domingo, 2 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22163: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VII: Um mês em Bambadinca, de 7 de setembro a 9 de outubro de 1965


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca >CCAV 678 ( 1964/66) > Fevereiro de 1966 > Vista aérea de Bambadinca, tirada do lado do Rio Geba e da estrada Bafatá-Bambadinca, vendo-se em primeiro plano parte da tabanca, atravessada a meio pela estrada; e em segundo plano, a íngreme (e poeirenta, no tempo seco) rampa de acesso ao aquartelamento e aos edifícios administrativos da localidade já então existentes (posto administrativo, correios, escola, capela...)...

A engenharia militar fez obras em meados de 1968: o aquartelemento a partir daí já não tinha nada a ver com aquele que o João Crisóstomo conheceu em setembro de 1965...

Foto (e legtenda): © Manuel Bastos Soares (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Continuação da publicação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque)


Parte VII - Um mês em Bambadina, 
de 7 de setembro a 9 de outubro de 1965


BAMBADINCA

(i) Dias 7, 8 e 9 de Setembro de 1965: transferência da CCac  1439 do Xime para Bambadinca.

A nossa permanência em Bambadinca foi apenas de um mês, razão porque não tenho muita memória dessa estadia. Lembro que as instalações eram muito melhores do que no Xime; A povoação era grande, tinha um posto de correio, havia alguns “sítios" onde se podia ir comer etc e estávamos relativamente perto de Bafatá, mas não me cheguei a aproveitar disso. Só iria conhecer Bafatá bastante mais tarde, quando estive destacado em Missirá.

Lembro bem a estrada que levava ao cais onde, salvo raras excepções em que havia melhores meios, apanhávamos uma jangada para atravessar o Rio Geba para a margem oposta onde ficava Finete e outros pontos como Missirá , Mato Cão, Enxalé e Porto Gole.

Este mês em Bambadinca foi um período sem grandes revezes, mas também sem sucessos dignos de destaque, como se pode confirmar pelo que segue:


(ii) Dia 10 de setembro: Saída para Missirá para executar as operações Brio e Garbo.

Chegados a Missirá foi-nos dito para descansarmos bem essa noite de 10 para 11, pois os próximos dias vamos precisar de estar em boas condições físicas para os próximos dias. Não sei como sucedeu, mas sei que para o capitão e para mim houve uma palhota onde havia uma cama grande de ferro à maneira europeia. Fiquei satisfeito e mais socegado; pelo menos não tinha de dormir no chão. E foi nessa cama, sem sequer tirar as botas,-- que era preciso estar pronto para tudo-- que me deitei , partilhando a larga cama com o capitão Pires. 

 Mas eu não conseguia dormir e o mesmo sucedia com o Capitão Pires. Começamos a falar nem sei de quê, mas lembro-me que me sentia deprimido; 11 de Setembro era um dia que eu nunca esquecia, dia de aniversario da minha irmã mais nova. E naquele dia não a podia ver nem sequer telefonar… Talvez para dar largas ao meu mau humor queixei-me do calor e das melgas…"isto é azar", disse eu, "imagine que hoje faz anos a minha irmã e eu nem um telefonema lhe posso faze"...

E aí o Capitão Pires que estava talvez bem mais chateado do que eu mandou-me calar: “Ora gaita, João, vê se dormes e cala-te ; eu também faço anos hoje e não me estou a queixar!"…

 Ainda hoje lembro sempre o meu capitão Pires no dia 11 de setembro…


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bambadinca, Finete, Missirá e Mansoná, e os rios Queba Jilá e Passa, a noroeste.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)


(iii) Dia 11 de setembro de 1965: Op Brio

Umas horas depois, bem escuro ainda, já estávamos a caminho para a Operação Brio uma supostamente pequena operação de patrulha e reconhecimento a Norte de Missirá, Objectivo; Mansoná (Vd. infografia).

O planeado era ir e voltar no mesmo dia, que para o dia seguinte já havia outra operação planeada há muito tempo …. Ainda de noite, ao longo duma picada, de repente vi toda a gente a mexer-se e correr dum lado para outro despindo fardas , atirando armas e tudo ao chão : sem nos apercebermos disso estávamos passando em cima duma patrulha de formigas e foi o " ver se te avias”..

Embora não seja tão mau como um ataque de abelhas, não é coisa que se esqueça facilmente. Depois de muita confusão a decisão foi continuar, para logo a seguir termos de voltar : o volumoso caudal no rio Passa e a muita lama e água no leito do rio Queba Jilá tornaram impossível continuar .


(iv) Dia 12 de setembro de 1965: Op Garbo

Patrulha de reconhecimento e combate à região de Banir (a norte de Mansoná). Embora se tivesse exposto o problema da impossibilidade de cambar o rio Passa e o Rio Queba Jilá ao Exmo comandante do BCaç 697, foi ordenado que se fizesse uma batida a qual pela segunda vez se verificou a sua impossibilidade. 

As NT regressaram a Bambadinca no dia 13, absolutamente extenuadas e com as pernas em ferida devido a uma reacção alérgica que motivou a inoperacionalidade de cerca de 60% do pessoal da companhia.

Na verdade era impressionante o estado em que alguns apresentavam as pernas dos joelhos aos pés : era uma úlcera inteira; o facto de todos os afectados apresentarem o problema em grau bastante grave , enquanto outros, como foi o meu caso, não termos sofrido absolutamente nada, levou-me a pensar que essa alergia deve ter sido motivada pelo ataque de formigas no dia anterior. Nenhum dos que estavam sem essa alergia se lembrava de ter tido qualquer mordida das formigas.


(v) Dia 17 de Setembro de 1965: Op Triunfo


Um grupo de combate da CCaç 1439 participou na Operação Triunfo, indo reforçar as forças da CCav 678 ao Poindon no subsector do Xime. Esta operação encontra-se referida nos relatórios da referida Companhia.


(vi) Dia 29 de Setembro de 1965: Op Sota


Saída de Bambadinca a fim de realizar a Operação Sota, patrulha de reconhecimento e combate na margem esquerda do Rio Burontoni. Foi imposto que esta operação se realizasse num itinerário diferente e desconhecido desta companhia, seguindo o itinerário da Bambadinca - Amedalai - Chacali - Chicamael (vd. carta do Xime).

Não se notava qualquer vestígios de picada pelo que o guia não conseguia encontrar o caminha exacto seguindo a corta mato. Depois de mais de 24 horas de contínua marcha sem que se tivesse encontrado vestígios de acampamentos IN em virtude de o guia se ter perdido de pista e porque todos o pessoal se encontrava num extremo grau de fatiga e consequentemente impossibilitado de reacções adequadas em presença do IN, foi solicitado ao PCV ordem para regressar ao Quartel..


(vi) Dia 9 de Outubro de 1965: partida para o Enxalé

A CCaç 1439 foi transferida para a zona de Enxalé, tendo ocupado os destacamentos de Porto Gole, Enxalé e Missirá.

(Continua)

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

João, são terrenos que eu também "pisei"...Continuo a dizer que "fomos poucos e loucos"... Ia-se a Madina / Belel uma vez por ano, no tempo tempo (em março), a nível de batalhão, fortemente armados... (Ou então só em operações helitranspotadas, com os páras...). LG

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8 DE JUNHO DE 2011
Guiné 63/74 - P8388: A minha CCAÇ 12 (18): Tugas, poucos, mas loucos...30 de Março-1 de Abril de 1970, a dramática e temerária Op Tigre Vadio (Luís Graça)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/06/guine-6374-p8388-minha-ccac-12-18-tugas.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...

João, quem foi obrilhante ofcial de operações que vos mandou (quantos grupos de combate ?), em patruklhamento ofensivo à pensínsula de Banir, ainda na época das chuvas, em setembro ?!...

Tenho dolorosíssimas recordações da minha/ nossa ida a essas malditas paragens!... Se o "sangue, suor e lagrimas" não é uma expressão de retórica, é aplicada à Op Tigre Vadio!...


https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2006/07/guin-6374-p930-o-relim-no-um-poema.html


Escrevi um peoma ácido, amargo, na altura... Voltaria a fazê-lo hoje, aidna mais ácido e amrgo: "Relim não é poema"...


(...) Meus senhores,
o Relim não é um poema,
é um exercício de economia,
um tratado
de estética,
um compêndio de gramática,
um fait-divers com que se brinca,
um escarro na cara do Zé Soldado,
entre duas partidas de King
na messe dos oficiais de Bambadinca. (...)

Valdemar Silva disse...

Sobre as formigas no mato, lembro-me num patrulhamento, para os lados de Piche, ter avistado numa posição ligeiramente elevada, uma mancha em movimento que parecia um lençol preto no chão. Eram milhões de formigas em deslocação, que os nossos soldados fulas na frente do pelotão já as tinham detectado e por isso estávamos parados naquele local.
Mas o grande contacto com formigas passou-se na nossa caserna de sargentos, em Contuboel.
Fomos atacados por milhares de formigas que começaram a cair do teto da caserna sobre as nossas camas e nas nossas cabeças. Foi complicado acabar com o ataque, só resolvido no exterior da caserna incendiando com petróleo os buracos donde saiam as malvadas. Não sei se este ataque formigueiro é do tempo do Luís Graça, que ficou célebre por o "bombeiro de serviço" alimentar o fogo utilizando o garrafão de vidro do petróleo que por sorte largou a tempo evitando por segundos ser atingido pela explosão.

Abraços
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Caro Luis Graca,
Não me lembro se havia de reforços de outra companhia, mas creio que não. O que penso é que o nosso capitão e a nossa companhia de madeirenses tinham "impressionado"os respectivos comandantes com as operações realizadas nos primeiros tempos quando estávamos no Xime. E portanto era de aproveitar o entusiasmo desses maçaricos... "Época de chuvas" etc podia ter sido mais uma razão a juntar, pois com certeza ninguém ia esperar que nos atravessemos a fazer operações nessa altura. Mas posso estar enganado nas minhas suposições; o que eu sei é que em Bambadinca um soldado condutor do batalhão de Bafatá ,( a quem estávamos ligados), ao falar comigo disse-me da fama de "afoitos" com que éramos vistos...
João Crisóstomo