1. Em mensagem do dia 8 de Dezembro de 2018, o nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil Enf.º da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim,
1964/66), enviou-nos uma mensagem a propósito dos "Problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965", altura em que a CCAÇ 675 se encontrava em quadrícula na frente norte da Guiné.
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
OS PROBLEMAS DO PAIGC NA LOGÍSTICA DE SAÚDE EM 1965 (P19224)
ENTRE A LUCIDEZ E O DESESPERO DE LOURENÇO GOMES, RESPONSÁVEL PELA ÁREA DA SAÚDE NA FRENTE NORTE
O tema é de facto do meu tempo e da “frente” Norte da Guiné - a “minha” CCAÇ 675 esteve, entre Maio de 1964 e Abril de 1966, numa “quadrícula” com sede em Binta (a 20 kms. da sede do Batalhão em Farim).
E como Furriel Enfermeiro passei por muita coisa. Na guerra do “mato” e na paz do quartel.
Começo pelo meu conhecimento directo com a população nativa que vivia em Binta e em Guidage, que também pertencia à “minha” quadrícula.
Na nossa enfermaria de Binta tratámos alguns doentes com lepra, elefantíase, matacanha, malária, etc.
Refiro-me a “clientes” da população nativa porque no que respeita a militares o que mais tivemos foram casos de paludismo.
E apanhámos uma terrível epidemia de sarampo que matou dezenas de crianças da população civil em apenas um mês.
Também havia algum “folclore” nativo de doentes habituais da nossa enfermaria que se queixavam de “toco-toco”, para engolirem umas saborosas colheres de xarope para a tosse.
Os casos que atrás refiro dizem respeito a Binta.
Também me calharam algumas “estadias” em Guidage e confesso que as longas filas vindas de “pessoal” do Senegal ainda me estão na memória pelo sofrimento e desesperança daquela gente, que procurava junto da tropa alguma ajuda para as suas enfermidades. Lembro-me especialmente das mulheres, sempre carregadas de crianças famintas e esqueléticas!
A nossa vitória foi no segundo ano de comissão em que conseguimos recuperar população e “fazer” uma aldeia modelo, que chegou a ter mil habitantes.
Essa memória consta do meu livro “GOLPES DE MÃO´s”, editado em Abril de 2009.
E é tempo de referir os problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965 entre a lucidez e o desespero de Lourenço Gomes, responsável pela área da saúde na frente Norte.
Obviamente que os desconhecia à época mas deviam ser tremendos para “efectivos” que viviam na “clandestinidade”.
Se em estudos recentes a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que há menos de cinco médicos para cada grupo de 100 000 habitantes no país …as percentagens para os tempos de Lourenço Gomes deveriam ser negativas, para não dizer que seriam “abaixo de zero” !!!!
Os casos de malária afectam cerca de 9% da população.
A esperança de vida ao nascer vem crescendo desde 1990, mas continua a ser baixa. De acordo com a OMS, a esperança de vida para uma criança nascida em 2008 era de 49 anos. Apesar da redução de casos em países vizinhos, taxas de cólera foram notificadas em novembro de 2012, com 1500 casos apresentados e 9 mortes. Uma epidemia de cólera em 2008 na Guiné-Bissau afetou 14.222 pessoas e matou outras 225.
Em junho de 2011, o Fundo de População das Nações Unidas divulgou um relatório sobre o estado da obstetrícia do mundo, contendo dados sobre a força de trabalho e as políticas relacionadas com a mortalidade neonatal e materna em 58 países. Neste relatório foi apresentado que, em 2010, a taxa de mortalidade materna a cada 100.000 nascidos é de 1000 na Guiné-Bissau.
Por maior que fosse a lucidez de Lourenço Gomes em relação aos problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965 o seu desespero deveria andar próximo dos 100% !
Grande abraço e até uma próxima.
José Eduardo Reis de Oliveira
JERO
PS. Natal Feliz e Haja Saúde.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 10 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19273: (Ex)citações (346): Frases politicamente (in)corretas de um dos bravos dos céus do CTIG, o ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972-74) - Parte II -Tenho saudades do meu Caco Baldé
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
Caros amigos,
O José Eduardo Oliveira, fala de uma epidemia de Sarampo que deve ter acontecido em 1965, provavelmente entre o primeiro e segundo trimestre. Na altura, como acontecia sempre, a epidemia espalhou-se rapidamente pelo territorio, atingindo quase todas as crianças com idades até 8/9 anos. Isto porque as crianças com 10 anos para cima eram sobreviventes de epidemias anteriores e como tal ja estavam (vacinados) e imunes a doença que, na época, dizimava as crinças africanas.
Eu, na Altura, a viver em Cambaju onde a minha familia estava refugiada, com a idade de 5/6 anos apanhei a doença assim como todas as crianças dessa aldeia. Os soldados metropolitanos do destacamento (deve ter sido um pelotao da C.CAC 674) sediada em Fajonquito, apesar da boa vontade nao puderam fazer nada e houve muitas mortes. A unica terapia de que dispunhamos era esperar pela saida do sol e tomar um banho de areia, rebolando no solo e esfregando o corpo fraco e esbranquecido com a areia quente junto a parada do destacamento militar.
Sobreviveram os mais fortes ou os mais sortudos, como eu, para poder contar a historia, passados que foram mais de 50 anos.
Obrigado ao JERO por me lembrar uma parte da minha vida.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
PS: O ex-Furriel JERO deve ser da época que as mulheres das nossas aldeias da fronteira norte cantarolavam em grupos de idades durante as festas de "Mandjuandades" assim:
"O Capitao pode ser o Chefe, o mandao, mas quem me da uma "picada" é o Furriel, meu Enfermeiro e amigaço". E ao pronunciar a palavra "picada", apontavam com o dedo la para o sitio mais sagrado do corpo.
E de repente surgiu a SIDA...de um dia para o outro.
Na Europa e em África, sem se saber como só surge após o 26 de Abril.
Coisas complicadas para se compreender.
Boa noite Cherno Baldé
Grato pelo comentário. A epidemia de sarampo deve ter sido de facto em 1965. Alem das crianças de tenra idade morreu ainda uma mulher adulta jovem (talvez de 30 anos). Havia funerais quase todos os dias. Foi uma época terrivel.
Grande abraço e atésempre.
JERO
Rosinha
É ponto assente que a SIDA surgiu em Kinshasa, antigo Congo Belga, nos anos 20 do século passado e julga-se que teria sido transmitia ao ser humano por chimpanzés dos
Camarões.
Depois nos anos 60 passou ao Haiti e dai para o resto do mundo.
Valdemar Queiroz
Enviar um comentário