quinta-feira, 29 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Vitor Condeço (ex-Furriel Mil, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) > Catió, Porto Interior > 1967> Foto 02 "Lancha do Cachil LP2, em manobra de atracação ao cais do porto interior de Catió no rio Cadime. Neste dia [11 de Julho de 1967] os passageiros eram um pelotão da CAART 1687 em trânsito do Cachil para Cufar, onde renderia por troca outro pelotão da CCAÇ 1621, concluindo-se assim a troca das companhias". 

 Foto e legenda: © Vítor Condeço (2007). Direitos reservados. 

 X (e penúltima) Parte das memórias de Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Como, Cachil, Catió, 1964/66) (1). 

  2.15. O dia final do alferes Sasso As densas matas do Cantanhez (2), só de ouvir o seu nome, causavam calafrios aos mais corajosos… Aí, se acoitava uma forte concentração de casas mansas, uns verdadeiros fortins inexpugnáveis, mesmo à força da intensa metralha de artilharia. 

Podia dizer-se que ali se encontrava o quartel general, inimigo, da zona sul da Guiné. De lá saíam expedições constantes de grupos a espalhar a insegurança por todos os nossos aquartelamentos, quer por emboscadas quer por ataques às unidades isoladas. Além disso, controlavam uma população nativa muito numerosa que, voluntariamente ou não, trabalhava os campos, fonte principal do seu abastecimento. 

 Por todas estas razões tornou-se premente efectuar uma grande operação que desagregasse aquele bastião. Foi o que se pretendeu com a Operação Tornado. Os três batalhões sitiados no sul, com as unidades de artilharia e cavalaria, mais um grupo de fuzileiros e uma LDM, ajudados pela força aérea, ficaram responsáveis por esse objectivo. 

 A CCAÇ 728, aproveitando a maré-cheia, saíu, à noitinha, do cais de Catió a bordo de uma LDM; atravessou o estuário do Cacine e foi deixada, nas primeiras horas da madrugada, algures, em terra firme, do território inimigo. Todo o cuidado era pouco. Tocou ao meu pelotão seguir à frente, logo depois do destemido grupo indígena do João Bacar Jaló (3). 

 Caminhou-se toda a noite; quando o dia começava a querer alvorecer, estávamos a atravessar a zona, crítica, de Dar es Salam [na carta de Cacine, Darsalam]. De repente, alguns tiros caíram sobre o pelotão que seguia na cauda da fila, comandado pelo alferes Sasso. A resposta foi pronta e, depressa, tudo se calou. À frente, nada se tinha passado. 

 Só quando o dia nasceu e um helicóptero chegou, tivemos conhecimento de que o Mário Sasso tinha sido atingido com um tiro nas costas que lhe vasou o pulmão e coração. A esperança de sobreviver era pouca… e assim foi. 

 ___________ 

 Notas de L.G.: 

 (1) Vd. posts de: 











 (2) Sobre o Cantanhez (terminação em ez, e não em ês, de acordo com os nossos cartógrafos militares), vd. os seguintes posts: 




 (3) Futuro capitão graduado comando, natural da Guiné, comandante da 1ª Companhia de Comandos Africanos. Morrerá em combate em 16 de Abril de 1971.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1633: Guidaje na TVI: Um murro no estômago (A. Mendes, 38ª CCmds)

Guiné > Região do Cacheu > 38ª CCmds (2º e 4º Gr Comb) > Maio de 1973 > Coluna logística a caminho de Guidaje, em que participou o 1º cabo comando Mendes... Na foto, uma vista (desolada) da bolanha do Cufeu, com destroços de viaturas... e cadáveres em decomposição, pasto dos jagudis...

Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados.

Mensagem do ex-1º Cabo Comando da 38ª CCmds, A. Mendes (Guiné, 1972/74):

Pronto, o que que queres, Luís, ele há coisas que nem lembram ao diabo! Há merdas em que não se devia mexer, mas pronto, os mortos que lá ficaram mereciam este revisitar. Levei um soco no estomâgo, enjoei, chorei e revivi (1).

Victor, não te perdo o teres-me levado de volta ao maior flagelo da minha vida e, sabes que mais, pelo que vi nas imagens, na zona, no cemitério do Cufeu, jamais alguém vai pensar que eu ali olhei o maior amontoado (desculpem o termo) de cadáderes em decomposição e que por imperativos operacionais (que Deus me perdoe) ali iriam descer à terra ((2).

E até que alguém me prove o contrário, as urnas empilhadas em Binta, prontas a seguir para a Metrópole, estavam vazias e eu sei porque dormi no armazém ao lado delas.

As noites mal dormidas, o stress, a angústia, o sentimento de culpa do calar tem um nome: GUIDAJE!

Um abraço a todos os tertulianos.
A. Mendes

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)

(2) Vd. posts de:

27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1207: Guidaje, Maio/Junho de 1973: a 38ª CCmds, na História da Unidade (A. Mendes)

Guiné 63/74 - P1632: Guidaje: Parabéns à TVI, ao Vitor Tavares e ao nosso blogue (Albano Costa)

Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Novembro de 2000 > O regresso a Guidaje e arredores, vinte e sete anos depois. Na foto, a bolanga de Cuifeu. O Albano Costa pertenceu à CCAÇ 4150 (que foi para Guidaje depois dos trágicos acontecimentos de Maio/Junho de 1973). Esteve lá oito meses, até ao fim da guerra.

Foto e legenda: © Albano Costa (2006). Direitos reservados.

Caro Luís Graça:

Estive pregado à TVI a ver a reportagem sobre os mortos que ainda hoje estão enterrados em Guidaje, um cemitério improvisado para enterrar os mortos (e foram muitos), o que aconteceu na altura do fatídico mês de Maio de 73, em resultado da ofensiva das tropas do PAIGC (1).

Dou os meus parabéns à TVI, pela reportagem, que veio trazer para a ordem do dia os mortos que ficaram no Ultramar, e ao Vítor Tavares, paraquedista, que estava lá, na altura, e se disponibilizou agora, passado estes anos todos, para contar o sucedido - foi um acto de muita coragem (2).

Fiquei um pouco paralizado ao ver a reportagem, embora para mim não fosse novidade, tudo o que vi na reportagem, eu sabia como as coisas estavam, e em que condições. Quando lá estive em Novembro de 2000, o local realmente estava com plantações. Mas quando se falam de coisas com uma carga de sentimento muito grande, isso mexe sempre com qualquer mortal.

Eu, a seguir à reportagem, fui vaguear um pouco sozinho sempre com Guidaje no meu pensamento. Tudo veio à minha mente. Quando deixámos Guidaje, em 1974, eu sabia que os corpos iam lá ficar, pensei sempre que um dia os iriam buscar, visto que se não o fizessem eles iriam, como veio a acontecer, ficar esquecidos, a não ser pelos seus familiares e por todos os que sabiam que lá estavam.

Mas, na reportagem que foi transmitida, eu fiquei muito triste, porque pensei muito nos familiares dos outros cinco portugueses que lá ficaram e de quem não se falou. O Vítor já me disse que falou também nos cinco mortos do exército que também tombaram na mesma guerra, a reportagem é que só falou nos paraquedistas. Quem viu, e não sabe, ficou com a ideia que só morreram os três paraquedistas, e não foi verdade, morreram muitos mais: só lá ficaram foi oito portugueses.

Tive a garantia que iriam trazer todos, e ainda bem, espero que o Estado através dos organismos responsáveis agora façam a sua obrigação e devolvam os corpos às suas famílias, já não basta a dor de perder um filho, ainda vir, a partir desta reportagem, saber em que condições eles se encontram. Faço um apelo, não castiguem mais, devolvam os corpos aos seus familiares.

Luís Graça (e o Blogue que tu tão bem comandas), tiveste no Vítor Tavares um grande representante, está mais um vez de parabéns. O blogue veio mexer com muitas mentes, assim como trazer para a ribalta estes acontecimentos que foram reais. Há muito boa gente que ainda faz ouvidos moucos, o que é pena.

Um abraço, Albano Costa

2. Comentário de L.G.: Albano, obrigado pela tua manifestação de solidariedade, sensibilidade e apoio. Bem o podes dizer: tivemos no Victor Tavares um lídimo e valente representante do NOSSO blogue...

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

22 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)

(2) Vd. posts de:

20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1616: O meu regresso a Guidaje (Victor Tavares, CCP 121)

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

Guiné 63/74 - P1631: À amizade (Abílio Machado, CCS do BART 2917/ Humberto Reis, CCAÇ 12)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finais de 1971 ou princípios de 1972 > CCS do BART 2917 (1970/72) > Noite de copos e de cantorias, de tainadas (como diz o Abílio Machado, à boa maneira nortenha).

Ao lado do Paulo Santiago, comandante do Pel Caç Nat 53, de bigode, de camuflado, na ponta da mesa, está o Alf Mil Machado, à civil, de óculos, a fumar (assinalado com um círculo, a amarelo). Pertencia à CCS do BART 2917. Era minhoto, natural de Riba D'Ave. Antes da tropa, trabalhava numa cooperativa local. Daí a gente chamá-lo Bilocas da Cuprativa. Tinha um excelente relacionamento com a malta da CCAÇ 12 (nomeadamente, com os furriéis milicianos, Levezinho, Reis, Henriques, Sousa, Fernandes...). Tocava viola, era um dos nossos baladeiros.

À esquerda do Machado, está um outro alferes, magrinho, que o Paulo Santiago garante que também pertencia à CCS, mas de cujo nome já não se recorda. O Benjamim Durães vem-me agora dizer-me que o Alferes que se encontra à esquerda do Machado, é o Alf Mil Alferes Fernando Cabrita Guerreiro, do Pelotão de Reconhecimento da CCS/BART 2917, "que está muito doente e que se encontra acamado na sua residência no Barreiro". Daí vai um grande abraço para ele, com votos de coragem, solidariedade e camaradagem de todos os tertulianos. É duro ver um dos nossos inoperacional... Votos de melhoras, camarada Guerreiro!

Privámos - o pessoal da CCAÇ 12 - com toda esta malta do BART 2917 ainda cerca de 9 meses, desde meados de 1970 até Março de 1971... O BART 2917 veio substituir o BCAÇ 2852 (1968/70). Talvez o Machado se consiga lembrar do resto do pessoal que aparece na foto... É claro, secundando o convite feito pelo Humberto Reis, que ele é bem vindo à (e desejado na) nossa tertúlia... Como minhoto que é, tem direito a ser recebido com fogo de artifício! (LG).

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.



Mensagem de Abílio Machado (ex-Alf Mil da CCS do BART 2917, Bambadinca, 1970/72) (1)

Meus caros, queridos, caríssimos :

Sim, sou eu mesmo, o Machado, de Riba d'Ave.

Só agora respondo, porque se me avariou o aparelho ... Não é esse em que estão a pensar. Estou a falar a sério, ou à séria, como agora se diz .

Tive de facto um problema grave no computador e só hoje posso responder a alguns mails que aqui tenho.

Podem imaginar o que aqui vai de mensagens. A partir de amanhã enviarei para todos mails pessoais, depois de ver tudo o que aqui tenho. Fiquei contentíssimo por ver tantos amigos no meu mail.

Realmente a amizade é intemporal e vence distâncias ... Como é possivel que, ao fim de 35 anos, continue a ter muitos de vós tão presentes: as feições (como devem ter mudado), os factos, o convívio, os bons e maus momentos, as tainadas, as cantorias, etc., etc.

Esparsamente, fui encontrando um ou outro amigo da CCS. Vejo agora reatados os contactos que perdera e prometo não os alienar.

Um abraço que abarque todos e do tamanho da alegria que me deram.

Abilio Machado

P.S. - Cadê o mail do Levezinho? Quem mo manda?

Ciao

2. Resposta do Humberto Reis

Bilocas da Cooperativa:

ENFIM ESTÁS VIVO! Que bom ler-te ao fim de uns 35 anos que estive em tua casa, e da Lua, com o Tony Levezinho e as nossas companheiras de infortúnio, que agora já são avózinhas.

Esperamos que agora não vás comprar cigarros, como o da telenovela, e só apareças daqui a 30 anos porque já cá não estou, e a maioria também não.

Toma nota do endereço do Tony Levezinho. O móvel é o [...]. Ele vai ficar satisfeito de saber notícias tuas.

Ficamos a aguardar a tua entrada na nossa Tertúlia. As regras são bem simples, por isso não arranjes desculpas para não te inscreveres.

Eu, e o nosso Regedor-Presidente-Director-Administrador do blogue, o LUÍS Manuel da GRAÇA Henriques, moramos aqui nos arrabaldes de Lisboa, mais concretamente em Alfragide. Por isso, se vieres a Lisboa com tempo para 2 dedos de conversa, diz alguma coisa com antecedência. Infelizmente o nosso amigo Tony Levezinho, que morava aqui na Amadora, bem perto de nós, refugiou-se lá em baixo em Sagres, no Martinhal, e só umas visitas ao neto o trazem cá acima a Lisboa. Mesmo assim é sempre a correr e nunca lhe ponho a vista em cima.

Ficamos à espera de notícias tuas

Aquele Abraço

Humberto Reis

3. Por sua vez, o Benjamim Durães (3) vem lembrar ao Abílio Machado que não se esqueça do 1º convívio do pessoal da CCS do BART 2917, marcado para Setúbal, dia 9 de Junho de 2007 (4).

____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

14 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1525: Tertúlia: Durães, Vinagre & Cª Lda, do BART 2917 (Humberto Reis)

13 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1520: Bambadinca, CCS do BART 2917: Alferes Abílo Ferreira Machado, o Bilocas da Cooperativa (Humberto Reis)

(2) Vd. post de:

15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1527: Lista de ex-militares da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (Benjamim Durães)

(3) Vd. post de 21 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1618: Tertúlia: Benjamim Durães, ex-furriel mil da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)

(4) Vd. post de 1 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1556: 1º Convívio da CCS do BART 2917: Setúbal, 9 de Junho de 2007 (Benjamim Durães)

Guiné 63/74 - P1630: Uma estranha forma de morte (Luís Graça)

Lisboa > Cais da Rocha Conde Óbidos > Meados de 1965 > Embarque, no TT Niassa, do pessoal da CCAÇ 1426 e de outras unidades para a Guiné. Ao fundo, o tabuleiro da ponte sobre o Rio Tejo ainda em construção.

Foto: © Fernando Chapouto (2006). Direitos reservados.

Um estranha forma de morte (1)

Um estranha maneira de dizer adeus.
Um estranho povo, este,
que vem ajoelhar-se
no cais da partida,
não em oração,
em súplica,
para aplacar a ira dos deuses,
mas vergado,
vergado à toda poderosa razão
de Estado.

A Pátria contra a Mátria.
A tentacular força centrífuga
que de há séculos,
ó meu tuga,
te leva os filhos teus,
para fora.
Paridos e expulsos da Mátria,
para longe,
em má hora,
bem para longe,
muito para lá do mar.

Uma despedida breve,
com lágrimas salgadas no rosto
e lenços brancos
em fundo preto,
sob um céu de chumbo.

Todas as despedidas são breves
e tristes.
O momento,
em que o Niassa apita três vezes
e levanta a âncora,
e lá fora chove,
esse momento da partida
nunca se poderia eternizar.
nem conviria.
Não ficou decididamente
na fotografia

Romance do triste soldado,
diz o capitão do mar e da guerra,
lencinho ao pescoço,
cheirando a Vate 69,
fotocine, cinéfilo,
garboso, charmoso,
mas já grosso,
pronto para a acção
em terra,
para a porrada,
para o que der e vier.
Rumo à Guiné,
país de azenegues
e de negros.

Há um briefing às cinco da tarde,
já em velocidade de cruzeiro,
depois do Bugio,
no mar alto português,
anuncia o oficial de dia,
pouco ou nada miliciano,
que serve de mordomo,
pequeno-burguês.
Vai na segunda comissão,
o provinciano,
o militarão,
o criado de libré,
que nunca trerá ouvido falar
da batalha da Ilha do Como
nem do massacre do Pijiguiti,

E o filme da noite é
uma comédia,
senão divina, muito santa,
acrescenta o nosso primeiro,
que já serviu de porteiro
em bares do Cais do Sodré.
Ao jogo, ficam os dedos,
vão-se os anéis,
puxa-se a manta.

Um gajo bacano
num país de bacanos,
de chicos espertos,
de grandes medos,
de mangas de alpaca cinzentos,
de soldados rasos,
primeiros cabos,
furriéis
e segundos sargentos.

Uma tragicomédia,
escreverei eu
no meu diário
a que mais tarde chamarei
o diário de um tuga.
Onde está o general ?
Onde estão os oficiais ?
Onde está a elite ?
Onde está o chique ?
Os filhos-família,
os primeiros,
a fina flor,
os morgados,
os primogénitos,
os fidalgos,
a casta,
a raça,
o sangue azul,
o pedigree,
o espelho da grei,
os melhores de todos nós ?
Morreram, todos,
com El-Rei,
em Alcácer Quibir.
Mentiram-me Tavira.

Lisboa, revista, revisited,
pelo Álvaro de Campos
em filme de oito milímetros.
A preto e branco.
Ou a preto e negro,
uma só Nação,
valente e imortal,
ironiza alguém, clamando
pelo António,
pelo Ferro,
pelo Almada
A morrer,
que morra o Dantas, pum!

O Niassa colonial
na azáfama do seu vai-e-vem
antes de ir
parar à sucata.
Inglória
a sucata da história
que eu perdi
aos dezoitos anos
quando dei o nome para as sortes.
Como se fosse aleatória
a amostra dos mancebos.
Estranha palavra esta, a das sortes,
que rima com desnortes
e com mortes.

A despedida breve e triste
do Niassa.
E ainda mais triste o filme,
sem som,
sem palavras desnecessárias,
a preto e branco,
que alguém terá feito
no cais das sete partidas.

A noiva
que ia vestida de branco
com xaile preto.
A sacerdotisa
da morte.
A novíssima ponte de Salazar.
O velho abutre que, sem pejo,
alisa as suas penas,
dirás tu, Sofia, pitonisa...
Quase morto mas não enterrado.

Os últimos golfinhos do Tejo,
a última fragata de vela
erguida,
a última caravela,
o último império,
Lisboa e o seu casario,
branco.
Lisboa-cliché.
Lisboa conformista
e conformada.
O filme a preto e branco,
um gato preto à janela.
Lisboa e as suas ruínas
pré e pós-pombalinas.
O poço dos mouros,
o poço dos negros,
o lundum, a umbigada,
a procissão
da Nossa Senhora da Saúde.

Ah, e a Santa Inquisição,
zelando pela pureza do sangue
e a rectidão das nossas consciências
e a salvação da alma
do Senhor Dom João
Quinto.

Revisito os heróis da escola primária:
Albuquerque,
Mouzinho,
Teixeira Pinto.
Ao alto,
o cemitério dos Prazeres
com os seus aprumados ciprestes negros.
Em frente,
os mastros dos navios
da carreira colonial,
o império por um fio,
a vida
que se recapitula
de fio a pavio,
o último comboio da noite
que veio do Campo Militar
de outra santa, Margarida.

As santas das nossas mães
que ficaram em casa
a acender a vela à Santa das Santas.
O menino de sua mãe,
um fado
que eu ouvi no Bairro Alto
e que já não era batido
nem dançado
nem cantado,
um fado apenas gemido.
Uma estranha forma de vida,
uma estranha forma de morte.

Ordeiros,
os soldados
como os cordeiros
da matança da Páscoa.
No Cais da Rocha Conde de Óbidos,
alinhados, formatados,
como os eléctricos amarelos,
nos seus carris de ferro,
que vão para a Cruz Quebrada.
Empilhados,
vão os soldadinhos,
de chumbo,
aboletados,
roubados às mães,
requisitados aos pais,
para servir
a Pátria,
o Pai-Patrão
que nos cobra o dízimo
em sangue suor e lágrimas.

Mudos, agrilhoados,
os básicos,
uns refractários,
outros desertores,
fujões, traidores,
ladrões, facínoras,
bufos, legionários,
homicidas, regicidas,
sodomitas, infiéis,
cristãos mui pouco ortodoxos,
gente do reviralho,
rendeiros e cabaneiros,
fidalgos arruinados,
maçaricos, pescadores,
soldadores, trolhas,
moços de estrebaria,
cozinheiros, corneteiros,
apontadores de diligrama,
municiadores de metralhadora,
atiradores,
sacristães...

Coitadas das mães
que tais filhos pariram,
diz a letra do ceguinho
da Feira da Ladra.
Subindo o portaló do navio, o cadafaldo,
com um nó na garganta,
mal disfarçado,
p'lo lencinho,
verde ao rubro.

Pobres mães, pobrezinhas,
com os seus pequenos lenços brancos
como em Fátima, no 13 de Maio.
Algumas bandeiras verdes-rubras,
poucas e loucas,
que os tempos que já lá vão
não são de exaltação,
patriótica.
O hino,
agira canta-se com voz rachada,
em disco riscado
pelas senhoras,
tias, dirias hoje,
do Movimento Nacional Feminino.

A mesma atitude
admirável
de resignação hipnótica
ante o arbítrio dos deuses
que tudo pedem.
Em troca de tão pouco ou nada.
Diz o capelão,
cheio de unto e de virtude,
que é um povo religioso,
admirável,
porque tem o sentido do pathos,
da tragédia inelutável.

Senhora minha,
protege-me,
do IN,
das minas e armadilhas,
dos fornilhos e das bailarinas,
das canhoadas e roquetadas,
das morteiradas,
dos estillaços
e dos tiros das kalash e da costureinha.
Dos esquentamentos e das sezões,
dos ataques de abelhas assassinas
e das formigas carnívoras.
Mas também do cone de fogo
das nossas bazucas
e dos canhões sem recuo.
Do coice do obus catorze.
Das piçadas
e dos louvores dos meus comandantes,
e sobretudo de mim mesmo,
soldado malgré moi,
soldado à força
arrebanhado,
arregimentado,
aboletado,
requisitado,
condenado,
ameaçado,
camuflado.
Livrai-me, Senhora,
da fome, da peste e da guerra,
da malária, do beriberi,
e do inimigo da minha terra
que me manda para tão longe.

Lisboa e as suas sete colinas
perdem-se na linha de água.
Pus o combate do possível
na minha agenda
de expedicionário da Guiné.
Pus o fio com a medalha de ouro
ao peito,
que me deu a namorada,
coitada, destroçada.
Não, não uso a cruz,
o crucifixo.
Não vou para a guerra santa,
senhor capelão.
Alguém há-de rezar por mim
para que eu volte
são e salvo.
Do regulamento é apenas
a chapa de zinco
com o número mecanográfico
13151468
e o picotado ao meio.
Para mais facilmente ser cortada
em duas partes
que seguirão caminhos distintos
tudo isto face ao risco,
bem real e concreto,
de eu vir morrer longe.
bem longe
para lá do mar,
em terra que não me viu nascer.

Descansa, camarada,
alguém fará o teu espólio,
cerrará os teus dentes,
fechará os teus olhos,
engraxará as tuas botas e
porá bandeira nacional
em cima do teu caixão.
Se não morreres de morte súbita.
Se não morreres de morte matada.
Se não morreres de coração.

Não vos deixaremos para trás,
camaradas,
sempre ouvi dizer aos páras.

Levarei comigo a pedra-chave
que me liga ao além.
Uma chapa de zinco,
picotada ao meio.
Outrora era de xisto ou de grés,
entre os meus antepassados
da pré-história recente.

Camaradas
(que colegas é só nas putas):
se for eu,
a morrer,
que me enterrem
numa anta do meu megalítico país.
Não me deixem a criar raíz
na bolanha do Cufeu.

Luís Graça

Lisboa, Maio de 1969 / Março de 2007

___________

Nota de L.G.:

(1) Versão, aumentada e corrigida do poema O meu país megalítico > Vd. post de 15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - DXL: o meu país megalítico (Luís Graça)

terça-feira, 27 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1629: Lendo os vossos depoimentos com um nó na garganta... O que é feito da CCAÇ 2585 ? (Raul Nobre, ex-Alf Mil Médico)

Mensagem de Raul Nobre, médico:

Meu Caro Luís Graça:

Tenho lido estes depoimentos com um nó na garganta. É muito importante em todos os sentidos, quer histórica quer emocionalmente.

Em 1969 fui incorporado como médico na CCAÇ 2585, comandada pelo Capitão Tomaz da Costa. Ainda fiz o IAO na Arrábida e gozei os 10 dias de licença antes do embarque. Entretanto deu-se o "atentado" ao Niassa e o embarque do Batalhão fez-se com atraso. Eu não cheguei a embarcar, pois deferiram-me o requerimento que fizera para poder terminar a especialidade de Estomatologia e em 1971 mandaram-me para Timor donde regressei em 1973.

Nunca mais tive notícias de ninguém. Recordo-me que havia um Alferes chamado Almendra, creio que natural de Trás-os Montes.

O meu contacto com os camaradas foi de curta duraçáo, pois tinha sido reinspeccionado, fizera uma recruta de um mês em Santarém e tinham-me colocado naquela Companhia que, por sua vez, tinha sido constituída a toda a pressa.

Gostava de ter notícias daqueles rapazes.

Um abraço e a minha admiração pelo trabalho que estás a fazer.

Raul Nobre

Comentário do editor do blogue:

Caro camarada Raul: Obrigado pelas tuas palavras de apreço pelo nosso blogue. Infelizmente, não tenho nennhuma informação útil sobre a CCAÇ 2585. Em todo o caso, é uma unidade formada no meu tempo. Parti para a Guiné, a bordo do do Niassa, em 24 de Maio de 1969. A minha companhia (independente) era CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12) (1). Mas connosco não foi a CCAÇ 2585. Deve ter partido antes. O nosso camarada Manuel Lema Santos, que pertenceu à Marinha (1º tenente RN), talvez nos possa elucidar sobre este ponto. Também não sei o que se passou com o Niassa, antes: tenho a vaga ideia de ter havido na primavera de 1969, uma tentativa de sabotagem do navio, por parte das forças de oposição ao regime político de então.

Raul: alguém da nossa tertúlia saberá encontrar uma pista que te leve aos teus rapazes da CCAÇ 2585 que tu mal chegaste a conhecer, mas de quem ficaste com uma saudosa lembrança. Até sempre. Luís Graça

________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

Guiné 63/74 - P1628: Projecto Guiledje: fotografias de armamento e equipamento, das NT e do PAIGC, precisam-se (Nuno Rubim)

Armamento do PAIGC - Grad, tubo de lançamento de foguetões 122 mm. Terá sido usado em Gadamael, não em Guileje.

Foto: © Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.

Armamento do PAIGC > Canhão sem recuo 82 B-10, de origem soviética. Levado do Saltinho para o destacamento de Contabane > 1972 > Pel Caç Nat 53 > Na foto, o ex-Alf Mil Paulo Santiago (1).

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.


Armammento do PAIGC > Uma pistola de origem soviética, Tokarev, de 7,62, igual ou parecida à que que foi apreendida ao guerrilheiro Festa Na Lona, na Ponta do Inglês, no decurso da Op Safira Única (2)... Esta arma terá tido a sua estreia na Guerra Civil de Espanha, em 1936, nas fileiras do exército republicano, estando distribuída a pilotos e tripulações de tanques, entre outros... (LG).

Fonte: Kentaur, República Checa (2006) (2).

1. Mensagem do Nuno Rubim, Coronel de Artilharia (R) e historiógrafo (3):

Caro Luís:

Tenho visto, embora não com a frequência que desejaria, o teu blogue. A informação aí colocada é, na realidade, de grande importância para a história do que foi a guerra na Guiné porque, como já tive ocasião de referir, muitos documentos oficiais desapareceram.

O Projecto Guiledje, no que me diz respeito, tem continuado de vento-em-popa. As investigações a que tenho procedido trazem achegas que permitem clarificar várias questões mal conhecidas. Por exemplo e só para mencionar um dado, Guileje foi bombardeada em Maio de 1973 com canhões s/r de 82 mm, morteiros de 82 e 120 mm e ... só há pouco referenciado, peças de 130mm !

Os Grad (foguetões de 122 mm) não foram aí usados, só mais tarde em Gadamael (ainda
por confirmar junto do então comandante da artilharia do PAIGC, com quem espero ter um encontro).

O meu próposito hoje prende-se com a feitura do diorama do aquartelamento que, com a concordância do Pepito, foi decidido representar no período 1965-66, que corresponde à estadia da CCAÇ 726, a unidade que aí permaneceu mais tempo (4).

Mas espero que fiquem arquivados, no centro do núcleo museológico, informações sobre todas as unidades que lá estiveram e, muito possivelmente, das que prestaram serviço nas zonas limítrofes.

Hoje o que venho pedir relaciona-se com a necessidade de obter fotografias de vário armamento e viaturas que lá serviram, no sentido de facilitar a feitura de modelos. A escala escolhida foi a 1:72, o que permite obter alguns kits comercializados, mas alguns outros terão que ser executados de raiz, segundo desenhos e planos, alguns já obtidos.

Portanto fotografias da peça 11,4 cm, obúses 8, 8cm e 14cm, canhão s/r de 10,7cm, morteiros de 81 mm e 106 mm, AM Fox, Daimler e White, Unimog 404 e 411, dos atrelados de água e sanitário, GMC, Berliet, etc... seriam muito bem vindas (5).

Se me mandarem fotos prometo devolvê-las, depois de digitalizadas, ficando devidamente registado quem as forneceu.

Um abraço

Nuno Rubim

2. Comentário do editor do blogue > Meu caro Nuno:

(i) Gostaria que o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné fosse sentido como propriedade de um colectivo... Parece que ainda estamos longe disso. Tu, pelo menos, referes-te ao meu blogue...

(ii) Congratulo-me com os avanços da tua contribuição, única e excepcional, para o Projecto Guiledje...

(iii) O teu pedido é uma ordem... Embora eu tenha fracos poderes, e pouco jeito para mandar, prometo-te toda a colaboração possível por parte dos nossos tertulianos...

Um abraço. Luís
______________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

(2) Vd. post de 19 Março 2006 > Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado (Luís Graça)

(3) Vd. post de 18 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1189: O tertuliano Nuno Rubim, especialista em história militar (Luís Graça)

(4) Unidades de quadrícula deGuileje, por ordem cronológica (e respectivo contacto):

CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965)
CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Nuno Rubim)
CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966) (contacto: Nuno Rubim)
CCAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino)
CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto)
CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos)
CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata)
CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio)
CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Jorge Parracho) (6)
CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (contacto: Amaro Munhoz Samúdio)
CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho)

Vd. post de 15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1431: Guileje: Quem (e quando) construiu os abrigos de cimento armado (Pepito / Nuno Rubim)

(5) 15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1434: Artilharia em Guileje: a peça 11.4 e o obus 14 (Nuno Rubim)

(6) Vd. post de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1477: Guileje: CCAÇ 3325 (Alexandre Agra)

segunda-feira, 26 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1627: Lembranças de Catió (3): Albano Costa / Victor Condeço

III e última parte da série Lembranças da Vila de Catió (1).

Fotos: © Albano Costa / Hugo Costa (2007). Direitos reservados.



O Albano esteve em Guidaje, durante a sua comissão na Guiné (CCAÇ 4150, 1973/74). Voltou à Guiné, com o filho, em Novembro de 2000. As fotos de Catió são dessa viagem. Vive em Guifões, Matosinhos.



Legendas: © Vítor Condeço

Ex- Fur Mil Mecânico de Armamento,
CCS do BART 1913,
Catió 1967/69 (2).

Vive actualmente no Entroncamento.





Guiné- Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 >

Foto 20 > "Pela disposição dos edifícios, do lado direito eram as novas messes (1968), primeiro a de oficiais, em que se notam algumas alterações a nível de portas e janelas, depois a de sargentos ao fundo depois da palmeira. Do lado esquerdo as duas camaratas de sargentos, de uma apenas se vê a ponta da cobertura"(VC).

Guiné- Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 > Foto 22 > "Pelo posicionamento avaliado no visionamento da foto 23, trata-se do antigo heliporto, que terá sido transformado em recinto desportivo e posteriormente em eira para secagem de cereais. Onde se vê o arvoredo e o telhado branco, era a zona dos espaldares dos morteiros 10,7 e 82 e de dois paióis subterrâneos. Mais ou menos no sítio de onde a foto é tirada, era o parque das Daimler" (VC).

Guiné- Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 > Foto 23 > "Do lado esquerdo da foto, a messe de sargentos que mantém muito da sua traça original, (apenas a primeira porta não existia e a segunda janela também não). A construção seguinte é a messe de oficiais. As construções do lado direito eram as camaratas de sargentos" (VC).


Guiné- Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 > Foto 27 >"Em primeiro plano era o heliporto, o edifício mais à esquerda era a caserna nº 3, o do centro, metade era a caserna nº 4, a outra metade a arrecadação principal de material de guerra e de aquartelamento (feitas em 1968). No mesmo enfiamento era o edifício da prisão, mais à frente sobre a direita, de que só se vê parte do telhado, eram os quartos do 7,5 já na parte mais antiga do quartel (nunca soube porque se chamava assim)" (VC.


Guiné- Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 > Foto 28 > "O que foi o Heliporto, à esquerda a messe de sargentos, ao fundo uma das camaratas de sargentos e à direita a caserna nº 3" (VC).

Guiné- Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 > Foto 29 >"Do lado direito outra vista do edifício da arrecadação principal e da caserna nº 4, no mesmo enfiamento o da prisão, ao fundo do lado esquerdo o que resta da caserna nº 2 cujo telhado era em fibrocimento" (VC).

Guiné- Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 > Foto 33 > "Do lado direito o que era a cozinha, o refeitório e o bar das praças. Ao fundo era o depósito de géneros" (VC).

Guiné- Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 > Foto 35 > "Trata-se da rua que partia do largo do mercado e que ligava ao caminho da pista de aviação (a foto é tirada do lado de quem vem do caminho da pista). Do lado esquerdo, a habitação a loja e agência de viagens dos Correias (era seu gerente o Sr. António Duarte Barros), a seguir o celeiro e a loja da Ultramarina. Do lado direito, era o edifício do Mercado e a avaliar pela foto ainda deve ser. (No âmbito da geminação em 2003, de Catió com Stª Maria da Feira, existe um projecto de reconstrução para este mercado)" (VC).

Guiné- Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 > Foto 36 > "É a mesma rua da Foto 35, mas vista do lado de quem vem do largo" (VC).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1505: Lembranças da Vila de Catió (1): Albano Costa / Mendes Gomes / Vitor Condeço

15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1528: Lembranças da Vila de Catió (2): Albano Costa / Vitor Condeço.

(2) Vd. posts de:

11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço)

3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1336: Catió: Autor de pintura mural, procura-se (Victor Condeço)

3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

Guiné 63/74 - P1626: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): O Moicano e os milícias


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Legenda do fotógrafo: "Moicano bêbedo, louco ou a aclimatar-se... tudo junto"

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Legenda do fotógrafo: "O milícia e guia das NT, Seco Camará: 56 minas detectadas e muitas guerras" (1)...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Legenda do fotógrafo: "O meu amigo Sargento do Pelotão de Milícias, Mádia Baldé"...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Legenda do fotógrafo: "Eu e milícias"...

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados (1)

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Desta vez, uma segunda série. Chamou-lhe Fotos Falantes, o que é uma expressão curiosa que vamos manter, e que faz jus à ideia de senso comum de que vale mais uma imagem do que mil palavras... Eu concordo, em parte, porque acho que uma boa fotografia exige sempre uma boa legenda...

O Torcato Mendonça, um homem do sul, vive hoje no Fundão, onde eu há tempos, no princípio deste ano, tive o grato prazer de conhecer pessoalmente. Foi Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

(...) "Vou republicar hoje, 26 de Novembro de 2006, o relatório da Op Abencerragem Cadente (que raio de nome esotérico!), desdobrando um texto que, de certo modo, dá o pontapé de saída a este blogue (ou mellhor, ao Blogue-Fora-Nada, que antecedeu o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)...

"Fá-lo homenageando os nossos camaradas que tombaram na Ponta do Inglês: o furriel miliciano Cunha, o soldado Soares e os outros camaradas - cujs nomes não recordo - da CART 2715 (aquartelada no Xime) que morreram na Operação Abencerragem Candente, na madrugada de 26 de Novembro de 1970 (dias depois da invasão de Conacri, a 22, por uma força comandada por Alpoim Galvão e na qual participaram os meus vizinhos da 1ª Companhia de Comandos Africanos, estacionados em Fá Mandinga).

"Quando publiquei esse texto - em 25 de Abril de 2005 -, eu tinha alguma dificuldade em me curvar perante a memória do Seco Camará, mandinga do Xime, embora reconhecesse que ele fora um valoroso e competente guia e picador das nossas tropas, durante anos e anos a fio.

"Como muitos outros pobres diabos, o Seco fora também um mercenário, um colaboracionista, um torcionário, um homem para os trabalhos sujos da guerra: ele próprio me confessou um dia, com aquela autoridade e candura africanas de homem grande, que nos anos da política de terra queimada, da repressão brutal às populações do Xime que simpatizavam com (ou apoiavam) a guerrilha (Samba Silate, Poindon, Nhabijões...) , ele próprio era encarregue pelo capitão tuga do Xime (sic), para matar, à paulada (sic), em pleno mato, os elementos suspeitos, capturados...

"Tenho dificuldade em fazer recuar esses tempos, mas é bem possível que sejam anteriores ao tempo do Governador e Comandante-Chefe, General Arnaldo Schulz (1965-1968),o mesmo é dizer, que devem ser do tempo dos seus antecessores: 1959 - 1962 António Augusto Peixoto Correia (1959-1962) e Vasco António Martínez Rodrigues (1962-1965).

"No regresso ao quartel, o capitão, manga de bom pessoal (sic), pagava-lhe um sumol (sic)... O coitado do Seco Camarà, peça insignificante da máquina de guerra colonial, foi ao mesmo tempo um tenebroso carrasco e uma pobre vítima, como muitos outros guinéus, e nomeadamente os pertencentes aos grupos étnicos islamizados...

"O Seco Camará morreu ingloriamente em 26 de Novembro de 1970, nesta operação que eu aqui evoco e em que participei. Recordo-o, ainda hoje, com o seu inseparável cachimbo e o seu ar de cão rafeiro... Nunca saberei se alguma vez se sentiu (ou poderia sentir) português. Sei apenas que foi um bravo soldado - ou melhor, auxiliar dos militares portugueses - e eu não posso julgá-lo, sumariamente, com base nos meus valores ou princípios éticos. É claro que também não vou absolvê-lo com base no relativismo cultural: o facto de ser mandinga, descendente de um povo de guerreiros e conquistadores, não lhe davam quaisquer direitos, e muito menos o direito de vida ou de morte...

(...) "Alguém, da população do Xime - que me desculpe o nosso amigo José Carlos Mussá Biai, que nessa altuta teria 7 anos! -, nos terá traído nessa noite fatídica. A nós e ao Seco Camarà. Ou se calhar nem foi preciso isso: 250 homens em armas são uma multidão ruidosa, a entrar e a sair de um quartel... No mato, na antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, são uma cobra gigantesca, de quilómetro e meio" (...).

(2) Vd. posts anteriores:

24 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1459: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Operação Cabeças Rapadas (Estrada Bambadinca-Xitole, Março / Maio de 1969)

16 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1372: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mansambo: Rescaldo da batalha de 28 de Junho de 1968

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1295: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Mariema, a minha bajuda...

8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira

11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou ?

domingo, 25 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

O Furriel Miliciano de Operações Especiais Carvalho, ainda na Metrópole... Fez parte dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) e acabou a sua comissão nos Lacraus, em Paunca (CCAÇ 11)...


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Ex-Fur Mil Op Especiais Carvaljho, com a sua amada Kalash... Ao fundo, é visível o oráculo (a Nossa Senhora de Fátima e ao Santo Cristo dos Milagres) erigido pelos Gringos de Guileje - a CCAÇ 3477 (1971/72), a que pertenceu o nosso camarada , o ex- 1º cabo enfermeiro Amaro Munhoz Samúdio (1).


lbum de fotografias do ex-Fur Mil Op Especiais Carvalho, confiado à guarda do editor do blogue.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


1. Texto do José Casimiro Carvalho que me foi confiado no primeiro encontro da nossa tertúlia, na Ameira, em 14 de Outubro de 2006 (2), altura em que o conheci pessoalmente. Ele também me confiou o seu álbum fotográfico e um conjunto de cartas e aerogramas enviados a amigos e familares no período em que esteve em Guileje, Cacine e Gadamael (1972/73). Uma selecção dessa correspondência começará a ser publicada em breve, a par de algumas fotos do seu álbum (dos seus dois álbuns!), de maior interesse documental.

Com o atraso de alguns meses, o ranger Carvalho apresenta-se hoje na primeira pessoa do singular. A ele e ao resto da tertúlia, peço as minhas desculpas pelo lapso, ou melhor, pela demora. Acontece que o pobre editor do blogue já não tem mãos a medir... Mas, com tempo e vagar, tudo o que lhe é confiado se publica, ou publicará: (i) para a posteridade, para que nenhum filho da mãe fale, impunemente, em nosso nome, ou nos venha a querer aldrabar!; (ii) para que os nossos vindouros - filhos, netos, bisnetos... - não nos acusem de termos morrido, calados!; (iii) enfim, para deixar, em primeira mão, aos historiadores, o nosso testemunho: porque estvemos lá!... Em Guileje, em Gadamael, em Paunca!...

Sublinho, entretanto, o grande interesse do depoimento deste nosso camarada para a elucidação e compreensão do período final da guerra na Guiné, tanto no sul (Guileje e Gadamael) como no zona leste (por exemplo, Paunca).

O que se passou aqui - em Paúnca e noutros sítios da Zona Leste, o chão fula, por excelência - , a seguir ao 25 de Abril de 1974, é inédito e chocante, para mim!... Os quadros (metropolitanos, brancos, tugas...) da CCAÇ 11 foram expulsos do quartel de Paunca, com o cano da G-3 enfiado nas costas, pelos soldados fulas, amotinados, da CCAÇ 11, uma das criações de Spínola e dos spinolistas. Estive com eles em Contuboel. À CCAÇ 11 (ou melhor, na altura, a CART11) pertenceu o meu amigo Renato Monteiro, o mediático homem da piroga no Geba (3). Eu e outros camaradas da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 - como o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Zé de Sousa, o Rodrigues, o Martins, o Gabriel... -, estivémos com eles em Contuboel, de Junho a Julho de 1969... Embarcámos na mesma aventura de formar a nova força africana de Spínola...

A seguir ao 25 de Abril de 1974, fugido do inferno de Guileje e Gadamael, caído de paraquedas em Paunca, na CCAÇ 11, o Casimiro Carvalhos vai conhecer o desespero e a raiva dos nossos aliados fulas, miseravelmente abandonados por nós... Este é um dos episódios mais chocantes da guerra da Guiné, aqui contados pelo nosso herói de Gadamael. Só é pena que ele tenha sido tão parco em palavras, no que diz respeito a este humilhante final de comissão (mas também - julgo eu - de guerra, de império, de história)...

Amigos e camaradas da Guiné: Só espero que este depoimento abra os diques aos milhões de palavras (muitas deles indizíveis e contraditórias) que estão contidas nas corações dos nossos camaradas que, como o Casimiro Caravalho, foram de facto os últimos guerreiros do Império... Há outros, também acanaram em 1974, imediatamente antes ou depois do 25 de Abril, a sua comissão... Cito alguns, da nossa tertúlia: Albano Costa, Américo Marques, Antero Santos, António Duarte, António Graça de Abreu, António Santos, António Serradas, Carvalhido da Ponte, Eduardo Magalhães Ribeiro, Fernando Franco, João Carvalho, Joaquim Guimarães, José Bastos, Luís Carvalhido, Manuel Cruz, Manuel G. Ferreira, Manuel Oliveira Pereira, Maurício Nunes Vieira, Sousa de Castro, Victor Tavares ... (Desculpem se esqueci alguém!)..

Confesso que eu não gostaria de estar na pele deles... Também eles foram miseravelmente abandonados por todos nós: os que vieram regressaram a casa antes, como eu, em 1971, a hierarquia militar, o exército, o MFA, o Conselho da Revolução, os Governos Provisórios, o povo português, Portugal... Não vale a pena ninguém pôr-se fora... (LG)


Dos Piratas de Guileje (CCAV 8350, 1972/73) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11, 1974)

por José Casimiro Carvalho (Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue)


Fiz a recruta como soldado do contingente geral em Leiria, no RI 7 – Regimento de Infantaria 7. Fui depois escolhido para frequentar o CSM – Curso de Sargentos Milicianos em Caldas da Rainha (RI-5)

Destacado para Tavira, acabei por ser escolhido, in extremis, para frequentar o curso de Operações Especiais, em Lamego, o qual terminei com 15,28 valores.

Segui para Estremoz onde, já como Cabo Miliciano, ministrei instrução num pelotão da CCAV 8351 (mais tarde chamada, na Guiné, Os Tigres de Cumbijã). Nomeado para servir no CTIG, fui transferido para a CCAC 8350 (que ficará conhecida como Os Piratas de Guileje).

Embarcámos em Outubro de 1972 e já em Bissau seguimos numa LDG para Gadamael e daí para Guileje, em coluna auto, com uma segurança reforçada (na óptica de um maçarico, hé-hé-hé).

Já em Guileje , em sobreposição com Os Gringos [ CCAÇ 3477, 1971/73], passámos um período de muito trabalho de patrulhas e não só. Passámos uns meses descansados, tirando as patrulhas, dia sim dia não, com que o Comando nos premiava. Andava a caçar pássaros com uma caçadeira que o chefe da tabanca me emprestava (só pagava os cartuchos) e era um ver se te avias, era aos 50 pardais cada tiro, e os jubis [ putos ] lá andavam a apanhá-los e atrás dos que só ficavam feridos. Era cada arrozada!!!

Um dia, o alferes Lourenço, a manusear uma granada duma armadilha , e rodeado de militares - eu estava emboscado com o meu grupo -, a mesma explodiu-lhe na mão, tendo-o morto instantaneamente. Ficou sem meia cabeça e o abdómen aberto. Eu, já no quartel, ao ajudar a pegar no cadáver, este praticamente partiu-se em dois… Que dor!... Chorei como nunca, e isto foi o prenúncio do que nos esperava.


Com o Marcelino da Mata, em Guileje


Um dia – já não posso precisar quando - fomos atacados com canhões sem recuo, e nesse espaço um Fiat G 91 , que devia andar na área, foi contactado pelo comandante, o Cap Abel Quintas, que lhe indicou o rumo das saídas e ele lá seguiu. Mais tarde soube que tinha sido abatido por um míssil Strella…

Vieram os Páras e o Grupo do Marcelino (Os Vingadores, de Operações Especiais), numa confusão de tropas que eu nunca tinha visto, pudera! Pedi ao Marcelino para me levar na operação de resgate do piloto Ten Pessoa (penso que era esse o nome), tendo ele anuído, mas o meu comandante não foi na conversa, não obstante o Marcelino, ele próprio, ter dito que me trazia de regresso nem que fosse ás costas. Que pena, não tenho essa façanha no meu currículo.

Entretanto fui nomeado para comandar os reabastecimentos a Guileje, antes do isolamento, entre Cacine e Gadamael, por barco (claro).

Andava eu nestas andanças a curtir o sol em LDM ou LDP, quando Guileje foi abandonada, por ordem do então Major Coutinho Lima, e começou a matança no verdadeiro Inferno (4). Desse lapso de tempo a minha cabeça recusa-se a qualificar e quantificar o horror porque passaram todos os intervenientes deste filme de terror. Só tenho pedaços desse filme na minha memória. Recusei-me a falar durante muitos anos sobre este período da minha vida na Guiné.


Em Gadamael, fugindo das morteiradas certeiras do 120


Aqui vão alguns itens, e falo assim para não ser acusado de subverter a verdade dos factos.

Em Gadamael não havia casamatas como em Guileje, só valas. Os bombardeamentos eram tão intensos que nem dava para acreditar, quando ouvíamos as saídas, tínhamos 22 ou 23 segundos até as granadas 120 caírem em cima de nós ou , muito raramente, caírem mais além. O pessoal começou a fugir para o rio, e as granadas caíam no rio, o pessoal corria para o parque Auto e as granadas caíam no parque Auto, o pessoal saltava para as valas e as granadas iam cair nas valas.
Numa dessas quedas (voos) para a vala - e já lá ! -, senti as nádegas húmidas e, ao pôr lá a mão, esta veio encharcada em sangue... Berrei que estava ferido e fui evacuado num patrulha da Marinha para Cacine (entretanto no barco fui tratado e apaparicado pelos marujos).

Em Cacine verificaram que era um estilhaço de morteiro 120 do IN, e que não havia necessidade de ser transferido para Bissau, pelo que fui nomeado chefe de limpeza em Cacine (um Ranger, imaginem) .

Quando começaram a chegar as vítimas desse holocausto, e como ouvia os meus camaradas a embrulhar, deu um clique na minha cabeça e peguei numa Kalash que eu tinha, virei-me para um oficial e disse:
- Ou me mandam já para Gadamael onde morrem os meus homens ou eu varro já esta merda!

Cadáveres regados com creolina


Não me lembro dos entretantos mas sei que me vi num Sintex, a caminho de Gadamael, onde cheguei, mas com um medo terrível a olhar para as margens, à espera duma rajada ou dum roquetada de RPG.

Em Gadamael, num dos bombardeamentos, já no fim, vi um soldado a cair e ainda com o fumo no ar e com o eco das explosões saí em correria louca, alombei com ele às costas e corri para a enfermaria. Ao colocá-lo no chão, vi que não tinha metade do crânio e os miolos escorriam pelas minhas costas.. ( Isto não são Rangerices, meu Deus).

Nessa enfermaria jazia um militar que tinha sido morto por bombardeamentos em Guileje (no abrigo do Morteiro 10,7, o único que não era à prova de morteiro 120), e que mais tarde foi enfiado em 2 bidões juntos e soldados entre si, tal era o estado do cadáver. Na enfermaria os cadáveres eram tantos e o cheiro tão nauseabundo que eram constantemente regados com creolina...


Socorrendo o meu comandante, o Capitão Quintas


Num dos ataques [a Gadamael], o Capitão Quintas foi ferido muito gravemente; ajudei-o a chegar ao cais, debaixo de fogo, arranjei um Sintex e o mesmo não tinha depósito...! Corri, debaixo dum bombardeamento terrível, arranjei um depósito tendo então levado o Sintex para Cacine, com ele e mais feridos (5)

O pessoal entretanto debandava para o mato , onde era mais seguro estar. Um deles morreu enterrado no lodo, outros foram recuperados numa lástima , por elementos da Marinha (julgo eu) (6)...

Neste espaço de tempo - não sei precisar a cronologia -, chegou um Helicóptero com o Gen Spínola e o Cor Rafael Durão. Este, ao sair, fitou-me e vociferou :
- Quem é você ? - Eu trajava um camuflado com cortes nas meias mangas, calções e botas de lona e sem quico… Retorqui-lhe , em sentido:
- Apresenta-se o furriel Car.... - Ele interrompeu-me, de imediato e no meio daquele Vietname ordenou-me:
- Vá-se fardar correctamente e venha-se apresentar!...
Entretanto, reuniu as tropas (as que pôde) e chamou-nos tudo o que lhe veio à cabeça:
- Cobardes, ratos… Vocês mereciam que vos arrancasse a cabeça a pontapé!..

Mais tarde o Heli arrancou e passados uns três minutos caíram duas morteiradas no preciso local donde saíra.

Nestes espaços de memória lembro-me de chegarem os Páras (7), que começaram a varrer a zona. Lembro-me duma patrulha deles sair (um bigrupo, julgo) e, passados uns minutos, era tamanha a fogachada que se viam as explosões de granadas e dos RPG. Demorou uma eternidade, quando os páras regressaram traziam 16 feridos, um dos quais um sargento com um tiro numa perna e que ...sorria! Que tropa moralizada, meu Deus!...

Após um ataque de canhões sem recuo por parte do IN, vem um Fiat G 91 que picou, largou uma bomba enorme e roncou os motores numa subida louca, a bomba rebentou, estremeceu o quartel e os nossos corações, até os tomates abanaram.

Não havia condutores no quartel, tinham fugido para o mato ou desaparecido. Não havia munições nos canhões e morteiros , então eu peguei numa Berliet e um ilustre desconhecido (adorava saber quem foi !) (8) acompanhou-me na odisseia de andar debaixo de morteirada na corrida aos paióis. Trazíamos granadas para as bocas de fogo e, claro, que, quando os tiros de bocas de fogo do IN saíam, nós não ouvíamos e só quando rebentavam é que nos apercebíamos e saltávamos em andamento.

Massacrados a 1200 metros do arame farpado
Noutra altura um oficial apanhou meia dúzia de homens e disse :
- Vão fazer uma patrulha ao longo do rio até à zona da antiga pista e mantenham-se lá emboscados.

Eu peguei então numa G-3 (eu que era conhecido por andar sempre de HK 21, vejam lá o moral), num cantil e duas latas de fruta em calda e, ao sair, com o Alferes Branco, reparei em dois putos que tinham sido apanhados e ordenei-lhes que ficassem:
-Sois muito novos para morrer - disse-lhes eu...

A uns 1200 metros, o alferes resolveu emboscar ali. O guia dissera-lhe que a antiga pista estava armadilhada. Ao passarmos no tarrafo, em direcção a uma pequena clareira de capim, eu disse em surdina Cuidado! … e destravei a arma. Tinha ouvido um pisar de ramos, mas como nada se passou eu disse Não é nada, deve ser um pássaro… mas ao segundo ruído, pus a arma em rajada e, ao atirar-me ao chão, gritei Emboscada!

Ainda vi a cara do alferes a ser atingida por uma rajada, foi um tiroteio terrível, tiros características de armas russas, e do nosso lado só ouvia uma arma a disparar tiro a tiro. Eu tinha despejado um carregador. Fremitamente, peguei em outro, disparei-o em três rajadas, com a cara colada no chão e com a imagem (na mente, claro) de um inimigo a apontar-me a arma às costas e a disparar... Pensei na minha mãe e, ao pegar no terceiro carregador, o fogo IN parou tão abruptamente como começara. Ouço uma gritaria aterrorizante e, como só havia um homem a disparar à minha beira, berrei-lhe:
- Vamos embora enquanto estamos vivos!... - Ele gatinhou por baixo do tarrafo, eu segui-o, passei pelo cabo, já abatido e todo ensanguentado, de nome Neves - se não me engano, e que era guarda costas do capitão - e corri loucamente em busca da salvação, ali tão perto e... tão longe. Larguei cinturão, cantil, latas de frutas e carregador, só levei a G 3 pois estava-me entranhado na cabeça, desde Lamego, que deixar a arma...NUNCA!

Saiu um grupo de Páras para ir em nosso socorro e, quando chegou, jaziam lá quatro corpos .
Quando eles chegaram, não deixaram ver os copors e eu cheguei-me aos berros dizendo:
- Ou me deixam ver os meus irmãos ou fodo esta merda toda! - Claro que neste clima de paranóia valia tudo e lá consegui vê-los. Dispenso-me de pormenorizar aqui o terror do que vi, feito pelo IN aos cadáveres...


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1973 > "Era o vinho, meu Deus, era o vinho"...

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


Nesses dias, os bidões de vinho esventrados por estilhaços vertiam vinho e era ver o pessoal (eu incluído, claro) deitado por baixo dos esguichos a afogar as mágoas (hilariante e patético mas compreensível…).


Depois do 25 de Abril: Com uma arma apontada nas costas pelos fulas da CART 11

Fomos para o Cumeré tirar outro IAO . Eu fui para Prabis com mais 12 homens, outros foram para Quinhamel ou Bijemita (??). Depois fomos para Colibuia-Cumbijã, e aí fui destacado para rendição individual, sendo transferido para Bissau a fim de tirar estágio de Companhias Africanas, e durante esse estágio deu-se o 25 de Abril.

Fui então para Paunca, CCAÇ 11 – Os Lacraus, onde me mantive até ao fim da minha comissão. Não sem antes levar um susto de morte, pois os militares africanos da CCAÇ 11 sublevaram-se (3). Quando eu estava a dormir, ouvi tiros, vim em calções com a Walther à cintura até ao paiol. Quando lá cheguei, eles estavam a armar-se e a disparar para o ar e eu, quando os interrogava pelo motivo de tal, senti o cano de uma arma nas costas, ordenando-me que seguisse em frente (até gelei)… Juntaram todos os quadros brancos e puseram-nos no mato… assim mesmo.


Humilhados e ofendidos… socorridos no mato pelos inimigos de ontem!

Caminhámos muito, de noite, desarmados, e fomos até um acampamento de guerrilheiros do PAIGC, contámos a situação e eles mandaram um punhado deles a Paunca. Gritaram então lá para dentro:
- Têm 5 minutos para se entregaram e restituir o quartel aos brancos ou destruímos tudo! - Eles, os fulas, entregaram-se.

No fim, já de abalada, fomos ao paiol, juntámos todas as granadas e explosivos, e eu fui encarregado de os fazer explodir , ao redor de uma enorme árvore. Que cogumelo de fogo, impagável !

Deixei a G3 em Guileje...

Fui encarregado de comandar uma coluna de 22 viaturas até Bissau, por Fajonquito, Jumbembem Farim, Mansoa, Nhacra…Bissau. Ao fazer o espólio, não tinha G3, mas , como não tinha…
- Ó pá, estiveste em Guileje ?... Então ‘tá bem, não entregas.

A seguir vim de avião para a Peluda. Nesta pequena resenha há imprecisões próprias da distância temporal, do stress pós-traumático de guerra, há erros de cronologia e… não há sequência, mas serve para o que serve, afastar fantasmas e partilhar com a tertúlia do Graça e para isso… basta, tá ?

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1293: Guileje: do chimpanzé-bébé aos abrigos à prova do 122 mm (Amaro Munhoz Samúdio, CCAÇ 3477)

10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1162: Guileje: CCAÇ 3477, os Gringos Açorianos (Amaro Munhoz Samúdio)


(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

(3) CCAÇ 11: formada a partir da CART 11/CART 2479 >

Vd. posts de:

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1015: CART 2479, CART 11 e CCAÇ 11 (Zona Leste, Gabu, subsector de Paunca)

2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1612: Relembrando, com saudade, os nossos soldados fulas da CART 11 (Renato Monteiro / João Moleiro)


(4) Vs. posts de:

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1478: Unidades de Guileje: Coutinho e Lima, ligado ao princípio e ao fim (Nuno Rubim)

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)


(5) Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)

(6) Um momento alto do encontro do nosso 1º encontro na Ameira (2) foi a evocação da LFG Orion por parte do ranger Casimiro Carvalho: foi através do nosso blogue que ele soube, trinta e três anos depois, que, além dos paraquedistas, houve outros anjos da guarda no princípio do mês de Junho de 1973, a guarnição da LFG Orion, representada na nossa tertúlia e no encontro da Ameira pelo comandante Pedro Lauret, na altura oficial imediato do navio... Vd. post de 15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte).

(7) Vd. post de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(8) José Casimiro: Vamos lá refrescar essa memória... Não terá sido o 1º cabo escriturário Raposo, açoriano, da tua companhia ? É o que se depreende do conteúdo do post referido em (7):


(...) "Quem deu algum ânimo aos poucos que estavam foi desde logo o 1º cabo escriturário Raposo, açoriano, que se voluntariou para fazer o arriscadíssimo trajecto até ao paiol. Enfiou-se numa Berliet e foi buscar munições debaixo de fogo intenso. Gadamael estava cercado, sem artilharia, sem apoio aéreo, sem capitães, sem médico, sem rádio, sem munições de morteiro 81, tinha por companhia apenas três ou quatro militares na linha da frente.

"A bravura do cabo Raposo e do furriel Carvalho, porém, foi um encorajamento para todos. Com o morteiro 81 municiado pelas granadas trazidas na Berliet, com uma metralhadora que conseguiram montar e os tais três ou quatro militares passaram o resto da noite de 1 para 2 de Junho a lançar umas morteiradas e umas rajadas de metralhadora de tempos a tempos. Só no dia 2 de Junho é que se apercebeu que uma parte significativa dos militares que tinha fugido para a tabanca se tinha deslocado com a população para junto do rio Cacine" (...).