domingo, 25 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

O Furriel Miliciano de Operações Especiais Carvalho, ainda na Metrópole... Fez parte dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) e acabou a sua comissão nos Lacraus, em Paunca (CCAÇ 11)...


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Ex-Fur Mil Op Especiais Carvaljho, com a sua amada Kalash... Ao fundo, é visível o oráculo (a Nossa Senhora de Fátima e ao Santo Cristo dos Milagres) erigido pelos Gringos de Guileje - a CCAÇ 3477 (1971/72), a que pertenceu o nosso camarada , o ex- 1º cabo enfermeiro Amaro Munhoz Samúdio (1).


lbum de fotografias do ex-Fur Mil Op Especiais Carvalho, confiado à guarda do editor do blogue.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


1. Texto do José Casimiro Carvalho que me foi confiado no primeiro encontro da nossa tertúlia, na Ameira, em 14 de Outubro de 2006 (2), altura em que o conheci pessoalmente. Ele também me confiou o seu álbum fotográfico e um conjunto de cartas e aerogramas enviados a amigos e familares no período em que esteve em Guileje, Cacine e Gadamael (1972/73). Uma selecção dessa correspondência começará a ser publicada em breve, a par de algumas fotos do seu álbum (dos seus dois álbuns!), de maior interesse documental.

Com o atraso de alguns meses, o ranger Carvalho apresenta-se hoje na primeira pessoa do singular. A ele e ao resto da tertúlia, peço as minhas desculpas pelo lapso, ou melhor, pela demora. Acontece que o pobre editor do blogue já não tem mãos a medir... Mas, com tempo e vagar, tudo o que lhe é confiado se publica, ou publicará: (i) para a posteridade, para que nenhum filho da mãe fale, impunemente, em nosso nome, ou nos venha a querer aldrabar!; (ii) para que os nossos vindouros - filhos, netos, bisnetos... - não nos acusem de termos morrido, calados!; (iii) enfim, para deixar, em primeira mão, aos historiadores, o nosso testemunho: porque estvemos lá!... Em Guileje, em Gadamael, em Paunca!...

Sublinho, entretanto, o grande interesse do depoimento deste nosso camarada para a elucidação e compreensão do período final da guerra na Guiné, tanto no sul (Guileje e Gadamael) como no zona leste (por exemplo, Paunca).

O que se passou aqui - em Paúnca e noutros sítios da Zona Leste, o chão fula, por excelência - , a seguir ao 25 de Abril de 1974, é inédito e chocante, para mim!... Os quadros (metropolitanos, brancos, tugas...) da CCAÇ 11 foram expulsos do quartel de Paunca, com o cano da G-3 enfiado nas costas, pelos soldados fulas, amotinados, da CCAÇ 11, uma das criações de Spínola e dos spinolistas. Estive com eles em Contuboel. À CCAÇ 11 (ou melhor, na altura, a CART11) pertenceu o meu amigo Renato Monteiro, o mediático homem da piroga no Geba (3). Eu e outros camaradas da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 - como o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Zé de Sousa, o Rodrigues, o Martins, o Gabriel... -, estivémos com eles em Contuboel, de Junho a Julho de 1969... Embarcámos na mesma aventura de formar a nova força africana de Spínola...

A seguir ao 25 de Abril de 1974, fugido do inferno de Guileje e Gadamael, caído de paraquedas em Paunca, na CCAÇ 11, o Casimiro Carvalhos vai conhecer o desespero e a raiva dos nossos aliados fulas, miseravelmente abandonados por nós... Este é um dos episódios mais chocantes da guerra da Guiné, aqui contados pelo nosso herói de Gadamael. Só é pena que ele tenha sido tão parco em palavras, no que diz respeito a este humilhante final de comissão (mas também - julgo eu - de guerra, de império, de história)...

Amigos e camaradas da Guiné: Só espero que este depoimento abra os diques aos milhões de palavras (muitas deles indizíveis e contraditórias) que estão contidas nas corações dos nossos camaradas que, como o Casimiro Caravalho, foram de facto os últimos guerreiros do Império... Há outros, também acanaram em 1974, imediatamente antes ou depois do 25 de Abril, a sua comissão... Cito alguns, da nossa tertúlia: Albano Costa, Américo Marques, Antero Santos, António Duarte, António Graça de Abreu, António Santos, António Serradas, Carvalhido da Ponte, Eduardo Magalhães Ribeiro, Fernando Franco, João Carvalho, Joaquim Guimarães, José Bastos, Luís Carvalhido, Manuel Cruz, Manuel G. Ferreira, Manuel Oliveira Pereira, Maurício Nunes Vieira, Sousa de Castro, Victor Tavares ... (Desculpem se esqueci alguém!)..

Confesso que eu não gostaria de estar na pele deles... Também eles foram miseravelmente abandonados por todos nós: os que vieram regressaram a casa antes, como eu, em 1971, a hierarquia militar, o exército, o MFA, o Conselho da Revolução, os Governos Provisórios, o povo português, Portugal... Não vale a pena ninguém pôr-se fora... (LG)


Dos Piratas de Guileje (CCAV 8350, 1972/73) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11, 1974)

por José Casimiro Carvalho (Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue)


Fiz a recruta como soldado do contingente geral em Leiria, no RI 7 – Regimento de Infantaria 7. Fui depois escolhido para frequentar o CSM – Curso de Sargentos Milicianos em Caldas da Rainha (RI-5)

Destacado para Tavira, acabei por ser escolhido, in extremis, para frequentar o curso de Operações Especiais, em Lamego, o qual terminei com 15,28 valores.

Segui para Estremoz onde, já como Cabo Miliciano, ministrei instrução num pelotão da CCAV 8351 (mais tarde chamada, na Guiné, Os Tigres de Cumbijã). Nomeado para servir no CTIG, fui transferido para a CCAC 8350 (que ficará conhecida como Os Piratas de Guileje).

Embarcámos em Outubro de 1972 e já em Bissau seguimos numa LDG para Gadamael e daí para Guileje, em coluna auto, com uma segurança reforçada (na óptica de um maçarico, hé-hé-hé).

Já em Guileje , em sobreposição com Os Gringos [ CCAÇ 3477, 1971/73], passámos um período de muito trabalho de patrulhas e não só. Passámos uns meses descansados, tirando as patrulhas, dia sim dia não, com que o Comando nos premiava. Andava a caçar pássaros com uma caçadeira que o chefe da tabanca me emprestava (só pagava os cartuchos) e era um ver se te avias, era aos 50 pardais cada tiro, e os jubis [ putos ] lá andavam a apanhá-los e atrás dos que só ficavam feridos. Era cada arrozada!!!

Um dia, o alferes Lourenço, a manusear uma granada duma armadilha , e rodeado de militares - eu estava emboscado com o meu grupo -, a mesma explodiu-lhe na mão, tendo-o morto instantaneamente. Ficou sem meia cabeça e o abdómen aberto. Eu, já no quartel, ao ajudar a pegar no cadáver, este praticamente partiu-se em dois… Que dor!... Chorei como nunca, e isto foi o prenúncio do que nos esperava.


Com o Marcelino da Mata, em Guileje


Um dia – já não posso precisar quando - fomos atacados com canhões sem recuo, e nesse espaço um Fiat G 91 , que devia andar na área, foi contactado pelo comandante, o Cap Abel Quintas, que lhe indicou o rumo das saídas e ele lá seguiu. Mais tarde soube que tinha sido abatido por um míssil Strella…

Vieram os Páras e o Grupo do Marcelino (Os Vingadores, de Operações Especiais), numa confusão de tropas que eu nunca tinha visto, pudera! Pedi ao Marcelino para me levar na operação de resgate do piloto Ten Pessoa (penso que era esse o nome), tendo ele anuído, mas o meu comandante não foi na conversa, não obstante o Marcelino, ele próprio, ter dito que me trazia de regresso nem que fosse ás costas. Que pena, não tenho essa façanha no meu currículo.

Entretanto fui nomeado para comandar os reabastecimentos a Guileje, antes do isolamento, entre Cacine e Gadamael, por barco (claro).

Andava eu nestas andanças a curtir o sol em LDM ou LDP, quando Guileje foi abandonada, por ordem do então Major Coutinho Lima, e começou a matança no verdadeiro Inferno (4). Desse lapso de tempo a minha cabeça recusa-se a qualificar e quantificar o horror porque passaram todos os intervenientes deste filme de terror. Só tenho pedaços desse filme na minha memória. Recusei-me a falar durante muitos anos sobre este período da minha vida na Guiné.


Em Gadamael, fugindo das morteiradas certeiras do 120


Aqui vão alguns itens, e falo assim para não ser acusado de subverter a verdade dos factos.

Em Gadamael não havia casamatas como em Guileje, só valas. Os bombardeamentos eram tão intensos que nem dava para acreditar, quando ouvíamos as saídas, tínhamos 22 ou 23 segundos até as granadas 120 caírem em cima de nós ou , muito raramente, caírem mais além. O pessoal começou a fugir para o rio, e as granadas caíam no rio, o pessoal corria para o parque Auto e as granadas caíam no parque Auto, o pessoal saltava para as valas e as granadas iam cair nas valas.
Numa dessas quedas (voos) para a vala - e já lá ! -, senti as nádegas húmidas e, ao pôr lá a mão, esta veio encharcada em sangue... Berrei que estava ferido e fui evacuado num patrulha da Marinha para Cacine (entretanto no barco fui tratado e apaparicado pelos marujos).

Em Cacine verificaram que era um estilhaço de morteiro 120 do IN, e que não havia necessidade de ser transferido para Bissau, pelo que fui nomeado chefe de limpeza em Cacine (um Ranger, imaginem) .

Quando começaram a chegar as vítimas desse holocausto, e como ouvia os meus camaradas a embrulhar, deu um clique na minha cabeça e peguei numa Kalash que eu tinha, virei-me para um oficial e disse:
- Ou me mandam já para Gadamael onde morrem os meus homens ou eu varro já esta merda!

Cadáveres regados com creolina


Não me lembro dos entretantos mas sei que me vi num Sintex, a caminho de Gadamael, onde cheguei, mas com um medo terrível a olhar para as margens, à espera duma rajada ou dum roquetada de RPG.

Em Gadamael, num dos bombardeamentos, já no fim, vi um soldado a cair e ainda com o fumo no ar e com o eco das explosões saí em correria louca, alombei com ele às costas e corri para a enfermaria. Ao colocá-lo no chão, vi que não tinha metade do crânio e os miolos escorriam pelas minhas costas.. ( Isto não são Rangerices, meu Deus).

Nessa enfermaria jazia um militar que tinha sido morto por bombardeamentos em Guileje (no abrigo do Morteiro 10,7, o único que não era à prova de morteiro 120), e que mais tarde foi enfiado em 2 bidões juntos e soldados entre si, tal era o estado do cadáver. Na enfermaria os cadáveres eram tantos e o cheiro tão nauseabundo que eram constantemente regados com creolina...


Socorrendo o meu comandante, o Capitão Quintas


Num dos ataques [a Gadamael], o Capitão Quintas foi ferido muito gravemente; ajudei-o a chegar ao cais, debaixo de fogo, arranjei um Sintex e o mesmo não tinha depósito...! Corri, debaixo dum bombardeamento terrível, arranjei um depósito tendo então levado o Sintex para Cacine, com ele e mais feridos (5)

O pessoal entretanto debandava para o mato , onde era mais seguro estar. Um deles morreu enterrado no lodo, outros foram recuperados numa lástima , por elementos da Marinha (julgo eu) (6)...

Neste espaço de tempo - não sei precisar a cronologia -, chegou um Helicóptero com o Gen Spínola e o Cor Rafael Durão. Este, ao sair, fitou-me e vociferou :
- Quem é você ? - Eu trajava um camuflado com cortes nas meias mangas, calções e botas de lona e sem quico… Retorqui-lhe , em sentido:
- Apresenta-se o furriel Car.... - Ele interrompeu-me, de imediato e no meio daquele Vietname ordenou-me:
- Vá-se fardar correctamente e venha-se apresentar!...
Entretanto, reuniu as tropas (as que pôde) e chamou-nos tudo o que lhe veio à cabeça:
- Cobardes, ratos… Vocês mereciam que vos arrancasse a cabeça a pontapé!..

Mais tarde o Heli arrancou e passados uns três minutos caíram duas morteiradas no preciso local donde saíra.

Nestes espaços de memória lembro-me de chegarem os Páras (7), que começaram a varrer a zona. Lembro-me duma patrulha deles sair (um bigrupo, julgo) e, passados uns minutos, era tamanha a fogachada que se viam as explosões de granadas e dos RPG. Demorou uma eternidade, quando os páras regressaram traziam 16 feridos, um dos quais um sargento com um tiro numa perna e que ...sorria! Que tropa moralizada, meu Deus!...

Após um ataque de canhões sem recuo por parte do IN, vem um Fiat G 91 que picou, largou uma bomba enorme e roncou os motores numa subida louca, a bomba rebentou, estremeceu o quartel e os nossos corações, até os tomates abanaram.

Não havia condutores no quartel, tinham fugido para o mato ou desaparecido. Não havia munições nos canhões e morteiros , então eu peguei numa Berliet e um ilustre desconhecido (adorava saber quem foi !) (8) acompanhou-me na odisseia de andar debaixo de morteirada na corrida aos paióis. Trazíamos granadas para as bocas de fogo e, claro, que, quando os tiros de bocas de fogo do IN saíam, nós não ouvíamos e só quando rebentavam é que nos apercebíamos e saltávamos em andamento.

Massacrados a 1200 metros do arame farpado
Noutra altura um oficial apanhou meia dúzia de homens e disse :
- Vão fazer uma patrulha ao longo do rio até à zona da antiga pista e mantenham-se lá emboscados.

Eu peguei então numa G-3 (eu que era conhecido por andar sempre de HK 21, vejam lá o moral), num cantil e duas latas de fruta em calda e, ao sair, com o Alferes Branco, reparei em dois putos que tinham sido apanhados e ordenei-lhes que ficassem:
-Sois muito novos para morrer - disse-lhes eu...

A uns 1200 metros, o alferes resolveu emboscar ali. O guia dissera-lhe que a antiga pista estava armadilhada. Ao passarmos no tarrafo, em direcção a uma pequena clareira de capim, eu disse em surdina Cuidado! … e destravei a arma. Tinha ouvido um pisar de ramos, mas como nada se passou eu disse Não é nada, deve ser um pássaro… mas ao segundo ruído, pus a arma em rajada e, ao atirar-me ao chão, gritei Emboscada!

Ainda vi a cara do alferes a ser atingida por uma rajada, foi um tiroteio terrível, tiros características de armas russas, e do nosso lado só ouvia uma arma a disparar tiro a tiro. Eu tinha despejado um carregador. Fremitamente, peguei em outro, disparei-o em três rajadas, com a cara colada no chão e com a imagem (na mente, claro) de um inimigo a apontar-me a arma às costas e a disparar... Pensei na minha mãe e, ao pegar no terceiro carregador, o fogo IN parou tão abruptamente como começara. Ouço uma gritaria aterrorizante e, como só havia um homem a disparar à minha beira, berrei-lhe:
- Vamos embora enquanto estamos vivos!... - Ele gatinhou por baixo do tarrafo, eu segui-o, passei pelo cabo, já abatido e todo ensanguentado, de nome Neves - se não me engano, e que era guarda costas do capitão - e corri loucamente em busca da salvação, ali tão perto e... tão longe. Larguei cinturão, cantil, latas de frutas e carregador, só levei a G 3 pois estava-me entranhado na cabeça, desde Lamego, que deixar a arma...NUNCA!

Saiu um grupo de Páras para ir em nosso socorro e, quando chegou, jaziam lá quatro corpos .
Quando eles chegaram, não deixaram ver os copors e eu cheguei-me aos berros dizendo:
- Ou me deixam ver os meus irmãos ou fodo esta merda toda! - Claro que neste clima de paranóia valia tudo e lá consegui vê-los. Dispenso-me de pormenorizar aqui o terror do que vi, feito pelo IN aos cadáveres...


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1973 > "Era o vinho, meu Deus, era o vinho"...

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


Nesses dias, os bidões de vinho esventrados por estilhaços vertiam vinho e era ver o pessoal (eu incluído, claro) deitado por baixo dos esguichos a afogar as mágoas (hilariante e patético mas compreensível…).


Depois do 25 de Abril: Com uma arma apontada nas costas pelos fulas da CART 11

Fomos para o Cumeré tirar outro IAO . Eu fui para Prabis com mais 12 homens, outros foram para Quinhamel ou Bijemita (??). Depois fomos para Colibuia-Cumbijã, e aí fui destacado para rendição individual, sendo transferido para Bissau a fim de tirar estágio de Companhias Africanas, e durante esse estágio deu-se o 25 de Abril.

Fui então para Paunca, CCAÇ 11 – Os Lacraus, onde me mantive até ao fim da minha comissão. Não sem antes levar um susto de morte, pois os militares africanos da CCAÇ 11 sublevaram-se (3). Quando eu estava a dormir, ouvi tiros, vim em calções com a Walther à cintura até ao paiol. Quando lá cheguei, eles estavam a armar-se e a disparar para o ar e eu, quando os interrogava pelo motivo de tal, senti o cano de uma arma nas costas, ordenando-me que seguisse em frente (até gelei)… Juntaram todos os quadros brancos e puseram-nos no mato… assim mesmo.


Humilhados e ofendidos… socorridos no mato pelos inimigos de ontem!

Caminhámos muito, de noite, desarmados, e fomos até um acampamento de guerrilheiros do PAIGC, contámos a situação e eles mandaram um punhado deles a Paunca. Gritaram então lá para dentro:
- Têm 5 minutos para se entregaram e restituir o quartel aos brancos ou destruímos tudo! - Eles, os fulas, entregaram-se.

No fim, já de abalada, fomos ao paiol, juntámos todas as granadas e explosivos, e eu fui encarregado de os fazer explodir , ao redor de uma enorme árvore. Que cogumelo de fogo, impagável !

Deixei a G3 em Guileje...

Fui encarregado de comandar uma coluna de 22 viaturas até Bissau, por Fajonquito, Jumbembem Farim, Mansoa, Nhacra…Bissau. Ao fazer o espólio, não tinha G3, mas , como não tinha…
- Ó pá, estiveste em Guileje ?... Então ‘tá bem, não entregas.

A seguir vim de avião para a Peluda. Nesta pequena resenha há imprecisões próprias da distância temporal, do stress pós-traumático de guerra, há erros de cronologia e… não há sequência, mas serve para o que serve, afastar fantasmas e partilhar com a tertúlia do Graça e para isso… basta, tá ?

______________


Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1293: Guileje: do chimpanzé-bébé aos abrigos à prova do 122 mm (Amaro Munhoz Samúdio, CCAÇ 3477)

10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1162: Guileje: CCAÇ 3477, os Gringos Açorianos (Amaro Munhoz Samúdio)


(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

(3) CCAÇ 11: formada a partir da CART 11/CART 2479 >

Vd. posts de:

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1015: CART 2479, CART 11 e CCAÇ 11 (Zona Leste, Gabu, subsector de Paunca)

2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1612: Relembrando, com saudade, os nossos soldados fulas da CART 11 (Renato Monteiro / João Moleiro)


(4) Vs. posts de:

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1478: Unidades de Guileje: Coutinho e Lima, ligado ao princípio e ao fim (Nuno Rubim)

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)


(5) Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)

(6) Um momento alto do encontro do nosso 1º encontro na Ameira (2) foi a evocação da LFG Orion por parte do ranger Casimiro Carvalho: foi através do nosso blogue que ele soube, trinta e três anos depois, que, além dos paraquedistas, houve outros anjos da guarda no princípio do mês de Junho de 1973, a guarnição da LFG Orion, representada na nossa tertúlia e no encontro da Ameira pelo comandante Pedro Lauret, na altura oficial imediato do navio... Vd. post de 15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte).

(7) Vd. post de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(8) José Casimiro: Vamos lá refrescar essa memória... Não terá sido o 1º cabo escriturário Raposo, açoriano, da tua companhia ? É o que se depreende do conteúdo do post referido em (7):


(...) "Quem deu algum ânimo aos poucos que estavam foi desde logo o 1º cabo escriturário Raposo, açoriano, que se voluntariou para fazer o arriscadíssimo trajecto até ao paiol. Enfiou-se numa Berliet e foi buscar munições debaixo de fogo intenso. Gadamael estava cercado, sem artilharia, sem apoio aéreo, sem capitães, sem médico, sem rádio, sem munições de morteiro 81, tinha por companhia apenas três ou quatro militares na linha da frente.

"A bravura do cabo Raposo e do furriel Carvalho, porém, foi um encorajamento para todos. Com o morteiro 81 municiado pelas granadas trazidas na Berliet, com uma metralhadora que conseguiram montar e os tais três ou quatro militares passaram o resto da noite de 1 para 2 de Junho a lançar umas morteiradas e umas rajadas de metralhadora de tempos a tempos. Só no dia 2 de Junho é que se apercebeu que uma parte significativa dos militares que tinha fugido para a tabanca se tinha deslocado com a população para junto do rio Cacine" (...).

sexta-feira, 23 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1624: Bibliografia de uma guerra (17): A geração do fim ou a palavra a 21 oficiais de infantaria, de 1954/57 (Miguel Ritto)

1. De Miguel Ritto, filho de um oficial do exército do QP (e antigo combatente da Guiné, 1963/65 - julgo tratar-se do Capitão António José Brites Leitão Ritto), recebi a seguinte mensagem:

Luís Graça,

Em sequência à apresentação na TVI a 22 de Março, [a reportagem intitulada Última Missão (1), ] talvez tenha interesse para alguns a leitura das páginas 238 a 243 do livro A Geração do Fim, publicado pela Editora Prefácio, já em 2007 (2).

Nessas páginas está o subcapítulo "Guidaje - Rompendo o cerco", escrito pelo Coronel Pára Moura Calheiros. Disseram-me que recentemente o Coronel Moura Calheiros (já reformado) apareceu na televisão a falar no empenho dos paraquedistas em trazerem os corpos dos 3 soldados.

2. Já anteriormente, o Miguel me tinha enviado, em 13 de Fevereiro de 2007, um e-mail a divulgar este livro, com um convite para a respectiva sessão de lançamento a que infelizmente não pude assistir:

Dr. Luís Graça,

Consultei o seu site sobre a Guiné algumas vezes, e recebo regularmente alguns e-mails seus (nunca estive na Guiné, mas o meu pai combateu lá de 1963 a 65, e a minha curiosidade surgiu há cerca de 1 ano, após ter colaborado na revisão de uma crónica que lhe pediram para escrever, para incluir num livro).

No próximo dia 22 [de Fevereiro] vai ser apresentado um livro com crónicas escritas por militares que entraram para a Academia (para infantaria) em 1954. No livro há pelo menos 2 crónicas sobre a Guiné (...).

3. Depois disso, o Miguel enviou-me a 28 de Fevereiro de 2007, um ficheiro em formato.pdf, com a imagem da capa e contra-capa do livro. Infelizmente, este formato não é compatível com o nosso blogue (que só aceita imagens em formato jpg ou gif) (3). Dizia ele:

O meu pai é que esteve na Guiné, e a minha curiosidade pelo seu Blog surgiu quando o meu pai me pediu para rever o texto de 2 capítulos que escreveu para o livro.
Um desses textos é:
- "Guiné: Cabedu e o imposto de palhota" (pág. 77 a 87). Relata a comissão de 1963 a 1965 em Cabedu, na mata do Cantanhês.

Ainda sobre a Guiné, o livro inclui o capitulo "O ano da brasa", com as actividades dos parquedistas em Gadamael e Guidaje e ainda no Cantanhês (incluindo relatos detalhados da introdução dos mísseis na Guiné pelo PAIGC).

Extracto do Prefácio:

Este livro feito de memórias soltas, e escrito a muitas mãos é forçosamente de natureza heteróclita. Assim há escritos sobre: a primeira companhia de paraquedistas, ainda de FBP e Mauser, a actuar em África, no romper da guerrilha em Angola; "O ano da brasa" em Gadamael e Guidaje e ainda no Cantanhês (incluindo relatos detalhados da introdução dos mísseis na Guiné pelo PAIGC); os massacres de Mueda, de um Silvestre Martins presente no caso e contando novidades em primeira mão, e de Wyriamu, este poderosamente mediatizado; o incêndio e o saque da Embaixada de Espanha, em Lisboa, em 1975; os preparativos para liquidar Eduardo Mondlane, num único e rápido parágrafo; o Caso de Beja; o 25 de Abril, com um texto de Vítor Alves (4), e o 25 de Novembro.
O livro foi apresentado no passado dia 22 de Fevereiro, e deverá surgir nas livrarias nas próximas semanas.

Cumprimentos
Miguel Ritto
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)

(2) Estanhamente, esta editora ainda não tem uma página na Internet. Telefone: 213 530 376. Mail: editora.prefacio@mail.telepac.pt

(3) Disponível na página Moçambique - Guerra Colonial, do nosso camarada António Pires.

(4) O Coronel Vítor Alves é provavelmente o mais conhecido dos autores deste livro, um dos vinte e um oficiais do quadro permanente do curso da Arma de Infantaria (1954/57) que relatam estórias da sua actividade como operacionais, nomeadamente em África, durante a guerra colonial.

Do nosso tempo de Guiné, reconheço o nome do tenente-coronel José Aparício, na altura capitão: a sua companhia, a CCAÇ 1790, sofreu pesadas baixas, por acidente na travessia do Rio Corubal, em Cheche, no dia 6 de Fevereiro de 1968, na sequência da Operação Mabecos Bravios (retirada de Madina do Boé). Vd. post de 12 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405).

Guiné 63/74 - P1623: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (39): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (1)


Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1968 > Aerograma, com data de 9/11/ [1968], enviado a Cristina Allen. O Beja Santos escrevia diaria e compulsivamente aos seus amigos e familiares. Eis um excerto do aerograma:

Meu adorado amor: Tivemos grande susto com os tiros rebeldes na fonte, e houve que elaborar um novo programa de prevenção, a fim de suprir deficiências na vigilância. De manhã, veio uma coluna de Finete que trouxe o correio da semana. Notícias de minha mãe e do Ruy [Cinatti]. Também tu não pudeste escrever. Não estejas zangada comigo, meu amor. Veio correio oficial, perguntas e formulários administrativos, houve de pôr em dia a mala posta militar. Ao raiar da claridade parto, parto para Bambadinca, numa missão deveras amistosa. Quarta feira, saída do pelotão, eu ficarei mais uns dias paar pôr ao facto o nosso cinzelador e régulo (...)."


Capa de A Cidade e as Serras, romance de Eça de Queirós. Porto: Lello & Irmão, Editores. 1945. (Colecção lello, 1). Capa de Alberto Sousa, inspirada na entrada principal da Quinta de Tormes (situada no Concelho de Baião, é hohe sede da Fundação Eça de Queiroz, e vale uma visita), onde se passa a história do príncipe Jacinto e do seu amigo Zé Fernandes. Escreve o Beja Santos à sua mãe: "Imagine que reli sofregamente A Cidade e as Serras, do Eça. Encontrei na messe de oficiais em Bambadinca uma edição de 1945, da Lello" (...).

O Tigre de Missirá tinha fama de predador em Bambadinca... Fechavam-se portas, janelas e gavetas, ao ouvir-se o grito da sentinela: Vem aí o Tigre !.... De qualquer modo, depois do ataque de 19 de Março de 1968, ele partia da estaca zero, começando a reconstituir a sua biblioteca (e a sua morança) com alguns livros que trouxe de Bissau, depois da intervenção cirúrgica a que foi submetido no Hospital Militar. (LG)

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.




39ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado em 8 de Março de 2007.


Caro Luís, fui ver o filme Cartas de Iwo Jima, do Clint Eastwood, que me comoveu muito e procuro aproveitar aquelas cartas nipónicas dos soldados do Imperador para as suas famílias adaptando-as às cartas que ia escrevendo às pessoas que mais amava.

O período que medeia entre os fins de Março e Maio foram uma silenciosa epopeia de guerra e paz: idas diárias a Mato de Cão, desmatou-se, repararam-se caminhos na antevisão da época das chuvas, fizeram-se tijolos, felizmente os rebeldes estiveram calmos, desconhecendo nas idas e vindas a Mato de Cão lhes rondava o paradeiro.

Este tipo de cartas talvez seja uma boa resposta para eu trazer à cena os meus problemas íntimos e, tal como os soldados do Imperador, falar da cultura densa, dos meus afectos e dos sonhos que deixara a marinar. Seguem dois livros pelo correio, sugiro as imagens que tens da reconstrução de Missirá e os apontamentos do Luís Casanova (...). Um abraço do Mário.


Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (1)
por Beja Santos



Para o Ruy Cinatti (2)

Ruy, Dear Father,


Regressei a Missirá há dois dias. Grande parte do quartel e da povoação foram devorados pelas chamas, devido a uma flagelação que aqui ocorreu no passado dia 19. Tenho abrigos danificados, chegou a altura de reconstruir mais dois, perderam-se 17 cubatas, a vida tornou-se muito difícil para todos nós. Há gente sem comida e falta arroz em Bambadinca. Antes da operação, estive no Batalhão de Engenharia e recebi muitas promessas. Com este revés, confio que o cimento, o arame farpado e os outros materiais de construção civil venham em quantidade suficiente para começar de novo.

A época das chuvas vai chegar em meados de Abril e é por isso que já estamos a construir os tijolos, numa corrida contra o tempo. A actividade militar continua com as idas e vindas diárias e nocturnas a Mato de Cão. A destruição de um aquartelamento implica muita burocracia com os abates, contagem de material. Como esta guerra é muito especial, quando falei sobre lista de material perdido, que é uma lista de enlouquecer, foi-me respondido que eu devia registar todo o material perdido, fazendo uma relação dos estragos através de uma comparação a olho vivo com o resto da carga não destruída...

Os meus soldados ajudam-me imenso, já que continuam a não regatear esforços, acumulando agora, em permanência, actividades de construção civil. Falta-nos muito arroz para a população civil , como disse, e ofereceram-nos arroz apanhado durante uma operação no Corubal.

Desapareceram no fogo todos os meus livros e discos. Peço-lhe pois que me dê a sua ajuda oferecendo-me alguns livros. Já escrevi ao meu padrinho e seu afilhado pedindo livros da Portugália Editora: romances contemporâneos, clássicos e ensaios. Veja se me pode oferecer poesia francesa contemporânea, romances da Ulisseia como a Viagem ao fim da noite, do Louis-Ferdinand Céline, que nunca tive oportunidade de ler. Aceito tudo, como Job.

Fui punido com dois dias de prisão e não terei férias. A Cristina está desconsolada e fala em vir viver em Bissau, dando aulas no liceu. Não tenho ainda opinião formada e confio no seu conselho. O Comandante Teixeira da Mota continua a escrever e tem-me dado apoio com as suas cartas. Esta experiência é muito dura, a solidão pesa e tenho uma saudade infinita de todos vós.

O Carlos Sampaio, filho do seu amigo Fausto Sampaio, está mobilizado para Moçambique. O estado de saúde da minha mãe deteriora-se e peço-lhe que lhe telefone. As cartas que recebo vêm cheias de censuras e azedume, o corte de relações com a Cristina levou à formação de grupos pró e contra, muito correio que aqui recebo traz as chamas do inferno.

Desculpe o tom desolado com que lhe escrevo, é com muita dificuldade que me habituo à ideia de que além de combater vou reconstruir este quartel animado pela vontade de o ver renascer das cinzas. Despeço-me com muita amizade e gratidão pela companhia que me dá. Perderam-se as suas cartas mas cresceu a estima que lhe tenho.





Capa do romance de Erico Veríssimo, Música ao Longe, 7ª ed. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. Capa de Bernardo Marques. (Colecção Livros do Brasil, 9). Com alguns livros comprados em Bissau e com outros, emprestadados por amigos e camaradas, o Alf Beja Santos lá foi reconstituindo a sua preciosa biblioteca, devoradada pelas chamas na noite do ataque a Missirá, em 19 de Março de 1969. No penúltimo post (3), Beja Santos escreveu: "Leio e releio sofregamente Música ao longe que me atrai pela sua simplicidade, pelos enredos plausíveis, pelo exótico de um mundo rural que eu desconheço. Abençoado o bem que Erico Veríssimo me faz. E daqui passo para O mistério do Bellona Club por Dorothy L. Sayers. Esta escritora britânica criou o detective Lord Peter Wimsey, um sofisticado que lê manuscritos de Justiniano, é requintado gastrófilo e tem um criado que é um verdadeiro pesquisador e angariador de informações".



Para o Carlos Sampaio (4)


Carlos, meu querido Amigo,

Recebi a tua carta quando estava a ser operado ao joelho direito em Bissau. Sei que partes para Moçambique em Junho e que já estás a formar batalhão. Rezo para que a tua comissão seja menos dura possível. Quando regressei a Missirá, há dias, todo o recheio da minha morança tinha ardido. Com excepção de três livros que me ofereceste, e que me acompanharam até Bissau, tudo se perdeu: os teus poemas, os teus desenhos, o carinho do teu estímulo.

Vezes sem conta relembro os nossos serões na Praça Pasteur nº 8, 2º esquerdo, a tua companhia no almoço no dia em que fui para Mafra e em que me deste a Bíblia de Jerusalém e um lindo livro de pintura grega. Felizmente que deixei ao cuidado da minha mãe aquele óleo que pintaste na Anadia, naquela semana de férias antes de eu partir. A Cristina fala-me muito da ajuda que lhe tens dado e sente-se preocupada com o teu ar fatigado.

Por aqui está tudo muito difícil, não sei se te hei-de incomodar com as obras da arrecadação que estamos agora a reparar, com as obras de um poço para termos água potável dentro de Missirá ou a substituição das três fileiras de arame farpado: a única consolação é que esta linguagem dentro de meses vai entrar no teu dia a dia.

Não nos veremos antes do final das nossas comissões e tu és o meu maior amigo. Sei que tens projectos para, depois dos estudos, trabalharmos juntos na livraria Sampedro. Contas comigo, gosto cada vez mais da aventura do livro, produzi-lo e vê-lo nas mãos dos outros. É esse projecto comum que me impede hoje de te dizer que estes mais de dois anos em que não conversaremos face a face me custam muito. Teremos uma vida inteira para editar e vender livros, que bom!

Estou muito cansado hoje, são duas da manhã e às cinco parto para Mato de Cão, junto do rio Geba. Desejo-te coragem e que tenhas sempre o entusiasmo que contagia a minha vida. Por favor, escreve-me.





Capa do romance policial O mistério do Bellona Club, de Dorothy L. Sayers. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. (Colecção Vampiro, 35). Capa de Cândido da Costa Pinto. "Aquela prodigiosa capa do Cândido da Costa Pinto sempre me intrigara, tinha chegado o momento de satisfazer a curiosidade com a trama da intriga policial" - escreveu Beja Santos, no post de 10 de Março último (3).


Para o Padre António de Almeida Fazenda, S.J.

Querido Padre Fazenda,

Recebi a sua carta que muito consolo me deu. Fico triste com o sofrimento que a sua zona lhe provoca e agradeço as suas orações. Procurei saber em Bissau se havia documentação sobre os Jesuítas que passaram por aqui nos séculos XVII e XVIII, nada encontrei mas já escrevi à maior autoridade em historiografia da Guiné, o Comandante Teixeira da Mota, e depois dar-lhe-ei notícias.

O meu quartel está reduzido a menos de metade, o que me aflige é o sofrimento das famílias dos soldados, que foram os mais atingidos, mas a população civil também perdeu algumas casas. Falta muita alimentação e ando permanentemente a fazer colunas de reabastecimento.

Lembro todos os dias com saudade as aulas de Latim e Grego, lembro a sua generosidade e os valores que me procurou transmitir. Confio que possa contar muitos e bons anos com esse seu apoio, aprendendo com a sua serenidade e despojamento. Desculpe ser breve, o cansaço está a tomar conta de mim, fui castigado e não posso ver-vos tão cedo. De resto, sei que vou contar com a misericórdia de Deus mas há momentos em que um homem fica de rastos. Mas amanhã estarei muito melhor, acredite. Contando com a sua benção, receba a muita estima daquele que admira a sua espiritualidade.


Para Angela Carlota Gonçalves Beja

Querida Maezinha:

Voltei a Missirá, a operação (3), como lhe disse ao telefone, correu muito bem, desapareceram as dores, ando sem sofrimento. Fico contente com as notícias que me deu, com o estado de saúde da sua irmã Carlota. Sei que vai passar férias a S. Pedro do Sul e fazer tratamentos, na companhia do Rodolfo. Não se esqueça de me escrever. Sei que lhe é difícil, mas, por favor, evite mais pormenores da sua zanga com a minha namorada.

Recebo constantemente correio que me inquieta e conto com o amparo de todos os meus entes queridos. Amparo, porque aqui há uma guerra, há incêndios como recentemente aconteceu em Missirá, onde perdemos muitas cubatas, tenho edifícios danificados, não sei o que nos aconteceria se sofrêssemos novo ataque. Agradeço-lhe as visitas que faz ao Fodé Dahaba e ao Paulo Semedo. Diga aos dois, por favor, que o Cherno Suane e o Mamadu Camará vão ser condecorados por feitos de bravura.

Os próximos meses vão ser muito duros pois estamos a reconstruir as casas da população civil e a melhorar a segurança do quartel. Perdi os meus livros todos, não tem importância nenhuma mas agradecia que pensasse nalguns livros a pretexto do meu aniversário. Imagine que reli sofregamente A Cidade e as Serras, do Eça. Encontrei na messe de oficiais em Bambadinca uma edição de 1945, da Lello. A Maezinha tinha-me oferecido As Minas de Salomão, O Mandarim e A Correspondência de Fradique Mendes.

No 7º ano A Cidade e as Serras foi leitura obrigatória. Achei muita graça o arranque do romance com aquele D. Galião que ao descer a travessa da Trabuqueta encontrou D. Miguel e ficou fiel ao miguelismo, exilando-se em Paris nos Campos Elísios 202, onde o Jacinto respirou progresso e civilização. A obra ajudou-me imenso até para entender a filosofia do fim do século XIX, sobretudo o positivismo e Schopenhauer.
A releitura desta obra prima é outra coisa. A força que o Eça imprime às descrições da ambientação do Jacinto em Tormes tem um brilho que ainda hoje me deslumbra. O recurso à figura do Zé Fernandes, um alter ego do Eça, é uma solução que anima a leitura, provocando uma excelente relação directa entre o Jacinto, a civilização parisiense e o contraste com o universo do Baixo Douro onde vai ter o desfecho feliz a obra. Deixo-me citar o final do romance:

"Em fila começámos a subir para a serra. A tarde adoçava o seu esplendor de Estio. Uma aragem trazia, como ofertados, perfumes das flores silvestres. As ramagens moviam, com aceno de doce acolhimento, as suas folhas vivas e reluzentes. Toda a passarinhada cantava, num alvoroço de alegria e de louvor. As águas correntes, saltantes, luzidias, despediam um brilho mais vivo, numa pressa mais animada. Vidraças distantes de casas amáveis, flamejavam com um fulgor de oiro. A serra toda se ofertava, na sua beleza eterna e verdadeira".

Este livrinho tem capa do Alberto de Souza, inimitável aguarelista. Recomendo-lhe que leve este Eça para S. Pedro do Sul. As belezas aqui são muito diferentes. A cor da terra, como lhe disse, assinala o braseiro do calor permanente, a vegetação chega a ser exuberante e dizem-me que no Sul da Guiné, onde agora a guerra é horrível, há belezas incomparáveis na floresta hermética. Do que mais gosto é ver o pôr do Sol ao fim da tarde, ígneo a derramar-se sobre os palmeirais de Finete, quando cambo o Geba e venho pela bolanha. É um pôr do Sol súbito, próprio dos trópicos. Sei que vou guardar esta imagem toda a vida.

Fui castigado e não irei tão cedo a Portugal. Não se preocupe, estou bem, não me esqueço dos valores que me transmitiu e do amor que me tem oferecido. Quando regressar, procurarei dar-lhe companhia, iremos a exposições e espectáculos, folgo imenso sabendo que se mantém convivente e muito curiosa. Receba um beijo deste filho que nunca a esquece.


Para Cristina Allen


Meu adorado amor


Promessas para reconstruir o quartel tenho tido muitas, aos poucos vai chegando material, mas as idas a Mato de Cão têm-se multiplicado. Felizmente que tenho o exemplo monumental dos soldados que nada recusam. O Pimbas conseguiu o milagre e cedeu-me temporariamente mais 10 militares que nos ajudam nas desmatações e nos reforços já que a vida continua entre os patrulhamentos obrigatórios e a reconstrução de Missirá.
Antes que me esqueça queria-te pedir o grande favor de me comprares o Canto dos Bosques do Dimitri Chostakovitch, que ouvimos na Valentim de Carvalho. É uma edição do Chant du Monde, tu gostaste muito das vozes do tenor e baixo, não tenho dinheiro para comprar muito nem tão cedo irei refazer a discoteca, mas preciso de música vibrante que me levante moral.
Iremos continuar a falar da tua possível vinda para Bissau. A Maria Luísa Abranches está a obter informações sobre preços de casas, em Bissau, como te disse falei no liceu, é preciso concorrer em Agosto, entregando o diploma do curso, certidões como a do registo criminal e o formulário anticomunista, com registo do notário local. Há sempre vagas e o teu diploma falará por si, já que há muitos professores só com o 3º ciclo. Citas o exemplo do David Payne e da Isabel, não é a mesma coisa, o David está em Bambadinca, eu em Missirá e não há ainda notícias se algum dia saio do teatro de guerra. Vamos aguardar com tranquilidade, conto com o teu exemplo e a muita estima que me devotas.
Falando de trivialidades, o cabo Raposo anda desaparafusado, não nos deixa dormir há 4 noites com as suspeitas de que os rebeldes rondam junto do arame farpado, diz que vê fogos nas redondezas e ouve vozes. Consegue contagiar outra gente e noutro dia um macaco aproximou-se do arame farpado, dispararam uma rajada que se transformou em minutos em milhares de tiros atirados para o ar.
O auto da Fatu continua. Não sei se já te expliquei o que é uma deprecada, eu escrevo uma série de perguntas alusivas a um acontecimento e num posto da GNR alguém interroga um oficial sargento ou praça. Dou-te um exemplo com as perguntas que mandei hoje: "É do conhecimento do Sr. Capitão Miliciano Luís Vassalo Namorado Rosa que a granada que motivou as ocorrência não é do tipo de fumos mas sim armadilha? Que providências tomou face ao sinistro de 19 de Abril de 1967?".
Podes imaginar o trabalho de memória, o que o sobredito capitão fica a pensar do que eu sei que ele não sabe, mas é a única maneira de eu tirar as possíveis conclusões que permitam um mínimo de reparação para a pobre da Fatu.
A escala de férias, que estava a funcionar desde Janeiro, fica provisoriamente sem efeito. Não posso conceder férias, a não ser a título excepcional, nos próximos dois meses, até Missirá estar reconstruída. Rezo todos os dias para que não sejamos atacados nas próximas semanas. Desta vez, seria mesmo punido com justiça, já que não tenho valas abertas, dei prioridade à reconstrução de casas.
A propósito de punição, recebi a visita do Comandante Militar que veio aqui com outras altas patentes. O brigadeiro foi correctíssimo no tom em que me falou, quis visitar tudo, fez perguntas pertinentes, aceitou como um cavalheiro o nosso humilde acolhimento, deixou algumas mensagens de estímulo. Tudo tão diferente das visitas anteriores!
A todos a quem escrevo peço livros, e não te excepciono. Quando vim para a Guiné, julguei que iria privilegiar leituras à volta das ciências históricas, da antropologia e da sociologia. Puro engano, como tu sabes. Não tenho feito outra coisa que ler com entusiasmo tudo quanto é ficção, salvo os livros que me permitem conhecer melhor a Guiné. Como agora a oferta já não é abundante, deito mão ao que há.
O Carlos Sampaio tinha-me oferecido um ensaio precioso Arte e Mito, do Ernesto Grassi. Não imaginas como no meio deste desconforto todo é entusiasmante andar a discutir a natureza da arte, qual o móbil original da realização artística, o que está na origem da poesia ou da música, se a arte se entrepõe entre nós e a Natureza, o que significa a expressão "obra de arte", o porquê do que seleccionamos do passado e chega ao nosso presente, de que maneira interpretamos a ordem dos acontecimentos de um projecto artístico, ao nível dos dados sensoriais, da abstracção que fazemos da matéria e da forma, o papel do mundo religioso, como do mundo mítico surge a arte.
Este ensaio tem sido uma excelente companhia e quero que saibas que outro livro que o Carlos me ofereceu Espera de Deus me está a impressionar muito.
A noite já vai muito alta, ainda não perguntei pelos teus estudos, sei que estás a estudar com entusiasmo, confio que farás os teus últimos exames em Junho e terás justas férias. Não te preocupes comigo, com o teu amor todas estas penas vão ser suportadas e superadas. Tenho escrito ao Luís Zagalo Matos e vou contar-te tudo no correio de amanhã. Ele é muito estimado em Missirá e fico contente de vocês terem estudado juntos.
Beijo a minha senhora jovem dona, peço-te do coração que não estejas amargurada com os problemas do mau relacionamento com a minha família e tal como Madiu Colubali me escreveu de Dulombi onde foi aos funerais da mãe desejando-me beijes para alfer, toda a ternura entre Missirá e Lisboa e até amanhã.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 16 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1600: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (38): Missirá, a Fénix renascida
(2) Outras referências do Beja Santos ao poeta e seu amigo Ruy Cinatti (1915-1986): Vd. posts de
16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1531: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (33): O Sintex: A Marinha Mercante chega até Missirá
10 de Janeiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1418: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (28): Sol e sangue em Gambiel
10 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1032: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (5): Uma carta e um poema de Ruy Cinatti

(3) Vd. post de 10 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1578: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (37): O horror do Hospital Militar 241 e o grande incêndio de Missirá
(4) Carlos José Paulo Sampaio, Alf Mil, da CCAÇ 2515/BCAÇ 2875, morto em Moçambique, em 2 de Fevereiro de 1970. Era natural do concelho de Anadia.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)

Mensagem do editor do blogue (L.G.):

Amigos e camaradas:

(i) Acabámos de ver a reportagem da TVI – Última Missão -, com o nosso camarada Victor Tavares a entrar pela nossa casa dentro, as emoções contidas, a mesma coragem física de sempre, o mesmo sentido de camaradagem, a mesma dignidade humana...

Ele mostrou-nos os desolados restos do quartel de Binta, a picada até à bolanha do Cufeu, de trágicas memórias para alguns de nós, a fantasmagórica Guidaje e, por fim, o cemitério onde ficaram, para trás, o Peixoto, o Lourenço e o Victoriano ....

Nós sabemos que há outros camaradas, guineenses e portugueses, que lá ficaram, e de que não se falou na reportagem... Os actores têm sempre uma visão parcelar dos acontecimentso em que participam... O objectivo não era, aliás, esse, mas sim o de recuperar simbolicamente a memória dos ‘camaradas que nunca se deixam para trás’... A memória, logo a humanidade...

Para o Victor foi recuar a 23 de Maio de 1973, e pela enésima vez reconstituir, dolorosamente, essa terrível emboscada de 45 minutos, na bolanha do Cufeu, e voltar a levar os cadáveres do Lourenço e do Victoriano até Guidaje, cerrar os dentes, remuniciar a MG-42, romper o cerco a Guidaje, assistir aos últimos minutos de vida do Peixoto, metido numa vala, confortá-lo no último minuto e dar-lhe a ele e aos outros dois a sepultura minimamente condigna que as terríveis circunstâncias permitiam... Releiam agora, com tempo e vagar, o relato desses trágicos dias escrito pelo Victor, no nosso blogue (1)...

Ao vermos estas imagens, o que dói é não termos tido tempo para trazer os seus (e os de todos os outros) restos mortais, antes da troca de poderes entre a merópole e a colónia, entre Portugal e a nova Guiné-Bissau... O que dói é o silêncio, o abandono, a demissão, o esquecimento, o desprezo, a ignorância, o branqueamento, o faz-de-conta, o cinismo, o oportunismo... O que dói é sobretudo o facto de eles lá terem ficado (e continuarem) enterrados no perímetro do aquartelamento de Guidaje desde há 34 anos... sem nós podermos fazer o luto... O seu luto e o de tantos outros camaradas, espalhados por centenas de cantos da Guiné... Nós não fizemos o luto dos nossos mortos da Guiné, individual e colectivamente, estamos agora a fazê-lo... Um luto que hoje só pode ser patológico...

Enfim, amigos e camararadas, Binta, Cufeu, Guidaje ... hoje deram-nos a volta ao estômago, mexeram connosco, baralharam-nos as emoções... A nós e aos familiares do Peixoto, do Lourenço e do Victoriano... Seguramente, a muitos milhares de portugueses e de portuguesas que estiveram a ver a reportagem... A irmã de um deles disse, com as lágrimas na cara: “Cemitério ? Aquilo é um campo de milho, e o pobre do meu irmão lá ficou enterrado com um cão”...

Fico feliz, em todo o caso, pelo Victor que aceitou correr mais este risco, até físico... Mas foi sobretudo o risco de se expor, o risco de ver as suas emoções e sentimentos mediatizados, explorados comercialmente, transformados em espectáculo, audiometrados ... Eu, se calhar, não teria a sua coragem, física e moral... De qualquer modo, acho que a reportagem foi feita com profissionalismo, com ética, com dignidade... Parabéns também à equipa do jornalista e escritor Jorge Araújo e à TVI.

O Victor pôde, também, cumprir a sua missão, a sua última missão, ele que foi, é e continuará a ser sempre um grande e forte paraquedista, de corpo, alma e coração... E aquele campo de batalha, hoje um miserável milheiral, seco – estamos na época seca -, ganhou côr, vida, humanidade: foi um momento tocante quando o Victor se encaminhou, com um antigo e velho soldado guineense, da massacrada CCAÇ 19 - exemplo vivo do miserável abandono dos nossos soldados africanos - afixou, no chão, que serviu de última morada aos seus três camaradas paraquedistas, as respectivas fotografias que a câmara do Ricardo Ferreira nos dá em grande plano ... E falou com eles e manifestou o desejo – a sua crença – de um dia os encontrar algures, “não sei bem onde”...

(ii) Quem viu a reportagem da TVI, ficou sensibilizado.... O José Casimiro Carvalho acaba-mo de dizer: “Vi a reportagem e soltaram-se-me lágrimas com 34 anos. Terrível. Eu SEI o que foi ISTO”.

O Torcato Mendonça, outro homem de sensibilidade e solidariedade, também acabou de me mandar uma mensagem tocante:

“Luís: há gotas de água que são tsunamis. Tenho alguma dificuldade em escrever, em dizer o que sinto, em ver a merda das letras no nevoeiro dos óculos. Tive que esperar um pouco, depois de ver a reportagem e não paro agora. Só para te dizer que tem que ser feito algo. Não são só os paraquedistas que não deixam ninguém para trás. É irrelevante agora. Todos nós temos o dever de contribuir para o regresso dos militares que se encontram assim sepultados. TODOS TÊM QUE REGRESSAR.

“Parece, por vezes, estarmos envergonhados com a colonização, a descolonização, a guerra. Parece estarmos a pedir desculpas …Nós, ex-combatentes…nós?...porquê? Depois aparece uma simples carta de condução… ai Jesus!… Compreendo…nesta perca de valores, nesta quebra de auto-estima, neste País que se envolve em discussões sobre o maior ou melhor português… enfim, não vamos mais além.

O Blogue, esta tertúlia, estes camaradas de certeza que ficaram como eu – apertados e revoltados – talvez a recuar no tempo, a sentir a adrenalina a subir… a velhice a desaparecer… a raiva a vir e, a mim pelo menos, o desejo de voltar e…é melhor acalmar! Caneco, eu? Chega de palhaçada. Temos o direito a ser respeitados. Humilhados e ofendidos, já o fomos demais.

“O Victor Tavares merece um abraço, um obrigado, extensível ao Rebocho e ao Oficial Pára cujo nome me esqueci. Também aos Jornalistas, para que continuem. Um voto que isto seja o tiro de partida para que um dia TODOS regressem… É que nós contamos as nossas memórias, a história será feita posteriormente com ou sem esse contributo. Há no entanto feridas não fechadas. Ou as fechamos nós, de preferência de ambos os lados, ou ficará uma mancha na memória deste (s) Povo (s).

“Envio isto ou não? Abri, não vou reler e mando-te. Convicto que me posso ter excedido mas consciente que tem que ser feito algo.

“Dói-me demais a cabeça. Se entrares em contacto com o Victor Tavares dá-lhe um abraço de um ex-combatente… Tens muito em que pensar, mais uma… Têm que voltar… e mais não digo.

“Boa noite, Luís Graça e, através de ti, deste teu espaço na Net, deixa-me abraçar todos, independentemente da cor ou da etnia -para mim raça só a humana – que por lá passaram, tenham ou não regressado… Um abraço”...

(iii) Boa noite, Lourenço, Peixoto, Victoriano... Boa noite, Victor, boa noite Jorge Araújo, boa noite Ricardo Ferreira... Boa noite, Casimiro Carvalho, Torcato... Boa noite, camaradas... Boa noite, amigos... Boa noite, tertúlia... Boa noite, Portugal... Boa noite, Guiné...
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

Guiné 63/74 - P1621: Questões politicamente (in)correctas (28): Salazar, um dos últimos reis de Portugal (David Guimarães / João Tunes)


1. Mensagem do David Guimarães (Xitole, 1970/72):


João Tunes (1)...

Remetendo-nos aos escritos da época, é natural que àquela zona ainda não tivesse chegado a informação de que Portugal já era República e há bom tempo – nunca se sabe...

Estes dias ouvi na RTP1 alguém que perguntava a um jovem universitário:
- O amigo sabe quem era Salazar ? – Ele olhou, pensou e disse:
- Ele foi um dos últimos reis de Portugal, não foi ? – E não disse a brincar...

Remetendo-me ao que lemos e tu leste com atenção e à noção histórica deste estudante (eu ouvi!), bem, até nós fomos monárquicos no reinado dos generais Schulz (2), Spínola e Bettencourt Rodrigues... Mais ano, menos ano...

Um abraço – e ainda bem que existem destas gralhas e se lêem. É sinal que todos estamos atentos e vivos na caserna ... Ainda bem!

David Guimarães

2. Resposta do João Tunes (Pelundo/Teixeira Pinto e Catió, 1969/71):

Camarada David:

Só te posso agradecer esta tua reacção jovial. E julgo que dela precisamos bem para animar a malta (perdão: a blogo-caserna). Ao fim e ao cabo, se bem nos lembrarmos, era assim, foi assim, transformando o insólito de estarmos na guerra, pela chacota fraternal (uns com os outros, cada qual com a situação), numa forma lúdica de sobrevivência, quantas vezes levada ao absurdo, para nos sentirmos vivos e jovens. E não terá sido essa jovialidade curtida de humor espontâneo, forma de sobrevivência de uma juventude transformada em carne para canhão sem recuo, que nos fez mais fraternos e tão generosos que, por regra, contava menos a nossa pessoalíssima contabilidade dialéctica entre a vida e a morte que o apelo imperativo de acudir, onde necessário, quando necessário, contra o necessário, para safar um camarada que, ali, nunca era menos que um irmão?

E terás toda a razão. O Capitão Canchungo (adoptando a nomenclatura actual), sem jornais, nem TSF, nem telenovelas, nem internet, nem blogues, metido em brios de torre e espada a subordinar balantas (pobres balantas que, além de se subordinarem aos fulas, sem contar com os mandigas, ainda tiveram que se subordinar aos portugueses), devia ter regressado da Guiné sem saber que a Carbonária espetara, há anos, uns balázios no Dom Carlos. E se o distinto militar Canchungo amava a pátria, encharcado nas bolanhas a enfiar balázios em pretos reguilas, como poderia imaginar que, por cá, na sede do reino, se andava aos tiros aos coroados, a mudar de bandeira e a fazer a vida difícil aos curas de sotaina que, lá, lhe abençoavam os feitos?

Já menos desculpa terá, pelo erro, o prof familiar do Canchungo e lhe usa o apelido que entrou tão abespinhado por causa de um mapa em que notou falta do viço da reverência para com os nossos antepassados e, depois, troca as mãos pelos pés ao situar historicamente a época das façanhas colonizadoras do seu antepassado. Mas, se foi erro por revivalismo monárquico, por mim está desculpado. Ou pelo que seja (pressa panegírica, por exemplo).

Grande abraço, camarada David. E, mais os necessários, para os restantes que alimentam esta tertúlia aberta à memória e à alegria de continuarmos vivos.

João Tunes

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1619: Questões politicamente (in)correctas (27): Teixeira Pinto, a Coroa e a República (João Tunes)


(2) Shultz ou Schultz ? Eu costumo escrever Schultz... Ora, não é uma coisa nem outra. Na página da Fundação Portugal-África, Universidade de Aveiro > Memória de África, encontrei as seguintes referências bibliográficas relacionadas com o antigo Governador da Guiné (1965-1968):

[58735] SCHULZ, Arnaldo
A cavalaria na Guiné / Arnaldo Schulz
In: Revista da cavalaria. - (1965), p. 7-12
Cota: 1204BIBEx.

[37947] Deputados à assembleia nacional visitaram a província da Guiné
Deputados à assembleia nacional visitaram a província da Guiné / (colab.) Arnaldo Schulz ...[et al.]
In: Boletim geral do Ultramar.- vol. 42, nº 489 (Mar. 1966), p. 31- 49
Cota: 89ISCSP.

[56695] Governador da Guiné
Governador da Guiné. - Visita do general Arnaldo Schulz (governador da Guiné) à Metrópole
In: Boletim geral do ultramar.- Ano 44, nº 514 (Abril 1968), p. 131- 135
Cota: G/A 1008ISEG.

[37988] CORREIA, Peixoto
Novo governador da província da Guiné / Peixoto Correia, Arnaldo Schulz
In: Boletim geral do Ultramar.- vol .40, nos 467- 468 (Maio- Jun. 1964), p. 85- 96 (il.)
Cota: 89ISCSP.

[152631]SCHULZ, Arnaldo
Todos Juntos, vamos continuar Portugal / Arnaldo Schulz. - Bissau : Centro de Informação e Turismo, 1965. - 29 p. ; 22 cm
Cota: 325.3(469:665.7-5)"1965"BPINEP.

Guiné 63/74 - P1619: Questões politicamente (in)correctas (27): Teixeira Pinto, a Coroa e a República (João Tunes)



Qual era a bandeira do Capitão João Teixeira Pinto, o pacificador da Guiné (1912-1915)? A verde-rubra, da República, ou a azul e branco, da Monarquia ?

Mensagem do João Tunes:

Caro Luís,


No post P1615 (1) lê-se: “o capitão Teixeira Pinto (na qualidade de chefe do Estado Maior da Guiné entre 1912 e 1915) conquistou o Ôio, contrariando as instruções expressas do governador e também comandante militar da Guiné. Entrou depois no chão dos Balantas e dominou-os, submetendo-os à Coroa Portuguesa.”

Porque o rigor também é uma forma de respeitar as nossas figuras históricas e o depoente sobre a publicada evocação histórica de Teixeira Pinto é seu parente e professor universitário, gostaria que me esclarecessem como foi possível que o capitão Teixeira Pinto, tendo estado na Guiné entre 1912 e 1915, submeteu os Balantas à “Coroa Portuguesa”, se a República foi instaurada em Portugal (sem recaídas monárquicas até ao momento) em 1910?

Abraço do João Tunes (ex-Alf Mil Transmissões, Pelundo/Teixeira Pinto e Catió, 1969/71).

2. Comentário do editor do blogue:

Meu caro João: Em princípio, trata-se de um lapsus liguae. São pequenas imprecisões, que acontecem a quem escreve para o ciberespaço, como tu e eu. É como dizer soba em vez de régulo. Mas, naturalmente, é ao autor do texto, A. Teixeira-Pinto, professor da UTAD (e não da Universidade da Beira Interior, como eu por lapso o apresentei no post, lapso de que peço desculpa ao meu colega mas que já foi corrigido) que cabe fazer a devida errata ou esclarecer melhor o seu pensamento.

Em termos lógicos e cronológicos, o Capitão João Teixeira Pinto, o pacificador da Guiné (como dizem os nossos historiógrafos militares) fez a campanha do Oio (e a primeira de quatro campanhas miliares, entre 1913 e 1915), sob a bandeira verde-rubra (2)... Não sei se ele era monárquico, nem para o caso isso aqui interessa. Há um excelente texto de Carlos Bessa sobre a sua figura e acção na Guiné, de que transcrevo os seguintes trechos (valerá a pena fazer, oportunamente, a transcrição integral do texto, para conhecimento dos nossos amigos e camaradas da Guiné). Uma coisa parece certa: a Guiné-Bissau, em termos territoriais e populacionais, não seria o que é hoje, sem a visão estratégica e a acção destemida, enérgica e sangrenta do Capitão Teixeira-Pinto, ao serviço de Portugal e da República:

Teixeira Pinto, pacificador da Guiné, "enclave" unificado
por Carlos Bessa

Proclamada a República, a administração portuguesa continuou a impor-se cada vez mais segura, ora aos comerciantes, ora a régulos poderosos e interesseiros como Adbul Injaí. Quando necessário usava a força contra as etnias animistas. Os Franceses não se conformavam com o perdurar do "enclave" da Guiné, tropeço para a expansão na Senegâmbia.

Até que, em 23 de Setembro de 1912, chegou um oficial diferenee. Nascera em Moçâmedes, bebera o saber de guerras no sertão de militares coloniais como João de Almeida, de cuja coluna fez parte nos Dembos, aprendendo a estudar primeiro o inimigo e o meio e só atacar depois. Não era um teórico. Cuidava do pormenor. Beneficiou de os governadores lhe darem carta branca, embora tendo de enfrentar os assimiliados da Liga Guineense, criada após a república para fins escolares e educativos, mas buscando com o tempo crescente influência política.

O novo chefe do Estado-Maior concentrou esforços entre Cacheu e o Geba para evitar o choque com os Frnaceses e encurtar linhas de comunicação. Dispondo de poucas tropas, apoiou-se em chefes mercenários nem sempre modelares, como Abdul Injaí e Mamadu Cissé, ou no administrador e oficial de segunda linha Calvet de Magalhães, que soube captar o régulo Monjur e fazer dos fulas do Gabu aliados fiéis. Quadros militares de carreira queria poucos e dispensou-os. Elegeu como objectivo liquidar as bolsas animistas, apoiado nos islamizados, que utilizou também contra os grumetes. Dentro desta ordem de ideias organizou quatro campanhas: a do Oio, por onde começou, por ser a região mais adversa, de Abril a Agosto de 1913, na transição do cacimbo para a época das chuvas; a dos manjacos e papéis de Cacheu, de Janeiro a Abril de 1914; contra os balantas de Mansoa, de Maio a Julho de 1914; e contra os papéis de Bissau, de Maio a Agosto de 1915 (...).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1615: O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira Pinto)

(2) Carlos Bessa - Guiné. Das feitorias isoladas ao 'enclave' unificado. In: Manuel Themudo Baraa e Nuno Severiano Teixeira, ed. lit - Nova Históriaa Militar de Portugal. Vol. 3. S/l: Círculo de Leitores. 2004. 257-270.

Leia-se também o próprio Teixeira Pinto, em livro de memórias que eu não conheço > João Teixeira Pinto - A ocupação militar da Guiné. Lisboa: Agência Geral das Colónias. 1936.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1618: Tabanca Grande (6): Benjamim Durães, ex-Fur Mil da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BART 2917 (1970/72) > O Furriel Mil Durães: visto de perfil, na parada do quartel de Bambadinca, tendo nas traseiras a capela local e alguns viaturas civis que eram habitualmente usadas nas colunas logísticas que partiam daqui com destino às unidades de quadrícula do Sector L1, em especial Mansambo e Xitole.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BART 2917 (1970/72) > O Furriel Mil Durães, na parada do quartel de Bambadinca.

Foto: © Benjamim Durães (2007). Direitos reservados

Mensagem do novo membro da nossa tertúlia, um camarada do BART 2917, com quem eu e outros camaradas da CCAÇ 12 convivemos durante nos nossos últimos noves meses de comissão, em Bambadinca. Reconheci-o de imediato, através das fotos digitalizadas que acimo reproduzo. Volto a saudá-lo e desejo boa estadia entre na nossa 'caserna virtual'... Se a memória não me atraiço-a do mesmo Batalhão temos aqui mais dois camaradas: o ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas David Guimarães (CART 2716, Xitole) e o ex-Alf Mil Sapador Luís Moreira (CCS, Bambadinca).

O Durães está a organizar o primeiro encontro do pessoal do BART 2917, que vai ter lugar em Setúbal, no próximo dia 9 de Junho (2).

Luís: Com um abraço forte. Conforma tua solicitação, em anexo seguem duas fotos minhas tiradas em Bambadinca, além de uma actual, para acompanhar a actualização dos meus dados na página da nossa tertúlia, e que são os seguintes:

Nome - Benjamim Silva Durães
Posto - Furriel miliciano
Especialidade - Reconhecimento e Informação e Operações Especiais
Unidade - CCS do BART 2917
Local - Bambadincxa (Zona Leste / Sector l1)
Tempo de comissão - Maio de 1970 / Março de 1972

Morada actual:
Rua Florbela Espanca, nº 102
900 – 296 Palmela
E-mail - benjamimduraes@hotmail.com
Telemóvel - 93 93 93 315

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1527: Lista de ex-militares da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (Benjamim Durães)

(2) Vd. post de 1 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1556: 1º Convívio da CCS do BART 2917: Setúbal, 9 de Junho de 2007 (Benjamim Durães)

terça-feira, 20 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1617: A mística e a nostalgia do espírito de corpo dos comandos (A. Mendes, 38ª CCmds)


1. Recebi, em 17 de Fevereiro último, uma foto (actual) do Amílcar Mendes. Escreveu-me ele: "Amigo Luís, como vês a idade não perdoa. Aqui vai uma foto dos dias de hoje, que as de ontem já tu tens. Um grande abraço. A. Mendes".

O nosso camarada, que pertenceu à 38ª CCmds, já aqui publicou alguns posts notáveis. No entanto, o último que dele publiquei remonta a 18 de Janeiro de 2007 (1).

Notei, de resto, alguma amargura nas suas palavras, quiçá mesmo desilusão, em relação ao nosso blogue:

"De há uns tempos a esta parte tenho sido mais leitor que interveniente, porque algumas coisas que vou lendo no Blogue, sobre o tempo da guerra da Guiné, me obrigam a estar calado. De facto, os comentários que vou lendo confundem-me ao ponto de não saber se falamos da mesma guerra e da mesma Guiné".

"Primeiro que tudo estou no Blogue porque sou um ex-combatente da Guiné e é essa a razão deste Blogue. Trocarmos impressões sobre o que passámos é saudável. A razão por que é que passámos, isso é já história política. Para isso existem os letrados e iluminados que escrevem sobre as causas e consequências" (...).

Na altura fiz-lhe o seguinte comentário:

"A gente ainda não se conhece pessoalmente mas já temos falado várias vezes ao telefone (...) Há muitas feridas de guerra, no corpo e na alma, que não saram e que vão morrer connosco. (...). É uma problemática dolorosa, essa, a do deve-e-haver da nossa guerra em África (...).

"Como qualquer membro da nossa tertúlia, tu tens direito à palavra. Não preciso de te dizer que o teu testemunho, como homem e como operacional, me sensibilizou, e tem enriquecido o nosso esforço colectivo para reconstruir e divulgar a nossa memória da guerra na Guiné (...).

"Nunca escondemos uns dos outros que não pensamos todos pela mesma cabeça, nem sentimos todos pelo mesmo coração... A nossa riqueza está justamente no nosso pluralismo e na capacidade de gerir as nossas diferenças... É certo que nem sempre lemos o que outro escreve... Tu, por exemplo, se calhar não entendeste bem o que o Vitor [Junqueira] quis dizer, ou então foi o Vitor que não comunicou bem... Compete a ele esclarecer-te, se for caso disso. Mas eu insisto: temos que aprender a ouvir os outros"...

Depois disso ele limitou-se a mandar uma foto pessoal (que reproduzo acima) para actualização dos seus dados constantes da página respeitante à nossa tertúlia. Fico-lhe grato, mas continuo à espera que ele retome a sua colaboração no blogue, contando-nos mais estórias da sua actividade operacional no TO da Guiné, enquanto comando da 38ª...

Obrigado, Amílcar. Fico à tua espera. E já agora faço-te uma surpresa (re)publicando um dos teus primeiros textos, inserido na 1ª série do blogue (mas sem o teu nome no título)... É um texto poético (por onde perpassa a mística e a nostalgia do espírito de corpo dos comandos, mas também a exaltação do tempo de juventude) para tu releres, noite dentro, no teu táxi, algures na noite de Lisboa... E aparece quando quiseres e puderes, que o nosso semáforo está sempre verde... para os amigos e camaradas da Guiné (LG).

Foto: © Amilcar Mendes (2007). Direitos reservados.




Guiné > Brá > 1965 > A velha companhia de comandos, formada na Guiné, Em formatura, no final do curso, prontos para para receberem com orgulho os seus crachás. Esta CCmds teve apenas um ano e poucos meses de existência.

Foto: © Virgínio Briote (2005) . Direitos reervados.


2. Post originalmente publicado no Blogue-fora-nada, em 1 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXI: O regresso dos Comandos (A. Mendes)


Texto de A. Mendes (... com um abraço ao Briote, um dos 'velhos comandos' de Brá, que aparece aqui, na foto ao lado) (2):

Escolheram um entre cem. A elite do exército. São 130 com oficiais, sargentos e praças. São uma Companhia de Comandos que aguardam o fim do silêncio ao cair da noite. Todos envergam o dolmen que ostenta o crachá e o lenço preto será o respeito pelos que ficaram. São todos veteranos de África. Soldados que guardam no fundo do peito, após o regresso de África, a nostalgia indefinível de terem deixado lá longe, do outro lado do mar, a liberdade de uma vida há pouco começada. Pois lá longe havia a guerra e nela sentiam-se livres, livres e iguais, livres e pobres. Ricos, somente, dos seus músculos, das suas armas e da sua Audácia.

Lá longe até o vento tinha um certo gosto e a terra selvagem parecia cantar. É certo que havia medo e era preciso ter corajem. Uma bala perdida ou um estilhaço acabavam sempre por vencer.

A Pátria dos Comandos estendia-se de Lamego aos planaltos de Moçambique, onde as granadas erguiam a noite dos tempos para os bravos. Era aí que se batiam os jovens guerreiros que só em si próprios acreditavam, recitando por puro prazer o credo das suas legiões a milhares e milhares desses senhores palavrosos que se permitiam medir-lhes a glória ou a crueldade.

Foram felizes e todo-poderosos. Regressaram para cumprir os ritos da sua guerra. Para se recolherem. Para compartilhar, também, da sua Pátria faternal, beber em honra dos sacrificados, cantar com os camaradas de armas. Como já tinham feito outrora os seus irmãos, seguindo a tradição dos veteranos. Soldados das matas, marcados pela África onde se bateram para respeitar o juramento à Bandeira e ao Código Comando.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. 16 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)


(2) O 1º Cabo Mendes, da 38ª CCmds (Os Leopardos) foi comando na Guiné, de 1972 a 1974. Bateu o território "de norte a sul, de este a oeste". Esteve em todos os sítios quentes: Morés, Cubiana-Churo, Oio, Cantanhez... E ainda "em Guidaje, no cerco de Binta a Guidaje, enterrando os nossos mortos na bolanha do Cufeu" (3)...

Vd. posts de

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1262: Guidaje: a verdade sobre o Cemitério de Cufeu (A. Mendes, 38ª CCmds)

1 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1232: O soldado comando Raimundo, morto em combate, não foi abandonado em Guidaje (A. Mendes, 38ª CCmds)

27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)

Vd. ainda os posts de:

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1199: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (1): Sete anos de serviço

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1200: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (2): Um dia de Natal na mata de Cubiana-Churo

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1207: Guidaje, Maio/Junho de 1973: a 38ª CCmds, na História da Unidade (A. Mendes)

Guiné 63/74 - P1616: O meu regresso a Guidaje (Victor Tavares, CCP 121)


Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Maio de 1973 > BCP 12/ CCP 121 > O ex-1º Cabo Paraquedista Victor Tavares, com a sua a MG sempre pronta a entrar em acção (1).

Foto: © Victor Tavares (2006). Direitos reservados.

Mensagem do Victor Tavares (2):

Estimado Amigo Luís.

Peço imensa desculpa por ainda não ter dado sinais de vida, depois do meu regresso de Guidaje (3).

Tenho-te a dizer que correu tudo bem. Alcancei o que pretendíamos, localizei sem problemas o cemitério (4) e fizemos o percurso Farim-Binta e Binta-Genicó-Cufeu-Ujeque-Guidaje umas vezes pela picada, outras fora dela para fazer as filmagens nos locais dos incidentes.

Corremos alguns riscos mas tive que os correr para que essa reportagem tenha justificação de existir e que penso vai ser interessante. O jornalista Jorge Araújo e o camaraman Ricardo Ferreira são dois profissionais espectaculares. Irás ver o trabalho desenvolvido brevemente (na TVI) (2).

Luís, a coisas que se passaram, depois mais tarde te contarei. Esta viagem foi de grandes emoções que, para mim, são difíceis de descrever. O objectivo penso ter sido conseguido, daqui prá frente veremos o efeito . Um grande abraço.

Victor Tavares

N.B. - A picada agora existente não era a da altura dos incidentes de 23 de Maio de 73 (3). Essa ainda é referenciável em alguns locais, como comfirmei.

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Notas de L.G.:

(1) Sbre o armamento usado pelos nossos paraquedistas, e em especial a MG-42, vd. sítio Boinas Verdes de Portugal

(2) Ex-1º cabo paraquedista Victor Tavares, do BCP 12 / CCP 121 (1972/74). Vd. último post, de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(3) Vd. post de 8 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)

(4) Vd. post de 21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)



25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida