, serão poucos para tão grande história.
Hoje resolvi reentrar no Blogue para me curvar perante um homem que tive o prazer de conhecer lá na Guiné e que acaba de partir para o acampamento eterno. As notícias de hoje dão como falecido o Tenente Coronel Carlos Fabião, o nosso Major. Tive o prazer de ser comandado por ele em Buba.
Homem de poucas palavras, muito observador e de uma rectidão extrema e sobretudo muito humano. Nos contactos que tive com ele, que não foram muitos - um simples enfermeiro tinha de se render à sua insignificância! - encontrei um homem preocupado com os seus homens, em todos os aspectos (segurança, saúde, alimentação). Bom estratega. Um grande militar. A minha singela homenagem.
Zé Teixeira
3. Do José Martins (2 de Abril de 2006, 13h08)
Esta noite no Hospital Militar de Belém morreu o Coronel Carlos Fabião, nossso camarada combatente da Guiné.
Cada vez mais há necessidade dos vivos contarem a história, para não corrermos o risco se serem outros, menos informados, a fazê-lo.
R.I.P.
Martins
4. Do Carlos Vinhal (2 de Abril de 2006, 21h38)
Caro Luis
Por uma questão de justiça informo-te que ouvi no Rádio Clube Português, da parte da manhã, a notícia da morte do Coronel Carlos Fabião, precisamente quando estava a consultar o 1º. volume de A Guerra de África, páginas 371 (onde está uma sua fotografia) a 373. Consultava este livro para tirar elementos sobre a guerra da Guiné, a fim de falar sobre os 3 majores mortos em Abril de 1970 e enviar-te um texto, como o fiz.
Às 13 horas, julgo que na RTP1, a notícia foi dada novamente.
Um abraço fraterno de
Carlos Vinhal
5. Do Virgínio Briote (2 de Abril de 2006, 22h47)
Viva Luís,
O Cor Carlos Fabião estava doente há uns tempos e sabia-se que era uma daquelas coisas que raramente perdoam. Conheci-o na Guiné (o que não é para admirar uma vez que ele cumpriu lá, salvo erro, 3 comissões), era ele capitão. Numa das saídas do meu grupo para os lados de Tite, ainda nos finais de 65, ele comandou os dois grupos de combate que nos foram apoiar e recolher.
Recordo-me de ver um sujeito sob o forte, com uma varinha na mão, ar calmo. Via-se que lidava muito bem com o pessoal dele. Sentia-se que o rodeava uma aura mística, tinha carisma. E tu sabes o valor que isso tem nos soldados, o poder de os fazer acreditar que estavam protegidos. E tive oportunidade de constatar pesoalmente que os soldados tinham motivos, ele merecia que acreditassem nele.
Durante a minha comissão ainda tive o gosto de o rever mais duas vezes. E depois com o 25 de Abril, o Carlos Fabião tornou-se conhecido de quase toda a gente que viveu aqueles tempos, odiado por uns, amado por outros. Do que conheci dele, penso que a história não o tratou muito bem. Aqueles ventos chamuscavam os que andavam longe dos acontecimentos, quanto mais os que estavam no centro da fogueira.
Um bem-hajas por o teres recordado.
Um abraço para a tertúlia que tão bons momentos me tem dado.
vb
6. Do João Carvalho (3 de Abril de 2006, 23.30h)
Olá Luis e camaradas
Não tive a felicidade de conhecer pessoalmente o nosso ex camarada Carlos Fabião.
Pelo pouco que fui ouvindo sobre ele, penso que era uma pessoa íntegra.
A minha pequena contribuição para que não seja esquecido mais um nosso camarada está e em: Wikipédia > Biografias > Carlos Fabião .
A todos os camaradas que saibam mais promenores da sua biografia agradeço, caso tenham tempo e paciência para isso, que acrecentem mais informação.
Um grande abraço
João Carvalho
Guiné 63/74 - P655: Homenagem aos majores Magalhães Osório, Passos Ramos e Pereira da Silva (Carlos Vinhal)
Texto do Carlos Vinhal (ex-furriel miliciano airador de infantaria, com a especialidade de minas e armadilhas, CART 2732, Mansabá, 1970/72):
Costumo dizer que andei na guerra porque não tive coragem de fugir dela. Até ir para a tropa nunca tinha pegado numa arma, a não ser nas de plástico para brincar, e nunca tinha atirado uma bomba de S.João.
Ironia do destino, fui para atirador e tirei um curso de minas e armadilhas. Para falar verdade nunca dei um tiro em combate, mas fiz umas coisas na área das minas. Nunca entendi a guerra embora a ache inevitável enquanto o animal homem dominar a Terra.
Vem isto a propósito de se estar a falar no nosso blogue dos nossos heróicos majores (1), que no cumprimento de uma missão quase impossível, foram cobardemente assassinados, pois morreram desarmados e indefesos por um inimigo que não queria diálogo, pelo menos naquela altura, como ficou provado.
Quando se deu este trágico acontecimento, estava a minha Companhia há pouco tempo na Província. Naquela altura foi-me difícil perceber como se puderam mandar 3 homens desarmados para o mato. Como se veio infelizmente a provar, não se conheciam as verdadeiras intenções da outra parte. Por ventura outras facções do PAIGC não concordavam com as mediações intentadas pelo general Spínola, mas daí a se matar 3 oficiais superiores inimigos, a sangue frio... Mesmo na guerra há limites.
Que coragem demonstraram aqueles homens ao prestarem-se a tal missão!
O Marechal Spínola, quanto a mim, demonstrou, antes e mesmo depois do 25 de Abril, uma certa ingenuidade quando se metia em acções políticas. A missão dos nossos majores foi uma acção política, mais que militar e o Marechal Spínola, sendo um brilhante militar, não tinha sensibilidade para a política.
Sabe-se agora que estas acções foram do conhecimento restrito de algumas pessoas do Regime, mas a responsabilidade e a condução política era da responsabilidade do Governador e Comandante Chefe da Província.
Os nossos majores Magalhães Osório, Passos Ramos e Pereira da Silva, são sem dúvida o exemplo da abnegação, cumprimento do dever, patriotismo e coragem. São merecedores da nossa consideração e agradecimento. Não sei se nas suas terras existe alguma rua com os seus nomes, mas porque não? Aqui fica a ideia. Fizeram-se heróis de acções mais comezinhas. Só pessoas como nós sentem estas coisas mais profundamente.
Carlos Vinhal
_____
Nota de L.G.
(1) Vd posts de:
1 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVIII: A Internet e o menino do quartel de Teixeira Pinto (João Tunes)
11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)
Costumo dizer que andei na guerra porque não tive coragem de fugir dela. Até ir para a tropa nunca tinha pegado numa arma, a não ser nas de plástico para brincar, e nunca tinha atirado uma bomba de S.João.
Ironia do destino, fui para atirador e tirei um curso de minas e armadilhas. Para falar verdade nunca dei um tiro em combate, mas fiz umas coisas na área das minas. Nunca entendi a guerra embora a ache inevitável enquanto o animal homem dominar a Terra.
Vem isto a propósito de se estar a falar no nosso blogue dos nossos heróicos majores (1), que no cumprimento de uma missão quase impossível, foram cobardemente assassinados, pois morreram desarmados e indefesos por um inimigo que não queria diálogo, pelo menos naquela altura, como ficou provado.
Quando se deu este trágico acontecimento, estava a minha Companhia há pouco tempo na Província. Naquela altura foi-me difícil perceber como se puderam mandar 3 homens desarmados para o mato. Como se veio infelizmente a provar, não se conheciam as verdadeiras intenções da outra parte. Por ventura outras facções do PAIGC não concordavam com as mediações intentadas pelo general Spínola, mas daí a se matar 3 oficiais superiores inimigos, a sangue frio... Mesmo na guerra há limites.
Que coragem demonstraram aqueles homens ao prestarem-se a tal missão!
O Marechal Spínola, quanto a mim, demonstrou, antes e mesmo depois do 25 de Abril, uma certa ingenuidade quando se metia em acções políticas. A missão dos nossos majores foi uma acção política, mais que militar e o Marechal Spínola, sendo um brilhante militar, não tinha sensibilidade para a política.
Sabe-se agora que estas acções foram do conhecimento restrito de algumas pessoas do Regime, mas a responsabilidade e a condução política era da responsabilidade do Governador e Comandante Chefe da Província.
Os nossos majores Magalhães Osório, Passos Ramos e Pereira da Silva, são sem dúvida o exemplo da abnegação, cumprimento do dever, patriotismo e coragem. São merecedores da nossa consideração e agradecimento. Não sei se nas suas terras existe alguma rua com os seus nomes, mas porque não? Aqui fica a ideia. Fizeram-se heróis de acções mais comezinhas. Só pessoas como nós sentem estas coisas mais profundamente.
Carlos Vinhal
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Nota de L.G.
(1) Vd posts de:
1 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVIII: A Internet e o menino do quartel de Teixeira Pinto (João Tunes)
11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)
Guiné 63/74 - P654: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (6): as primeiras Chaimites para o Exército Português
Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71> Viatura Chaimite anfíbia com canhão. As primeiras que foram distribuídas às NT. © Manuel Mata (2006)
Texto do Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 > VI Parte da História do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (*)
Junho de 1970:
Mês trágico para o Furriel Mil Humberto Sertório Fonseca Rodrigues que sofre um acidente no quartel ao deslocar-se ao gabinete do Comandante do Esquadrão (na altura Capitão de Carreira Fernando da Costa Monteiro Vouga, hoje Coronel na reforma), para atender um telefonema de Lisboa, da mãe.
E enquanto almoçava, este, ao entrar a correr no gabinete fez estremecer o soalho, tremeram os móveis, caiu um dilagrama que estava exposto em cima de um dos móveis e que explode. Esse dilagrama era um de dois por mim encontrados, junto da ponte do rio Colufe, numa tarde de pesca com tarrafa (rede de lançamento, cónica), não sendo este conhecido no nosso exército, na altura.
O Capitão, quando o viu na arrecadação de material de guerra e aquartelamento, pediu-me que, antes de os depositar no paiol subterrâneo, lhe desse um para observação.
Ainda hoje, quando recordo esta cena, vendo um corpo a rolar no chão, sinto alguma angústia, embora o Humberto Sertório se encontre bem, continuo com alguma dor… (Certamente alguns dos camaradas desta caserna, deste blogue, conhecem este camarada, foi Fundador e Presidente de ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas).
Agosto de 1970:
Mais um elemento do Esquadrão evacuado por doença, o Apontador de CCM 47, João Vicente Pereira Constantino.
Verificou-se ainda neste mês, no itinerário Piche – Nova Lamego, uma emboscada pelo IN a uma viatura civil. Acorreram os homens do Pel Rec que, ficaram surpreendidos por se tratar de uma viatura civil. Explicação do motorista: ultimamente não tinha entregue a sua contribuição (sacos de arroz e feijão) aos homens do PAIGC da região.
Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71)> Uma das oito Viaturas White distribuídas ao Esq Rec Fox 2640. Rápida também em picadas, com bom poder de fogo devido ao carril onde as metralhadoras eram montadas, podendo deslocar-se para qualquer ponto frontal ou lateral da viatura, era ao mesmo tempo um excelente abrigo devido à sua forte estrutura metálica. Tornava-se, porém, difícil a sua deslocação na época das chuvas. © Manuel Mata (2006)
Setembro de 1970:
As oito viaturas White, distribuídas ao Esq começaram a ter problemas mecânicos, não havia material sobressalente em armazém, para reabastecimento, tendo esta situação leavdo a uma diminuição da nossa actividade operacional.
Neste mesmo mês um camarada do Esq é punido, com quatro anos e seis meses de presídio militar, por insubordinação (ameaça de lançamento de granada de mão ofensiva durante a noite, ou de G3 em posição de rajada, na caserna, quando todos estavam a descansar, etc.)... Lá fugia toda a malta em cuecas para a parada, com medo do Mouraria, que acabava a rir à gargalhada!!!
Conclusão: seguiu para Bissau, com destino ao Forte de Elvas, donde saiu beneficiando de uma amnistia pela morte de António Oliveira Salazar (1), não sendo por nós conhecida a sua situação desde essa data.
Mês de Outubro de 1970:
O Pelotão destacado em Piche fez mais uma das muitas escoltas, a Nova Lamego, sofreu uma forte emboscada, as viaturas White reagiram de imediato pelo fogo e movimento. Uma delas foi atingida por sessenta tiros e um dos nossos atiradores teve uma reacção inesperada e de grande bravura, sai da viatura para o meio da picada de bazuca em punho, mantendo-se ali de pé até disparar todas as granadas que havia de momento...
Apenas sofreu queimaduras ligeiras no rosto o nosso bravíssimo camarada Eduardo Pereira Subtil (mais conhecido pelo Minhoca). Houve um outro militar ferido mas sem gravidade. As forças escoltadas sofreram um morto e sete feridos.
Notava-se na zona um aumento significativo das ameaças e flagelações pelo IN, basta recordar o dia 25 de Outubro, mais uma em Piche sem consequências para o Pelotão Rec, mas o mesmo não aconteceu aos militares do Batalhão que sofreram um morto e um ferido, e também quatro feridos da população.
Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71)> Algum do material de guerra capturado ao IN ao longo dos meses na zona de Piche.
© Manuel Mata (2006)
No mesmo período outro Pelotão ao fazer uma escolta Bafatá – Xime – Bafatá foi atacado pelo IN com morteiro e armas ligeiras. As nossas forças reagiram em colaboração com as forças estacionadas no Xime, não tendo havido consequências, para as NT.
Logo, a seguir 5 de Dezembro, foi atacada a tabanca de Bambadinca. Neste período é de salientar a vinda à Metrópole de um Alferes, do Primeiro-Sargento Mecânico, e de cinco Praças, afim de receberem cinco viaturas Chaimite, destinadas a este Esq. Havia uma certa expectativa pois eram as primeiras viaturas do tipo para o Exército Português.
Estava assim decorrido o primeiro ano de Guerra e eis que chegou o segundo Natal na Guiné. Algumas mensagens para a família pela rádio e pela televisão, toda a gente em fila indiana numa corrida para o microfone (Sou o …, de …, Minha querida Mãe e Pai, e restante família, estou bem, até ao meu regresso!), lá fica toda a gente mais feliz.
Não podemos esquecer a lembrança posta na Bota, entregue pelo MNF Português(carteira contendo um maço de tabaco e um isqueiro)... Para muitos de nós era humilhante, tratar assim quem tudo dava incluindo a própria vida, por uma causa que não era nossa.
Para os amigos que gostam de quadras com algum sentido crítico/satírico, já comecei a publicar algumas, que são da autoria do meu amigo José Luís Tavares, homem de transmissões, companheiro do Esquadrão e das lides de organização dos convívios anuais (3).
______________
Notas de L.G.
(1) Vd. posts anteriores
2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (5): Foguetões 122 mm no Gabu
2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXI: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (4): Elevação de Bafatá a Cidade
25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)
3 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (2)
2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DXCVII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (1)
(2) Salazar morreu em 27 de Junho de 1970. Poucos de nós, na Guiné, demos pela ocorrência e menos ainda a lamentámos.
(3) Vd post de 31 de Março de 2006 >
Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche.
Guiné 63/74 - DCLXVI: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857
Texto do Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 > VI Parte da História do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (*)
Junho de 1970:
Mês trágico para o Furriel Mil Humberto Sertório Fonseca Rodrigues que sofre um acidente no quartel ao deslocar-se ao gabinete do Comandante do Esquadrão (na altura Capitão de Carreira Fernando da Costa Monteiro Vouga, hoje Coronel na reforma), para atender um telefonema de Lisboa, da mãe.
E enquanto almoçava, este, ao entrar a correr no gabinete fez estremecer o soalho, tremeram os móveis, caiu um dilagrama que estava exposto em cima de um dos móveis e que explode. Esse dilagrama era um de dois por mim encontrados, junto da ponte do rio Colufe, numa tarde de pesca com tarrafa (rede de lançamento, cónica), não sendo este conhecido no nosso exército, na altura.
O Capitão, quando o viu na arrecadação de material de guerra e aquartelamento, pediu-me que, antes de os depositar no paiol subterrâneo, lhe desse um para observação.
Ainda hoje, quando recordo esta cena, vendo um corpo a rolar no chão, sinto alguma angústia, embora o Humberto Sertório se encontre bem, continuo com alguma dor… (Certamente alguns dos camaradas desta caserna, deste blogue, conhecem este camarada, foi Fundador e Presidente de ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas).
Agosto de 1970:
Mais um elemento do Esquadrão evacuado por doença, o Apontador de CCM 47, João Vicente Pereira Constantino.
Verificou-se ainda neste mês, no itinerário Piche – Nova Lamego, uma emboscada pelo IN a uma viatura civil. Acorreram os homens do Pel Rec que, ficaram surpreendidos por se tratar de uma viatura civil. Explicação do motorista: ultimamente não tinha entregue a sua contribuição (sacos de arroz e feijão) aos homens do PAIGC da região.
Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71)> Uma das oito Viaturas White distribuídas ao Esq Rec Fox 2640. Rápida também em picadas, com bom poder de fogo devido ao carril onde as metralhadoras eram montadas, podendo deslocar-se para qualquer ponto frontal ou lateral da viatura, era ao mesmo tempo um excelente abrigo devido à sua forte estrutura metálica. Tornava-se, porém, difícil a sua deslocação na época das chuvas. © Manuel Mata (2006)
Setembro de 1970:
As oito viaturas White, distribuídas ao Esq começaram a ter problemas mecânicos, não havia material sobressalente em armazém, para reabastecimento, tendo esta situação leavdo a uma diminuição da nossa actividade operacional.
Neste mesmo mês um camarada do Esq é punido, com quatro anos e seis meses de presídio militar, por insubordinação (ameaça de lançamento de granada de mão ofensiva durante a noite, ou de G3 em posição de rajada, na caserna, quando todos estavam a descansar, etc.)... Lá fugia toda a malta em cuecas para a parada, com medo do Mouraria, que acabava a rir à gargalhada!!!
Conclusão: seguiu para Bissau, com destino ao Forte de Elvas, donde saiu beneficiando de uma amnistia pela morte de António Oliveira Salazar (1), não sendo por nós conhecida a sua situação desde essa data.
Mês de Outubro de 1970:
O Pelotão destacado em Piche fez mais uma das muitas escoltas, a Nova Lamego, sofreu uma forte emboscada, as viaturas White reagiram de imediato pelo fogo e movimento. Uma delas foi atingida por sessenta tiros e um dos nossos atiradores teve uma reacção inesperada e de grande bravura, sai da viatura para o meio da picada de bazuca em punho, mantendo-se ali de pé até disparar todas as granadas que havia de momento...
Apenas sofreu queimaduras ligeiras no rosto o nosso bravíssimo camarada Eduardo Pereira Subtil (mais conhecido pelo Minhoca). Houve um outro militar ferido mas sem gravidade. As forças escoltadas sofreram um morto e sete feridos.
Notava-se na zona um aumento significativo das ameaças e flagelações pelo IN, basta recordar o dia 25 de Outubro, mais uma em Piche sem consequências para o Pelotão Rec, mas o mesmo não aconteceu aos militares do Batalhão que sofreram um morto e um ferido, e também quatro feridos da população.
Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71)> Algum do material de guerra capturado ao IN ao longo dos meses na zona de Piche.
© Manuel Mata (2006)
No mesmo período outro Pelotão ao fazer uma escolta Bafatá – Xime – Bafatá foi atacado pelo IN com morteiro e armas ligeiras. As nossas forças reagiram em colaboração com as forças estacionadas no Xime, não tendo havido consequências, para as NT.
Logo, a seguir 5 de Dezembro, foi atacada a tabanca de Bambadinca. Neste período é de salientar a vinda à Metrópole de um Alferes, do Primeiro-Sargento Mecânico, e de cinco Praças, afim de receberem cinco viaturas Chaimite, destinadas a este Esq. Havia uma certa expectativa pois eram as primeiras viaturas do tipo para o Exército Português.
Estava assim decorrido o primeiro ano de Guerra e eis que chegou o segundo Natal na Guiné. Algumas mensagens para a família pela rádio e pela televisão, toda a gente em fila indiana numa corrida para o microfone (Sou o …, de …, Minha querida Mãe e Pai, e restante família, estou bem, até ao meu regresso!), lá fica toda a gente mais feliz.
Não podemos esquecer a lembrança posta na Bota, entregue pelo MNF Português(carteira contendo um maço de tabaco e um isqueiro)... Para muitos de nós era humilhante, tratar assim quem tudo dava incluindo a própria vida, por uma causa que não era nossa.
Para os amigos que gostam de quadras com algum sentido crítico/satírico, já comecei a publicar algumas, que são da autoria do meu amigo José Luís Tavares, homem de transmissões, companheiro do Esquadrão e das lides de organização dos convívios anuais (3).
______________
Notas de L.G.
(1) Vd. posts anteriores
2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (5): Foguetões 122 mm no Gabu
2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXI: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (4): Elevação de Bafatá a Cidade
25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)
3 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (2)
2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DXCVII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (1)
(2) Salazar morreu em 27 de Junho de 1970. Poucos de nós, na Guiné, demos pela ocorrência e menos ainda a lamentámos.
(3) Vd post de 31 de Março de 2006 >
Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche.
Guiné 63/74 - DCLXVI: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857
Guiné 63/74 - P653: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (5): Foguetões 122 mm no Gabu
Texto do Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 > V Parte da História do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71)
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Ponte sobre o Rio Geba © Manuel Mata (2006)
Março de 1970
Em final de Março de 1970 é o Esq Rec Fox 2640 equipado com 4 viaturas White, dias depois mais quatro, tendo seguido para Piche algumas para renovar o parque do Pelotão de Reconhecimento, ali destacado.
No dia 31 de Março de 1970, já com as novas viaturas o Esq faz uma escolta ao 2º Comandante do Batalhão de Caçadores 2856 a Cambaju, mais como mostra do poderio de força junto da fronteira com a República do Senegal. O IN ia registando… (lá dizia o Sr. Teófilo, um destes dias Bafatá vai se atacado).
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Viatura White © Manuel Mata (2006)
Neste mês registou-se ainda uma evacuação por acidente, do Rádio Montador, Júlio da Silva Torrão: este, ao fazer no exterior a reparação de um cabo eléctrico, sofreu uma descarga eléctrica, caiu do poste... Resultado: um membro inferior e superior partido.
Abril de 1970
No mês seguinte, Abril, regista-se a evacuação para a Metrópole, do camarada condutor auto rodas, João Pires Catarino, por ter perdido uma vista ao abrir uma caixa de géneros destinada à messe de Sargentos, onde era impedido.
Maio de 1970
O Pel Rec em Piche, continuava a sua actividade e a sofrer as flagelações do inimigo, agora com foguetões de 122 mm. Volta a acontecer, felizmente sem consequências, no dia 26 de Maio, depois de uma escolta aos Adidos Militares Estrangeiros que visitaram a Guiné. Ao chegar de Nova Lamego foram flagelados com foguetões de 122 mm.
No dia 29 um Pel Rec reforça a companhia do Geba sob ordem do BCAÇ 2856, para uma operação de dois dias. Regressaram cansados, mas felizes por ajudarem os amigos do Geba.
Guiné > Zona Leste > Bafatá> 1970 > Panfletos de propaganda política, oferecidos ao Manuel Mata pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo: os dois primeiros são da autoria do PAIGC, sendo um deles escrito em árabe; os outros dois são das NT. © Manuel Mata (2006)
Um abraço aos companheiros da caserna.
M. Mata
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Ponte sobre o Rio Geba © Manuel Mata (2006)
Março de 1970
Em final de Março de 1970 é o Esq Rec Fox 2640 equipado com 4 viaturas White, dias depois mais quatro, tendo seguido para Piche algumas para renovar o parque do Pelotão de Reconhecimento, ali destacado.
No dia 31 de Março de 1970, já com as novas viaturas o Esq faz uma escolta ao 2º Comandante do Batalhão de Caçadores 2856 a Cambaju, mais como mostra do poderio de força junto da fronteira com a República do Senegal. O IN ia registando… (lá dizia o Sr. Teófilo, um destes dias Bafatá vai se atacado).
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Viatura White © Manuel Mata (2006)
Neste mês registou-se ainda uma evacuação por acidente, do Rádio Montador, Júlio da Silva Torrão: este, ao fazer no exterior a reparação de um cabo eléctrico, sofreu uma descarga eléctrica, caiu do poste... Resultado: um membro inferior e superior partido.
Abril de 1970
No mês seguinte, Abril, regista-se a evacuação para a Metrópole, do camarada condutor auto rodas, João Pires Catarino, por ter perdido uma vista ao abrir uma caixa de géneros destinada à messe de Sargentos, onde era impedido.
Maio de 1970
O Pel Rec em Piche, continuava a sua actividade e a sofrer as flagelações do inimigo, agora com foguetões de 122 mm. Volta a acontecer, felizmente sem consequências, no dia 26 de Maio, depois de uma escolta aos Adidos Militares Estrangeiros que visitaram a Guiné. Ao chegar de Nova Lamego foram flagelados com foguetões de 122 mm.
No dia 29 um Pel Rec reforça a companhia do Geba sob ordem do BCAÇ 2856, para uma operação de dois dias. Regressaram cansados, mas felizes por ajudarem os amigos do Geba.
Guiné > Zona Leste > Bafatá> 1970 > Panfletos de propaganda política, oferecidos ao Manuel Mata pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo: os dois primeiros são da autoria do PAIGC, sendo um deles escrito em árabe; os outros dois são das NT. © Manuel Mata (2006)
Um abraço aos companheiros da caserna.
M. Mata
Guiné 63/74 - P652: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (4): Elevação de Bafatá a Cidade
© Manuel Mata (2006)
Texto do Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 > IV Parte da História do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71)
Apresentam-se a seguir algumas imagens que documentam o aspecto de Bafatá àa data da sua elevação a cidade (em cerimónia que decorreu a 12 e 13 de Março de 1970, com a presença do Ministro do Ultramar).
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Estabelecimentos comerciais e ruas com o seu aspecto bem cuidado, onde se destaca a limpeza e os lancis pintados a branco.© Manuel Mata (2006)
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Outra rua comercial © Manuel Mata (2006)
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Rotunda à entrada de Bafatá e o Café do Teófilo (pai da Ritinha), ao fundo (1). © Manuel Mata (2006)
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Hospital, unidade dirigida por missionários italianos.© Manuel Mata (2006)
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Catedral onde casou o Alferes Félix Vaz do Comando, com uma irmã do Coronel Danif, filhos da D. Rosa. © Manuel Mata (2006)
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Residência do Administrador do Concelho e posto dos cipaios.© Manuel Mata (2006)
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Mesquita, espaço de oração da comunidade muçulmana.© Manuel Mata (2006)
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Escola Primária inaugurada nesse ano. © Manuel Mata (2006)
Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Edifício dos Correios e Finanças. © Manuel Mata (2006)
_________
Nota de L.G.
(1) Vd posts de:
29 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLVIII: Comerciantes de Bafatá: turras ou pides ? (Manuel Mata)
26 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLIV: Bafatá: o Café do Teófilo, o desterrado
Guiné 63/74 - P651: Eu bato a pala (Hugo Moura Ferreira)
Mensagem do camarada Hugo Moura Ferreira
Caros Amigos:
Como verificarão, eu sou um dos que escreve pouco, mas que vive intensamente aquilo que se diz por aqui. Sou até um viciado, já que o nosso Blogue funciona como home page, no meu IE.
No entanto há sempre algo que gostaria de transmitir e agora é o caso. Estou muito sensibilizado e a criar grande admiração pela forma poética, em prosa, que o João Tunes utiliza com tanta facilidade para nos contar das suas experiências, recordações e maneiras de ver as coisas.
Admito mesmo que por vezes não estou de acordo com ele, mas que o admiro... admiro!
Hoje, por exemplo, quero aqui afirmar que estou inteiramente de acordo com tudo aquilo que foi escrito nos posts publicados [, com data de 1 dse Abril de 2006]: A Internet e o menino do quartel de Teixeira Pinto e Momentos altos do nosso ciberconvívio, bem como acerca das condecorações que deveriam ser atribuídas ao Luís e outros considerandos a propósito. E quanto ao que o João conta do Menino, e todas as reflexões à volta desse relato me deixam muito sensibilizado.
Já tinha lido muitas peças escritas pelo João Tunes, mas nenhuma delas me tocou tão profundamente.
Continuem, por favor. Por mim, já que escrevo pouco, tentarei ajudar o Blogue de outras formas, nomeadamente publicitando-o.
Um grande abraço e votos de Santa Páscoa.
Hugo Moura Ferreira
Ex-Alf Mil Inf (1966/1968)
CCAÇ 1621 e CCAÇ 6
Caros Amigos:
Como verificarão, eu sou um dos que escreve pouco, mas que vive intensamente aquilo que se diz por aqui. Sou até um viciado, já que o nosso Blogue funciona como home page, no meu IE.
No entanto há sempre algo que gostaria de transmitir e agora é o caso. Estou muito sensibilizado e a criar grande admiração pela forma poética, em prosa, que o João Tunes utiliza com tanta facilidade para nos contar das suas experiências, recordações e maneiras de ver as coisas.
Admito mesmo que por vezes não estou de acordo com ele, mas que o admiro... admiro!
Hoje, por exemplo, quero aqui afirmar que estou inteiramente de acordo com tudo aquilo que foi escrito nos posts publicados [, com data de 1 dse Abril de 2006]: A Internet e o menino do quartel de Teixeira Pinto e Momentos altos do nosso ciberconvívio, bem como acerca das condecorações que deveriam ser atribuídas ao Luís e outros considerandos a propósito. E quanto ao que o João conta do Menino, e todas as reflexões à volta desse relato me deixam muito sensibilizado.
Já tinha lido muitas peças escritas pelo João Tunes, mas nenhuma delas me tocou tão profundamente.
Continuem, por favor. Por mim, já que escrevo pouco, tentarei ajudar o Blogue de outras formas, nomeadamente publicitando-o.
Um grande abraço e votos de Santa Páscoa.
Hugo Moura Ferreira
Ex-Alf Mil Inf (1966/1968)
CCAÇ 1621 e CCAÇ 6
sábado, 1 de abril de 2006
Guiné 63/74 - P650: Blogoterapia: Momentos altos do nosso ciberconvívio (Luís Graça)
1. O João Tunes acaba de nos proporcionar mais um momento bonito, tocante mesmo, do nosso convívio virtual à volta do nosso blogue... É para isso que servem, aliás, as tertúlias...
Não costumamos fazer gala ou espectáculo dos nossos encontros e desencontros, não fazemos show-off, não pomos a boca no trombone, cultivamos o low profile... Mas a verdade é que somos provavelmente o único sítio, na Net, em português, em que é possível fazer-se a reconstituição do puzzle da memória das vivências, comuns e pessoais, da guerra da Guiné (1963/74)...
A haver algum mérito no engrossar do rio das nossas memórias, ele não é de ninguém em particular, mas de todos nós, ex-combatentes e actuais amigos da Guiné-Bissau e do seu povo, que temos mostrado vontade e interesse em comunicar uns com os outros... Desta vez tirando partido de uma tecnologia que não existia em 1981, altura em que escrevi no defunto O Jornal mais ou menos o seguinte: "Nunca é tarde para exorcizar os nossos fantasmas (individuais e colectivos). Vinte anos passados sobre o início duma guerra que iria marcar toda uam geração, eis que O Jornal abre as suas colunas à(s) memnória(s) recalcada(s) dos soldados do último império colonial"...
2. Já tivemos aqui momentos altos, não de glória, mas de emoção, de estórias ou testemunhos marcados pelo sentido de compaixão, de simpatia, de amizade, de amor, de afecto, de camaradagem, de gratidão, de solidariedade, em suma, sentimentos dos mais nobres de que são capazes os homens e as mulheres da espécie Homo Sapiens Sapiens...
Por razões de imparcialidade que me compete respeitar, enquanto animador deste blogue, não vou dizer - embora me apetecesse - quais foram esses momentos que mais me tocaram, emocionaram, sensibilizaram ou até divertiram... Acrescento, todavia, que já foram umas largas dezenas, das quase sete centenas de textos, mensagens ou posts, aqui publicadas desde 25 de Abril de 2005...
A última mensagem é a que acabo de inserir, da autoria do João Tunes, reconstituindo aqui a estória singular do filho de um dos três majores assassinados no chão manjaco...
Quando o pai morreu, o miúdo tinha sete anos, era visita frequente do quartel de Teixeira Pinto, embora vivendo normalmente com as irmãs e a mãe em Bissau... Este homem, hoje com 42 anos, ele próprio militar de carreira durante dez anos e actualmente piloto da aviação comercial, tem com todo o mérito um lugar especial na nossa caserna, na nossa tertúlia, nas nossas memórias...
Eu, Luís Graça e os demais camaradas da Guiné, que fazem parte da nossa tertúlia, prestamos aqui uma comovida homenagem ao pai deste homem e ao nosso camarada, com a plena consciência de que o seu sacrifício - o supremo sacrifício da sua vida ! - não foi inútil e que ele, e os outros camaradas que morreram heroicamente com ele, serão sempre lembrados por nós e pelos nossos vindouros. Pelo menos, cabe-nos a nós, à nossa geração, cultivar a sua memória e o seu exemplo. Seria insuportável para nós (e para a família e os amigos mais íntimos dos malogrados oficiais portugueses mortos no chão manjaco em 1970) pensar que o sua morte tenha sido gratuita ou em vão...Não o foi, mesmo para aqueles como eu que não concordavam com a estratégia spinolista de contra-guerrilha...
(L.G.)
Não costumamos fazer gala ou espectáculo dos nossos encontros e desencontros, não fazemos show-off, não pomos a boca no trombone, cultivamos o low profile... Mas a verdade é que somos provavelmente o único sítio, na Net, em português, em que é possível fazer-se a reconstituição do puzzle da memória das vivências, comuns e pessoais, da guerra da Guiné (1963/74)...
A haver algum mérito no engrossar do rio das nossas memórias, ele não é de ninguém em particular, mas de todos nós, ex-combatentes e actuais amigos da Guiné-Bissau e do seu povo, que temos mostrado vontade e interesse em comunicar uns com os outros... Desta vez tirando partido de uma tecnologia que não existia em 1981, altura em que escrevi no defunto O Jornal mais ou menos o seguinte: "Nunca é tarde para exorcizar os nossos fantasmas (individuais e colectivos). Vinte anos passados sobre o início duma guerra que iria marcar toda uam geração, eis que O Jornal abre as suas colunas à(s) memnória(s) recalcada(s) dos soldados do último império colonial"...
2. Já tivemos aqui momentos altos, não de glória, mas de emoção, de estórias ou testemunhos marcados pelo sentido de compaixão, de simpatia, de amizade, de amor, de afecto, de camaradagem, de gratidão, de solidariedade, em suma, sentimentos dos mais nobres de que são capazes os homens e as mulheres da espécie Homo Sapiens Sapiens...
Por razões de imparcialidade que me compete respeitar, enquanto animador deste blogue, não vou dizer - embora me apetecesse - quais foram esses momentos que mais me tocaram, emocionaram, sensibilizaram ou até divertiram... Acrescento, todavia, que já foram umas largas dezenas, das quase sete centenas de textos, mensagens ou posts, aqui publicadas desde 25 de Abril de 2005...
A última mensagem é a que acabo de inserir, da autoria do João Tunes, reconstituindo aqui a estória singular do filho de um dos três majores assassinados no chão manjaco...
Quando o pai morreu, o miúdo tinha sete anos, era visita frequente do quartel de Teixeira Pinto, embora vivendo normalmente com as irmãs e a mãe em Bissau... Este homem, hoje com 42 anos, ele próprio militar de carreira durante dez anos e actualmente piloto da aviação comercial, tem com todo o mérito um lugar especial na nossa caserna, na nossa tertúlia, nas nossas memórias...
Eu, Luís Graça e os demais camaradas da Guiné, que fazem parte da nossa tertúlia, prestamos aqui uma comovida homenagem ao pai deste homem e ao nosso camarada, com a plena consciência de que o seu sacrifício - o supremo sacrifício da sua vida ! - não foi inútil e que ele, e os outros camaradas que morreram heroicamente com ele, serão sempre lembrados por nós e pelos nossos vindouros. Pelo menos, cabe-nos a nós, à nossa geração, cultivar a sua memória e o seu exemplo. Seria insuportável para nós (e para a família e os amigos mais íntimos dos malogrados oficiais portugueses mortos no chão manjaco em 1970) pensar que o sua morte tenha sido gratuita ou em vão...Não o foi, mesmo para aqueles como eu que não concordavam com a estratégia spinolista de contra-guerrilha...
(L.G.)
Guiné 63/74 - P649: A Internet e o menino do quartel de Teixeira Pinto (João Tunes)
Mensagem de João Tunes:
Camarada Luís,
A Internet arrasta muito lixo, demasiado lixo. É um meio propício ao rancor, à filha de putice fácil, rápida e barata. Sobretudo à filha de putice escondida, aquela de vão de formação sem escada, propícia até a ser tangida em tocas de ratos, minguadas de queijo da autoestima, matando fomes acumuladas de fel, com um cobertor a tapar nome e cara e dar a oportunidade da cobardia insana do anonimato, o anonimato dos filhos de puta, não por nascimento mas por opção ou condição, o anonimato dos pseudo-homens. Que guardam a valentia para a hora do cagalhão.
Claro que não é defeito da Internet. Como o abuso, mais as mil mentiras, dos totalitários eleitoralistas não é defeito da democracia, em que fingem que jogam a ida a votos, com abraços, beijinhos, bailaricos com peixeiras e velhotas e falinhas, muitas falinhas, enquanto esperam a hora de mudar o mundo á pazada e sem direito a voto, escolha ou mudança. Como meio aberto que é, como qualquer sistema aberto, a Internet, como a democracia, arrasta de tudo, também a porcaria. É um preço da sociedade aberta e ligada em rede.
Mas a Internet também traz o melhor. Além do mediano que é o que, talvez, arrasta mais. Porque tem essa capacidade instantânea e eficaz de meter o mundo em rede, anular distâncias, sentar tudo em convívio num mesmo sofá, cada qual instalado no repouso do seu sítio. Tornando possível a comunicação, o convívio, a tertúlia, o debate, o abraço, à distância de um golpe de asa. Apesar do lixo, muito lixo, demasiado lixo, que a Internet nos traz.
Dou um exemplo: este blogue, esta obra magnífica do nosso Comandante Luís, fez, graças à Internet, mais pela catarse e pelo reencontro da pacificação de memórias dos ex-combatentes da Guiné que qualquer programa mui bem elaborado, até se fosse copiado da Finlândia (o país que, pelos vistos, nos guia agora na redenção tecnológica rumo à prosperidade), de melhoria da saúde pública (sem desprimor, é claro, ora essa, para com os laboriosos profissionais e académicos que da saúde pública se ocupam, que os há e são de excelência).
E, se de comendas e honrarias fosse mandante (miliciano que fosse, aliás mais não queria nem admitia ser, que nem para isso tenho alma ou jeito de chico), podes crer, camarada e Comandante Luís, a Torre e Espada da Camaradagem da Guiné e com Palma da Saúde Pública já te brilhava, em colar ciberluzidio, nesse teu peito de homem bom e perito em juntar almas espalhadas de velhos guerreiros de ocasião, cansados e reformados, celebrando a osmose das memórias nesta nobre tabanca, onde és soba honorário e de mérito, e onde nos vamos juntando e desfiando os risos e os choros engolidos, até os ranhos, desses nossos tempos no cu de judas, não cu pela terra mas pela insana missão.
Pois a Internet já me trouxe ao meu tapete da porta de entrada muito filho de puta com os pés sujos. Dos tais. Mas também me trouxe bem, prazer, emoção, comoção, encontros, reencontros. Salvem-se estes para bem re-odorizarem o mau cheiro dos outros, os do lixo.
Permitam que fale do meu último encontro que a Internet me trouxe com marca da Guiné.
Conheci, pelas circunstâncias, em convívio de guerra e amizade, em Teixeira Pinto (hoje, Canchungo), os três majores que, em Abril de 1970, tombaram em combate, abatidos de forma vil e cobarde, na mata perto de Pelundo. Sobre isso escrevi. Aqui também (1).
Agora, acabo de receber mail de alguém que leu o que escrevi (lá está: graças à Internet) e que me diz ter ficado contente por não ter esquecido o que se passou e me pergunta se me lembrava de uma criança que costumava brincar nesse mesmo quartel de Teixeira Pinto.
Não, não me lembrava nem lembro. Mas, pelo apelido, percebi que se tratava do filho de um dos três majores, nossos camaradas, nossos mártires. Disse-lho, dizendo que as minhas velhas e sobrecarregadas memórias não retinham a sua presença infantil no quartel de Teixeira Pinto nesses anos de 1969 e 1970, mas que suspeitava quem fosse, ou seja, de quem era filho. E ele esclareceu:
"Sim sou o filho, somos três ao todo (duas raparigas mais velhas) e, como deve imaginar, sendo eu o único rapaz, ele não queria deixar créditos por mãos alheias e levava-me para Teixeira Pinto à revelia da minha mãe. Durante tempos tentei compreender porque razão um pai leva um filho de 7 anos para uma zona de combate... Protecção? Aprender os ensinamentos e horrores da guerra ? (Presenciei alguns , estava no local errado à hora errada, que nem à minha mãe os contava com medo de não voltar a Teixeira Pinto, enfim aquela cumplicidade de filho, afinal sempre preferia a companhia do meu pai). Sim, foi um misto, que verdade seja dita do pouco que privei com Ele e que, não sendo o suficiente, me ajudaram a crescer.
"Tornei-me homem quando fiquei orfão, tentei assumir familiarmente o papel do homem da casa no meio de três simpáticas mulheres, sabendo ao longo da minha vida que jamais estaria à sua altura, fui para o Colégio Militar e em 7 anos li toda a literatura de adultos deixada de herança. Fui Oficial Pára-Comando durante 10 anos e um dia acordei. Fechei um ciclo e tornei-me civil.(...) Hoje sou Piloto de Linha Aérea, tenho 42 anos, casado, vivo 6 meses em Portugal e 6 meses fora."
Retiro, desta minha inconfidência, o nome e o apelido e mais algo que ele escreveu de mais pessoal, a fim de que o meu abuso não se torne obsceno, ofendendo demais confiança e pudor. Fica o testemunho, um fio da memória de um homem, hoje com 42 anos de idade, filho de um militar brilhante e homem grande (dos maiores e mais inteligentes que conheci), um nosso camarada de honra e de guerra, que vive para o resto da vida a sua experiência, uma experiência capaz de transformar um menino de 7 anos num sábio da vida pela via do desgosto, que viveu connosco, na nossa época, na mesma guerra onde penámos e nos desenrascámos, voltando ele da Guiné órfão de um combatente caído em combate, barbaramente assassinado, cobardemente assassinado, nosso camarada. E que, afinal, foi ele também, já quando menino, nosso camarada. Merecedor, pela idade e pelo tormento, mais a irmandade na dor e no luto, um camarada a merecer lugar de honra no nosso carinho. Aquele carinho que a guerra não nos conseguiu secar nem transformar numa bolanha em que os pés se atasquem e a alma fique pequena. E que é, julgo que concordem, o melhor que os velhos e retirados guerreiros, que somos todos nós, podemos arrastar agarrados aos camuflados de velhinhos com que tecemos as nossas vidas que queremos ainda gastar mais uns bons pedaços, ah pois, sem delas sairmos a perder a honra de as merecermos.
E, depois disto, como não dizer: bendita Internet? Mais: obrigado Luís, continua, como um valente comandante-em-chefe, ao serviço da comunicação, da memória e da amizade dos tresmalhados ex-combatentes da Guiné, agora todos mestres no uso da ciber-G3, e, sobretudo, ao bom e zeloso serviço de saúde pública para que, em boa hora, te pendeu aguçares o engenho, a arte e a amizade. Bem hajam. Tu e a Internet.
Abraços. Para ti e para todos os restantes e estimados tertulianos.
João Tunes
____________
Nota de L. G.:
(1)Vd post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)
" (...) Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. Além da bravura na guerra, só lhes sobrava bravura para descarregarem o sexo numa ou noutra adolescente a quem deitavam mão e que se limitavam a abrir as pernas e os olhos, num misto de espanto, de medo e de ausência de prazer.
"O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.
"O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona. Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair.Spínola estava encantado com o andamento das coisas no chão manjaco.
Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas.(..)
"Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).
"O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.
"Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo" (...)
João Tunes
Camarada Luís,
A Internet arrasta muito lixo, demasiado lixo. É um meio propício ao rancor, à filha de putice fácil, rápida e barata. Sobretudo à filha de putice escondida, aquela de vão de formação sem escada, propícia até a ser tangida em tocas de ratos, minguadas de queijo da autoestima, matando fomes acumuladas de fel, com um cobertor a tapar nome e cara e dar a oportunidade da cobardia insana do anonimato, o anonimato dos filhos de puta, não por nascimento mas por opção ou condição, o anonimato dos pseudo-homens. Que guardam a valentia para a hora do cagalhão.
Claro que não é defeito da Internet. Como o abuso, mais as mil mentiras, dos totalitários eleitoralistas não é defeito da democracia, em que fingem que jogam a ida a votos, com abraços, beijinhos, bailaricos com peixeiras e velhotas e falinhas, muitas falinhas, enquanto esperam a hora de mudar o mundo á pazada e sem direito a voto, escolha ou mudança. Como meio aberto que é, como qualquer sistema aberto, a Internet, como a democracia, arrasta de tudo, também a porcaria. É um preço da sociedade aberta e ligada em rede.
Mas a Internet também traz o melhor. Além do mediano que é o que, talvez, arrasta mais. Porque tem essa capacidade instantânea e eficaz de meter o mundo em rede, anular distâncias, sentar tudo em convívio num mesmo sofá, cada qual instalado no repouso do seu sítio. Tornando possível a comunicação, o convívio, a tertúlia, o debate, o abraço, à distância de um golpe de asa. Apesar do lixo, muito lixo, demasiado lixo, que a Internet nos traz.
Dou um exemplo: este blogue, esta obra magnífica do nosso Comandante Luís, fez, graças à Internet, mais pela catarse e pelo reencontro da pacificação de memórias dos ex-combatentes da Guiné que qualquer programa mui bem elaborado, até se fosse copiado da Finlândia (o país que, pelos vistos, nos guia agora na redenção tecnológica rumo à prosperidade), de melhoria da saúde pública (sem desprimor, é claro, ora essa, para com os laboriosos profissionais e académicos que da saúde pública se ocupam, que os há e são de excelência).
E, se de comendas e honrarias fosse mandante (miliciano que fosse, aliás mais não queria nem admitia ser, que nem para isso tenho alma ou jeito de chico), podes crer, camarada e Comandante Luís, a Torre e Espada da Camaradagem da Guiné e com Palma da Saúde Pública já te brilhava, em colar ciberluzidio, nesse teu peito de homem bom e perito em juntar almas espalhadas de velhos guerreiros de ocasião, cansados e reformados, celebrando a osmose das memórias nesta nobre tabanca, onde és soba honorário e de mérito, e onde nos vamos juntando e desfiando os risos e os choros engolidos, até os ranhos, desses nossos tempos no cu de judas, não cu pela terra mas pela insana missão.
Pois a Internet já me trouxe ao meu tapete da porta de entrada muito filho de puta com os pés sujos. Dos tais. Mas também me trouxe bem, prazer, emoção, comoção, encontros, reencontros. Salvem-se estes para bem re-odorizarem o mau cheiro dos outros, os do lixo.
Permitam que fale do meu último encontro que a Internet me trouxe com marca da Guiné.
Conheci, pelas circunstâncias, em convívio de guerra e amizade, em Teixeira Pinto (hoje, Canchungo), os três majores que, em Abril de 1970, tombaram em combate, abatidos de forma vil e cobarde, na mata perto de Pelundo. Sobre isso escrevi. Aqui também (1).
Agora, acabo de receber mail de alguém que leu o que escrevi (lá está: graças à Internet) e que me diz ter ficado contente por não ter esquecido o que se passou e me pergunta se me lembrava de uma criança que costumava brincar nesse mesmo quartel de Teixeira Pinto.
Não, não me lembrava nem lembro. Mas, pelo apelido, percebi que se tratava do filho de um dos três majores, nossos camaradas, nossos mártires. Disse-lho, dizendo que as minhas velhas e sobrecarregadas memórias não retinham a sua presença infantil no quartel de Teixeira Pinto nesses anos de 1969 e 1970, mas que suspeitava quem fosse, ou seja, de quem era filho. E ele esclareceu:
"Sim sou o filho, somos três ao todo (duas raparigas mais velhas) e, como deve imaginar, sendo eu o único rapaz, ele não queria deixar créditos por mãos alheias e levava-me para Teixeira Pinto à revelia da minha mãe. Durante tempos tentei compreender porque razão um pai leva um filho de 7 anos para uma zona de combate... Protecção? Aprender os ensinamentos e horrores da guerra ? (Presenciei alguns , estava no local errado à hora errada, que nem à minha mãe os contava com medo de não voltar a Teixeira Pinto, enfim aquela cumplicidade de filho, afinal sempre preferia a companhia do meu pai). Sim, foi um misto, que verdade seja dita do pouco que privei com Ele e que, não sendo o suficiente, me ajudaram a crescer.
"Tornei-me homem quando fiquei orfão, tentei assumir familiarmente o papel do homem da casa no meio de três simpáticas mulheres, sabendo ao longo da minha vida que jamais estaria à sua altura, fui para o Colégio Militar e em 7 anos li toda a literatura de adultos deixada de herança. Fui Oficial Pára-Comando durante 10 anos e um dia acordei. Fechei um ciclo e tornei-me civil.(...) Hoje sou Piloto de Linha Aérea, tenho 42 anos, casado, vivo 6 meses em Portugal e 6 meses fora."
Retiro, desta minha inconfidência, o nome e o apelido e mais algo que ele escreveu de mais pessoal, a fim de que o meu abuso não se torne obsceno, ofendendo demais confiança e pudor. Fica o testemunho, um fio da memória de um homem, hoje com 42 anos de idade, filho de um militar brilhante e homem grande (dos maiores e mais inteligentes que conheci), um nosso camarada de honra e de guerra, que vive para o resto da vida a sua experiência, uma experiência capaz de transformar um menino de 7 anos num sábio da vida pela via do desgosto, que viveu connosco, na nossa época, na mesma guerra onde penámos e nos desenrascámos, voltando ele da Guiné órfão de um combatente caído em combate, barbaramente assassinado, cobardemente assassinado, nosso camarada. E que, afinal, foi ele também, já quando menino, nosso camarada. Merecedor, pela idade e pelo tormento, mais a irmandade na dor e no luto, um camarada a merecer lugar de honra no nosso carinho. Aquele carinho que a guerra não nos conseguiu secar nem transformar numa bolanha em que os pés se atasquem e a alma fique pequena. E que é, julgo que concordem, o melhor que os velhos e retirados guerreiros, que somos todos nós, podemos arrastar agarrados aos camuflados de velhinhos com que tecemos as nossas vidas que queremos ainda gastar mais uns bons pedaços, ah pois, sem delas sairmos a perder a honra de as merecermos.
E, depois disto, como não dizer: bendita Internet? Mais: obrigado Luís, continua, como um valente comandante-em-chefe, ao serviço da comunicação, da memória e da amizade dos tresmalhados ex-combatentes da Guiné, agora todos mestres no uso da ciber-G3, e, sobretudo, ao bom e zeloso serviço de saúde pública para que, em boa hora, te pendeu aguçares o engenho, a arte e a amizade. Bem hajam. Tu e a Internet.
Abraços. Para ti e para todos os restantes e estimados tertulianos.
João Tunes
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Nota de L. G.:
(1)Vd post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)
" (...) Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. Além da bravura na guerra, só lhes sobrava bravura para descarregarem o sexo numa ou noutra adolescente a quem deitavam mão e que se limitavam a abrir as pernas e os olhos, num misto de espanto, de medo e de ausência de prazer.
"O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.
"O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona. Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair.Spínola estava encantado com o andamento das coisas no chão manjaco.
Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas.(..)
"Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).
"O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.
"Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo" (...)
João Tunes
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