sábado, 17 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3754: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (14): Pode não ser-se herói e dar provas de coragem (José Manuel Dinis)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > A população e os militares abandonaram Guileje, às 5.30h, a caminho de Gadamael. Esta foto, dramática, é da presumível autoria do Fur Mil Carlos Santos, da CCAV 8350 (1972/74), segundo informação do seu e nosso camarada e amigo José Casimiro Carvalho, também ele da mesma unidade (Os Piaratas de Guileje) mas que nesse dia estava em Cacine. Faz parte do parte do acervo fotográfico do Projecto Guiledje.

Foto:
AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados. [ Editada por L.G.]


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 2410 (Junho de 1969/Março de 1970) > Abastecimento de água. Foto de
Armindo Batata, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70). Outras :

Lista das
companhias que passaram por Guileje (1964/1973):


CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965); CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966); CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966); CCAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967); CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968); CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969); CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970); CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971); CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971); CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972); CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973).

Foto: ©
Armindo Batata (2006) / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006) (com a devida vénia...).


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > A fonte que abastecia o aquartelamento e a tabanca de Guileje, a cerca de 4 km. Em primeiro plano, junto à bomba de água, o Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho. A aparente descontracção dos militares, em tronco nu, sem armas, a avaliar pela foto, sugere que alguma ligeireza no que diz respeito aos procedimentos de segurança. Presume-se que a foto seja ainda do início da instalação da CCAV 8350, em Guileje talvez finais de 1972 ou princípios de 1973... Como é sabído, antes da retirada de Guileje, em 22 de Maio de 1973, o último abastecimento de água ao aquartelamento e tabanca tinha sido feito em 19 de Maio de 1973. Os guerrilheiros do PAIGC, a avaliar pelas declarações de alguns dos protaganonistas dos acontecimentos, prestados no filme-documentário As Duas Faces da Guerra (Diana Andringa e Flora Gomes, 2007), tinham o controlo da fonte a partir dessa data (ou até mesmo antes)... É estranho que desde 1964, altura em que se instalou a primeira subunidade em Guileje, nunca se tenha equacionado e sobretudo tentado resolver o problema do abastecimento da água... Coutinho e Lima, nas onze razões que evoca para decidir retirar Guileje, apresenta em 5º lugar "a falta de água no aquartelamento" (Alexandre Coutinho e Lima, Cor Art Ref - A retirada de Guileje: a verdade dos factos. Linda-A-Velha: DG Edições. 2008. p. 78).(LG).

Fotos: ©
José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem de José Manuel Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71 (*)


Assunto - Comentário à apreciação de de António Martins de Matos (**)

[Subtítulos e negritos, da responsabilidade do editor L.G.]



Caros editores,

A retirada de Guileje tornou-se um assunto de eminente interesse para os tertulianos. E compreende-se, na medida em que foi aparentado a um sinal de derrota por parte das NT, coisa custosa de admitir por quem deu todo o esforço na defesa do território da Guiné, a grande maioria dos que por lá passaram.

Da apreciação feita pelo tertuliano António Martins de Matos, com base na sua experiência pessoal, e dos seus próprios conceitos, respigo algumas das ideias formuladas, confrontando-as com os meus pontos de vista, estribado nos conhecimentos a que tenho tido acesso.

(i) Comando do COP 5: Uma simples questão de perfil ?


Daquele texto, a ideia que mais me impressionou, foi a de que o Major não teria perfil para o cargo de comandante do COP-5.

De facto, como todos muito bem saberão, a avaliação de um perfil profissional resulta da análise de vários parâmetros, de que destaco os seguintes: a personalidade; o carácter; a inteligência; a competência; o relacionamento pessoal; o relacionamento institucional; a interpretação de normas; a recepção, interpretação e transmissão de ordens; capacidade física, etc. que, relacionadas entre si, proporcionam elementos fundamentais à avaliação do perfil. E, no que às organizações respeita, é da conjugação dos perfis dos seus responsáveis, que resulta o bom ou mau caminho, o sucesso ou insucesso.

No caso vertente, da retirada de Guilege, temos uma informação praticamente limitada à publicação, e a algum testemunho de personagens sem acesso a informação reservada, à voz do povo. E desse conhecimento, não me parece podermos inferir, que o Major não tinha o perfil adequado à função. Aliás, como muito bem refere o A.M.M., toda a cadeia de comando relacionada com o COP-5 terá falhado. Ora, estando o Major ao nível mais baixo dessa cadeia, por extensão daquele raciocínio, ninguem teria perfil para as funções que desempenhava, incluindo o General Com-Chefe, evidenciando a incompatibilidade.

(ii) A falta de segurança avançada e a sede do COP 5

Concordo com a referência à não efectivação de saídas do aquartelamento, naturalmente limitadoras da segurança avançada, bem como da informação sobre a real capacidade do IN, sem saber o que se passava para além do arame, declinando manter o IN em respeito. Mas, limitado ao pessoal da quadrícula, que parecia insuficiente, desgastado, e com falta de confiança, mais dois pelotões de milícia bastante exauridos após a emboscada, o Major pediu um reforço de pessoal para aquelas tarefas, mas, literalmente, levou com os pés.

Sobre o estabelecimento da sede do COP 5 em Guileje, ao contrério, eu penso que foi uma medida acertada, com vista ao estímulo do pessoal, à melhor identificação das dificuldades, e à autoridade que lhe advinha dessa prática, quer em relação aos subordinados, quer relativamente aos superiores. Não foi compreendido, pelo menos, pelos senhores da guerra, que iriam responsabilizá-lo, desresponsabilizando-se.

(iii) A falsa questão da culpa que morre sempre solteira

Refere, também, que houve outros militares que contribuiram para a queda de Guileje, dispensando-se, e bem, de os nomear, mas sem referir as causas dessa conclusão, apesar de algumas alusões à proibição de certos voos, ao critério de colocações em Guileje, e a algumas negligências por parte de algumas entidades.

(iv) Herói ou anti-herói ?

Refere, por último, "as várias tentativas que vêm sendo feitas de o apresentar como um herói, que não foi". Concordo, e passo a explicar.

A retirada de Guileje resultou de várias decisões erradas, ao longo do tempo, que vão desde a escolha do local para instalação da unidade, sem autonomia de água (como em vários outros), e sem acessibilidade periódica, contrariando ensinamentos medievos, sem equipamentos alternativos, de que as comunicações rádio se ressentiram, sem a solidariedade e falta de imaginação do comando, de que se destaca a dificuldade no processamento de evacuações, a recusa no envio de tropa, que garantisse o domínio (pelo menos o controle) da região e elevasse o moral dos residentes, a falta de municiamento suficiente e confiante, revelando não estar à altura da situação.

Em Guileje vivia-se à beira de um ataque de nervos, e ninguém os tranquilizou, bem pelo contrário. O Major revelou coragem, quando, para motivar o pessoal, incorporou a coluna de evacuação, ou quando foi à água. Também, quando regressado de Bissau, decidiu partir a pé, desde Gadamael, apesar da escolta de dois grupos de combate.

O Major não foi herói, mas incorporou o anti-herói, sem veleidades sebastianistas, sem sacrifícios descabidos, sem subserviência espúria, racionalizando os problemas latentes, partilhando com os seus subordinados, pessoas com capacidade de amar, de sofrer, de desejar, e, máximo dos máximos, comprometendo a sua carreira e vida familiar, pela salvação da tropa e dos que lhe estavam confiados. Também por isso foi corajoso, ousando bater com a porta ao controverso General.

Como diria o Meirim, sem ovos não se fazem omoletas.

Um abraço fraterno.

José Dinis

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3147: Tabanca Grande (83): José Manuel Dinis, Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda (1970/71)

(...) Chamo-me José Dinis, integrei a CCAÇ 2679 no CTIG, durante os anos de 1970/71, como Fur Mil, Companhia que, inicialmente, desempenhou funções de intervenção no Sector Leste, baseada em Piche, onde estava o BART 2857, tendo passado ao regime de quadricula em Bajocunda, em Agosto de 1970, substituindo a CART 2438, sendo dependente do COT1. Integrei o 2.º Pelotão, que comandei durante cerca de 18 meses, após a transferência compulsiva do meu grande amigo, o Alf Mil Eduardo Guerra.

O Grupo ficou conhecido por Foxtrot, e ganhou nomeada pela sua grande disponibilidade, entrega e arrojo. Ao nível da Companhia, regista o maior número de louvores e o menor número de porradas.

Em Piche fui dinamizador da estação de rádio ali criada, embora com a antena horizontal próxima do telhado de zinco para abafar as emissões. em virtude da falta de autorização para o efeito.

Em Bajocunda criei a jornal Jagudi, que expandia textos de diversos camaradas, bem como, por vezes, transcrevia artigos de orgãos da comunicação social. O Jagudi ganhou alguma notoriedade porque era lido pelo João Paulo Dinis no Pifas. (...)


(**) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)


Vd. último poste desta série > 17 de Janeiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3752: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (13): A missão de apoio aéreo de 21 de Maio de 1973 (António Martins Matos)

8 comentários:

Hélder Valério disse...

Amigo e camarada José Dinis, não posso deixar de registar aqui o meu apoio às tuas reflexões, comentários e observações sobre este caso, manifestando a minha subscrição das mesmas.
Hélder Sousa

Anónimo disse...

Camarada José Dinis
Independentemente de quem tem razão, no caso Guileje, considero esta, uma análise: serena; bem esquematizada; fundamentada; lúcida; sucinta e sem dramatismos.
Quanto aos "prós e contras" apresentados por "quem esteve e continua a estar, por faltar muita documentação, de fora", julgo que situações desta natureza, só quem as viveu "in locu" e tinha que tomar decisões, pode dizer da sua consciência.
Dizer que há uma campanha para fazer do Cor Coutinho e Lima um herói, naõ me parece justo, porque julgo que não é disso que se trata.
Uma coisa foi fazer um "simulacro" de julgamento com o veredito já predeterminado. Outra coisa é proceder a um julgamento em que são dadas todas as condições ao presumível culpado.
Abraços
Jorge Picado

Anónimo disse...

A foto do militar com o saco de viagem ao ombro e a G3 em bandoleira, com um rosto sereno, tranquilo, consciente, acompanhado pela população, com a imagem igualmente de serenidade responsável, com confiança mútua, representa tanta coisa, que caros editores, esta foto deveria merecer um lugar de imenso destaque.
É que aquele povo, que acompanha o militar, podia não saber o que queria, mas sabia muito bem o que não queria.
Esta guerra teve tantas faces!

Anónimo disse...

Obrigado por este texto simples mas claro.
Parece-me tratar-se de um oficial do QP que incomodava, o porquê desconheço, mas vejam-se os antecedentes narrados no livro.
Diz o provérbio "a corda parte sempre pelo lado mais fraco" e isso está demonstrado no texto.
Um abraço para todos
BSardinha

Luís Graça disse...

Amigos e camaradas:

Não fulanizemos a questão...Tenhamos algum pudor e contensão verbal quando falamos de "heróis"... Usamos e abusamos do termo "heróis", a propósito das guerras, em geral, e desta, em particular...

Etimologicamente falando, a palavra herói vem do grego "herós",que queria dizer filho de um deus (do Olimpo) e de uma mulher (terrena)...

Os nossos pais, pelo contrário, eram de carne e osso... Nenhum de nós é(era) de origem divina, nenhum de nós era "herói", no sentido etimologicamente do termo...

Não creio, por outro lado, que alguém esteja deliberadamente, neste blogue ou fora dele, a transformar, 'à posteriori', o Coutinho e Lima em herói... Era a última coisa que o homem queria.

É verdade, fizeram-lhe uma pequena homenagem em Guileje, em 1 de Março de 2008, mas isso tem que ser contextualizado. Não apenas os fulas, que estavam do nosso lado, mas outros guineenses, de outros grupos étnicos: nalus, balantas, etc. Vi-os, genuinamente, a congratularem-se com o gesto (bonito) do régulo de Mejo (onde está hoje a antiga população de Guileje)...

É a maneira, muito própria, de os guineenses nos dizerem que a guerra acabou há muitos, muitos anos, e que não há o veneno do ódio no coração deles... Pelo contrário, há também a constatação, por parte de uns e outros (os fulas que estavam do nosso lado, e os antigos guerrilheiros do PAIGC), de que a retirada de Guileje, por decisão do comandante do COP 5, evitou uma tragéda que, a acontecer, teria seguramente marcado as nossas relações futuras...

Hoje poderíamos estar a aqui a lamentar a morte, inútil, de centenas de militares de um lado e de outro, e de civis inocentes... Guileje seria então o nome de u lugar de trágicas recordações para todos... Ainda bem que houve lucidez e coragem, por parte dos portugueses e dos guineenses que estavam no aquartelamento de Guileje, para evitar essa absurda a gratuita tragédia...

Falemos, pois, com a serenidade possível do passado. Já não estamos nem no céu nem no inferno. Felizmente... Estamos, aqui, hoje, na terra, na nossa terra. Com as nossas memórias, algumas muito doridas.

Um bom domingo para todos, aqui e na Guiné-Bissau. Luís

Anónimo disse...

Luís Graça, caríssimo
Tenho por ti todo o respeito do mundo e só posso louvar teres posto de pé este blogue que nos une, esventrados, serenos, ex-combatentes da Guiné Portuguesa.
Leio o que vais escrevendo, quase sempre sinto a sincronia que abres para todos nós, para comigo.
Mas deixa-me discordar de ti quanto ao entendimento de Guileje e da retirada, por decisão do major Coutinho e Lima.
Pego nas tuas palavras:
Se não fosse Coutinho e Lima, ter escolhido abandonar, haveria
"Centenas de militares mortos de um lado e do outro e de civis inocentes(...) Ainda bem que houve lucidez e coragem por parte dos portugueses e dos guineenses que estavam no aquartelamento de Guileje para evitar este absurda tragédia."
Luís, caríssimo, como dizes, e sentes e vives, "não há o veneno do ódio no coração deles", nem no nosso.
Mas não concordo contigo quanto ao entendimento do enquadramento, do contexto militar, até à análise dos muitos pormenores subjacentes à retirada de Guileje.A nossa História continua a ser mal escrita e reescrita.O tenente- general António Martins Matos deu agora no nosso blogue um contributo
importante para conhecermos, sem paixões políticas, com seriedade, com rigor no que aconteceu naqueles dias dias dolorosos de Guileje, 18/23 de Maio de 1973.
Um abraço,
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Caro António Graça de Abreu,
Permite-me que discorde da afirmação, de que o A.M.M. "deu um contributo ... para conhecermos ... com seriedade, com rigor, o que aconteceu naqueles dias...".
De facto, não encontrei esse rigor que referes, pelo contrário, pareceu-me contraditório, em parte, senão no todo. Faltou demonstrar certas afirmações, manifestando alguma dose de preconceito, sem a sistematização dos dados conhecidos e desconhecidos. Referiu a acção da FAP no local, de modo incontestável, referiu-se, depreciativamente, à acção de várias entidades, responsabilizando-as, e, por fim, classifica um militar de não ter perfil, sem fundamentação, negligentemente, em aparente contradição com o anterior.
Apreciei, contudo, a frontalidade, embora, pelas razões anteriores, não possa atribuir-lhe nota positiva.
Plagiando-te, "vamos tentar ser justos, honestos e rigorosos", apesar de saber que, perante um acontecimento, duas pessoas têm, geralmente, visóes diferentes, e, no caso vertente, não esperar unanimismo.
Um abraço
José Dinis

Anónimo disse...

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