sexta-feira, 13 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20730: Casos: a verdade sobre... (8): O campo penal da Ilha das Galinhas e o Campo de Trabalho de Chão Bom (ou Tarrafal II)


Cabo Verde > Ilha de Santiago > Concelho de Tarrafal > Chão Bom ("Txon Bon") >  Julho de 2018 > O antigo antigo Campo Penal do Tarrafal (1936-1954) e depois Campo de Trabalho de Chão Bom (1961-1974) > Hoje Museu da Resistência > Entrada exterior


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Fotos (e legendas): © Hélder Sousa (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Lisboa > IndieLisboa'10 > 7º Festival Internacional de Cinema Independente > Culturgest > 23 de Abril de 2010 > Sessão de estreia do filme "Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta", produção e realização de de Diana Andringa (Portugal, 2009, 90'' > Não se trata de fotogramas mas de imagens obtidas por máquina fotográfica durante a exibição do filme (com a devida vénia à realizadora a quem não pedi expressamenete autorização...), e editadas por mim >  Reprodução da Portaria nº 18539, de 17 de junho de 1961, que cria o Campo de Trabalho de Chão Bom... (Não se diz aonde, e muito menos há referência ao antigo campo do Tarrafal, encerrado em 1954...Deixa-se para o "regulamento", a aprovar pelo Ministro do Ultramar, os detalhes da sua localização, organização e funcionamento.)



1. Como é sabido (, antes do 25 de Abril, poucos o sabiam...), a "colónia penal de Cabo Verde", no Tarrafal,  ilha de Santiago, foi criada em 1936, e ficou tristemente conhecida como "campo da morte lenta". Surge na sequência da grande reforma do sistema prisional de 1936 (Decreto-Lei n.º 26 539, de 23 de Abril de 1936), da autoria do professor doutor José Beleza dos Santos, da Unversidade de Coimbra. (Nasceu em Vila da Feira, em 1885, morreu em Lisboa, 1962).

Era destinada a presos políticos, opositores do regime do Estado Novo... Dez por cento dos presos, de um total de 340 que por lá passaram, entre 1936 e 1954, morreram, na sequência das duras condições de detenção: sevícias, maus tratos, alimentação, alojamento, higiene, cuidados sanitários, isolamento, clima, etc.

Eram nossos concidadãos, de diferentes opções político-ideológicas (comunistas, anarquistas, republicanos...), sobretudo "arraia-miúda", como diria o cronista Fernão Lopes (c. 1380/90 - c. 1460), o nosso primeiro historiógrafo... Eram marinheiros, estivadores, operários, artesãos, empregados de escritório e de comércio, etc., dos mais diversos pontos do país, da Marinha Grande a Vila Nova de Foz Côa, de Lisboa a Castro Verde, de Almada a Vila Nova de Gaia.
Apesar da vitória das "forças democráticas", os "Aliados", em 1945, sobre as potências do Eixo (os "regimes nazifascistas" da Alemanha, Itália e Japão...), o campo (de concentração) do Tarrafal só foi fechado... quase vinte anos depois, em 1954!... Dizem que por "pressão internacional"...


 2. Vai reabrir, todavia, na sequência da guerra colonial, que se inicia em Angola, em 1961, mas com outro nome, um eufemismo "Campo de Trabalho do Chão Bom" (CTCB) (sic)... Desta vez para detenção dos "terroristas angolanos" (, como eram tratados, na época, os nacionalistas que lutacam contra o colonialismo português).
Haverá, no entanto,  mais campos para detenção de nacionalistas africanos durante a guerra do ultramar, e com condições de detenção bem mais duras, e de que pouco se fala entre nós: Missombo e São Nicolau, em Angola; Machava e Madalane, em Moçambique... Na Guiné, já existia a "colónia penal  e agrícola" da Ilha das Galinhas (, fundada em 1934) (*)... 
No Tarrafal, ou melhor do Campo de Trabalho de Chão Bom, na 2ª fase, dita "africana (1961-1974), morreram apenas 3 homens, por doença, incluindo 2 guineenses, com sequência, muito provavelmente,  dos "maus tratos" recebidos na altura da sua prisão pela PIDE...
Já em São Nicolau, no Sul de Angola, e segundo a historiadora Dalila Mateus ("A PIDE/DGS na Guerra Colonial 1961-1974", Lisboa, Terramar, 2004), terão morrido "de doença", só entre 1969 e 1972, "bem mais de uma centena de pessoas". Em 1972, em Angola, em São Nicolau havia 123 presos, enquanto no Missombo estavam 874.

Há quem diga que o Tarrafal, nesta fase, não era assim tão "mau"... (Chamemos-lhe Tarrafal II).

O jornalista e investigador cabo-verdiano, José Vicente Lopes, que já se cruzou connosco no nosso blogue (**), tem uma obra de referência sobre o Tarrafal: "Tarrafal - Chão Bom; memórias e verdades", 2 volumes, Praia, IIPC - Instituto de Investigação e do Património Cultural, 2010.  Ainda não não conhecemos o original, mas também acesso a uma extensa recensão bibliográfica, feita pelo  José Pedro Castanheira (Expresso, revista Atual, 14 de agosto de 2010: "Tarrafal: Verdades e mentiras do Campo de Trabalho de Chão Bom").
Também é desta ano, 2010, o documento de hora e meia produzido e realizado pela Diana Andringa "Tarrafal,  Memórias do Campo da Morte Lenta".  (Vd. poste P6204, de 21 de abril de 2010.)


2. Os "deportados" foram chegando ao CTCB / Tarrafal, em várias levas, a última em 1972 (14 elementos do MPLA).

Na primeira leva, em 1961,  vieram angolanos (n=107), de vários movimentos, com destaque para o MPLA.... Todos eles "condenados em tribunal"... Numa segunda leva, em 4/9/1962, vieram os pobres dos guineenses (, os 100, para ser um número redondo), mesmo sem julgamento, que já não havia nem tempo, nem paciência, nem juízes, nem leis para os julgar... Já andava tudo nervoso em Bissau e em Lisboa...Nessa centena de "deportados" guineenses, estava também o Inácio Soares de Carvalho (***)...

Os guineenses foram alojados numa ala separada. Em 1964 saíram cerca de 60 guineenses, sem qualquer culpa formada nem julgamento, sendo os restantes libertados em 30 de Julho de 1969, no âmbito da política "Por uma Guiné Melhor", do Governador Geral e Com-Chefe António Spínola.

Recorde-se que, ao todo, Spínola mandou libertar 92 presos políticos, incluindo um dos históricos do PAIGC, Rafael Barbosa (1926-2007), detido na colónia penal da Ilha das Galinhas, nos Bijagós (, nunca tendo sido "tarrafalista": não se sabe porquê, mas a PIDE quis tê-lo à mão, no território da Guiné)...  Foi escolhido para discursar no 10º aniversário do Massacre do Pi(n)djiguiti, em 3 de agosto de 1969, agradecendo em seu nome e dos  outros prisioneiros o gesto de Spínola. Esse momento foi terrível para o antigo nº 2 do PAI(GC). O labéu de "colaboracionista" colou-se à sua pele. Será julgado e condenado à morte depois da independência, pena que lhe será comutada por 'Nino' Vieira,

Antes de serem soltos do CTCB (Tarrafal II), parece que tinham que responder a um questonário e fazer uma declaração de confissão de arrependimento", e em que se comprometiam a nunca mais se envolver em atividades contra a segurança do Estado.... Três deles ter-se-ão recusado a responder, incluindo Aristides Barbosa e Mário Mamadú Turé... Curiosamente, por coincidência ou não,   em janeiro de 1972,  em Conacri, estes dois últimos irão figurar  no grupo de dissidentes do PAIGC que estarão no complô para prender e/ou assassinar Amílcar Cabral.

Mas também estiveram lá, no CTCB, 20 cabo-verdianos, militantes do PAIGC... Os últimos presos foram libertados com o 25 de Abril de 1974, aliás um semana depois em 1 de Maio. Mas o PAIGC, ao que escreve o csbo-verdiano José Vicente Lopes,  cedo se apoderou do CTCB e meteu lá dentro, passado algum tempo,  70 "opositores", militantes de outros movimentos (como a UDC e UPICV)... (Às vezes, até parece que a História se repete...).
Caricatas são as visitas que a Cruz Vermelha Internacional faz ao  CTCB,  por duas vezes, em fevereiro de 1969 e em fins de 1971... Os seus delegados parece que ficam com uma boa impressão do lugar... Aquilo, afinal,  não era "assim tão mau": os presos até tinham algumas "regalias", como idas semanais à praia, sessões de cinema, biblioteca (oferecida pela Fundação Calouste Gulbenkian), consultas no hospital da cidade da Praia, possibilidade de prosseguir os estudos e fazer exames, e até de escrever livros como o "Luuanda", do Luandino Veira... (***)

Dos 238 presos angolanos, guineenses e cabo-verdianos que estiveram no Tarrafal, na 2ª fase (1961-1973), apenas menos de um quarto (cerca de 50) estavam ainda vivos, por ocasião do Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, que teve lugar entre 28 de Abril e 1 de Maio de 2009.

Mas, segundo José Vicente Lopes, o autor do livro, em 2 volumes,  "Tarrafal - Chão Bom; memórias e verdades", 85 a 90% dos guineenses "tarrafalistas" já tinham morrido. Foi o caso do Inácio Soares de Carvalho (,cabo-verdiano, nascido em 1916, mas levado em criança para a Guiné, com os seus pais): voltou para a Praia, sua terra natal, em finais de 1970, cinquenta e tal anos depois, muito provavelmente desgostoso com (e ignorado por) o seu partido; morreu em 1994. (****) 
3 de agosto de  2012 > Guiné 63/74 - P10221: Notas de leitura (387): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (1) (Mário Beja Santos)

6 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10230: Notas de leitura (388): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (2) (Mário Beja Santos)

10 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10247: Notas de leitura (390): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (3) (Mário Beja Santos)

(***) Último poste da série > 27 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14194: Casos: a verdade sobre... (7): O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou à Tabanca Grande (Manuel Luís Lomba)

(***) Vd. poste de 9 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20717: (D)o outro lado do combate (58): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - V ( e última) Parte (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

 _______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

(...) Sobre a "colónia penal agrícola" (sic) da Ilha das Galinhas, vd.

Casa Comum > Arquivos > Arquivo Amílcar Cabral

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07063.036.028
Título: Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné
Assunto: Cópia do Diploma Legislativo n.º 884 (Boletim Oficial n.º 44, de 29 de Outubro de 1934) sobre a promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné. Instituição do reformatório de Menores e Asilo da Infância Desvalida de Bor; criação da Colónia Penal Agrícola da Ilha das Galinhas.
Data: Segunda, 29 de Outubro de 1934
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Operação de Cadigue / com. em 1-3-1963 / Notas gerência mercearias.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral (...)

Citação:
(1934), "Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42954 (2013-12-4)

 (**) Vd. postes de

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1) Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II (Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca, 1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)

17 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)
e
18 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

Vd. também postes de:

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...


E a propósito do ex-ministro do Ultramar, Adriano Moreira, autora da portaria que criou o Campo de Trabalho de Chão Bom... Ler a extensa entrevista que deu ao semanário "Sol"

Sol, 26 de março 2018

‘Aquilo que acabou não foi o império português. Foi o império euromundista’
Adriano Moreira reapareceu no último congresso do CDS e agora dá uma entrevista onde faz um balanço da vida. Onde o pai está sempre presente.

https://sol.sapo.pt/artigo/605527/-aquilo-que-acabou-nao-foi-o-imperio-portugu-s-foi-o-imperio-euromundista-

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sobre o Campo de Trabalho de Chão Bom... Excerto da entrevista a Adriano Moreira

Sol, 26 de março 2018


https://sol.sapo.pt/artigo/605527/-aquilo-que-acabou-nao-foi-o-imperio-portugu-s-foi-o-imperio-euromundista-

Sol - Ao mesmo tempo que fez essas reformas, é verdade que também criou o Campo de Chão Bom (no Tarrafal) e o Campo de Missombo (em Angola)?

Não criei coisa nenhuma. Eu acho piada a essa coisa e acho que vocês jornalistas têm culpa – também não morre solteira. Eu tenho aqui um papel. [Mostra uma fotocópia de um artigo de jornal assinado por Edmundo Pedro em que este afirma que Adriano Moreira não tem nada a ver com a reabertura do Tarrafal].

Sol - Edmundo Pedro, sim. E o de Missombo? Também não?

Não, isso foi uma coisa militar. Havia duas autoridades, o governador e o comandante militar, que coincidiam na mesma pessoa. Era uma antiga tradição que o governador fosse o comandante militar. Até acontecia que o ministro do Ultramar, que já não mandava em tropa nenhuma, tinha um oficial às ordens. [Risos] Essa história está muito mal contada, porque o que aconteceu foi que o Sarmento Rodrigues, ministro do Ultramar – eu era professor –, um dia chamou-me e disse-me: ‘Eu quero formar o sistema penal do Ultramar. O senhor quer fazer o projeto?’. Foi a primeira vez que fui ao Ultramar. Estive uns meses em África e fui às províncias todas e fiz um livro sobre O Problema Prisional do Ultramar. Ganhou o prémio desta academia [Academia das Ciências, onde decorreu a entrevista], que naquele tempo não era pequeno. Prémio esse que eu dei à minha mãe, para construir a capela da aldeia que era uma coisa que ela queria fazer.

Sol - Oitenta contos?

Oitenta. E com esse dinheiro ela reconstruiu a capela. Ainda há uns meses me pediram para lá ir, porque fazia anos. Eu fui e estava lá a aldeia toda. Naquele tempo, não era brincadeira ganhar o prémio da Academia das Ciências e eu era muito novo ainda. O Sarmento disse-me ‘transforma-me isso numa lei’. E a síntese desse livro era, entre outras coisas, que não se deve mandar europeus cumprir penas no Ultramar. Primeiro porque vão para um ambiente que não é o deles. O sistema prisional deve procurar recuperar a sociabilidade. Deve-se fazer ao contrário. Os europeus que violem a cultura local é cá que vêm cumprir a pena. Para eles, a única coisa aconselhável eram as prisões que eram agrícolas, como há em Sintra. Isto é o que serve para gente com esta cultura e é até possível que algumas vezes sejam acompanhados pela família. Ele fez tudo no decreto que se chama ‘Reforma Penal Sarmento Rodrigues’. Passado pouco tempo de sair de ministro – ficou a reforma – sucedeu-lhe o dr. Raúl Ventura, que extinguiu o Tarrafal.

(continua)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sobre o Campo de Trabalho de Chão Bom... Excerto da entrevista a Adriano Moreira

Sol, 26 de março 2018


https://sol.sapo.pt/artigo/605527/-aquilo-que-acabou-nao-foi-o-imperio-portugu-s-foi-o-imperio-euromundista-


(Continuação)

Sol - O Tarrafal sim, mas o Chão Bom continuou…

Mas isso é com a tropa. A tropa tinha um problema, o sistema prisional lá era diminuto. Agora é espantoso que haja um senhor [o jornalista António Valdemar], com graves responsabilidades políticas, que tenha levado o descaramento ao ponto de dizer que eu tinha aberto o Tarrafal. E sabe uma coisa curiosa? Eu não tinha nenhuma intimidade com ele [Edmundo Pedro]. Mas veja como ele reagiu [aponta o artigo]. Tem dúvidas? Não tem, pois não? Sabe quantos anos ele tinha quando escreveu este artigo?

Sol - Não sei. De que ano é o artigo, 2016?

Tinha 90 e muitos, mas indignou-se e porquê? Porque ele sabia que tinha sido a minha reforma – minha não, do Sarmento Rodrigues – posta em execução por Raul Ventura, que foi quem lhe sucedeu, que fechou o Tarrafal. Devo dizer que vi o Tarrafal já depois da independência de Cabo Verde. Fui lá uma vez, porque qualquer pessoa que lá vai tem interesse em ver isso. Terrível! Devia ser muito doloroso. Eu tinha muito respeito por este homem [Edmundo Pedro]. Porquê? Este homem foi para lá com o pai, quando tinha cerca de 12 anos. Tinha uma formação superior, porque os prisioneiros todos tinham uma formação superior e ensinaram-lhe. É uma coisa fantástica! E ele não tinha raiva a ninguém. Era de uma humanidade… E foi numa fúria dele que escreveu isto. Mas não me disse nada. Eu vi isto no jornal. Aquilo que eu fiz de reformas em Angola, acho que pouca gente seria capaz de fazer. E eu só podia fazer porque não estava dependente de nada. (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É uma questão tipo "sexo dos anjos", ou talvez uma provocação, um insulto à inteligência, a pergunta sobre a diferença (semântica e conceptual) entre "campo de concentração", "colónia penal" e "campo de trabalho"...

Impressionou-me, quando, turista, visitei há uns anos Auschwitz, na Polónia, a tabuleta nazi ainda a saudar-nos: "Arbeit macht frei" [pronúncia em alemão: ˈaɐ̯baɪt ˈmaxt ˈfʁaɪ], "o trabalho liberta"...

Afinal, era para "exterminar" ou "ressocializar", o Tarrafal I e o Tarrafal II ?

Manuel Luís Lomba disse...

A leviandade do tratamento de temas da nossa história recente, cultivada por jornalistas, investigadores e historiadores é merecedora de reparos.
O fundador do PAI-PAIGC não foi Amílcar Cabral, engenheiro e intelectual, mas Rafael Barbosa, trolha e autodidacta, filiado no Partido Comunista Português, influenciado e como extensão do PAI, Partido Comunista do Senegal.
Em princípios da década de 80 do séc. passado visitei o "campo de concentração" do Tarrafal, não era um bom sítio para um europeu, funcionava nele a Escola de Polícia da República de Cabo Verde, acompanhava-nos um dirigente caboverdiano que se lhe referiu como um "chão bom" e a melhor praia do seu país.
A colonização branca da África portuguesa começou com a criação de "colónias penais agrícolas e militares". A Ditadura Nacional começou por as criar na Madeira e Açores e o regime do Estado Novo expandiu-as ao Império, incluindo a ilha de Atauro, Timor, e às ilhas de S. Nicolau e de Santiago(Tarrafal), Cabo Verde, como colónias penais de "presos políticos e sociais". Tive a satisfação de conhecer o dr. Cal Brandão, advogado, democrata-opositor que esteve desterrada em Ataúro e o comerciante democrata-opositor Edmundo Pedro, que esteve desterrado no Tarrafal.
A "ditamol" do Estado Novo calibrou as suas colónias penais "políticas e sociais" pelos campos de concentração nazis e pelos "gulags" soviéticos?
Observadores internacionais não o confirmaram, porque as ilhas da Madeira, Açores, das Galinhas, (Bijagós) e de Atauro, se comparadas com as de Cabo Verde, são paraísos.
A PIDE era, mas nem todos seus rapazes eram mauzões. Muitos prisioneiros no Tarrafal, nomeadamente do MPLA, expressaram o seu reconhecimento aos seus carcereiros.
E a história da Guiné-Bissau também passou pelo Tarrafal.
A revolta da Madeira, desencadeada pelo desterrados políticos, apenas triunfou na Guiné, e foi escolhido por ficar a meio caminho, para os seus actores. E os assassinos de Amílcar Cabral, para que não triunfasse a união Guiné-Cabo Verde "tirocinaram" no Tarrafal...
Abr.
Manuel Luís Lomba