Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Crachá dda CART 3494 (Os Fantasmas do Xime, 1972/74), pertence ao BART 3873 (Bambadinca, 1972/74).
Além do Sousa de Castro, pertenceram a esta unidade (que esteve no Xime e em Mansambo) os nossos tertulianos António J. Serradas Pereira, Carvalhido da Ponte e Manuel G. Ferreira.
Foto: © Sousa de Castro (2005).
Reprodução de folheto que nos chegou por e-mail do Sousa de Castro (ex-1º Cabo de Trms):
Caríssimo Amigo:
Uma vez mais nos iremos reunir em almoço de confraternização, o vigésimo primeiro desde 1974. Será no dia 10 de Junho, na Serra do Pilar em Vila Nova de Gaia, para nós, RAP 2.
Para a maioria de nós será como que um regresso às origens pois foi lá que nos vimos pela primeira vez, que com emoções indiscritíveis nos começamos a conhecer enquanto formávamos Batalhão nos idos de 1971.
Desejamos que, também por este atractivo, este encontro motive um maior número de participantes.
Do programa consta uma missa pelos nossos saudosos camaradas de armas falecidos, uma patrulha de reconhecimento ao quartel, o descerramento de uma lápide que perpetue esta nossa vivência e o almoço convívio.
Não temos os contactos de todos, por isso te pedimos que te certifiques junto daqueles de quem tens forma de contactar da sua vinda.
PROGRAMA
10.00 – Início da concentração no Quartel da Serra do Pilar
10H30 - Visita guiada ao Quartel
11H00 – Missa de Acção de Graças
12H00- Homenagem aos nossos já falecidos
12H15 – Descerramento de lápide alusiva ao encontro
12H30- Início do rancho
NOTA: Estacionamento automóvel autorizado no Quartel mediante exibição deste folheto
INSCRIÇÃO
Agradecemos que preenchas o formulário destacável e que o envies impreterivelmente até ao dia 26 de Maio para o remetente da carta ou que contactes, por telemóvel ou telefone, qualquer membro da comissão, a comunicar a tua presença.
Nome _____________________________
Morada ___________________________
__________________________________
N.º de presenças_____
Custo por pessoa incluindo despesas 10€
Pagamento no local do evento ? Sim ____ Não, junto o cheque____
n.º _____________, Banco___________________________
de € ________,00
Contactos >
Luís Domingues - 220 137 618 e 961 070 184
José Vilela Peixoto - 967 098 181
E-Mail: cart3494@sapo.pt
Comentário de L.G.:
Apesar da divulgação tardia desta convocatória, no nosso blogue, faço votos para que a festa do pessoal da CART 3494 seja muito concorrida, no próximo dia 10 de Junho, e decorra, se possível, ainda melhor do que nas edições anteriores, em ambiente de grande amizade e camaradagem. É de louvar o esforço de organização e a persistência destes camaradas que, desde o regresso, em 1974, têm-se encontrado todos os anos.
Julgo que a maioria do pessoal da CART 3494 era oriunda do Norte. Pela nossa parte, confiamos ao Sousa de Castro a tarefa, que ele tem desempenhado com grande carinho, voluntarismo e dedicação, de divulgação do nosso blogue e dos propósitos da nossa tertúlia... LG
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 5 de junho de 2006
Guiné 63/74 - P847: Do Porto a Bissau (25): Ruínas e lembranças de Mansambo (A.Marques Lopes)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2004 > O Saagum e o António de Almeida (1) , ambos pertencentes à CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69), junto ao único monumento que resta de pé (erigido pela CART 2714, 1970/72 - "Bravos e Leais" - , pertencente ao BART 2917 (1970/1972). Já em 1996, quando o Humberto Reis lá esteve, era o único que restava das unidades de quadrícula ali sediadas... (LG)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2004 > O pouco que resta do antigo aquartelamento, feito com sangue, suor e lágriams por homens como o Carlos Marques dos santos, o Torcato Mendonça, o Saagum, o António Almeida ou o Ernesto Ribeiro membros da nossa tertúla, que pertenceram, todos eles, à CART 2339 (1968/69), a unidade que construiu aquele aquartelamento.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2004 > O José Clímaco Saagum, de regresso, à famigerada fonte de Mansambo, quase 40 anos depois (2): aqui foi gravemente ferido, em emboscada montada pelos guerrilheiros do PAIGC, em 19 de Setembro de 1968. O Saagum era soldado do 1º pelotão da CART 2339 (Mansambo, 1968/69). Nas duas fotos acimas, uma granada de morteiro, abandonada, e um aspecto da fonte, que continua a ser utilizada pela população local (LG).
1. Texto do A. Marques Lopes:
Caros camaradas e amigos:
O António Almeida e, sobretudo, o Saagum tinham de ir a Mansambo, [fazer] a catarse necessária. Como sabem, o Saagum sofreu na fonte de Mansambo (a cincoenta metros do quartel!) uma emboscada terrível que o feriu para toda a vida (2). Mais lembranças.
A. Marques Lopes
2. Comentário de L.G.:
Mansambo é dos sítios da Guiné, por onde passámos, que tem mais referências no nosso blogue (3): hoje, fazendo uma pesquisa em Blogue-fora-nada > Serach this blog, encontrei 79 referências a Mansambo!... As fotos que hoje se publiquem não precisamd e gardnes legendas: falam por si ... NO entanto, é preciso contextualizá-las... Obrigado ao A. Marques Lopes por estas "lembranças de Mansambo".
________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 12 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCIX: Boa viagem para o Almeida e o Saagum (CART 2339)
(2) Vd. post de 12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)
(3) Vd. entre outros posts mais os seguintes:
14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)
9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DIX: As baixas da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)
30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339
Guiné 63/74 - P846: Do Porto a Bissau (24): As ruínas de Fulacunda (A. Marques Lopes)
Guiné-Bissau > Região de Quínara > Abril de 2006 > Restos do antigo aquartelamento de Fulacunda.
Fotos: © A. Marques Lopes (2006)
O A. Marques Lopes e o Xico Allen passaram por lá, de jipe... Fulacunda é hoje um... lago (para não dizer um mar, por que seria uma hipérbole) de ruínas, como Có (1) ou outros sítios que o grupo de tugas visitou, em Abril de 2006.
Não temos muitos camaradas, na nossa terútulia, que tenham passado por (ou estado em) Fulacunda. Nos meus registos consta apenas a CCAV 2862, que pertenceu ao BCAV 2867 (Março de 1969/Dezembro de 1970), e que esteve aquartelada em Fulacunda (2). A este Batalhão, mais exactamente à sua CCS, pertencia o Horácio Martinho Ramos, já aqui evoacado pelo seu filho Fernando Martinho (2). A CCS do BCAV 2876 esteve em Tite, segundo pesquisas feitas pelo nosso incansável José Martins.
Se quiserem saber mais coisas sobre Fulacunda, leiam o romance Rumo a Fulacunda, do Rui Alexandrino Ferreira, editado em 2000 e de que já aqui foi feita uma breve recensão bibliográfica pelo nosso camarada Jorge Santos (2). (LG)
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Notas de L.G.
(1) Vd. post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXV: Do Porto a Bissau (22): As ruínas de Có (A. Marques Lopes)
(2) Vd posts de
25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXIV: BCAV 2876, o batalhão do Horácio Ramos ? (José Martins)
3 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCII: Horácio Ramos, presente!! (BCAV 2867, Tite, 1979/70)
24 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXI: À procura de camaradas do meu pai, Horácio Martinho Ramos (conhecido por Papel)
(3) Vd. post de 12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CVII: Bibliografia de uma guerra (3)
(...) "O autor nasceu em Angola (1943). Fez o curso de oficiais milicianos em Mafra (1964). Foi mobilizado para a Guiné, tendo rendido um desaparecido em combate e pertencido à CCAÇ 1420, sedeada em Fulacunda (1965/67). Depois de frequentar o curso de capitães, em Mafra (1970), volta à Guiné, para comandar a CCAÇ 18. Em 1973 faz uma comissão em Angola. Regressa a Portugal em 1975. Vive actualmente em Viseu. É Coronel de Infantaria na situação de reforma. Rumo a Fulacunda é a sua obra literária de estreia" (...).
domingo, 4 de junho de 2006
Guiné 63/74 - P845: As 95 longas milhas do Rio Cacheu (Manuel Lema Santos)
Texto de Lema Santos:
Caro Afonso Sousa (1),
Para já, fico grato pela leitura atenta que dedicaste ao texto que a Direcção da Caserna entendeu como interessante publicar.
Falar do Cacheu representa, para mim, quase metade do meu tempo de comissão. Parece-me pouco justo dedicar-lhe apenas meia dúzia de linhas a Ele, rio Cacheu, e a Todos os que naquelas 95 longas milhas estacionaram ou navegaram, sofreram, combateram ou até tombaram definitivamente.
De um ou do outro lado e foram muitos. Certamente demasiados.
Poderemos sempre recordá-los-los apelando pessoal ou colectivamente à homenagem, invocando o exemplo e a coragem de alguns pela segurança de todos.
Colectivamente, o mais válido e mais sério esforço, será evitar repetições mas ainda que legislação sobre guerra fosse publicada, como se fiscalizaria, multaria ou penalizaria quem não cumprisse ou pisasse o risco?
Para mim, num eventual regresso à Guiné, uma das prioridades de viagem seria revisitar aquele curso de água com características únicas, de Cacheu até Farim, num irresistível e saracoteante misticismo.
Também nas recordações em que me envolvo sempre que o revejo, ainda que apenas em fotografia.
O curso de água com um leito de perfil em U na quase totalidade da extensão e para montante de S. Vicente, embora com açoreamentos pontuais, permitia aquilo que não conheço em nenhures ou seja, navegação com calado de 2,20 m quase a roçar as pernadas do alto tarrafo, como se de um canal se tratasse.
Em algumas zonas diria mesmo a escafear as antenas de comunicações e, com algumas tangentes mal calculadas, até a deixar lá algumas de recordação.
Nestas condições de navegação, forçoso será reconhecer que em alguns locais, para nós representadas pelas abertas na frondosa vegetação dos mangais, lalas, matas, resumidamente tudo o que não fosse o habitual e muito amigável tarrafo, funcionando como um muro de protecção, representava uma excessiva e perigosa exposição a ataques dos nossos amigos de pêto à época.
Admitamos que não era muito fácil esconder 42 metros de patrulha e, como todos os que se sentem acossados, não podendo evitar as passagens sistemáticas por aquelas zonas menos hospitaleiras, procurávamos nas duas Boffors anti-aéreas de 40 mm e mais umas entradas de que dispunhamos antes do prato principal, a sempre excelente companhia nesses momentos, quer como profilaxia quer como terapêutica.
Como rotinas, a simples ficalização ou a escolta a LDG, LDM, LDP ou batelões comerciais, transportando pessoal, material ou víveres.
Como alternativas, o embarque de DFE em Bissau com uma ordem de operações na mochila, rumar até ao Cacheu e, navegando para montante, executar as instruções previstas na ordem de operações, utilizando as LDM - as grandes heroínas da navegação nos baixos, no tarrafo e do encalhe - para efectuar o transbordo do pessoal para terra, normalmente durante a noite.
O controlo da operação a partir da LFG para o CDMG e, na manhã seguinte, o regresso a Bissau aos camarões e às ostras com as respectivas bazookas.
Voltarei à vaca fria no Cacheu e, mais tarde, também para Sul.
Quanto à costureirinha que referes, julgo tratar-se da Pistola-Metralhadora PPSH, de origem soviética, calibre 7.62 (russo), de tambor redondo e que nos anos 60 também fez parte do armamento dos movimentos africanos de independência que se opuzeram a Portugal. Também se ouviam no Cantanhês. Tinha um matraquear próprio com ruído especialmente irritante (haverá algum que o não seja?).
Um abraço de amizade para todos,
Manuel Lema Santos
_____________
Nota de L.G.
(1) Vd. post anterior, nº 843.
Caro Afonso Sousa (1),
Para já, fico grato pela leitura atenta que dedicaste ao texto que a Direcção da Caserna entendeu como interessante publicar.
Falar do Cacheu representa, para mim, quase metade do meu tempo de comissão. Parece-me pouco justo dedicar-lhe apenas meia dúzia de linhas a Ele, rio Cacheu, e a Todos os que naquelas 95 longas milhas estacionaram ou navegaram, sofreram, combateram ou até tombaram definitivamente.
De um ou do outro lado e foram muitos. Certamente demasiados.
Poderemos sempre recordá-los-los apelando pessoal ou colectivamente à homenagem, invocando o exemplo e a coragem de alguns pela segurança de todos.
Colectivamente, o mais válido e mais sério esforço, será evitar repetições mas ainda que legislação sobre guerra fosse publicada, como se fiscalizaria, multaria ou penalizaria quem não cumprisse ou pisasse o risco?
Para mim, num eventual regresso à Guiné, uma das prioridades de viagem seria revisitar aquele curso de água com características únicas, de Cacheu até Farim, num irresistível e saracoteante misticismo.
Também nas recordações em que me envolvo sempre que o revejo, ainda que apenas em fotografia.
O curso de água com um leito de perfil em U na quase totalidade da extensão e para montante de S. Vicente, embora com açoreamentos pontuais, permitia aquilo que não conheço em nenhures ou seja, navegação com calado de 2,20 m quase a roçar as pernadas do alto tarrafo, como se de um canal se tratasse.
Em algumas zonas diria mesmo a escafear as antenas de comunicações e, com algumas tangentes mal calculadas, até a deixar lá algumas de recordação.
Nestas condições de navegação, forçoso será reconhecer que em alguns locais, para nós representadas pelas abertas na frondosa vegetação dos mangais, lalas, matas, resumidamente tudo o que não fosse o habitual e muito amigável tarrafo, funcionando como um muro de protecção, representava uma excessiva e perigosa exposição a ataques dos nossos amigos de pêto à época.
Admitamos que não era muito fácil esconder 42 metros de patrulha e, como todos os que se sentem acossados, não podendo evitar as passagens sistemáticas por aquelas zonas menos hospitaleiras, procurávamos nas duas Boffors anti-aéreas de 40 mm e mais umas entradas de que dispunhamos antes do prato principal, a sempre excelente companhia nesses momentos, quer como profilaxia quer como terapêutica.
Como rotinas, a simples ficalização ou a escolta a LDG, LDM, LDP ou batelões comerciais, transportando pessoal, material ou víveres.
Como alternativas, o embarque de DFE em Bissau com uma ordem de operações na mochila, rumar até ao Cacheu e, navegando para montante, executar as instruções previstas na ordem de operações, utilizando as LDM - as grandes heroínas da navegação nos baixos, no tarrafo e do encalhe - para efectuar o transbordo do pessoal para terra, normalmente durante a noite.
O controlo da operação a partir da LFG para o CDMG e, na manhã seguinte, o regresso a Bissau aos camarões e às ostras com as respectivas bazookas.
Voltarei à vaca fria no Cacheu e, mais tarde, também para Sul.
Quanto à costureirinha que referes, julgo tratar-se da Pistola-Metralhadora PPSH, de origem soviética, calibre 7.62 (russo), de tambor redondo e que nos anos 60 também fez parte do armamento dos movimentos africanos de independência que se opuzeram a Portugal. Também se ouviam no Cantanhês. Tinha um matraquear próprio com ruído especialmente irritante (haverá algum que o não seja?).
Um abraço de amizade para todos,
Manuel Lema Santos
_____________
Nota de L.G.
(1) Vd. post anterior, nº 843.
Guiné 63/74 - P844: Ouvir as 'costureirinhas' a bordo de uma LDG (Afonso M.F. Sousa)
Texto do Afonso M. F. Sousa (ex-furriel miliciano de transmissões, CART 2412, Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70)
Caro senhor e amigo Lema Santos (1):
A propósito deste seu interessante descritivo: "...os RPG (lança-granadas do IN) no Cacheu, a montante de Barro (Porto Coco, Jagali, Tancroal) e antes de Binta, também eram aperitivos a evitar..."
Deixe-me transmitir-lhe isto:
Quando ainda periquitos (Agosto de 1968), subimos o Cacheu, de LDG (2), rumo a Bigene. Lembro-me que antes de chegarmos a esse ancoradouro que servia Ganturé, com a lancha a navegar quase encostada à margem esquerda (tecnicamente não sei o porquê), fomos saudados por rajadas de armas que alguém apelidava de costureirinhas que vinham (suponho) dos lados da densa mata do Oio.
Foi o nosso primeiro contacto com o som de armas de fogo do IN. Dentro da LDG, o silêncio imperou e quase continhamos a respiração.
Um abraço.
Afonso Sousa
______________
Notas de L.G.
(1) Meu caro Afonso: Desculpa fazer-te o reparo mas o tratamento por tu é, à boa maneira romana, uma das regras de convívio na nossa caserna...
(2) Vd post de 4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)
Caro senhor e amigo Lema Santos (1):
A propósito deste seu interessante descritivo: "...os RPG (lança-granadas do IN) no Cacheu, a montante de Barro (Porto Coco, Jagali, Tancroal) e antes de Binta, também eram aperitivos a evitar..."
Deixe-me transmitir-lhe isto:
Quando ainda periquitos (Agosto de 1968), subimos o Cacheu, de LDG (2), rumo a Bigene. Lembro-me que antes de chegarmos a esse ancoradouro que servia Ganturé, com a lancha a navegar quase encostada à margem esquerda (tecnicamente não sei o porquê), fomos saudados por rajadas de armas que alguém apelidava de costureirinhas que vinham (suponho) dos lados da densa mata do Oio.
Foi o nosso primeiro contacto com o som de armas de fogo do IN. Dentro da LDG, o silêncio imperou e quase continhamos a respiração.
Um abraço.
Afonso Sousa
______________
Notas de L.G.
(1) Meu caro Afonso: Desculpa fazer-te o reparo mas o tratamento por tu é, à boa maneira romana, uma das regras de convívio na nossa caserna...
(2) Vd post de 4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)
Guiné 63/74 - P843: Memórias do Rio Cacheu (Manuel Lema Santos)
Texto do nosso tertuliano Manuel Lema Santos , ex-1º Tenente da Reserva Naval, 1965/72, Guiné 1966/68 - NRP Orion.
Caro Marques Lopes (1):
Nos posts que tenho efectuado tenho sido bastante parco em explicações, mas esse aspecto tem alguns motivos relevantes:
Ao longo dos anos de conflito na Guiné, quando se estabelece um comparativo global de condições de vida nas unidades - humanas, sociais, psicológicas, conforto e até de risco considero, em consciência, haver claro pendor favorável aos ramos da Marinha e da Força Aérea, embora possa haver casos pontuais de sinal contrário. Estou a lembrar-me de algumas LDM, LDP ou FZE.
No Exército teria muito a ver, também, com factores meramente fortuitos como a unidade para que cada militar era nomeado (diria quase saída em sorteio), a sua localização, enquadramento na área, importância estratégica, etc. Mais não me alongo por desconhecimento.
A consideração e conhecimento do que acima digo relativamente a alguns aquartelamentos de topo de gama como por exemplo Madina do Boé, Guileje, Aldeia Formosa (falando apenas no corredor Sul) e tantos outros a nomear, transporta-me a alguma prudente contenção no relato de proezas heróicas, sobretudo porque o respeito devido aos que lá ficaram, de ambos os lados, me condiciona prioritariamente.
Outro aspecto é muito pessoal e tem a ver com a memória de minha mãe que, quando o meu pai faleceu, tinha três dos quatro filhos em teatros de guerra e apenas o mais novo estava presente para lhe proporcionar algum conforto. Não creio que até hoje tenha sido evocado de maneira minimamente digna o contributo de cada mãe portuguesa, tantas vezes com tão pesada retribuição.
Pela minha parte, que fique claro que, à época e nesse contexto histórico, voltaria a efectuar o mesmo percurso ao serviço do país onde nasci, no cumprimento de um dever de cidadania.
Talvez sem tanta expressão, a minha irmã casada com um oficial da FA em Angola mas, pormenor adicional interessante e controverso, é que tanto eu como o meu irmão estávamos na Guiné, simultaneamente. Eu na Marinha, de 1966-1968 e o meu irmão, como alferes médico, no Exército, de 1967 a 1969, no Batalhão 1933, das célebres Companhias 1790, 1791 e 1792.
Deixo as conjecturas para quem as quiser fazer mas estávamos ambos presentes no convívio da cidade universitária, aquando da greve da fome de 17 estudantes em 1962 - fui ter com o meu irmão para ver como estava aquilo e aproveitar a boleia de carro com ele para casa...o que já não consegui, pelo que a seguir digo.
Pela calada do noite, os cerca de 1500 estudantes presentes (entre os quais um ex-presidente incluído!) foram brindados com guarda especial, seguida de visita guiada pela PIDE e PSP, às estâncias turísticas de Caxias e quartel da polícia de choque na Parede (já extinto). Durante um dia e apenas para identificação, justificou-se na época. A esta distância no tempo, ocorre-me que o episódio até teve algo de ridiculamente cómico/trágico.
Não quero deixar de te agradecer os pormenores a que vou acrescentar alguns que podem ser-te interessantes:
- Em 28 de Julho de 1968 estava presente no Cacheu a LFG Orion que permaneceu lá de 25 a 30 desse mês mas eu já tinha zarpado. Concluí a minha comissão, com regresso a 12 de Maio;
- Não era normal efectuarmos qualquer disparo, mesmo de reconhecimento, abaixo da Ponta de S. Vicente. Para montante e quando referes o Ingoré estamos, para nós, a falar das zonas de Maca, Canja e Barro onde já efectuávamos a navegação atentos, vigilantes, em estado de prontidão bordadas (uma peça guarnecida);
- Claro que tínhamos em atenção o facto de haver aquartelamentos próximos e apenas efectuaríamos fogo se fôssemos atacados. Para nós, isso era rígido nessa zona. Ainda mais para montante de Barro passávamos a postos de combate, normalmente até Farim e nas zonas críticas especialmente referenciadas, como Porto Coco, Jagali e Tancroal fazíamos, embora nem sempre, fogo de reconhecimento e protecção;
- Em Tancroal, no Cacheu, em 14 Janeiro de 1968 as LFG tiveram o mais violento ataque. No caso a LFG Lira - sorte minha porque substituiu a LFG Orion que acabou por não sair de Bissau por avaria do motor de estibordo à descolagem - efectuava a escolta à LDG Alfange que transportava para Bissau o Batalhão estacionado em Farim (penso que aí conseguem referenciá-lo com facilidade pela data). Foi atingida na ponte e no rufo da casa das máquinas com granadas de RPG 3 (2) com 2 mortos e 7 feridos, entre os quais o imediato, meu camarada, que ficou surdo de um ouvido. Com um destacamento de fuzileiros a bordo...
- Provavelmente ter-te-ás cruzado, vagamente ou não, com o meu irmão pois entre Junho de 1968 e Maio de 1969 esteve, como médico, na companhia estacionada no Ingoré. Mais ainda julgo que terá uma vez ido a Barro ao correio ... Tenho bastantes fotos cedidas por ele que publicarei caso ele não veja inconveniente e que vão desde o Ramadão até fotos da Messe, Parada, arredores do Ingoré, etc.;
- Tenho bastantes documentos e fotos que terei prazer em ir expondo mas gosto de efectuar a articulação lógica com factos directamente relacionados que permitam correctas interpretações das situações que relato e são mesmo muitas.
Quando começo a puxar os fios do novelo alastro até me puxarem as orelhas! Puxem e com força.
Um abraço de amizade,
Manuel Lema Santos
_________
Nota de L.G.
(1) Vd. post anterior, nº 841.
Caro Marques Lopes (1):
Nos posts que tenho efectuado tenho sido bastante parco em explicações, mas esse aspecto tem alguns motivos relevantes:
Ao longo dos anos de conflito na Guiné, quando se estabelece um comparativo global de condições de vida nas unidades - humanas, sociais, psicológicas, conforto e até de risco considero, em consciência, haver claro pendor favorável aos ramos da Marinha e da Força Aérea, embora possa haver casos pontuais de sinal contrário. Estou a lembrar-me de algumas LDM, LDP ou FZE.
No Exército teria muito a ver, também, com factores meramente fortuitos como a unidade para que cada militar era nomeado (diria quase saída em sorteio), a sua localização, enquadramento na área, importância estratégica, etc. Mais não me alongo por desconhecimento.
A consideração e conhecimento do que acima digo relativamente a alguns aquartelamentos de topo de gama como por exemplo Madina do Boé, Guileje, Aldeia Formosa (falando apenas no corredor Sul) e tantos outros a nomear, transporta-me a alguma prudente contenção no relato de proezas heróicas, sobretudo porque o respeito devido aos que lá ficaram, de ambos os lados, me condiciona prioritariamente.
Outro aspecto é muito pessoal e tem a ver com a memória de minha mãe que, quando o meu pai faleceu, tinha três dos quatro filhos em teatros de guerra e apenas o mais novo estava presente para lhe proporcionar algum conforto. Não creio que até hoje tenha sido evocado de maneira minimamente digna o contributo de cada mãe portuguesa, tantas vezes com tão pesada retribuição.
Pela minha parte, que fique claro que, à época e nesse contexto histórico, voltaria a efectuar o mesmo percurso ao serviço do país onde nasci, no cumprimento de um dever de cidadania.
Talvez sem tanta expressão, a minha irmã casada com um oficial da FA em Angola mas, pormenor adicional interessante e controverso, é que tanto eu como o meu irmão estávamos na Guiné, simultaneamente. Eu na Marinha, de 1966-1968 e o meu irmão, como alferes médico, no Exército, de 1967 a 1969, no Batalhão 1933, das célebres Companhias 1790, 1791 e 1792.
Deixo as conjecturas para quem as quiser fazer mas estávamos ambos presentes no convívio da cidade universitária, aquando da greve da fome de 17 estudantes em 1962 - fui ter com o meu irmão para ver como estava aquilo e aproveitar a boleia de carro com ele para casa...o que já não consegui, pelo que a seguir digo.
Pela calada do noite, os cerca de 1500 estudantes presentes (entre os quais um ex-presidente incluído!) foram brindados com guarda especial, seguida de visita guiada pela PIDE e PSP, às estâncias turísticas de Caxias e quartel da polícia de choque na Parede (já extinto). Durante um dia e apenas para identificação, justificou-se na época. A esta distância no tempo, ocorre-me que o episódio até teve algo de ridiculamente cómico/trágico.
Não quero deixar de te agradecer os pormenores a que vou acrescentar alguns que podem ser-te interessantes:
- Em 28 de Julho de 1968 estava presente no Cacheu a LFG Orion que permaneceu lá de 25 a 30 desse mês mas eu já tinha zarpado. Concluí a minha comissão, com regresso a 12 de Maio;
- Não era normal efectuarmos qualquer disparo, mesmo de reconhecimento, abaixo da Ponta de S. Vicente. Para montante e quando referes o Ingoré estamos, para nós, a falar das zonas de Maca, Canja e Barro onde já efectuávamos a navegação atentos, vigilantes, em estado de prontidão bordadas (uma peça guarnecida);
- Claro que tínhamos em atenção o facto de haver aquartelamentos próximos e apenas efectuaríamos fogo se fôssemos atacados. Para nós, isso era rígido nessa zona. Ainda mais para montante de Barro passávamos a postos de combate, normalmente até Farim e nas zonas críticas especialmente referenciadas, como Porto Coco, Jagali e Tancroal fazíamos, embora nem sempre, fogo de reconhecimento e protecção;
- Em Tancroal, no Cacheu, em 14 Janeiro de 1968 as LFG tiveram o mais violento ataque. No caso a LFG Lira - sorte minha porque substituiu a LFG Orion que acabou por não sair de Bissau por avaria do motor de estibordo à descolagem - efectuava a escolta à LDG Alfange que transportava para Bissau o Batalhão estacionado em Farim (penso que aí conseguem referenciá-lo com facilidade pela data). Foi atingida na ponte e no rufo da casa das máquinas com granadas de RPG 3 (2) com 2 mortos e 7 feridos, entre os quais o imediato, meu camarada, que ficou surdo de um ouvido. Com um destacamento de fuzileiros a bordo...
- Provavelmente ter-te-ás cruzado, vagamente ou não, com o meu irmão pois entre Junho de 1968 e Maio de 1969 esteve, como médico, na companhia estacionada no Ingoré. Mais ainda julgo que terá uma vez ido a Barro ao correio ... Tenho bastantes fotos cedidas por ele que publicarei caso ele não veja inconveniente e que vão desde o Ramadão até fotos da Messe, Parada, arredores do Ingoré, etc.;
- Tenho bastantes documentos e fotos que terei prazer em ir expondo mas gosto de efectuar a articulação lógica com factos directamente relacionados que permitam correctas interpretações das situações que relato e são mesmo muitas.
Quando começo a puxar os fios do novelo alastro até me puxarem as orelhas! Puxem e com força.
Um abraço de amizade,
Manuel Lema Santos
_________
Nota de L.G.
(1) Vd. post anterior, nº 841.
Guiné 63/74 - P842: Quando os nharros da CCAÇ 3 foram alvejados pela... nossa Marinha (A. Marques Lopes)
Caro Lema Santos:
Tenho lido os teus posts sobre as lanchas (1) e tenho-me lembrado de um episódio. Tenho grande apreço por todo o pessoal marinheiro e pelo seu papel relevante na Guiné.
Este é um episódio que encarei, na altura, com normalidade e que, se calhar, não era assim tão fora do normal. Conto-o agora: a meio do dia 28 de julho de 1968, andava eu com o meu grupo de combate da CCAÇ 3 pela margem esquerda do Cacheu, por entre o tarrafe e outra vegetação, entre Barro e Ingoré, fazendo correr os craques em todas as direções, com o objectivo de descobrir (mais) uma passagem dos abastecimentos do PAIGC.
Eis senão quando surgiu uma lancha, viram os meus nharros e começaram a disparar para a margem, de G3 e metralhadora pesada. Felizmente não acertaram à primeira. Alguns dos meus ainda levantaram os braços para alertar que era gente amiga. Mas eu vi a determinação dos homens da lancha e dei ordem de cavanço e internámo-nos na mata.
Contei o facto, é claro, e mais tarde vim a saber que o pessoal da lancha tinha pensado que eram turras... Mas, felizmente, não morreu ninguém com o fogo amigo.
Abraços
A. Marques Lopes
____________
Nota de L.G.
(1) Vd. poste de 25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)
Tenho lido os teus posts sobre as lanchas (1) e tenho-me lembrado de um episódio. Tenho grande apreço por todo o pessoal marinheiro e pelo seu papel relevante na Guiné.
Este é um episódio que encarei, na altura, com normalidade e que, se calhar, não era assim tão fora do normal. Conto-o agora: a meio do dia 28 de julho de 1968, andava eu com o meu grupo de combate da CCAÇ 3 pela margem esquerda do Cacheu, por entre o tarrafe e outra vegetação, entre Barro e Ingoré, fazendo correr os craques em todas as direções, com o objectivo de descobrir (mais) uma passagem dos abastecimentos do PAIGC.
Eis senão quando surgiu uma lancha, viram os meus nharros e começaram a disparar para a margem, de G3 e metralhadora pesada. Felizmente não acertaram à primeira. Alguns dos meus ainda levantaram os braços para alertar que era gente amiga. Mas eu vi a determinação dos homens da lancha e dei ordem de cavanço e internámo-nos na mata.
Contei o facto, é claro, e mais tarde vim a saber que o pessoal da lancha tinha pensado que eram turras... Mas, felizmente, não morreu ninguém com o fogo amigo.
Abraços
A. Marques Lopes
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Nota de L.G.
(1) Vd. poste de 25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)
Guiné 63/74 - P841: Curriculum Vitae do nosso doutorando Leopoldo Amado
Leopoldo Amado - Curriculum Vitae resumido
Foto: Lamparam (2005)
Doutorando em História Contemporânea pela Universidade Clássica de Lisboa (Faculdade Letras de Lisboa), sob a temática “Guerra Colonial da Guiné versus Luta de libertação Nacional (1961 – 1974); membro da nossa tertúlia; edito do blogue Lamparam II.
1. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Nome: Leopoldo Victor Teixeira Amado
Filiação: Mateus Teixeira da Silva Amado e Cipriana Araújo de Almeida Vaz Martins Amado
Naturalidade: Guiné-Bissau
Nacionalidade: guineense e portuguesa
Data e lugar de Nascimento: Guiné-Bissau, 19 de Junho de 1960
2. HABILITAÇÕES ACADÉMICAS
1967– 1971/concluiu o ensino primário na Escola Central de Bolama;
1971/73> Concluiu o ensino complementar básico do ciclo preparatório em Bissau;
1973/80> Concluiu o Curso complementar dos liceus;
1980/81> Concluiu o Curso dirigido de formação de professores liceais;
1882/86> Concluiu licenciatura em História pela Universidade Clássica de Lisboa (Faculdade Letras de Lisboa);
1986 > Frequentou o Mestrado de Estudos Africanos no Instituto de Ciências Políticas e Sociais de Lisboa;
1989 > Conclui o Curso de pós-graduação em Relações Internacionais (Curso de Estudos Islâmicos, pela Universidade Internacional de Lisboa);
2001/05 > Concluiu o doutoramento em História contemporânea na Universidade Clássica de Lisboa e aguarda para breve a arguição respectiva [provavelmente em Outubro de 2006].
3. ACÇÕES DE FORMAÇÃO
1989/00 > Participou na cidade do Porto num Seminário promovido pela Embaixada de Angola sobre “O desenvolvimento da Literatura e das Ciências Sociais nos PALOP";
1990 > Participou em Vila Real, Trás – os – Montes, Portugal, num seminário sobre a metodologia de investigação em Ciências Sociais, promovido pela Universidade de Trás–os–Montes;
1990 > Promovido pelo INEP, participou no Congresso Internacional “Bolama Caminho Longe”;
1990 > Promovido pelo INEP, participou num seminário sobre “Negociações e Estratégia”;
1990 > Promovido pelo INEP e Universidade Cheik Anta Diop, em Dakar, participa num seminário sobre "A investigação Histórica em África";
1991 > Participou no Instituto Científico Tropical de Lisboa num seminário sobre a problemática da investigação social em África;
1991 > Participou na Universidade Cheik Anta Diop, Dakar num seminário promovido pela CODESRIA, sobre a metodologia de investigação histórica em África;
1992 > Participou numa acção de formação promovida pela SOLIDAMI, Bissau, sobre a elaboração, gestão e seguimento de Projectos;
1993> Participou num seminário promovido pela Radda Barnen em Dakar sobre a Aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças;
1993> Participou em Dakar num seminário promovido pelo ENDA TIERS MONDE sobre a Gestão de Projectos sociais e Abordagem Participativa;
199 > 00/Participou em Abidjan, Costa do Marfim, numa acção de formação sobre a elaboração, gestão e seguimentos de Projectos;
1996> Participou em Portugal em vários seminários sobre a problemática da criança;
1996 > Promovida pela UNICEF – BISSAU, participou numa acção de formação dos formadores em matéria de Planificação Estratégica por objectivos e Avaliação de Projectos;
1997 > Participou em Bissau numa acção de formação promovido pela AMIC sobre "A situação das crianças em situação particularmente difícil: crianças de rua, crianças trabalhadoras e crianças desprovidas de meio familiar adequado";
1997 > Promovido pela L.G.D.H. e Acção Penal Internacional, participou num seminário sobre "Os fundamentos jurídico – internacional dos Direitos Humanos";
Participação em Maputo na conferência sobre a produção do saber histórico na África Lusófona, organizada pela Universidade Eduardo Mondlane.
1997 > Participou em Lisboa num Congresso Internacional de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, promovido pelo Comissão para a comemoração dos descobrimentos portugueses;
1998 > Participou em Lisboa num seminário sobre" A indivisibilidade dos Direitos Humanos, promovido pela CIVITAS";
1998> 0Participação em Maputo, na qualidade de consultor da Amnistia Internacional, na colecta de informações e elaboração do Relatório sobre a situação dos Direitos Humanos em Moçambique;
1998 > Participação em Luanda, na qualidade de consultor da Amnistia Internacional, na colecta de informações e elaboração do Relatório sobre a situação dos Direitos Humanos em Moçambique;
1999 > Promovido pelo Centro de Estudos Africanos do ISCTE, participou numa Conferência de Reflexão sobre o conflito político – militar, subordinada ao tema “A Guiné – Bissau na encruzilhada";
2000 > Promovido pela Câmara Municipal de Belo Horizonte – Brasil, participou numa Congresso internacional sobre as literaturas de Língua Portuguesa;
2000 > A convite da Embaixada de Portugal na Guiné – Bissau e da Fundação "Mário Soares", deu uma conferência subordinada ao tema: "A Actualidade do pensamento político de Amílcar Cabral".
2003 > Participação em Durban, África do Sul, na III Convenção Mundial dos activistas dos Direitos Humanos, organizado pela WMD (World Movement for Democracy);
2005 > Participação em Lagos, Nigéria, no Seminário de planificação estratégica do African Democracy Fórum;
Participou em Lagos, Nigéria, em Agosto 2005, na II Reunião da Africain Democracy Forum;
2006 > Participou em Istambul, Turquia, na IVª Assembleia da World Movement for Democracy, ocorrida em Março de 2006.
4. EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
1976/79 > Trabalhou como professor primário em Canchungo e Bissau;
1979 > Trabalhou como professor na Escola "Justado Vieira", do Ensino Básico Complementar e redactor da Revista do Ministério da Educação;
1980/81 > Trabalhou como professor do Liceu Regional de Bafatá, onde desempenhou a função do Presidente do Conselho Técnico;
1986/88 > Trabalhou como investigador do extinto Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (actual Instituto Camões);
1988/89 > Trabalhou na Embaixada de Angola em Portugal como assessor do Departamento Cultural;
1989/91 > Trabalhou como investigador permanente do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa da Guiné-Bissau), onde actualmente é investigador associado;
1991 > Trabalhou como consultor nas pesquisas tendentes ao zoneamento da Guiné–Bissau, pela da UICN – União Internacional para a conservação da natureza;
1991 > Trabalhou como Consultor da USAID no estudo "Mercado de Castanha de Cajú” na Guiné – Bissau;
1991/94 > Trabalhou como Director Comercial do "Geta–Bissau", empresa privada;
Desde 1995 que vem desempenhando as funções de comentador político junto à imprensa guineense e internacional: Rádio Nacional da Guiné–Bissau, Rádio “Pindjiguiti”, Rádio “Bombolom”, Diário de Bissau,“RDP África”, Rádio Renascença Internacional, RTP África, Voz de América e BBC.
1994/96 > Desempenhou as funções de Director do mensário "Baguera", órgão de informação geral;
1994~/96 > Trabalhou como Coordenador de Projectos da AMIC – Associação dos amigos da Criança;
1994/96 > Dirigiu várias acções de formação de formadores em Bissau e no interior do país, em matéria de gestão participativa, organização comunitária e Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças;
1994/95 > Trabalhou como consultor da Radda Barnen na elaboração do estudo sobre "A situação das crianças Fulas, Mandingas, balantas e papel";
. 1995– 97/Desempenhou as funções de Director da "Tcholoná", na altura a única Revista cultural da Guiné – Bissau;
1996 > Trabalhou como consultor da PLAN INTERNATIONAL – Planificação Estratégica e Programação do novo ciclo de acções e Projectos;
1996 > Trabalhou em Bordeaux e Paris como consultor da editora Nathan e Escola Internacional de Bordeaux na elaboração como co-autor do livro "Anthologie Littéraire de L' Afrique de l'Ouest";
1996 > Trabalhou como consultor da UNICEF – Planificação Estratégica por objectivos e Programação do um novo ciclo de acções e Projectos;
1996 > Trabalhou como consultor na Planificação Estratégica por objectivos para o FNUAP, onde teve responsabilidades pelo sector "Advocacy (Plaidoyer)";
1995/97 > Trabalhou como Coordenador de Projectos da Liga Guineense dos Direitos Humanos;
2004/06 > Director da Revista “Tcholoná”, única Revista Cultural existente na Guiné-Bissau;
1997/00 > Desempenhou as funções de Vice – presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos;
1997/00 > Autor de inúmeros programas radiofónicos de interesse público e pesquisa histórica: Rádio Difusão Nacional da Guiné – Bissau e Rádio Pindjiguiti;
1997/98 > Trabalhou como investigador do Projecto de Pesquisa da UNESCO, com sede em Cabo – Verde, e intitulado "Projecto de Salvaguarda do Património Histórico da África Contemporânea – os casos da luta de libertação da Guiné–Bissau e Cabo–Verde";
1998/00 > Trabalhou como consultor da Amnistia Internacional em Moçambique e Joanesburgo, África do Sul, tendo participado na elaboração do relatório de 1998 sobre os direitos Humanos em Moçambique;
Após o conflito armado de 1998, trabalhou na área de Projectos como consultor contratado da AMIC (Associação dos amigos da Criança) e L.G.D.H (Liga Guineense dos Direitos Humanos;
1999/01 > Passou a assumir as funções de Coordenador do Projecto SPHAC (Salvaguarda do Património Histórico da África Contemporânea) com sede em Cabo–Verde, de que resultou a elaboração do livro do Presidente Aristides Pereira intitulado“, Uma Luta, Um Partido, Dois países;
Prelector de várias conferências, seminários e colóquios na Guiné – Bissau, Portugal, Brasil, Moçambique e no estrangeiro sobre assuntos africanos em geral e guineense em particular (Dakar, Conakry, Abidjan, Praia);
1998/00 > É actualmente é doutorando em História Contemporânea pela Universidade Clássica de Lisboa (Faculdade Letras de Lisboa), sob a temática “Guerra Colonial da Guiné versus Luta de libertação Nacional (1961 – 1974) ;
É actualmente Secretário Executivo da Guineáspora – Fórum Mundial de Guineenses na Diáspora;
2003 – .05/Membro do “Management Committee” do ADF (Africain Democracy Forum)
5. TRABALHOS PUBLICADOS
1976/81 > Autor de inúmeros artigos na extinta revista do Ministério da Educação Nacional;
1976/81 > Autor de vários artigos e textos de análise e crítica literária publicados no trissemanário "Nô Pintcha”;
1981/89 > Autor de vários estudos sobre a comunidade africana em Portugal dispersos em jornais, revistas de especialidade (extinto jornal “África” e Angolê Artes & Letras”);
1986 > Monografia de final delicenciatura "A Literatura Colonial Portuguesa – 1850 aos nossos dias", apresentada à Faculdade de Letras de Lisboa, Universidade Clássica;
1986/89 > Autor de inúmeros estudos literários publicados na Revista "Ler", Lisboa.
1989/ 91 > Autor de vários estudos publicados sobre a literatura colonial guineense, publicados na Revista “Soronda”, do INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, da Guiné-Bissau;
1989/91 > Autor de vários monografias de índole histórica-sociológica sobre a Guiné–Bissau, publicadas na Revista “Soronda” do INEP.
1990 > Autor do livro "Bolama–Caminho Longe"; INEP, 1990;
1995/00 > Autor de vários Relatórios da L.G.D.G. sobre a situação dos Direitos Humanos nos PALOP
1996/98 > Autor de vários Relatórios da L.G.D.G. (Liga Guineense dos Direitos Humanos) sobre a situação dos Direitos Humanos nos PALOP;
1996 > Co–autor da «Anthologie Littéraire de L’AFRIQUE de l' Oest», Nathan, Paris, 1996;
1997 > Co-autor do livro, “Bolama, Caminho Longe – Entre a cobiça dos homens e a Esperança”, INEP,1994.
1989/91 > Assíduo articulista do jornal "Correio de Bissau";
1991/94 > Assíduo articulista do jornal "Baguera";
1996/01 > Assíduo articulista do jornal Diário de Bissau;
1989/01 > Autor de inúmeros prefácios de obras alusivas à Guiné – Bissau: “Eco do Pranto”, colectânea de poemas dedicados a criança em1992; “Contos de N`Nori”, de Carlos Edmilson M. Vieira, 2000; e “Stera di Thur” de Rui Jorge, 200;
Colaborador de revistas e jornais publicados em Portugal: “Lusófono” e “África Lusófona”;
Assíduo articulista do jornal “Público” em Portugal;
Autor de vários textos de recensão crítica em revistas de especialidade histórica e literária.
6. LÍNGUAS
Crioulo da Guiné – Bissau e Cabo-Verde – Fala e escreve Muito Bem;
Português – Fala e escreve Muito Bem;
Francês – Fala e escreve Bem;
Inglês – fala, lê e escreve razoavelmente.
Novembro de 2005
Leopoldo Amado
Guiné 63/74 - P840: O valente Sargento Enfermeiro Cipriano, da CCAÇ 5, morto em Nova Lamego (José Martins)
Texto e foto do © José Martins (2006)
Caro Luís
Como já te tinha referido, tive o privilégio de receber originais para entregar aos arquivos históricos.
Entretanto, aquele material que não sabemos quando estará disponivel para os olhos dos estudiosos, foi visto e revisto, e dele respiguei alguns elementos, que muito irão servir nas minhas investigações.
Hoje vou mandar um texto, que não sendo da minha autoria solicitei a competente autorização aos autores para o fazer, apesar de ter sido escrito em 1970, portanto há mais de 35 anos (1).
É uma homenagem a que me associo, porque conforme foto anexa [a inserir mais tarde, por dificuldades técnicas,imputáveis ao servidor, o Blogger.com], era amigo e camarada do homenageado.
Se por acaso o filho do sargento Cipriano ler estas linhas ou o texto, acho que, como nosso camarada de armas, que ele é de facto já que é militar, entre em contacto com a tertúlia.
Um forte abraço
José Martins
___________________
O SARGENTO CIPRIANO (por Pacífico dos Reis e Martins Gago)
Lembro... Como poderia deixar de evocar aquele espírito endiabrado que, a cada frase, nas horas de convívio, nos fazia rir a todos! A sua boa disposição constante e o elevado sentido de camaradagem que em cada acção brotava do seu ser, tornaram-no querido, indispensável para cada hora menos amarga no clima de guerra.
Preto, com a estrela de manjaco a orientar o dinamismo de uma vida inteiramente dedicada à sua profissão que amava, e aos filhos, dois botões de rosa ornamentando o jardim imenso das suas ambições, o sargento Cipriano Mendes Pereira, foi há dias barbaramente assassinado pelos sanguinários vampiros do PAIGC.
Militar firme na sua ideologia, sempre desfez as variadas tentativas que o IN levou a cabo para o fazer ingressar nas suas hostes, raptando-lhe a mãe para o obrigarem a contrariar os seus próprios desígnios. Mas nem assim... Tudo era em vão para demolir aquele caracter formado na rocha do ódio aos inimigos da paz.
Lembro... Como o poderei esquecer!... Aquela tarde do dia 27 de Junho de 1969 e aquela manhã brumosa do dia seguinte, em que o sargento Cipriano de sacola de medicamentos ao ombro e de Walther em punho, encabeçava os Gatos Pretos na perseguição do IN. Os seus gritos de incitamento ouviam-se à distância e aquela frase imortal que a saudade jamais deixará esquecer Gato Preto agarra à mão brotava da sua boca, qual torrente tumultuosa envolvendo e destruindo o moral inimigo.
Lembro... Tanto tenho ainda a lembrar!... Aquela manhã do dia 12 de Setembro desse fatídico ano de 69. A coluna que seguia para Nova Lamego recomeçou o andamento após a picagem da zona perigosa e terminados os flancos necessários à segurança da estrada. Escassos metros percorridos, a viatura rebenta-minas salta da picada entre nuvens negras de TNT, enquanto um fragor dantesco terminava a obra traiçoeira de um IN cobarde que não mostrava a cara. Um silêncio mortal se seguiu nos momentos de surpresa e pasmo dos componentes da coluna. Uma voz forte, enérgica, decidida, se ouviu algum tempo depois na retaguarda e umas pernas ágeis de homem que conhecia o seu dever, se aproximaram correndo do local do sinistro, dando assistência imediata e eficaz à dezena de feridos que juncavam o solo.
O sargento Cipriano era assim... Ao ouvir o rebentamento pegou no saco dos medicamentos e seu olhar ao perigo, correu estrada acima, os dez quilómetros que separavam o aquartelamento do local onde ele sabia precisar de combater a morte.
O sargento Cipriano morreu e, com ele, jazem no escuro do túmulo o militar de rara grandeza, o enfermeiro conhecedor e humano, o homem simples amante da paz e da justiça, o pai estremoso e o suporte de um lar extremamente feliz da nossa Guiné.
Sucumbiu às mãos daqueles que tantas vezes combateu... O seu corpo é hoje pasto de vermes, mas o seu eu, a sua personalidade, continuará na mente daqueles que o conheceram, desafiando o mundo da traição, do terror, da mentira e conduzindo, com o seu exemplo, os homens para o verdadeiro caminho da honra e do dever.
Capitão Pacífico dos Reis
Alferes Miliciano Martins Gago.
Fonte: © RONCO – Jornal do C.I.M. – Bolama. Nº 52. ANO IV. 1 de Janeiro de 1970
O 2º Sargento Enfermeiro Cipriano com o Furriel Trms Martins
Foto do arquivo de José Martins – Dezembro de 1969
___________
Notas de J.M.:
Elementos recolhidos da História da CCaç 5 – Gatos Pretos – Canjadude. Pesquisa e compilação de José Martins – Fur Mil Tms Inf (1968/1970)
Cipriano Mendes Pereira, 2º Sargento Enfermeiro, número mecanográfico 82034859, já se encontrava ao serviço da Companhia em finais de 1969, tendo assumindo as funções de Comandante da Secção de Saúde.
Além das actividades inerentes à sua função, colaborou na construção do edifício destinado a Posto de Socorros e Enfermaria. Foi também professor das escolas primárias das crianças que residiam na povoação.
Foi abatido ao efectivo da Unidade em 10 de Outubro de 1970 por ter sido transferido para o Hospital Militar 241 / CTIG, em Bissau.
Veio a falecer em combate em 16 de Novembro de 1970, durante a flagelação a Nova Lamego.
O filho do sargento Cipriano é hoje oficial do Exército da Guiné-Bissau, provavelmente já com a patente de Major ou Tenente-Coronel.
O meu capitão Pacífico dos Reis é hoje coronel, na reserva.
Comentário de L.G.:
A expressão "barbaramente assassinado pelos sanguinários vampiros do PAIGC" hoje seria excessiva: no entanto, ela tem de ser entendida no contexto da época (1970), do calor da batalha e da dor pela perda de um camarada, mas também da função político-ideológica, propagandística, que cabia a um jornal de caserna como o Ronco (publicado desde 1969 pelo Centro de Instrução Militar, Bolama – SPM 0058).
Naturalmente que os inimigos, em todas as guerras, não se tratam com mimos. E o papel dos oficiais, com funções de comando ou liderança a nível operacional, era também o de criar e manter o ódio e a raiva que levem um soldado a matar outro soldado, visto como (ou transformado em) seu inimigo, para vingar um camarada morto...
Sem a oportuna nota do José Martins, ficaríamos com a ideia (errada) que o Sargento Cipriano tinha sido feito prisioneiro pelos tipos do PAIGC e depois executado, a sangue frio, quando na realidade ele morreu em combate, na sequência de um ataque ao aquartelamento do Gabu (Nova Lamego), o que não é menos lamentável.
Aqui fica esta observação, feita apenas dentro do espírito das regras da nossa tertúlia, que são basicamente as do bom senso, do bom gosto, da tolerância, da convivialidade, do respeito pela verdade dos factos e pelo rigor historiográfico (que também queremos ajudar a construir)...
A guerra foi dura, muita dura, para todos nós, tugas e turras... Quarenta anos depois já não é a altura, já não temos idade sequer, para ir atrás das fantasias dos que quiseram utilizar-nos, dos que nos utilizaram, mesmo com as melhores intenções do mundo, em nome de coisas e de valores que até podiam ser sagrados para alguns de nós: a Pátria, a Nação, a Independência, a Liberdade... (LG)
sábado, 3 de junho de 2006
Guiné 63/74 - P839: Antologia (41): A AD na luta contra a fome nas regiões do sul
Guiné-Bissau > Ad - Foto da Semana > "Quitana N’Fanda é uma jovem oleira de uma tabanca do sector de Cubucaré, na região de Tombali, sul do país. A AD tem estado a incentivar os jovens a produzirem artesanato local que inclui esculturas Nalús, em madeira e em pedra, cestaria à base de mampufa e cadeiras e mesas de tara, uma vez que se começa a registar um cada vez maior interesse por este tipo de arte por parte dos ecoturistas que demandam agora frequentemente a Mata de Cantanhez".
Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2005) (com a devida vénia)
1. O Expresso da semana passada (27 de Maio de 2006) trouxe uma reportagem sobre a situação agro-alimentar no sul da Guiné, nas regiões de Quínara e de Tombali, que já foram o "celeiro" do país... A monocultura do arroz, a sua substituição pela cultura do caju e o miserável abandono por parte do poder político, instalado em Bissau, das populações das regiões do sul onde se forjou a luta pela independência, são alguns tópicos referidos na reportagem.
Também é citado o trabalho (exemplar) que a AD - Acção para o Desenvolvimento, dirigida pelo nosso amigo Pepito, está a fazer na região, em prol da criação de uma agricultura que seja compatível com a protecção do ambiente e que garanta a auto-suficiência alimentar dos camponeses.
Aqui fica a reportagem do jornalista Jorge Pereira (vd. Expresso África que é uma boa fonte de informação, on line, sobre a Guiné-Bissau e outros países africanos de língua oficial portuguesa)
Quando não há arroz, há fome
DEPARAR-SE com uma viatura num domingo e conseguir boleia, numa picada da espessa Mata de Cantanhez, no Sul da Guiné-Bissau, é raro. Mas foi o dia de sorte de Ntchudo Na Lana, um velho camponês de Darsalam, aldeia dos confins da região de Tombali, que já vinha caminhando desde a véspera, só parando para dormir e comer alguma coisa.
Andar longas distâncias a pé, dia e noite, é uma prática comum nas áreas rurais, em particular em Tombali e Quínara, zonas meridionais do país e as mais deserdadas em matéria de comunicação e transporte.
O carro, que transportava um consultor europeu da Acção para o Desenvolvimento (AD) e um técnico desta ONG local empenhada na preservação ambiental, parou e levou Ntchudo, que cultiva arroz de «bolanha», terreno de água salgada conquistado aos «mangroves». Em vez da nefasta, e pouco rentável, cultura itinerante, com recurso à queimada da floresta e à desmatação.
Ntchudo também aderiu ao cultivo de mandioca e de batata-doce, uma medida de urgência introduzida pela AD, para fazer face à actual penúria de arroz, a base da alimentação nacional. Conta que esteve na capital, onde recebeu uma «ajuda» de 150.000 francos (cerca de 230 euros) do chefe de Estado, Nino Vieira, que conheceu quando este era comandante na Frente Sul da luta pela independência.
A última época agrícola foi má para todos os produtores do Sul. Em Tombali e Quínara, consideradas «o celeiro» do país, não chegou a haver colheita de arroz. «E, quando não há arroz, há fome», disse Bilony Nhasse, directora regional da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Quínara, segundo a qual é urgente o fim da monocultura do arroz e variar a dieta alimentar.
Avaliações ainda provisórias indicam que mais de 20 mil pessoas enfrentam sérias dificuldades, o que levou o Governo a pedir, em finais de Abril, o apoio urgente da comunidade internacional. «Nunca se viu este cenário no Sul. As pessoas estão a chorar de fome. A falta de chuva e a entrada de água salgada nos arrozais rebentou com os diques e originou a perda da colheita do ano passado», descreve o chefe do Departamento de Engenharia Rural, Rui Néné Djatá, que aponta a necessidade de um «sistema de ordenamento hidro-agrícola para salvar os campos de arroz».
Para sobreviverem, as populações consomem as sementes que guardaram para a nova época agrícola. Ou recorrem a familiares na capital. A manga e o caju, abundantes nesta altura do ano, são a salvação de milhares de pessoas, que ainda enfrentam a falta de água potável. Como se relata em Bessassema, uma povoação onde, na falta de arroz e água, se mata a fome com manga fervida com sumo de caju.
Além das calamidades naturais, da burocracia e da lentidão na resposta à fome, os especialistas indicam que os atrasos e a polémica sobre os termos de troca da castanha de caju pelo arroz, que antecederam a campanha, penalizaram os agricultores e agravaram a crise.
(...) Para remediar a situação, uma organização que promove o desenvolvimento comunitário em Tombali importou arroz da capital e vendeu directamente aos camponeses, mas em quantidades insuficientes para resolver o problema. Nesta região e na de Quínara, o programa «Alimento por Trabalho», do Programa Alimentar Mundial (PAM), oferece uma ração de arroz e óleo para encorajar os camponeses a recuperarem os diques que protegem os campos de arroz, para que estejam em condições de aproveitar a época agrícola. O Fundo de Iniciativas Ambientais Locais, um projecto governamental recente, também prometeu financiar a reparação de diques, aqui chamados «orique», bem como o melhoramento das pistas rurais.
Para as organizações que intervêm no Sul, a principal causa da fome não é a falta de arroz ou outros factores conjunturais. «O que se passa no Sul é um escândalo. Em mais de 30 anos de independência, estas regiões não têm estradas em condições, nem outras infra-estruturas básicas», desabafa um responsável, que se insurge ainda contra a «ditadura do caju», que tende a substituir a monocultura do arroz. Os três meses - Março a Maio - da campanha da castanha de caju, principal produto de exportação da Guiné-Bissau, movimentam adultos e crianças. Atraem também a cobiça de estrangeiros, sobretudo indianos, os maiores compradores, enquanto os mauritanos vão directamente às aldeias guineenses. «Tomara que não se esqueçam de nós. Deus lhes pagará», roga a irmã italiana Franca Collombo, da missão católica de Empada, uma localidade da região que já conheceu melhores dias e que parece agora ter parado no tempo.
Jorge Pereira, enviado ao Sul da Guiné-Bissau
2. Tambémn o blogue Africanidade (não confundir com o Africanidades do nosso tertuliano Jorge Neto) já há mais de três semanas tinha dado a notícia do desastre alimenntar no sul:
Guinéu-Bissau: 130 mil afectados pela fome, Governo pede apoio internacional (Africanidade, 12 de Maio de 2006)
O governo guineense já tem pronto um programa de combate à fome que afecta mais de 130.000 pessoas no sul da Guiné-Bissau e pediu apoio internacional financeiro para concretizar o plano, anunciou hoje o ministro da Agricultura.
Segundo o ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural guineense, Sola N'Quilin, o programa está orçado em 2,35 milhões de dólares (1,8 milhões de euros) para ajudar as mais de 130 mil pessoas afectadas pelas inundações de água salgada que levaram à destruição dos tradicionais terrenos de cultivo.
A fome afecta as populações das regiões de Quínara, Tombali e Bolama-Bijagós, cuja população total ronda as 250 mil pessoas, num país de 1,5 milhões de habitantes. Segundo as palavras do ministro, regista nas referidas regiões "uma penúria alimentar", confirmada pelos relatórios já elaborados por missões conjuntas com o Programa Alimentar Mundial (PAM) e outras entidades.
"Constatámos a destruição de diques, arrozais e de várias outras culturas que não completaram o ciclo agrícola, o que confirma a situação de penúria alimentar", afirmou Sola N'Quilin, que se encontra de visita àquelas regiões, consideradas o "celeiro" do país.
"A situação torna-se ainda mais alarmante a partir do momento em que se constatou que as populações desenvolvem as suas actividades agrícolas, sobretudo a produção de arroz (principal dieta alimentar dos guineenses), junto a um rio cujas águas salgadas, devido às marés vivas, destruíram toda a produção da região de Tombali", acrescentou.
Sola N'Quilin indicou que 50 por cento das áreas cultivadas foram prejudicadas pelas calamidades naturais, nomeadamente a paragem brusca das chuvas, em fins de 2005, invasão das "bolanhas" (campos de cultivo) por águas salgadas, pragas agrícolas e outros flagelos.
Segundo o ministro, o programa de auxílio, além de ajuda alimentar, prevê a reconstrução dos diques, construção de canais de drenagem, constituição de "stocks" de segurança alimentar e ainda o aprovisionamento de sementes agrícolas, de forma a garantir uma boa campanha agrícola.
Para o êxito das medidas, estão previstas duas estratégias, em que uma delas tem o carácter urgente, pois destina-se a fazer face à penúria alimentar, sendo concretizada através do "Food for Work".
A segunda fase, a médio/longo prazo, prevê apoios para o reforço das capacidades dos agricultores, das organizações camponesas e das estruturas de intervenção, de forma a assegurar a produção agrícola nas duas regiões na próxima campanha."A totalidade da superfície afectada traduz-se num prejuízo mínimo de 32.815 toneladas de arroz 'paddy', ou seja, 23.000 toneladas de arroz limpo, estimando-se que esta situação afecte cerca de 130.000 pessoas, mais de 32 mil agregados familiares", lembrou.
Guiné 63/74 - P838: Cancioneiro de Mansoa (9): A mais alta de todas as traições (Magalhães Ribeiro)
Dos cadernos (1) do Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-furriel miliciano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612 (que esteve em Mansoa por escassos dias, cabendo-lhe a honra de arriar a nossa bandeira em 9 de Setembro de 1974, por ocasião da transferência de soberania do território para o PAIGC) (2):
A mais alta de todas as traições
Muitos africanos foram os nossos melhores amigos,
Tinham orgulho em envergar uma farda portuguesa,
Na instrução eram afincados, cumpridores, e...
No combate davam tudo... até a vida, com nobreza!
Após a revolução dos cravos
Reinava no país a anarquia,
Assaltavam-se as Instituições
O povo em partidos se dividia.
Gente a falar do que não sabia
Ou que não sabia do que falava,
Que ora dizia uma coisa
E passados minutos... negava.
No meio de todas as convulsões
O poder político era restaurado,
Os governos tomavam decisões
Aos repelões, uns p’ra cada lado.
E assim, no meio deste arraial
Foi assinado, se bem me lembro,
O acordo p’ra descolonização
Nesse ano, em 9 de Setembro.
Só para se ter uma leve ideia
Do resultado deste processo
Olhe-se para o drama de Timor,
O grotesco de um insucesso.
Mas se Timor é a cara da moeda,
A coroa anda envergonhada,
Vamos virá-la e falar nela,
Iluminar uma traição abafada.
Uma ignóbil e cobarde traição
A história qu’aqui se vai contar,
Parte do povo ignora, naturalmente,
Outra sabe... mas prefere não falar.
Assim, começando pelo princípio
Na nossa África colonial
Os africanos eram baptizados, e…
Registados... em nome de Portugal.
Portugueses para todos os efeitos,
Eram convertidos ao burgo cristão,
Eram detidos, julgados e punidos
Por leis e juízes da nossa Nação.
Pois era, muitos desses africanos
Nas nossas escolas estudavam,
Dignos de respeito e estima, e…
No nosso meio trabalhavam.
Eram tratados com igualdade
E cumpriam serviço militar,
Prestavam juramento de bandeira
Juravam, também, a Pátria honrar.
Na tropa ostentavam com orgulho
As mesmas insígnias e fardas,
Tornavam-se aprumados, vaidosos,
Seguravam firmes as espingardas.
Combatiam fiéis ao nosso lado,
Ao nosso lado feridos tombaram,
Alguns estropiados p´ra sempre
Outros... a vida sacrificaram.
Em Angola, Moçambique e Guiné
Foram louvados e condecorados,
Foram graduados do Exército
E, como Heróis, foram saudados.
Logo após a descolonização
Estes pretos foram abandonados,
Portugal deixou de os considerar seus
Os deles acusavam: - São renegados!
Votados ao desprezo e à humilhação,
Fria e cruelmente torturados,
Apátridas ao seu novo Partido,
Foram sumariamente executados!
Odiados por um simples facto
Que nunca lhes foi perdoado
Gostarem e lutarem pelos portugas,
Seu único e último... pecado.
Perante a velada indiferença
Dos políticos e das Nações,
É tempo da História julgar
A MAIS ALTA DE TODAS AS TRAIÇÕES.
Haverá porventura gesto humano mais divinal
Q’um homem possa fazer para outro auxiliar,
Que disponibilizar o seu mais supremo bem, a vida?
Jamais deixemos a sua memória alguém desonrar!
RANGER Magalhães Ribeiro - Furriel Mil.º CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné
_____
Notas de L.G.:
(1) Vd. post anterior, de 31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXI: Cancioneiro de Mansoa (8): a amizade e a camaradagem ou o comando da 38ª
(2) vd. post de 21 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIV: Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)
Comentário de L.G.:
Temos vindo a publicar o Cancioneiro de Mansoa (que não é mais do que um colectânea de versos do nosso amigo e ex-ranger Eduardo Ribeiro Magalhaes, do Porto), e que valem não pela sua qualidade literária como sobretudo pelo seu interesse documental, para um futuro estudo da ideologia político-militar que permitiu sustentar uma longa guerra de 13 anos em três frentes.
O Eduardo teve a gentileza de me oferecer um exemplar dos seus cadernos e me autorizar a sua reprodução no nosso blogue. Os versos que hoje se publicam não são de leitura pacífica, a começar pelo seu título: podem ser entendidos como um branqueamento ou até uma glorificação da colonização portuguesa... O autor acaba sobretudo por prestar uma homenagem aos combatentes africanos que estiveram do lado das tropas portuguesas (outros dirão: dos colaboraccionistas...).
Em suma, é um texto que não é de mera opinião, tem de ser entendido em nome da liberdade poética ou literária. Naturalmente que ele reflecte a ideologia do espírito de corpo das tropas especiais (rangers, comandos, paras, fuzos...) para quem a mais alta traição é abandonar um camarada no campo de batalha às mãos dos seus inimigos, e faz-se eco da confusão de sentimentos que alguns destes nossas camaradas experimentaram com o fim da guerra colonial e os ajustes de contas pós-revolucionários, nomeadamente na Guiné.
Não é preciso lembrar, em todo o caso, que a nossa caserna é plural e que o Eduardo é membro de pleno direito, da nossa tertúlia. (LG)
A mais alta de todas as traições
Muitos africanos foram os nossos melhores amigos,
Tinham orgulho em envergar uma farda portuguesa,
Na instrução eram afincados, cumpridores, e...
No combate davam tudo... até a vida, com nobreza!
Após a revolução dos cravos
Reinava no país a anarquia,
Assaltavam-se as Instituições
O povo em partidos se dividia.
Gente a falar do que não sabia
Ou que não sabia do que falava,
Que ora dizia uma coisa
E passados minutos... negava.
No meio de todas as convulsões
O poder político era restaurado,
Os governos tomavam decisões
Aos repelões, uns p’ra cada lado.
E assim, no meio deste arraial
Foi assinado, se bem me lembro,
O acordo p’ra descolonização
Nesse ano, em 9 de Setembro.
Só para se ter uma leve ideia
Do resultado deste processo
Olhe-se para o drama de Timor,
O grotesco de um insucesso.
Mas se Timor é a cara da moeda,
A coroa anda envergonhada,
Vamos virá-la e falar nela,
Iluminar uma traição abafada.
Uma ignóbil e cobarde traição
A história qu’aqui se vai contar,
Parte do povo ignora, naturalmente,
Outra sabe... mas prefere não falar.
Assim, começando pelo princípio
Na nossa África colonial
Os africanos eram baptizados, e…
Registados... em nome de Portugal.
Portugueses para todos os efeitos,
Eram convertidos ao burgo cristão,
Eram detidos, julgados e punidos
Por leis e juízes da nossa Nação.
Pois era, muitos desses africanos
Nas nossas escolas estudavam,
Dignos de respeito e estima, e…
No nosso meio trabalhavam.
Eram tratados com igualdade
E cumpriam serviço militar,
Prestavam juramento de bandeira
Juravam, também, a Pátria honrar.
Na tropa ostentavam com orgulho
As mesmas insígnias e fardas,
Tornavam-se aprumados, vaidosos,
Seguravam firmes as espingardas.
Combatiam fiéis ao nosso lado,
Ao nosso lado feridos tombaram,
Alguns estropiados p´ra sempre
Outros... a vida sacrificaram.
Em Angola, Moçambique e Guiné
Foram louvados e condecorados,
Foram graduados do Exército
E, como Heróis, foram saudados.
Logo após a descolonização
Estes pretos foram abandonados,
Portugal deixou de os considerar seus
Os deles acusavam: - São renegados!
Votados ao desprezo e à humilhação,
Fria e cruelmente torturados,
Apátridas ao seu novo Partido,
Foram sumariamente executados!
Odiados por um simples facto
Que nunca lhes foi perdoado
Gostarem e lutarem pelos portugas,
Seu único e último... pecado.
Perante a velada indiferença
Dos políticos e das Nações,
É tempo da História julgar
A MAIS ALTA DE TODAS AS TRAIÇÕES.
Haverá porventura gesto humano mais divinal
Q’um homem possa fazer para outro auxiliar,
Que disponibilizar o seu mais supremo bem, a vida?
Jamais deixemos a sua memória alguém desonrar!
RANGER Magalhães Ribeiro - Furriel Mil.º CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné
_____
Notas de L.G.:
(1) Vd. post anterior, de 31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXI: Cancioneiro de Mansoa (8): a amizade e a camaradagem ou o comando da 38ª
(2) vd. post de 21 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIV: Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)
Comentário de L.G.:
Temos vindo a publicar o Cancioneiro de Mansoa (que não é mais do que um colectânea de versos do nosso amigo e ex-ranger Eduardo Ribeiro Magalhaes, do Porto), e que valem não pela sua qualidade literária como sobretudo pelo seu interesse documental, para um futuro estudo da ideologia político-militar que permitiu sustentar uma longa guerra de 13 anos em três frentes.
O Eduardo teve a gentileza de me oferecer um exemplar dos seus cadernos e me autorizar a sua reprodução no nosso blogue. Os versos que hoje se publicam não são de leitura pacífica, a começar pelo seu título: podem ser entendidos como um branqueamento ou até uma glorificação da colonização portuguesa... O autor acaba sobretudo por prestar uma homenagem aos combatentes africanos que estiveram do lado das tropas portuguesas (outros dirão: dos colaboraccionistas...).
Em suma, é um texto que não é de mera opinião, tem de ser entendido em nome da liberdade poética ou literária. Naturalmente que ele reflecte a ideologia do espírito de corpo das tropas especiais (rangers, comandos, paras, fuzos...) para quem a mais alta traição é abandonar um camarada no campo de batalha às mãos dos seus inimigos, e faz-se eco da confusão de sentimentos que alguns destes nossas camaradas experimentaram com o fim da guerra colonial e os ajustes de contas pós-revolucionários, nomeadamente na Guiné.
Não é preciso lembrar, em todo o caso, que a nossa caserna é plural e que o Eduardo é membro de pleno direito, da nossa tertúlia. (LG)
Guiné 63/74 - P837: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro
Texto de Jorge Cabral
Caro Amigo Luís,
Volto ao que gosto - as estórias.
Grande abraço, Jorge.
O Soldado Nanque, meu assessor feiticeiro
Desde que cheguei, e durante o primeiro ano, o Pel Caç Nat 63, foi pluriétnico. Mandingas, Fulas, Balantas, Manjacos, Bigajós, estavam representados. Pluriétnico e plurirreligioso, com um Manjaco, Pastor Evangélico, um Marabú Mandinga Senegalês, vários adoradores de muitos Irãs, e até alguns crentes na Senhora de Fátima, vivendo todos em Paz ecuménica, sob a batuta do Alferes agnóstico com tendências panteístas, que pensava que nada o podia surpreender.
Eis que numa tarde, talvez em Agosto de 1969, tinha ido eu a Bambadinca, dissipar a chatice em terapia alcoólica, quando se me apresentou o soldado Nanque. Papel gordíssimo do Biombo, de bigodes dalianos, a sua postura e traje, não mereceram infelizmente a posterioridade fotográfica, mas perduraram até hoje na minha memória. Envergava a marcial criatura, um dólmen camuflado que lhe chegava aos joelhos, umas calças de caqui amarelo quase bermudas, a condizer com as chinelas vermelhas de enfiar no dedo, e na cabeça um bivaque cinzento, no qual reluziam cintilantes as armas da Cavalaria.
Apresentado com continência e tudo, informou logo, ter havido engano em Bissau, pois não era nem nunca fora operacional. Condutor, Carpinteiro, Enfermeiro, constituíam as suas especialidades, e não tendo o Pelotão necessidade das suas competências, regressaria imediatamente a fim de resolver a questão com Spínola, seu grande amigo.
Concordei. Operacional, nunca. Iria lá perder a personagem… Levei-o então ao Posto de Socorros, a fim de aquilatar os seus conhecimentos. Aí entrado, e completamente à vontade, dirigiu-se ao armário dos medicamentos, donde retirou três caixas, cheirou-as, e sabedor, identificou: “Mesinho pa odjo”, “Mesinho pa panga barriga”, “Mesinho pa dur de cudjon”.
Exame terminado, com óbvia distinção, lá o levei para Fá, sem a mínima ideia das funções que lhe iria atribuir. Porém, logo nessa noite, teve oportunidade de demonstrar a sua utilidade.
Como de costume jogávamos a nossa lerpa, e eu perdia, perdia… até que o Nanque chegou, e colocando-se atrás de mim iniciou um bailado mágico invocando o espírito da sorte, o qual pelos vistos lhe obedeceu, pois passei a ganhar.
Convencido, dispensei-o de operações, patrulhamentos, sentinelas. Foi nomeado meu assessor feiticeiro, e já nessa qualidade me tratou de pernas infectadas, das quais retirou, cuspindo-as, oitenta e três pedras, lá colocadas, segundo ele, pelos meus inimigos de Lisboa.
Correram dias, meses, e o Nanque continuou a prestar bons serviços. Porém, uma manhã acordo e vejo á volta da minha cama todos os Homens Grandes da Tabanca. Estremunhado, penso ter chegado ao Paraíso deles, aguardando a chegada de uma das sete mil virgens. Mas não, tão solene e formal comitiva, vem apresentar queixa.
O Nanque invadiu e saqueou a Tabanca, trazendo oito bajudas, três cabras e dezanove galhinhas, e tudo, como terá afirmado, por minha ordem. Aliás, durante a operação deu a entender que a Tabanca estava cercada, gritando de vez em quando para o exterior:
- Alfero, aguenta, tudo na bai drito.
Devolvido o saque, e sanado o incidente, o Nanque desapareceu, pelo que tive de participar. Apanhado na fronteira norte e inculpado por deserção, defendeu-se afirmando ter ouvido os tantãs soarem, e que os espíritos da floresta requeriam a sua presença…
Alguns dos que passaram por Bambadinca, certamente se lembrarão de ver o Nanque naquela prisão que parecia um galinheiro (1). Por minha ordem era-lhe fornecida uma cerveja diária, mas nunca lhe consegui arranjar macacos que ele gostava de comer assados (2). Não ficou muito tempo preso, pois calculem, passou a ordenança do Comandante do Batalhão…
Quando me vim embora despedi-me do Nanque. Abraçando-me, aconselhou-me a seguir o chamamento dos tantãs… O que sempre tenho feito!".
Jorge Cabral
____________
Notas de L.G.
(1) Já aqui evoquei o tristemente famoso e degradante galinheiro de Bambadinca: Vd. post 9 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVII: Malan Mané, guerrilheiro, vinte anos, mandinga
(...) "Malan Mané. Roqueteiro do bigrupo de Mamadu Indjai, um comandante de guerrilha famoso, também ele de etnia mandinga. Veste um dolmen, velho, de cor já irreconhecível. Calças rotas no joelho. Apresenta-se descalço. Está deprimido, talvez aterrorizado. Cair, vivo, nas mãos dos tugas é pior desgraça do que do que ser morto em combate – deve ter ele pensado muitas vezes no mato. Ou se calhar nunca pensou nisso. É uma pergunta que não ele entende ou a que não quer responder. Pelo menos, em público, neste cenário de circo, enjaulado como um animal selvagem, rodeado de hominídeos... Os paras, esses, não tiveram grande dificuldade em desatar-lhe a língua. Bastou-lhes encostar a faca de mato à barriga. Foi apanhado com o seu RPG-2 na mata do Rio Biesse, na região de Camará, lá para os lados de Candamã, quando o céu desabou em cima dele.
"Está agora às ordens do comando do sector [L1]. De mãos algemadas, metido numa gaiola de jardim zoológico. Espectáculo degradante. A Convenção de Genebra sobre os prisioneiros de guerra não se aplica aqui . Oficialmente o meu país não está em guerra com ninguém, com nenhum outro estado soberano. Oficialmente não há nem pode haver prisoneiros de guerra no meu país, do Minho a Timor, passando pela Guiné.
"Malan Mané é bandido. Homem do mato. Turra. Faz-me lembrar o Gungunhana, passeado em gaiola por Lisboa, em 1896, como troféu de caça do Mouzinho de Albuquerque. Está aqui mesmo ao lado das instalações do rancho [refeitório dos praças]. Entre a escola e o posto administrativo.
"Há um correpio de gente que vem ver o turra (sic) capturado pelos paras [na Op Nada Consta, em 28 de Agosto, no subsector de Mansambo]. Participámos na operação. Mas a nós, ao Pelotão de Caçadores Nativos e aos gajos de Mansambo coube-nos fazer o papel da tropa-macaca.
"Básicos, cozinheiros, padeiros, pintores, carpinteiros, fiéis de depósito de géneros, faxinas de bar, maqueiros, corneteiros, mecânicos auto-rodas, desempanadores, condutores auto, escriturários, amanuenses, quarteleiros, sapadores, ajudantes de capelania, operadores de transmissões, radiolegrafistas, cabos cripto, municiadores e apontadores de metralhadora Browning, caçadores e suas presas, todo o mundo tem hoje espectáculo de borla. Até a senhora professora, a única branca que reside dentro do perímetro do aquartelamento, espreita à janela da escola. Deve estar a olhar para o prisioneiro como o bicho do mato que lhe apareceu nos pesadelos nocturnos. Ou talvez não. Nunca lhe soube a idade nem o nome. Vejo-a agora de relance. E pergunto-me como terá reagido ela ao ataque ao aquartelamento em 28 de Maio de 1969. Se calhar portou-se com mais dignidade do que alguns dos militares que deveriam saber defender a sua unidade" (...).
(2) Volto a publicar uma das primeiras estórias cabralianas, que tem relação com esta, mas que não foi devidamente autonomizada (deveria corresponder à nº 2) (3), constante do post de 5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum...
A mulher do Major e o castigo do Cabral
Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso.
Desta personagem, que depois passou a ordenança do Polidoro Monteiro (1), papel gordo do Biombo, ex-soldado na Índia, falarei um dia.
Feitas as contas, bem acompanhadas de várias libações e seguindo uma hierarquia ascendente, passava ao Bar dos Sargentos, onde continuava a matar a sede e só por fim aterrava no Bar dos Oficiais.
Naquele dia quando entrei fiquei surpreendido. Além do simpático e solícito barman, apenas uma branca jovem senhora ali se encontrava. Desconhecendo em absoluto de quem se tratava, reparei que a mesma ficou espantada com a minha aparição. (Na verdade o meu aspecto não era muito civilizado. Enlameado até ao peito – havia atravessado a bolanha de Finete, ostentava um estrambólico bigode e amparava-me num pingalim-bengala prateado).
Logo da porta encomendei:
- Rapaz, uma sandes de chocolate e um whisky quádruplo - e, vendo pelo canto do olho a reacção da dama, iniciei um absurdo monólogo sobre a minha dieta alimentar:
- Ando cheio de fome, os presuntos de macaco não me sabem a nada, a sopa de formigas causa-me azia, até a vinagrada de orelhas de turra me provoca urticária...
O espanto da jovem dera lugar ao pânico, até que entrou o Major, que vendo a mulher pálida e aterrada, se afligiu:
– Que tens querida? Estás mal disposta? Olha, apresento-te o Alferes Cabral, de Missirá.
Não me estendeu a mão, nada balbuciou, saiu quase a correr…
Logo nessa noite recebi uma mensagem:
- Alferes Cabral proibido de se deslocar a Bambadinca, durante sessenta dias.
Cumprido o "castigo" voltei, mas nunca mais vi a mulher do Major. Contaram-me que a avisavam logo que eu entrava no quartel...
____________
Nota de L.G.
(1) Polidoro Monteiro: Tenente-coronel, spinolista, último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) na altura em que os quadros metropolitanos da CCAÇ 12 foram rendidos individualmente (Fevereiro/Março de 1971). Já falecido, ao que me consta. Dele disse o Jorge Cabral o seguinte: "Dos quatro Comandantes de Bambadinca que conheci, apenas o Polidoro Monteiro me mereceu consideração. Dos outros nem vou dizer o nome, e de dois a imagem que guardo é patética" (in Post de 18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.
(2) Há duas estórias com o mesmo número, e que agora já não vale a pena corrigir: vd. posts de
23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...
17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 -DXLVI: Estórias cabralianas (5): o Amoroso Bando das Quatro em Missirá
sexta-feira, 2 de junho de 2006
Guiné 63/74 - P836: Empada: os Gã Martins, vítimas da onda de terror da primeira metade dos anos 60 (Leopoldo Amado)
Guiné-Bissau > Regiãod de Quínara (Buba) >
Empada > Abril de 2006 > "O Semi-Internato de Empada"
instalado nas velhas casernas da tropa...
Foto: © Inês / Xico Allen (2006)
Caro Luís,
Com a devida autorização do Leopoldo, envio a resposta dele ao meu mail e com autorização de publicação (julgo de interesse para todos pois refere-se à época da pré-luta armada desencadeada pelo PAIGC que, para nós, é a pré-história das nossas histórias).
Abraço.
João Tunes
Caro Tunes,
1. Muito agradeço as tuas simpáticas palavras. Quanto ao nosso jantar, relembro-o com saudades, tal a profundeza das questões que nele abordamos e que ainda agora me interpelam. Conversas dessas são certamente úteis, quanto mais não seja, para, através da partilha, aprimorarmos os modestos conhecimentos e igualmente darmos vazão à necessidade que se impõe de aprofundarmos a camaradagem.
2. O meu avô, tanto quanto sei, foi preso e fuzilado numa altura em recrudesceu por toda a Guiné a violenta repressão da PIDE sobre os nacionalistas guineenses. Numa noite - conta a minha mãe e tios meus -, que após as tropas terem cercado a Casa Grande da herdade Gã Martins e terem revirado toda a casa na sequência de uma minuciosa revista, levaram o meu avô fim de prestar declarações no aquartelamento local.
3. Passadas semanas, comunicaram a minha avó a morte repentina do meu avô na prisão, tendo os Gã Martins solicitado os restos mortais sem que, todavia, tivessem obtido qualquer resposta da parte do Comandante Militar local.
4. Como um soldado português - que assistiu ao fuzilamento do meu avô - resolveu confidenciar a minha avó que o marido teria sido fuzilado e enterrado numa vala comum na companhia de vários guineenses, entre os quais o seu amigo e enfermeiro, Anselmo de Carvalho.
Numa atitude concertada, os Gã Martins apresentaram-se enlutados (com indumentária preta) defronte ao Palácio do Governo (1) em Bissau (meu avô tinha uma prole que em muito supera uma equipe de futebol, incluindo suplentes), tentando expor a sua indignação e, em vão, exigir que se fizesse justiça. Simplesmente, foram admoestados por elementos da PIDE que, trajados à paisana, os advertiram a abandonarem o local.
5. É evidente que o meu avô não foi julgado, assim como centenas de outros guineenses que, na época, foram alvos das terríveis vagas de repressão que a PIDE protagonizou na Guiné após tal Pindjiguiti (2), tal o convencimento de que, à partida, era mister abafar qualquer tentativa de subversão e divisão da pátria portuguesa, tanto mais que a própria PIDE local, através de um municioso trabalho de investigação policial, baseado sobretudo em interrogatórios coercivos, tinha logrado reconstituir os objectivos imediatos do Movimento de Libertação: dar início a luta armada.
6. Sobre a defesa da minha Tese, a mesma foi adiada para Setembro ou Outubro próximos. Informarei atempadamente os membros da Tertúlia e informo, desde já, que terei todo o prazer em poder contar com a vossa honrosa presença, tanto mais que a sessão é pública.
PS: Pode-se partilhar este E-mail com mais colegas e amigos, pois não conseguii enviá-lo.
Um abraço amigo
Leopoldo Amado
___________
Nota de L.G.
(1) Os cinco governadores que abarcam este período sinistro (e pouco ou nada conhecido), antes e depois do massacre do Pijiguiti, em 1959, dos acontecimentos no norte de Angola, em 1961, do recrudescimento do nacionalismo entre os guinéus, do início da luta armada sob a liderança do PAIGC (1963) e da política de terra queimada até ao consulado de Spínola (1968), são:
Álvaro Rodrigues da Silva Tavares (1959-1962);
António Agusto Peixoto Correia (1957-58);
António Augusto Peixoto Correia (1959-1962);
Vasco António Martinez Rodrigues (1962-1965);
António Schultz (1965-1968)
Fonte: Lista de Governadores da Guiné Portuguesa > Wikipedia
(2) Vd. também a versão do nosso amigo e camarada Mário Dias: post de 15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXV: Pidjiguiti, 3 de Agosto de 1959: eu estive lá (Mário Dias)
Guiné 63/74 - P835: Empada: quem matou ou mandou matar o avô materno do Leopoldo Amado? (João Tunes)
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > 2005> A antiga casa do chefe de posto. Escreveu o Lepoldo em post anterior: "O meu avô, Victor Vaz Martins, pai da minha mãe, era ali agricultor e comerciante, tendo mesmo chegado a desempenhar as funções de chefe do posto administrativo localuma figura muito conhecida não só em Empada, mas igualmente em Cubisseco, Dar-es-salam e outras localidades circunvizinhas de Empada. Porém, Victor Martins morreu em 1962, após ter sido preso e acusado pelas NT de prestar apoio e colaboração ao PAIGC. Soube-se mais tarde que fora fuzilado e enterrado numa vala comum, com muitos outros guineenses, todos acusados de subversão" (...).
Foto: © José Teixeira (2006)
Camarigo Leopoldo,
1. Desculpa meter-me em conversa alheia, mas não queria deixar de registar o prazer que senti em ver-te voltar à escrita e conversa na nossa tertúlia. Para mais, nesta fase em que andas sobrecarregado a ganhares para o rancho e aprontares essa magnífica tese de doutoramento prestes a rebentar e que me deste o privilégio de permitir a sua pré-leitura (a dissertação e apreciação será em Julho ou em Setembro?) sobre a guerra na Guiné (vai ser um ronco de todo o tamanho, pela inovação, rigor e pelo distanciamento que permitirá, estou certo, pelo menos a todos que lá estiveram, uma nova visão global, abrangente e mais clara sobre o terrível período de 1963-74).
2. Pela minha parte, muita luz já trouxeste à minha memória e meu entendimento sobre uma guerra que tanto marcou (e ainda marca) os nossos povos. Inesquecível o longo papo que tivemos há uma semana (até sermos expulsos das Amoreiras para poderem arrumar a mobília e fecharem o Centro...!!!) sobre a figura complexa, multifacetada, genial e única de Amilcar Cabral (o guineense tantas vezes tratado como caboverdiano...). Como desfizeste, com dados, facetas e revelações, tantos estereótipos cristalizados nos mitos (o do bom Cabral e o do mau Cabral, até o do Cabral que seria um bom teórico, diplomata e político mas não um chefe operacional) e que simplificam uma figura de tamanha dimensão, complexidade e abrangência.
E alguma luz me trouxeste ainda sobre as razões fundas da trama compexa e divisionista, sobretudo nas componentes geoestratégicas da fase da guerra fria, que desembocou no seu assassinato. Percebendo também melhor, como disse o Pepito, como é possível que Alpoím Calvão se pavoneie agora pela Guiné, com casa em Bolama, com reverências diversas para com este amigo do povo da Guiné. E a facilidade que teve a PIDE, através do comerciante de armas Zóio, de comprar rapida e directamente, sem qualquer entrave, à URSS as 2.000 Kalachnicov para equipar, como equiparam, os invasores de Conacri (isto em 1970!), na Mar Verde e em que um dos objectivos era precisamente o assassinato de Amilcar Cabral (adiado, pelo fracasso das informações da PIDE, para 1973).
3. Percebo e respeito o teu pudor na forma breve como passaste a breve referência à figura do teu avô, Victor Vaz Martins. Ficámos, pelo menos, a saber que foi preso pelas NT, fuzilado e mandado para uma vala comum por simples suspeita de simpatia para com o PAIGC. Mas nada disseste sobre o seu julgamento juridicamente assistido. Que não deve ter deixado de ter sido efectuado, como mandava a lei e a civilização cristã, cumprindo todas as garantias exigidas pelas comunidades nacional e internacional. E eu não quero imaginar que as NT (que eram mais minhas que tuas) tenham feito algo de semelhante ao que o PAIGC fez aos guineenses, comandos e não comandos, das NT. Pode lá ter sido!
4. Finalmente, a defesa da tua tese de doutoramento é em sessão pública? Se sim, tens alguma coisa contra que os camaradas (camarigos) que puderem e estejam interessados a ela assistam?
Grande abraço do
João Tunes
____________
Nota de L.G.
(1) O Leopoldo Amado, historiador guineense, é doutorando em história contemporânea pela Universidade de Lisboa com uma tese sobre guerra colonial 'versus' guerra de libertação (o caso da Guiné, 1963/74), a ser apresentada apresentada e discutida em provas públicas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, muito proximamente (no 3º ou 4º trimestre de 2006). Estamos todos muito ansiosos pela chegada desse dia... Pelo menos eu, o HumberTo Reis e o João Tunes já aqui manifestámos o nosso interesse e vontade em estarmos presentes nessa acto solene (e público)para levarmos ao Lepoldo um abraço fraterno da nossa tertúlia, de solidariedade, de apoio, de admiração e de júbilo!
Textos do Leopoldo Amado já aqui publicados:
22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: O Justo foi fuzilado (Leopoldo Amado / João Parreira)
16 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXIV: Fala-se em 11 mil fuzilados (Leopoldo Amado, historiador)
26 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVIII: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - III (e última) Parte
25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVII: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte
22 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXV: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte
17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLI: Um hino ao amor (Leopoldo Amado)
17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLXIX: os periquitos e a prostituta de Bolama (Leopoldo Amado)
25 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXIX: Leopoldo Amado, guinense, historiador, novo membro da nossa tertúlia
Guiné 63/74 - P834: Um roqueteiro e um bazuqueiro da CCAÇ 12 (Luís Graça)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Região do Xime > 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12 , deslocando-se numa bolanha em zona controlada pela guerrilha do PAIGC...
Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
Foto: © Humberto Reis (2006).
Este homem, do lado esquerdo (vd. foto em cima), é o Soldado Arvorado nº 82107969 Alfa Baldé, de etnia fula, apontador de LGFog 3,7 (uma arma originalmente usada só pelas tropas especiais); do lado direito, em primeiro plano, surge-nos o apondador da Bazuca 8,9, o Sold 82118869 Cheval Baldé, também de etnia fula , sem boina, de cabeça rapada. Ambos pertenciam à 1ª secção do 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12, o grupo de combate do Tony Levezinho e do Humberto Reis e onde eu, de vez em quando, também fazia serviço, suprindo as falhas, as baixas, as baldas... (1).
A verdade é que estivemos vinte e um meses com estes homens, lado a lado, em intensa actividade operacional. Voltámos para casa e eles lá continuaram até ao fim da guerra. Parte deles ainda foi constituir, em Abril de 1973, uma nova unidade, a CCAÇ 21, comandada pelo Tenente Comando Graduado Jamanca. Outros (quantos ?) terão sido sumariamente executados, depois da independência.
Quem se lembra destes dois homens ? O que terá sido feito deles ? Estarão ainda hoje vivos ? Se sim, já velhos, precocemente envelhecidos, que balanço farão destes conturbados anos de independência contra a qual eles lutaram ? (LG)
__________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia)
Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
Foto: © Humberto Reis (2006).
Este homem, do lado esquerdo (vd. foto em cima), é o Soldado Arvorado nº 82107969 Alfa Baldé, de etnia fula, apontador de LGFog 3,7 (uma arma originalmente usada só pelas tropas especiais); do lado direito, em primeiro plano, surge-nos o apondador da Bazuca 8,9, o Sold 82118869 Cheval Baldé, também de etnia fula , sem boina, de cabeça rapada. Ambos pertenciam à 1ª secção do 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12, o grupo de combate do Tony Levezinho e do Humberto Reis e onde eu, de vez em quando, também fazia serviço, suprindo as falhas, as baixas, as baldas... (1).
A verdade é que estivemos vinte e um meses com estes homens, lado a lado, em intensa actividade operacional. Voltámos para casa e eles lá continuaram até ao fim da guerra. Parte deles ainda foi constituir, em Abril de 1973, uma nova unidade, a CCAÇ 21, comandada pelo Tenente Comando Graduado Jamanca. Outros (quantos ?) terão sido sumariamente executados, depois da independência.
Quem se lembra destes dois homens ? O que terá sido feito deles ? Estarão ainda hoje vivos ? Se sim, já velhos, precocemente envelhecidos, que balanço farão destes conturbados anos de independência contra a qual eles lutaram ? (LG)
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Nota de L.G.
(1) Vd. post de 21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia)
quinta-feira, 1 de junho de 2006
Guiné 63/74 - P833: Contacto de ex-comando africano (J.C. Mussá Biai)
Caro Luís
Acabo de ler um post de Hugo Moura Ferreira [vd post de hoje > Guiné 63/74 - P827: 'Retido pelo IN': o caso do meu amigoTala Djaló (Hugo Moura Ferreira) ], cuja cópia supostamente me foi endereçada no passado dia 19 do mês transacto, mas a verdade é que nunca recebi nenhuma mensagem dele.
Quanto ao assunto que ele aborda neste post, de facto eu conheço - até porque é primo-irmão do marido duma prima minha - alguém que foi dos comandos em Fá Mandiga. Não tenho o contacto dele, mas quando falar para Bissau vou tentar saber dele e se me podem arranjar um contacto.
Obrigado e um abraço
José C. Mussá Biai
Acabo de ler um post de Hugo Moura Ferreira [vd post de hoje > Guiné 63/74 - P827: 'Retido pelo IN': o caso do meu amigoTala Djaló (Hugo Moura Ferreira) ], cuja cópia supostamente me foi endereçada no passado dia 19 do mês transacto, mas a verdade é que nunca recebi nenhuma mensagem dele.
Quanto ao assunto que ele aborda neste post, de facto eu conheço - até porque é primo-irmão do marido duma prima minha - alguém que foi dos comandos em Fá Mandiga. Não tenho o contacto dele, mas quando falar para Bissau vou tentar saber dele e se me podem arranjar um contacto.
Obrigado e um abraço
José C. Mussá Biai
Guiné 63/74 - P832: Do Porto a Bissau (23): Matando saudades de Empada (A. Marques Lopes e Inês)
Texto do A. Marques Lopes:
Um dia, estava o grupo no Saltinho, o Allen decidiu ir com a Inês até Empada, para ela ver onde ele tinha passado os seus verdes anos.
Eu fui com eles, enquanto os outros preferiram ficar a refrescar-se nos rápidos do Corubal...
Lá andaram eles a ver tudo em pormenor, o Xico a lembrar, a Inês a tomar nota da história do pai, e eu a conhecer o que não conhecia... por exemplo, que o meu Sporting tem em Empada uma grande implantação!
O Allen deu-me, depois, um poema que fez quando lá estava, e deu-me autorização para o divulgar [vd. post de hoje > Guiné 63/74 - P828: Cancioneiro de Empada (Xico Allen) ] ...
E aqui vão algumas fotografias de Empada, da Inês e minhas [por razões técnicas, nem todas poderão ser inseridas no bloge, de imediato].
A. Marques Lopes
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > Entrada do antigo aquartelamento das NT onde é visível, ao centro, o pau da bandeira, as casernas ao fundo e a grande árvore secular, à direita. Em 2005 a localidade tinha sida visitada pelo José Teixeira (ex-1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70), além do Xico Allen, que também lá esteve, mas mais tarde (CCAÇ 3566, Os Metralhas, Empada e Catió, 1972/74).
Foto: Inês (2006).
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > Uma outra perpectiva da parada do antigo aquartelamento das NT com os respectivos edifícios ao fundo e a grande árvore à direita. (LG)
Fotos: © A. Marques Lopes (2006)
Do ponto de vista administrativo, Empada faz parte actualmente da Região de Quínara, juntamente com Buba, a caital, Fulacunda e Tite. Quínara faz fronteira com as Regiões de Bafatá, Bissau, Bolama/Bijagós, Oio e Tombali. Tem uma superfície de 3.138 Km2, e uma população de 53.585 habitantes.
Às vezes, por lapso, Empada já tem sido referida como pertencente à Região de Tombali, que essa sim faz fronteira com a República da Guiné-Cronacri. Tombali é maior em superfície (3.736 Km2) e população (86.850 habitantes) do que Quínara. Inclui os seguintes sectores de Catió (capital), Bedanda, Komo, Quebo e Quitafine. (LG)
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > De novo, pai e filha, juntos na pesquisa de vestígios da presença dos Metralhas nos já idos tempos de 1972/4.
Foto: © A. Marques Lopes (2006)
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > O Xico Allen junto a um antigo abrigo...
Foto: Inês (2006)
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > Este edifício é pressuposto ser (ou ter sido) uma maternidade, segundo a lacónica legenda que acompanha a imagem... Outras instalações (casernas das NT) foram (LG)
Foto: Inês (2006)
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > O grupo também fez um visita à escolinha local, falou com o professor e tirou fotografias. Nesta, por exemplo, os meninos estavam a ter uma aula de português, a juntar as letras e a fazer palavras bonitas como casa e mesa ... (LG)
Foto: © A. Marques Lopes (2006)
Um dia, estava o grupo no Saltinho, o Allen decidiu ir com a Inês até Empada, para ela ver onde ele tinha passado os seus verdes anos.
Eu fui com eles, enquanto os outros preferiram ficar a refrescar-se nos rápidos do Corubal...
Lá andaram eles a ver tudo em pormenor, o Xico a lembrar, a Inês a tomar nota da história do pai, e eu a conhecer o que não conhecia... por exemplo, que o meu Sporting tem em Empada uma grande implantação!
O Allen deu-me, depois, um poema que fez quando lá estava, e deu-me autorização para o divulgar [vd. post de hoje > Guiné 63/74 - P828: Cancioneiro de Empada (Xico Allen) ] ...
E aqui vão algumas fotografias de Empada, da Inês e minhas [por razões técnicas, nem todas poderão ser inseridas no bloge, de imediato].
A. Marques Lopes
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > Entrada do antigo aquartelamento das NT onde é visível, ao centro, o pau da bandeira, as casernas ao fundo e a grande árvore secular, à direita. Em 2005 a localidade tinha sida visitada pelo José Teixeira (ex-1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70), além do Xico Allen, que também lá esteve, mas mais tarde (CCAÇ 3566, Os Metralhas, Empada e Catió, 1972/74).
Foto: Inês (2006).
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > Uma outra perpectiva da parada do antigo aquartelamento das NT com os respectivos edifícios ao fundo e a grande árvore à direita. (LG)
Fotos: © A. Marques Lopes (2006)
Do ponto de vista administrativo, Empada faz parte actualmente da Região de Quínara, juntamente com Buba, a caital, Fulacunda e Tite. Quínara faz fronteira com as Regiões de Bafatá, Bissau, Bolama/Bijagós, Oio e Tombali. Tem uma superfície de 3.138 Km2, e uma população de 53.585 habitantes.
Às vezes, por lapso, Empada já tem sido referida como pertencente à Região de Tombali, que essa sim faz fronteira com a República da Guiné-Cronacri. Tombali é maior em superfície (3.736 Km2) e população (86.850 habitantes) do que Quínara. Inclui os seguintes sectores de Catió (capital), Bedanda, Komo, Quebo e Quitafine. (LG)
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > De novo, pai e filha, juntos na pesquisa de vestígios da presença dos Metralhas nos já idos tempos de 1972/4.
Foto: © A. Marques Lopes (2006)
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > O Xico Allen junto a um antigo abrigo...
Foto: Inês (2006)
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > Este edifício é pressuposto ser (ou ter sido) uma maternidade, segundo a lacónica legenda que acompanha a imagem... Outras instalações (casernas das NT) foram (LG)
Foto: Inês (2006)
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > O grupo também fez um visita à escolinha local, falou com o professor e tirou fotografias. Nesta, por exemplo, os meninos estavam a ter uma aula de português, a juntar as letras e a fazer palavras bonitas como casa e mesa ... (LG)
Foto: © A. Marques Lopes (2006)
Guiné 63/74 - P831: Tripas à moda do Celestino (Zé Neto)
Depois de uma longa travessia pelo deserto anti-tabágico, eis que temos de volta, curado do cigarro, o nosso patriarca Ze Neto que exerceu funções de primeiro-sargento na CART 1613 (Guileje, 1967/68) e é hoje um capitão reformado que gosta de contar estórias do preto da Guiné aos netos (1)... Hoje temos mais uma boa estória do Zé, divertida, bem contada, reveladora do sentido de humor castrense que a malta tinha que ter, lá no cú de Judas. (LG)
Meu velho:
Isso [o blogue] está a ficar muito fúnebre.
Vê lá se num intervalo metes mais uma do meu celebrado comandante, que segue em anexo apenas com o intuito de alegrar as hostes.
A propósito, já agradeci ao Zé Martins o excelente trabalho que nos proporcionou. Detectei um ligeiro erro que já lho indiquei. Isto até sem cigarros funciona!!!
O abração
do Zé Neto
______________________
Tripas à moda do Porto
(Excerto das "Memórias da minha vida militar")
José A S Neto
Durante a inclusão das minhas Memórias de Guilege no blogue (1), o nosso chefe Luís titulou, por sua conta e risco, o Post DXXXIV de Gazela com chouriço à moda do Celestino (2).
Para os distraídos ou mais recentes nestas coisas do blogue quero apenas salientar que este senhor era o meu comandante de batalhão. Um grande gourmet e artilheiro nas horas vagas.
O episódio aconteceu nos primeiros tempos da nossa estadia na Guiné, faustosamente aquartelados em Brá, enquanto o Estado-Maior do CTI se entretinha a cortar o batalhão em fatias e mandá-las de presente ao comando de outras unidades espalhadas pelo território para reforço. Estávamos em fins de 1966, princípios de 1967.
Então, parafraseando o nosso amigo Luís, vamos às tripas à moda do Celestino:
Uma das preocupações doentias do Celestino era a alimentação. Não tanto pela quantidade e qualidade (isso era da responsabilidade da delegação do MM) mas mais pela apresentação da ementa que, diariamente, lhe era mostrada pelo oficial de rancho.
A descrição dum prato de carne do borrego guisada com batatas e feijão verde, tal como vinha enunciada pela MM, não satisfazia o Celestino. Havia que dar um nome ao manjar, como por exemplo: Borrego au sauté ou coisa parecida.
Foi assim que o Alf Mil Sampaio, oficial de Manutenção de Material do batalhão e, por escala, na altura oficial de rancho, uma certa manhã levou o Menu ao comandante.
- O que é isto? Tripas à moda do Porto com feijão branco? Você não sabe que este prato é feito com grão-de-bico?
- Meu comandante, eu sou de Vila Real, fiz o liceu no Porto e sempre comi tripas com feijão.
- Qual quê? É com grão.
Com grão, com feijão, não havia meio de chegarem a um entendimento.
- Você já vai ver. Oh Pereira, vai às casernas e traz-me um soldado do Porto.
Veio o tripeiro e o Celestino perguntou-lhe qual era o vegetal seco que acompanhava as tripas.
- É feijão branco, meu comandante.
- Põe-te a andar. Não sabes o que comes!
- Pereira, vai buscar outro mais esperto do que este.
Veio o segundo e o diálogo repetiu-se. E a resposta continuava a ser feijão branco.
- Pereira traz-me um gajo do Porto com boas parecenças que estes devem ser uns vira-latas da Ribeira.
Presente o terceiro, um cabo, o Celestino fez a sacramental pergunta e o rapaz respondeu sem vacilar que lá no Porto as tripas se comiam com grão-de-bico.
- E feijão branco?
- Nem pensar, meu comandante, o grão é que dá substância às tripas.
- Estão a ver?... Estou condenado a lidar com amadores…
Já fora do gabinete, o Alf Sampaio, que conhecia o cabo mecânico entrevistado e sabia que ele era da área de Santarém, perguntou ao cabo ordenança:
- Que truque é este, Pereira?
- Oh meu alferes, já viu o que é fazer cem metros para lá, outros cem para cá e a coisa ia dar sempre ao feijão?
- Agarrei este ali na estrada, ensinei-lhe o padre-nosso, meti-lhe um bocado de sotaque na cabeça - eu até sou de Gondomar - porque se não fosse assim a esta hora ainda andava a rebocar gajos do Porto até ao teimoso do nosso comandante.
O almoço daquele dia foi Dobrada com farrepas de couve e grão duro que nem balas. Com um bocado de sorte lá aparecia uma rodela de chouriço.
____________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba
(1) 14 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXIV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (8): Gazela com chouriço à moda do Celestino
Meu velho:
Isso [o blogue] está a ficar muito fúnebre.
Vê lá se num intervalo metes mais uma do meu celebrado comandante, que segue em anexo apenas com o intuito de alegrar as hostes.
A propósito, já agradeci ao Zé Martins o excelente trabalho que nos proporcionou. Detectei um ligeiro erro que já lho indiquei. Isto até sem cigarros funciona!!!
O abração
do Zé Neto
______________________
Tripas à moda do Porto
(Excerto das "Memórias da minha vida militar")
José A S Neto
Durante a inclusão das minhas Memórias de Guilege no blogue (1), o nosso chefe Luís titulou, por sua conta e risco, o Post DXXXIV de Gazela com chouriço à moda do Celestino (2).
Para os distraídos ou mais recentes nestas coisas do blogue quero apenas salientar que este senhor era o meu comandante de batalhão. Um grande gourmet e artilheiro nas horas vagas.
O episódio aconteceu nos primeiros tempos da nossa estadia na Guiné, faustosamente aquartelados em Brá, enquanto o Estado-Maior do CTI se entretinha a cortar o batalhão em fatias e mandá-las de presente ao comando de outras unidades espalhadas pelo território para reforço. Estávamos em fins de 1966, princípios de 1967.
Então, parafraseando o nosso amigo Luís, vamos às tripas à moda do Celestino:
Uma das preocupações doentias do Celestino era a alimentação. Não tanto pela quantidade e qualidade (isso era da responsabilidade da delegação do MM) mas mais pela apresentação da ementa que, diariamente, lhe era mostrada pelo oficial de rancho.
A descrição dum prato de carne do borrego guisada com batatas e feijão verde, tal como vinha enunciada pela MM, não satisfazia o Celestino. Havia que dar um nome ao manjar, como por exemplo: Borrego au sauté ou coisa parecida.
Foi assim que o Alf Mil Sampaio, oficial de Manutenção de Material do batalhão e, por escala, na altura oficial de rancho, uma certa manhã levou o Menu ao comandante.
- O que é isto? Tripas à moda do Porto com feijão branco? Você não sabe que este prato é feito com grão-de-bico?
- Meu comandante, eu sou de Vila Real, fiz o liceu no Porto e sempre comi tripas com feijão.
- Qual quê? É com grão.
Com grão, com feijão, não havia meio de chegarem a um entendimento.
- Você já vai ver. Oh Pereira, vai às casernas e traz-me um soldado do Porto.
Veio o tripeiro e o Celestino perguntou-lhe qual era o vegetal seco que acompanhava as tripas.
- É feijão branco, meu comandante.
- Põe-te a andar. Não sabes o que comes!
- Pereira, vai buscar outro mais esperto do que este.
Veio o segundo e o diálogo repetiu-se. E a resposta continuava a ser feijão branco.
- Pereira traz-me um gajo do Porto com boas parecenças que estes devem ser uns vira-latas da Ribeira.
Presente o terceiro, um cabo, o Celestino fez a sacramental pergunta e o rapaz respondeu sem vacilar que lá no Porto as tripas se comiam com grão-de-bico.
- E feijão branco?
- Nem pensar, meu comandante, o grão é que dá substância às tripas.
- Estão a ver?... Estou condenado a lidar com amadores…
Já fora do gabinete, o Alf Sampaio, que conhecia o cabo mecânico entrevistado e sabia que ele era da área de Santarém, perguntou ao cabo ordenança:
- Que truque é este, Pereira?
- Oh meu alferes, já viu o que é fazer cem metros para lá, outros cem para cá e a coisa ia dar sempre ao feijão?
- Agarrei este ali na estrada, ensinei-lhe o padre-nosso, meti-lhe um bocado de sotaque na cabeça - eu até sou de Gondomar - porque se não fosse assim a esta hora ainda andava a rebocar gajos do Porto até ao teimoso do nosso comandante.
O almoço daquele dia foi Dobrada com farrepas de couve e grão duro que nem balas. Com um bocado de sorte lá aparecia uma rodela de chouriço.
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Notas de L.G.
(1) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba
(1) 14 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXIV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (8): Gazela com chouriço à moda do Celestino
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