Lisboa > Sociedade de Geografia > 6 de Março de 2008 > Três históricos do Pel Caç Nat 52 > Joaquim Mexia Alves, à esquerda da foto, no lançamento do livro Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, de Mário Beja Santos, que está ao centro. À direita, está o Henrique Matos que foi o 1.º Comandante do Pel Caç Nat 52. Desta vez, no lançamento do 2º livro (Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio), este quadro não se vai repetir, devido à ausência do J. Mexia Alves.
Foto: © Henrique Matos (2008). Direitos reservados.
1. Mensagem, com data de 10 de Novembro, do Joaquim Mexia Alves (*), dirigida ao Mário Beja Santos, com conhecimento aos editores do blogue:
Caro camarigo Mário
Amanhã estarei em Lisboa, mas infelizmente não poderei estar contigo, com todos. Sabes, porque me vais conhecendo, quanto isso me custa, por isso escuso de acrescentar seja o que for.
Guarda-me um livro, antes que esgotem. Mando-te uma homenagem que neste fim de tarde me saiu da caneta.É verdade o que lá está, embora no pobre versejar de quem faz as coisas com o coração. Ou seja é mais coração do que jeito!
Que o dia seja feito de tudo o que tu quiseres e mais desejares.
Um abraço do tamanho e da força do macaréu no tempo das marés vivas do teu camarigo
Joaquim Mexia Alves
Tomo a liberdade de enviar cópia da homenagem ao espaçonet dos nossos encontros.
Para o camarigo Mário Beja Santos
na véspera da apresentação do seu livro (**)
Hoje fico assim,
Sentado a pensar.
Queria tanto que a memória
Se fizesse viva
E eu pudesse recordar.
Não,
Mais que recordar,
Viver
Aquele caminho do Mato Cão
E o cheiro daquele tarrafo
A agarrar-se-me ao coração.
Lembro-me agora
De quando ali cheguei
Ao pé deles
Os do 52
Ali na Ponte do Udunduma.
O medo entranhado
No suor quente,
Os pensamentos a correrem
Por aqueles espaços fora.
Todos me pareciam estranhos!
Não eram os meus homens
Aqueles que comigo embarcaram
Indecentemente,
Mesmo antes do Natal.
Não aqueles não eram a minha gente!
Confesso agora,
Tinha medo,
Muito medo!
Sei lá se sou capaz,
Sei lá se um dia à noite
No escuro silencioso do breu...
Sei lá!
Mas vá lá que és homem,
Mostra-te sem medo,
Levanta-te na tua altura,
Deixa que te meçam
E percebam que estás aqui
E não vais recuar.
Olha-os nos olhos,
Entrega-te por eles
De modo que eles percebam,
Para que também eles
Se venham a entregar por ti.
Sorri
O sorriso dos sem medo,
Ou melhor dos loucos,
Que já nem sequer pensam
Porque também não vale a pena
Já pensar.
E passa o tempo,
E as conversas chegam.
A empatia começa a nascer
E a confiança neles
E deles em mim
A tomar forma,
A criar raízes.
Já são a minha gente
E eu já sou deles também.
À volta da cadeira de verga
(Já falei dela uma vez),
Sentados pelo chão, (***).
Trocam-se recordações.
Surge um nome,
Um tal Tigre de Missirá!
Que raio tem o homem
Que eu não tenha!
Também já não interessa,
O homem já não mora cá.
Pois se deixaste um nome,
Se deixaste recordações,
Não penses tu,
Ó desconhecido,
Que não hei-de fazer melhor.
É assim que há muito,
Muito tempo,
Já povoavas os meus pensamentos!
Sabia lá eu um dia
Que te havia de encontrar,
Na guerra das palavras escritas,
Em que a arma
É uma caneta.
Hoje fico assim,
Sentado a pensar.
Será que o livro do Mário
Traz cheiros de bolanha molhada,
Barulhos de macaréu,
Gritos de macaco cão,
Cantares de humor duvidoso
De homens tisnados do sol,
Que cantam para espantar
O medo de não voltar.
Hoje fico assim
Sentado a pensar,
Que um livro pode trazer
Um abraço do passado
Para agora no presente
Viver, sonhar, recordar.
Hoje fico assim
Sentado a recordar...
Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 10 de Novembro de 2008
___________
Notas de L.G.:
(*) O nosso camarada e amigo (ou camarigo, como ele gosta de escrever) Joaquim Mexia Alves foi alferes miliciano de operações especiais, tendo passado, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, por três unidades no TO da Guiné:(i) pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas);(ii) ingressou depois no Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão); e (iii) terminou a sua comissão na CCAÇ 15 (Mansoa).
A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74). O Pel Caç Nat 52 estava na altura afecto ao mesmo batalhão. No Sector L1 (Bambadinca) privou com a malta da CCAÇ 12. Em todo o lado fez amigos. A CCAÇ 15 era uma das novas companhias africanas, neste caso composta por balantas.
(**) Vd. poste anterior desta série > 10 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3431: O Tigre Vadio, o novo livro do Beja Santos (3): Um homem da palavra e da acção (Luís Graça)
(***) Vd. poste de 19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2961: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (11): Às vezes dá-me umas saudades da Guiné... (J. Mexia Alves)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Meu caro Mexia Alves
Sentimos a tua falta ontem no lançamento do livro. É a vida... mas o teu belo “versejar” compensa a ausência.
Grande abraço Henrique Matos
Joaquim:
Se além da letra, viesse a musiquinha (não se arranja aí uma música do Alfredo Marceneiro ?), eu dir-te-ia: Ah! Tigre... do Mato Cão!
Eu já sabia, há muitas luas, que havia aí um poeta esquecido por debaixo desse corpanzil!
Luís
Porra, não é um poeta esquecido, é um poeta ESCONDIDO!!!
LG
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