Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Vistas aéreas da tabanca e aquartelmento do Xitole, em 1970, no tempo seco... Aqui viveu, combateu, sonhou, sofreu, suou, amou, tocou viola e sobreviveu, nestes vastos domínios, o nosso camarada David Guimarães que está há seis anos connosco, na Tabanca Grande... No seu bilhete de identidade, diz-se que é um SEXA. Faz anos hoje, 62 se bem li. O ano passado (e anos anteriores) passou, discreto e incólume, por entre as fiadas de minas & armadilhas da margem direita do Rio Corubal, mas este ano foi apanhado pelo Pel Ref Info do Carlos Vinhal... Em suma, passa a estar cadastrado. E a pagar imposto de palhota. O Parabéns a Você foi bisbilhotar a sua (dele) ficha. Sabe-se, por exemplo, que é casado com uma santa, de seu nome, Lígia. Vive em Espinho, ou dorme lá de vez em quando. Trabalhava no Porto, na Segurança Social, mas deixou-se dessas lides, reformou-se, que o trabalho é bom p'ró mouro... Consegue cometer a proeza de ser filho de um herói da I Grande Guerra!... Gosta de saltar de tabanca e tabanca. E anda sempre acompanhado da sua viola, pronto para o que der e vier. É um dos últimos heróis, românticos mas trôpegos, do Séc.XX. na Tabanca Grande, seguramente, um senador, um grande senhor... Faz parte de várias máfias, do Triângulo Verde & Rubro Bambadinca-Xime-Xitole até à Tabanca de Matosinhos...É fã do fado de Coimbra. E, claro, é também um Grande Dragão. O pior que lhe pdoe acontecer na vida é um dia não poder ir ao Encontro Nacional da Tabanca Grande. Fará tudo, mas tudo, para alterar a data, incluindo remover céus e montanhas, entre Espinho e Monte Real... Este artista é PORTUGUÊS!... e merece uma salva de palmas!!! Parabéns, David, em meu nome, e dos restantes editores e demais camaradas e amigos... Este anmo tens direito a rancho melhorado! Para o ano logo se vê... LG
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados
Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > O Guimarães, um perito em minas & armadilhas, com uma beldade local, a Helena, por sinal bem produzida...
Foto: © David Guimarães (2006). Direitos reservados
Em matéria de saias (ou melhor, de panos presos à cintura), o nosso David também tinha opinião abalizada e falava de cátedra. Escreveu ele um dia, ajudando também a quebrar um certo tabu (ou simples pudor dos machos) *):
Porto > Tertúlia do Porto > 24 de Maio de 2006 > O David Guimarães e o António Marques Lopes, da nossa... Tertúlia do Porto... O nome acabou por não ir avante, ou melhor, a Tabanca de Matosinhos acabou por vingar, agregando camaradas nossos do Grande Porto... E mais uma vez, o David estava lá, para a posteridade, para a história, para a fotografia.
Nessa noite fazia-se as honras ao famoso Chabéu de Frango, do Braima, um guineense que tinha (espero que ainda tenha) um restaurante no Centro Comercial de Santa Catarina, no coração do Porto...
E na legenda da foto, escrevi: "Pois é, amigos e camaradas, a nossa caserna, porque é virtual, não tem limites físicos, tal como o universo está em permanente expansão...Por isso, é bom saber notícias dos amigos e camaradas que se juntam para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso (como dizem os alentejanos), seja no Porto ou em Bissau... Eles foram dos primeiros a arranjar lugar na nossa caserna virtual, por mão do Sousa de Castro (se a antiguidade fosse um posto, entre nós, o Sousa de Castro hoje era marechal)... Entretanto, vamos continuando a marcar encontro, todos os dias, no Luís Graça & Camaradas da Guiné... Até um dia a gente decidir encontrar-se, mesmo de verdade, olhos nos olhos, para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso, incluindo o Zé Neto que é o veterano dos veteranos mas que, neste momento, anda a travar uma luta danada contra o cigarro: por favor, não lhe falem em tabaquear... coisa nenhuma!"...
Infelizmente, o Zé Neto (1929-2007) já não está cá para nos honrar com a sua companhia, o seu humor sarcástico, a sua experiência: era o patriarca do blogue, a morte privou-nos, cedo, da sua sua presença afectuosa e amiga... Resta-nos a sua lembrança, a sua saudade, os seus escritos...
Foto: © David Guimarães (2006). Direitos reservados
______________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLVIII: Nem santos nem pecadores (David Guimarães)
Em matéria de saias (ou melhor, de panos presos à cintura), o nosso David também tinha opinião abalizada e falava de cátedra. Escreveu ele um dia, ajudando também a quebrar um certo tabu (ou simples pudor dos machos) *):
Também é importante todos dizermos que, nesse capítulo, não fomos nem santos nem pecadores. Eramos humanos, soldados que passávamos uma vida metido entre matos, entre perigos e guerras esforçados... E pela noite dentro, a escapadela da ordem, na tabanca. Ai que maravilha!... Foram muitos e belos romances... E aqueles que podiam ir a Bafatá, eram uns sortudos... Eu só no fim da comissão é que soube o que era Bafatá!...
Lembro-me de um romance de um camarada que comprou a liberdade de uma mulher. Os nativos pensaram que ele se tinha casado com ela... Bem, porreiro para ele! Não é segredo, foi verdade, e a testemunha foi o chefe de posto, isso mesmo, aquele que a mulher - linda ali, no Xitole!!! - morria de amores por um camarada nosso, já falecido...
E o Cardoso (outro furriel que estava lá desde 1966) ... Esse pedia-me para eu fazer guarda mais pela noite... Vinha-me acordar, para eu seguir para a tabanca: vinha sempre de casa da Mariana, com as calças na mão, descomposto... E ria, ria... Lá ia eu, sempre furioso:
- Seu porco! - e ia ter com a Mariana e ela, coitada, queixava-se:
- Guimarás (pronúncia dela), Cardoso manga de tolo, mas Mariana gostar dele (...)
Lembro-me de um romance de um camarada que comprou a liberdade de uma mulher. Os nativos pensaram que ele se tinha casado com ela... Bem, porreiro para ele! Não é segredo, foi verdade, e a testemunha foi o chefe de posto, isso mesmo, aquele que a mulher - linda ali, no Xitole!!! - morria de amores por um camarada nosso, já falecido...
E o Cardoso (outro furriel que estava lá desde 1966) ... Esse pedia-me para eu fazer guarda mais pela noite... Vinha-me acordar, para eu seguir para a tabanca: vinha sempre de casa da Mariana, com as calças na mão, descomposto... E ria, ria... Lá ia eu, sempre furioso:
- Seu porco! - e ia ter com a Mariana e ela, coitada, queixava-se:
- Guimarás (pronúncia dela), Cardoso manga de tolo, mas Mariana gostar dele (...)
Cabo Verde > Pano tradicional > Mulher às voltas do tachos e panelas...
Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservado
Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservado
Mas há outras facetas menos conhecidas do David, que é um homem emotivo, com a sensibilidade à flor da e pele e o coração ao pé da boca... Enfim, faceta menos conhecida sobretudo por parte dos mais periquitos do nosso blogue... Por exemplo, ele que é um rapaz de bom gosto e bom senso, ninguém o está imaginar a fazer uma incursão noctívaga ao Pilão, sem apoio aéreo, só munido de um faca de ponta e mola. Deixemo-lo contar a peripécia. (Ah!, é também um grande conversador e contador de histórias):
Em 6 de Abril de 1971 - ai foi há dias ! - , regressava eu das férias que tinha vindo gozar à metrópole… Chamava-se licença disciplinar - alguém me saberá explicará porquê, o Marques Lopes pelo menos saberá, teve tempo de aprender, poça !.... - mas era assim que se chamava...
E Lisboa ficava para trás, víamos as luzes, lindas. Voltávamos ao escuro... O Branquinho e eu... Sim, sim, esse mesmo que estava em Fá Mandinga e era mais Alentejano que eu - pois ele era de lá e eu não... No ar, a ver Lisboa ainda, diz-me o Branquinho:
- Guimarães, dói-me a cabeça...
- Chama a hospedeira, toca nessa campainha! - Que linda bajuda veio até à nossa beira...
- Faz favor...
- Olhe, fazia o favor, dói-me a cabeça...
- Momento - disse a hospedeira, linda (ou ... nós achávamo-la linda).
Daqui a pouco aí vem ela com um copo de água e uma pastilha que entrega delicadamente ao Branquinho, dizendo-lhe:
- Se não passar com isso chame que eu dou-lhe outra coisa... - E lá foi...
Ele vira-se para mim e pergunta:
- Que será? - Eu respondi, a rir, claro:
-Dorme...
Daqui a pouco, ilha do Sal e logo depois Bissalanca... e lá estávamos nós outra vez na Guiné... Caminho para a pensão Chantra - ou Chantre, já não me lembro… Bom, não interessa, era uma residencial onde se dormia. Que não era má e sobretudo não era cara, aliás nada era caro naquela terra ... para quem tinha dinheiro. E isso havia. Uma coisa: os graduados tinham, os outros nem tanto, parecia injusto, mas enfim...
Café Portugal ... que lindo, comprámos uma navalha cada um, três estalos (é que as havia de cinco). Aquela era de três. Mais um ronco... Aproveitei e comprei um relógio Seiko: que maravilha, trabalhava bem, o outro que eu tinha já havia apanhado água do rio Poulom… Mas, curioso, quem mo vendeu ficou com ele.... Esta do relógio nem conto, é mesmo de combatente e ignorante nestas merdas: não tinha rubi nenhum, mas funcionava, que se dane ! E dizia 17 ... Made in Japan. Fui a saber e parece que era made in Canarias....
À noite uma volta... Sim lá para o escuro, para lados de Pilão... Porra, a certa altura uma mulher a gritar por não sei quem... Poça, vamos lá, era o único lugar com luz... De trás da árvore surge uma voz:
- Oh furriel, furriel!?
Furriel ?... Mas nós estávamos à civil !... Bem, lá atendemos às solicitações da mulher, nem sei o que ela queria, e afastámo-nos rapidamente para os lados da luz, os canivetes de 3 estalos abertos no bolso… Correu tudo bem, lá chegámos à residencial... Bem, aconteceu nada, mas como é que nós éramos furriéis, vestidos à civil ? Fiquei a matutar nessa:
- Mistério…
E aí vou eu, passados dois dias. Lá aparece transporte para Bambadinca.... Barco civil, partida às três horas da manhã quando do macaréu… Tive tempo de levar o capitão do barco para o Bento e lhe dar vinho q.b. para ver se ele não ia... Bem, mas foi, levou o barco o ajudante dele... Mais duas garrafas de Casal Garcia para eles, pró caminho....
Passadas 13 horas estava em Bambadinca.... Lembrei-me do Camões, em perigos e guerras esforçados, pois que passei em cada sítio mais estreito do Geba!... Ainda bem que estava num barco a que chamávamos o barco dos turras, senão tinha apanhado um balázio na cabeça... A guerra existia aí, ao lado, Ponta do Inglês, Ponta Varela, do outro lado o Enxalé, mais à frente o Mato Cão… Mais isto e mais aquilo onde tanta porrada havia e eu, ali, num barco pequeno, cheio de géneros, o capitão caído de bêbado e foi o imediato que conseguiu atracar ao cais de Bambadinca...
Segui um cabo da intendência que era o responsável por aquele material.... Não, para o Branquinha tinham arranjado outro transporte, não me lembro agora. Coisas do destino: queriam que eu fosse naquele cruzeiro...
Finalmente, passadas 13 horas, estava eu dentro do Quartel em Bambadinca a fazer a barba para me ir apresentar ao segundo comandante… Merda, parecia a prova de matemática da maioria dos alunos de agora… Estava cansado e derrotado... Vou ter com o Alferes de Serviço, um rapaz do batalhão que me levou ao AC [Anjos de Carvalho]:
- Meu Major, eu venho de tal parte e vou para tal parte… -
Ena, que sermão!
- Vá aprender a apresentar-se!
Lá saí eu do gabinete, envergonhado, porra que o homem era maluco.... O Alferes dizia:
- Guimarães, ele faz sempre isto....
A seguir fui ao Saúl... aquele bom 1º Sargento que bebia muita aguardente e perguntei:
- Meu primeiro, como é que me eu vou me safar deste caralho ?
- Guimarães - dizia ele no seu inconfundível sotaque açoreano - tens que dizer como na recruta: Apresenta-se o Furriel tal, nº tal , que vem de tal parte e se destina-se a tal parte, por motivos de ....
- Vamos lá - disse eu para o lferes -, vamos lá ver se cola agora…
- V. Excia dá-me licença, meu major ?
- Sim, senhor! - responde ele, perfilado. – Apresenta-se a V. Excia o Furriel miliciano nº 17345368 Guimarães, pertencente à CART 2716 que se encontra em trânsito para a Companhia por motivos de ter cessado a sua licença disciplinar...
O Major, agora mais calmo, diz:
- Poça, vocês sabem apresentar-se porque não o fazem de imediato ?!
- Saiba V. Excia que venho de barco civil de Bissau há 13 horas e ainda não me encontro refeito da viagem…Para além disso ando medicado com Valium e a falta de descanso, de um cigarro e de um bom sono teria sido a causa da minha má apresentação.
O homem senta-se e diz:
- Guimarães, calma que nós já nos conhecemos da Pesada 2 [Vila Nova de Gaia] … Tome um cigarro e depois vá descansar… Agora sente-se aí...
Ai, quando saí de lá e contei ao Oficial de Dia, ele ficou espantado:
- O quê, ele fez-te isso?
E lá fui eu para a Tabanca do Brito.... Sim, foi lá que eu fiquei dois ou três dias até ter transporte para o Xitole....
E, pelo fim de tarde, o Machado e o Vacas de Carvalho, este á Viola, cantavam a cantiga com que comecei o texto... Era assim: o Vacas de Carvalho tocava e cantava e o Machado cantava com ele:
Lá porque usas sacola
e só por isso te dão esmola...
etc., etc.
Foi a primeira vez que ouvi esta tão linda cantiga e lembrei-me de mim, pelo meio dia, em frente ao temível Major, aquele Major a quem o Luís chamou uns nomes bem apropriados… Mas era assim... E mais me lembrava daqueles que, no mato, lutavam por aquilo que era deles, e lembrava-me de mim e de nós que ali andávamos... A fazer o quê, afinal ?
E eu que, quando estava com cerveja a mais, só tocava o silêncio por preferência - aquilo que os outros gostavam e pediam… Agora, mesmo sem uma cerveja, tocava esta também, no Xitole:
Lá porque usas sacola
e só por isso te dão esmola...
Porque era linda e fazia mais sentido ....
Um abraço.... David Guimarães
PS - Na altura tinha eu no aquartelamento um livro - Repórter no Vietname.... Porra, se o gajo tivesse ido à Guiné morreria mesmo, não de uma bala na cabeça mas só de susto....
Em 6 de Abril de 1971 - ai foi há dias ! - , regressava eu das férias que tinha vindo gozar à metrópole… Chamava-se licença disciplinar - alguém me saberá explicará porquê, o Marques Lopes pelo menos saberá, teve tempo de aprender, poça !.... - mas era assim que se chamava...
E Lisboa ficava para trás, víamos as luzes, lindas. Voltávamos ao escuro... O Branquinho e eu... Sim, sim, esse mesmo que estava em Fá Mandinga e era mais Alentejano que eu - pois ele era de lá e eu não... No ar, a ver Lisboa ainda, diz-me o Branquinho:
- Guimarães, dói-me a cabeça...
- Chama a hospedeira, toca nessa campainha! - Que linda bajuda veio até à nossa beira...
- Faz favor...
- Olhe, fazia o favor, dói-me a cabeça...
- Momento - disse a hospedeira, linda (ou ... nós achávamo-la linda).
Daqui a pouco aí vem ela com um copo de água e uma pastilha que entrega delicadamente ao Branquinho, dizendo-lhe:
- Se não passar com isso chame que eu dou-lhe outra coisa... - E lá foi...
Ele vira-se para mim e pergunta:
- Que será? - Eu respondi, a rir, claro:
-Dorme...
Daqui a pouco, ilha do Sal e logo depois Bissalanca... e lá estávamos nós outra vez na Guiné... Caminho para a pensão Chantra - ou Chantre, já não me lembro… Bom, não interessa, era uma residencial onde se dormia. Que não era má e sobretudo não era cara, aliás nada era caro naquela terra ... para quem tinha dinheiro. E isso havia. Uma coisa: os graduados tinham, os outros nem tanto, parecia injusto, mas enfim...
Café Portugal ... que lindo, comprámos uma navalha cada um, três estalos (é que as havia de cinco). Aquela era de três. Mais um ronco... Aproveitei e comprei um relógio Seiko: que maravilha, trabalhava bem, o outro que eu tinha já havia apanhado água do rio Poulom… Mas, curioso, quem mo vendeu ficou com ele.... Esta do relógio nem conto, é mesmo de combatente e ignorante nestas merdas: não tinha rubi nenhum, mas funcionava, que se dane ! E dizia 17 ... Made in Japan. Fui a saber e parece que era made in Canarias....
À noite uma volta... Sim lá para o escuro, para lados de Pilão... Porra, a certa altura uma mulher a gritar por não sei quem... Poça, vamos lá, era o único lugar com luz... De trás da árvore surge uma voz:
- Oh furriel, furriel!?
Furriel ?... Mas nós estávamos à civil !... Bem, lá atendemos às solicitações da mulher, nem sei o que ela queria, e afastámo-nos rapidamente para os lados da luz, os canivetes de 3 estalos abertos no bolso… Correu tudo bem, lá chegámos à residencial... Bem, aconteceu nada, mas como é que nós éramos furriéis, vestidos à civil ? Fiquei a matutar nessa:
- Mistério…
E aí vou eu, passados dois dias. Lá aparece transporte para Bambadinca.... Barco civil, partida às três horas da manhã quando do macaréu… Tive tempo de levar o capitão do barco para o Bento e lhe dar vinho q.b. para ver se ele não ia... Bem, mas foi, levou o barco o ajudante dele... Mais duas garrafas de Casal Garcia para eles, pró caminho....
Passadas 13 horas estava em Bambadinca.... Lembrei-me do Camões, em perigos e guerras esforçados, pois que passei em cada sítio mais estreito do Geba!... Ainda bem que estava num barco a que chamávamos o barco dos turras, senão tinha apanhado um balázio na cabeça... A guerra existia aí, ao lado, Ponta do Inglês, Ponta Varela, do outro lado o Enxalé, mais à frente o Mato Cão… Mais isto e mais aquilo onde tanta porrada havia e eu, ali, num barco pequeno, cheio de géneros, o capitão caído de bêbado e foi o imediato que conseguiu atracar ao cais de Bambadinca...
Segui um cabo da intendência que era o responsável por aquele material.... Não, para o Branquinha tinham arranjado outro transporte, não me lembro agora. Coisas do destino: queriam que eu fosse naquele cruzeiro...
Finalmente, passadas 13 horas, estava eu dentro do Quartel em Bambadinca a fazer a barba para me ir apresentar ao segundo comandante… Merda, parecia a prova de matemática da maioria dos alunos de agora… Estava cansado e derrotado... Vou ter com o Alferes de Serviço, um rapaz do batalhão que me levou ao AC [Anjos de Carvalho]:
- Meu Major, eu venho de tal parte e vou para tal parte… -
Ena, que sermão!
- Vá aprender a apresentar-se!
Lá saí eu do gabinete, envergonhado, porra que o homem era maluco.... O Alferes dizia:
- Guimarães, ele faz sempre isto....
A seguir fui ao Saúl... aquele bom 1º Sargento que bebia muita aguardente e perguntei:
- Meu primeiro, como é que me eu vou me safar deste caralho ?
- Guimarães - dizia ele no seu inconfundível sotaque açoreano - tens que dizer como na recruta: Apresenta-se o Furriel tal, nº tal , que vem de tal parte e se destina-se a tal parte, por motivos de ....
- Vamos lá - disse eu para o lferes -, vamos lá ver se cola agora…
- V. Excia dá-me licença, meu major ?
- Sim, senhor! - responde ele, perfilado. – Apresenta-se a V. Excia o Furriel miliciano nº 17345368 Guimarães, pertencente à CART 2716 que se encontra em trânsito para a Companhia por motivos de ter cessado a sua licença disciplinar...
O Major, agora mais calmo, diz:
- Poça, vocês sabem apresentar-se porque não o fazem de imediato ?!
- Saiba V. Excia que venho de barco civil de Bissau há 13 horas e ainda não me encontro refeito da viagem…Para além disso ando medicado com Valium e a falta de descanso, de um cigarro e de um bom sono teria sido a causa da minha má apresentação.
O homem senta-se e diz:
- Guimarães, calma que nós já nos conhecemos da Pesada 2 [Vila Nova de Gaia] … Tome um cigarro e depois vá descansar… Agora sente-se aí...
Ai, quando saí de lá e contei ao Oficial de Dia, ele ficou espantado:
- O quê, ele fez-te isso?
E lá fui eu para a Tabanca do Brito.... Sim, foi lá que eu fiquei dois ou três dias até ter transporte para o Xitole....
E, pelo fim de tarde, o Machado e o Vacas de Carvalho, este á Viola, cantavam a cantiga com que comecei o texto... Era assim: o Vacas de Carvalho tocava e cantava e o Machado cantava com ele:
Lá porque usas sacola
e só por isso te dão esmola...
etc., etc.
Foi a primeira vez que ouvi esta tão linda cantiga e lembrei-me de mim, pelo meio dia, em frente ao temível Major, aquele Major a quem o Luís chamou uns nomes bem apropriados… Mas era assim... E mais me lembrava daqueles que, no mato, lutavam por aquilo que era deles, e lembrava-me de mim e de nós que ali andávamos... A fazer o quê, afinal ?
E eu que, quando estava com cerveja a mais, só tocava o silêncio por preferência - aquilo que os outros gostavam e pediam… Agora, mesmo sem uma cerveja, tocava esta também, no Xitole:
Lá porque usas sacola
e só por isso te dão esmola...
Porque era linda e fazia mais sentido ....
Um abraço.... David Guimarães
PS - Na altura tinha eu no aquartelamento um livro - Repórter no Vietname.... Porra, se o gajo tivesse ido à Guiné morreria mesmo, não de uma bala na cabeça mas só de susto....
Porto > Tertúlia do Porto > 24 de Maio de 2006 > O David Guimarães e o António Marques Lopes, da nossa... Tertúlia do Porto... O nome acabou por não ir avante, ou melhor, a Tabanca de Matosinhos acabou por vingar, agregando camaradas nossos do Grande Porto... E mais uma vez, o David estava lá, para a posteridade, para a história, para a fotografia.
Nessa noite fazia-se as honras ao famoso Chabéu de Frango, do Braima, um guineense que tinha (espero que ainda tenha) um restaurante no Centro Comercial de Santa Catarina, no coração do Porto...
E na legenda da foto, escrevi: "Pois é, amigos e camaradas, a nossa caserna, porque é virtual, não tem limites físicos, tal como o universo está em permanente expansão...Por isso, é bom saber notícias dos amigos e camaradas que se juntam para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso (como dizem os alentejanos), seja no Porto ou em Bissau... Eles foram dos primeiros a arranjar lugar na nossa caserna virtual, por mão do Sousa de Castro (se a antiguidade fosse um posto, entre nós, o Sousa de Castro hoje era marechal)... Entretanto, vamos continuando a marcar encontro, todos os dias, no Luís Graça & Camaradas da Guiné... Até um dia a gente decidir encontrar-se, mesmo de verdade, olhos nos olhos, para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso, incluindo o Zé Neto que é o veterano dos veteranos mas que, neste momento, anda a travar uma luta danada contra o cigarro: por favor, não lhe falem em tabaquear... coisa nenhuma!"...
Infelizmente, o Zé Neto (1929-2007) já não está cá para nos honrar com a sua companhia, o seu humor sarcástico, a sua experiência: era o patriarca do blogue, a morte privou-nos, cedo, da sua sua presença afectuosa e amiga... Resta-nos a sua lembrança, a sua saudade, os seus escritos...
Foto: © David Guimarães (2006). Direitos reservados
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLVIII: Nem santos nem pecadores (David Guimarães)
32 comentários:
PARABÉNS PARA TI
NESTA DATA QUERIDA
MUITAS FELICIDADES
MUITOS ANOS DE VIDA
HOJE É DIA DE FESTA
CANTAM AS NOSSAS ALMAS
PARA O MENINO DAVID GUIMARÃES
UM GRANDE SALVA DE PALMAS
AMIGO DAVID QUE ESTE DIA SEJA DE GRANDE FELICIDADE PARA TI E TUA FAMÍLIA E QUE ELE SE REPITA POR MUITOS E MUITOS ANOS E SE DEUS QUISER DAQUI A UM ANO ESTAREI TE CANTANDO MAIS UM TEU ANIVERSÁRIO.
UM ABRAÇO DO TAMANHO DA GUINÉ PARA TI E TUA FAMÍLIA
AMILCAR VENTURA EX-FURRIEL MECÂNICO AUTO DA 1ª. COMPª. DO BCAV 8323 BAJOCUNDA 73/74
Caro Guimarães,
Um Grande Homem...
Uma Grande Data do aniversário.
Muitos parabéns e felicidades na companhia da tua família.
Um abraço de parabéns do
António Tavares
Grande David!
Companheiro sempre presente.
Amigo em todos os momentos.
Camarada insubstituível.
Saúde,Paz,Alegria.
Grande Abraço.
Jorge Cabral
Grande David!
Companheiro sempre presente.
Amigo em todos os momentos.
Camarada insubstituível.
Saúde,Paz,Alegria.
Grande Abraço.
Jorge Cabral
Caro Amigo Guimarães
Que para o ano te encontres presente na Tabanca Grande são os votos de
Armandino Alves
PARABÉNS
Caro camarada
Da outra margem do Corobal te desejo um Feliz Aniversário e um grande abraço de parabens.
Mário Pinto
Caro David Guimarães,
Feliz aniversário e um dia com tudo de bom.
Muita saúde!
São os votos do camarada e amigo,
Adriano Moreira - Cart. 2412 "SEMPRE DIFERENTES"
meu caro camarigo David Guimarães a quem me une para além da Guiné o gosto por Monte Real e também pelos vistos o mês de Abril!!!
Um grande e camarigo abraço de parabéns neste dia de festa.
Se não fosse eu ter ido para a Guiné, ainda lá estavas...eheheh.
Convém dizer que foi a minha companhia que substituiu a do David!
Muitos parabéns, muita saúde e muitos anos de vida juntos teus, é o que te desejo camarada David.
Juvenal Amado
Caro Guimarães:
Um grande dia para ti, nesta data de aniversário.
Parabéns!
Um abraço amigo.
Manuel Reis
Caro David
Venho desejar-te um dia bem passado junto da tua esposa, filhos e restante família, assim como dos amigos que vão estar contigo nesta data especial.
Que tenhas uma longa vida com muita saúde, sempre acompanhado dos que te são mais queridos, não esquecendo a tua inseparável viola.
Um abraço do camarada e amigo
Carlos Vinhal
Caro David
As maiores felicidades para este dia do teu aniversário.
Que contes muitos com saude, junto dos que te são queridos.
Um fraterno abraço, do tamanho do Cumbijã,
Mário Fitas
Sr Guimarães, dá-me licença?
Apresenta-se o furriel miliciano nº.17505069, para lhe apresentar os parabéns, e desejar-lhe um dia em beleza.
JD
SINCEROS VOTOS DE PARABÉNS! Um grande abraco.
Caro David Guimarães.
Um abraço de parabéns, um dia Feliz na companhia de familiares e amigos, votos de que esta data se repita por muitos mais com saúde.
Manuel Marinho
Meu Caro os meus Parabéns, com muitos e bons anos pela frente.
Óptima saúde e o tempo a passar junto de quem gostas... e a dedilhar o instrumento...a música ajuda sempre
Abraço amigo do Torcato
Caro David Guimarães!
Neste dia de mais um aniversário, desejo-te um dia muito feliz, na companhia dos teus familiares e amigos, com muita saúde.
Lembra-te que, se a minha Companhia não fosse render a tua, ainda certamente estavas no XITOLE.
Forte abraço de PARABÉNS do Camarada e amigo
Artur Soares
Reparei que me esqueci de te enviar um grande abraço e como não quero que isso aconteça, aqui estou de novo para to dar.
Um abração e tudo de bom!
Caro David Guimarães
Que possas comemorar condiganamente este dia junto da tua família. Um forte abraço de parabéns, a reforçar em Monte Real, no V Encontro.
Giselda e Miguel Pessoa
Caro Dsvid Guimarães
Parabéns pelo teu aniversário,e tenhas um dia feliz,junto da Familia e Amigos.
Que o 24 de Abril, se repita se repita por muitos,muitos anos,com Saúde,Paz e Alegria.
Um Abraço
António Marques ex-Fur.Milº.CCAÇ.12 69/71
Guimarâes
Não podia deixar passar este dia sem te desejar um sincero e feliz aniversário, e que vás contando um de cada vez com muita saúde.
Até à reunião anual.
Do amigo
ASantos
SPM 2558
CARO DAVID GUIMARÃES,
ESPERO QUE PASSES UM EXCELENTE DIA DE ANIVERSÁRIO,PRENHE DE SAÚDE E ALEGRIA JUNTO DOS TEUS.
ÃBRAÇO
MANUELMAIA
Parabéns e felicidade a rodos para o dia de hoje e seguintes.
Um abraço amigo,
Mário Migueis
Caro Camarada David Guimarães
Neste dia de mais uma grande festarola na tua tabanca, desejo-te muita saúde e felicidades, que torno extensivos a todos os teus familiares e que gozes muitos mais anos, sempre com a tua boa disposição e que as forças não te faltem para carregares e "tocares" a viola.
Achei imensa piada quando comecei a ler este teu postado de anos e aparece transcrito dum teu escrito "Pensão Chantra ou Chantre", quando tinha cabado de ler numa folha da minha agendinha: "Pensão Chandra tel: 2366 Fur. Duarte Enf.º Cc ...Bivaque nos Adidos".
Pronto o nome da tal Pensão era este, mas quem seria o tal Fur Duarte, isso é que me estava e está a dar voltas à cabeça.
Abraços e mais uma vez parabéns
Jorge Picado
Caro David
Um abração amigo deste teu camarada e companheiro.
Parabéns, que faças muitos e vivas estes mais trinta anos que nos faltam
com a qualidade que todos merecemos.
António Graça de Abreu
Delta Golf, aqui Mike Romio comunicando... IN pelos 62... pode ser emboscada perigosa...
Papa, Alfa, Romio, Alfa, Bravo, Echo, November, Sierra...
diga se entendido passo à escuta!
Amigo Guimaráes agora deu-me para isto, por isso não ligues.
Grande AB do Amigo MR = Mike Romio = Magalhães Ribeiro
Olá David,
Com tanto nadar entre os States e o Rectângulo ainda acabo por me tornar campeão olmpico. Depois é tudo uma questão de distribuir as palmas e as palmadinhas pelos amigos.
E eles bem precisam quando passam a velocidade ultrapassa os 60...
Parabéns,
Josß Câmara
David, blablablabla.
Especial para o Luís: Não entendi essa de "...herois romanticos mas trôpegos..." Tem alguma coisa a ver com a apresentação ao nosso major?
Um abraço apertado ao David.
Desculpem...
"E eles bem precisam disso quando a velocidade ultrapassa os 60...
José Câmara"
OBRIGADO
Pois meus amigos e ex-camaradas - CAMARIGOS TALVEZ - Mas este termo "congregante" de camaradas + amigos - creio eu que só sai bem e fica bem escrito e dito por Mexia Alves...
Tinha um Furriel monitor do pelotão, na minha recruta em Caldas da Raínha que nos dizia - meus amigos, aqui na tropa abstraindo comunismo somos todos camaradas... Mas não era isso que eu querida bem dizer - mas resta - hoje somos ex-camaradas e prontos - ou camarigos.
Aqui na NET e eu que ando por aí tanto - tenho tempo... tenho uma mocinha que me envia Abreijos - quer dizer abraços e beijos... etc etc
Estive a ler com atenção o que o Luís fez o favor de apanhar no blogue como que me meu abono - gostei de reler certas coisas que escrevi então - e já lá vão anos mas mais gostei do propósito a que isso vem...
OS AMIGOS VÊM-SE - APARECEM, e hoje vieram todos ter comigo, explicitamente uns e outros congregados aos votos de feliz aniversário lançado por Luis Graça - (um furriel que um dia teve a coragem de chamar assassino de guerra ao 2º comandante).... um jovem de armas pesadas que sempre se preocupou com a eloquência da escrita, fumava o seu cigarrito e tomou parte em operações complicadas - até aquela que já toda a gente sabe de cor e de onde após saiu o dito que atrás citei... Homem ilustre que um dia "pegou" e começou com esta coisa onde estamos - este barco lindo que é o nosso blogue onde lentamente começamos todos a embarcar sem qualquer dificuldade... etc etc etc... e hoje somos estes todos que hoje vieram até mim dizer-me - Guimarães eu sou teu amigo...
Quero agradecer a todos mesmo o carinho que por mim demonstram, a fidelidade da amizade e sempre a vontade de estarmos juntos... Este "parabenizar" geral veio-me demonstrar que por vezes eu serei menos atento, que por vezes falho, fico triste com o que é dito no blogue, apetece-me sair para não ser "contestatário"... TIVE MESMO RECEIO DISSO. Eu que apostei tudo neste barco lindo "amandar-me" agora para o mar quando o barco flutua e bem... Eu um simples e amigo vosso que por vezes penso que tenho a razão sozinho - é mesmo burrice da idade... Mas como é que eu iria abandonar os meus amigos.... Nos parabéns que hoje me enviam está bem notória a amizade e o gosto que têm de me ver por aí pela vossa beira... Poderia referir-me um a um e mesmo aqueles que particularmente me disseram - estou aqui - parabéns, e foram vários os amigos... TODOS TÊM A MESMA IMPORTÂNCIA PARA MIM - Hoje somos capazes de "glosar" com isto e é giro - O Mexia e o Soares a dizer - se não fôssemos nós vem lá terias ficado.... este era o lindo toque de rendição que todos tivemos quando cantávamos periquito vai no mato etc etc...
Estou aqui de coração alegre pelos parabéns que me enviaram e é isso que nos dá força para vivermos mais e mais - e isso à forte amizade que fomos ganhando agora como então - numa guerra em que sobrou isto... UMA TABANCA GRANDE e outras mais pequenas - mas todas num só espírito, a congregação dos amigos dos ex-camaradas num espírito que quer queiramos quer não - terá um valor que não sabemos de onde vem a força mas que nos faz ano a ano encontrámos-nos todos no espírito solidário da amizade...
A todos então um muito obrigado pelas felicitações e até sempre - sempre que estivermos juntos claro seja em tabancas seja na vida ou num cruzar de viaturas - dizermos sempre aquele é meu amigo e combateu na Guiné...
no Xime, no Xitole, Guiledje, Guidage, Catió, Mansambo, S. Domingos, Barro, Fulacunda, Mato Cão, Saltinho, Galomaro, Aldeia Formosa, etc etc etc - a nossa terra afinal - Mexia Alves um dia disse e achei bem - todos afinal lá temos uma terra - e temos, aquela onde estivemos a combater ou pelo menos instalados...
UM ABRAÇO UM OBRIGADO E ATÉ MONTE REAL
David Guimarães
Caro David
Só hoje abri a "maquina". Ontem estive de serviço ao passado.
Reunião dos GATOS PRETOS 36 depois de se ter fechado an porta na Guiné. Mais de 100 pessoas "a miar saudades".
Des culpa, mas como sidde estive noutras ondas, mas envio o nosso abraço, meu e da Manuela, desejando que tenhas tido um dia inesquecivel
Caro David
Estive uns dias ausente, agora que regressei vejo o post do teu aniversário, e resolvi , ainda que fora do prazo, enviar-te os parabens e desejar-te muita saúde para que possamos assinalar o próximo e muitos mais.
Recebe um abraço forte dete companheiro de explosivos.
César Dias
Enviar um comentário