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quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20389: Historiografia da presença portuguesa em África (188): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (4): "Portugueses e Espanhóis na Oceânia", por René Pélissier (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
O historiador René Pélissier procede a uma comparação de duas colonizações ibéricas, face às resistências armadas em duas ilhas da Oceânia: Timor para os portugueses, Ponape para os espanhóis, contextualiza os dois impérios na curva descendente, a tentativa expansionista da Espanha nas Filipinas e a atitude portuguesa, de manutenção defensiva, Lisboa não podia ir mais longe, o foco vital, naquela altura, era a África e a situação financeira mantinha-se caótica. O historiador desvela o modo distinto como procederam os colonizadores espanhóis e portugueses, evidentemente a Espanha veio a perder as Filipinas, Guan e as Antilhas espanholas, o Timor português permaneceu incólume, a atitude da repressão portuguesa foi suficientemente brutal a ponto dos poderes gentílicos terem ficado definitivamente erodidos.
Uma obra para ler cuidadosamente, dá para entender esta faceta tão cara ao colonialismo português: as alianças gentílicas contra o insurreto, transformado em inimigo do colonizador e dos outros régulos.

Um abraço do
Mário


A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (4)

Beja Santos

René Pélissier
O mais recente livro de René Pélissier em Portugal intitula-se “Portugueses e Espanhóis na Oceânia, duas formas de resolver insurreições”, Principia / Tribuna da História, 2018. O autor justifica assim a substância do seu trabalho: “Trata-se de examinar e comparar, durante um curto período (1887-1899), as atitudes e atividades militares de duas colonizações ibéricas, face às resistências armadas e rebeliões de sociedades ou autoridades indígenas que pretenderam subjugar em duas ilhas da Oceânia: Timor para os portugueses, Ponape para os Espanhóis”. Como é óbvio, o foco desta leitura passa pela questão colonizadora, os métodos usados para a pacificação de gente insubmissa. O autor compara o potencial militar espanhol e português no Pacífico, as duas potências coloniais estavam na curva descendente, com as finanças praticamente falidas, a Espanha sonhava com a expansão, Portugal com a retenção, os seus efetivos tinham recrutamentos diferentes, O efetivo português era multifacetado em termos de origem (muito poucos metropolitanos, indiano ou sino-portugueses de Macau e, após 1878, algumas tropas africanas vindas de Moçambique). O jogo de alianças tinha a ver com o génio colonial português baseado na manipulação dos chefes gentílicos, em caso de necessidade pagava-se ao inimigo dos insurretos nesta ou naquela ocasião, compensava-se o aliado com o saque, assim se procedia com os guerreiros das montanhas, os régulos (“liurais”) e os seus nobres, hostes sempre provisórias. René Pélissier lembra que na época Timor era uma ilha de cortadores de cabeças inveterados que adoravam bater-se pelo saque e guarnecer de crânios as fortificações das suas aldeias. A administração podia reunir, sob a sua bandeira, 15 ou mesmo 20 régulos, qualquer coisa como 10 mil homens armados, mais o milhar de moradores de choque e uma escassa centena de soldados regulares de apoio (moçambicanos e artilheiros). Para quem já estudou as campanhas de pacificação do Capitão Teixeira Pinto, há pouca novidade.

O governo português vivia num período singularmente crítico, tinha-se perdido o Brasil e a quase totalidade do seu primeiro império, o Oriental (salvo os entrepostos da Índia, Macau e uns pequenos retalhos na Insulíndia), apostava-se decididamente em África, ainda houve o sonho de criar um território homogéneo de Angola a Moçambique, mas a Grã-Bretanha lançou o Ultimato, encurtou-se o sonho para Angola e Moçambique. Os espanhóis sentiam-se inquietos com a presença britânica e alemã na vizinhança, houve mesmo um contencioso com Berlim, quando esta anunciou a posse das Carolinas, Madrid reagiu e mandou ocupar, assim se criou Ponape. Observa o autor: “Sem o saber, o governador das Carolinas Orientais tinha acabado de desembarcar num vespeiro a 3800 km de Manila, ou seja, a 15 dias de distância por navio-correio a vapor. A distância até à capital das Filipinas é quase igual à que separa Timor de Macau: aproximadamente 3600 km”.

1887 foi um ano sangrento para os governadores espanhol e português. A 3 de março de 1887, o governador de Timor foi morto pelos seus auxiliares, em Dili; a 4 de julho do mesmo ano o governador espanhol das Carolinas Orientais foi abatido pelos seus novos colonizados. Recorde-se a existência de diferenças nos dois processos coloniais. Em Ponape, a colónia era de fresca data, havia a ingerência de estrangeiros, desde os baleeiros aos comerciantes, contenda entre capuchinhos e missionários metodistas, era um poder colonial frágil que obrigou à mobilização de efetivos para um regresso em força. O novo governador de Timor, o Capitão-de-Fragata Rafael Jácome Lopes de Andrade possuía apenas um vapor em mau estado, duas companhias de soldados africanos, alguns soldados europeus e maratas (de Goa), num efetivo total provável de 250 homens. Empreendeu uma pequena campanha vitoriosa na Costa Norte e tomou medidas promissoras de apaziguamento, perdoou a vários régulos insubmissos. Em Ponape, andava-se a ferro e fogo, os governadores de Timor envolveram-se em companhas, agregaram auxiliares indígenas, intimidaram, incendiaram, usaram os métodos mais radicais. Em Lisboa, numa década de desespero financeiro, em que se chegou a pensar em confiar Timor a uma companhia majestática segundo o modelo moçambicano, seguia-se com admiração o que os governadores obtinham, a preços low cost.

René Pélissier desvela dois modelos militares e coloniais antagónicos, em Ponape uma política colonial amorfa ou inibida, em Timor um modelo de conquista impiedoso. E fala de José Celestino da Silva, um coronel de Cavalaria, como o grande obreiro desse processo de pacificação, um governador que se tornaria “rei de Timor”, uma invejável longevidade de governação, queria ser obedecido por todos, obrigar a população a produzir café, e foi bem-sucedido. O autor dá-nos um relato desenvolvido das campanhas, uma sequência de sucesso até se chegar ao maior desastre dos portugueses, o aniquilamento da coluna do Capitão Câmara, em 1895, o autor observa que foi o maior desastre dos portugueses na Oceânia e provavelmente de todos os exércitos coloniais do Pacífico Sul antes da II Guerra Mundial: 5 oficiais e 4 sargentos decapitados, juntamento com 19 soldados brancos, indianos ou africanos, uma boa centena de moradores e um número desconhecido de auxiliares deixaram igualmente os crânios no terreno, perderam-se espingardas, três canhões, um obus e muito mais. Celestino da Silvo recompôs-se e limpou a honra, foi implacável na punição. No ano seguinte obteve-se autonomia administrativa, Lisboa decretou que Timor passaria a ser um distrito autónomo separado de Macau, embora Macau continuasse a pagar um forte subsídio a Dili, o défice orçamental timorense era catastrófico.

A Espanha envolveu-se em mais guerras, os EUA deram-lhe o golpe de misericórdia, em dado momento, Madrid vendeu o que restava dos seus arquipélagos na Oceânia aos alemães por 25 milhões de pesetas, perdera as Filipinas, Guan e as Antilhas espanholas. O novo colonizador de Ponape revelou-se tão brutal como os portugueses em Timor. No somatório destas insurreições juguladas, tanto em Ponape como em Timor, os chefes gentílicos saíram diminuídos, o sistema quase feudal das duas ilhas não voltaria a erguer-se. O método de alianças e a brutalidade na repressão foram ingredientes da colonização portuguesa, os timorenses acataram a soberania e a bandeira, ficarão do lado português quando os japoneses ocuparem Timor, em fevereiro de 1942.
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Nota:
Informação do tradutor Daniel Gouveia:
A Editora Tribuna da História/Principia pode enviar por correio todas as encomendas com 10% de desconto e oferece os portes a quem encomendar indicando que vem da parte de Daniel Gouveia.
O procedimento é o seguinte: os interessados enviam um email para principia@principia.pt a dizer que têm interesse em comprar o livro “Portugueses e Espanhóis”, na sequência da informação que receberam de Daniel Gouveia. A Principia responde enviando as informações para pagamento por transferência bancária ou por Multibanco e pedindo a morada para envio. O preço do livro será 9€ sem mais custos.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20366: Historiografia da presença portuguesa em África (187): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (3): "Racismos, Das Cruzadas ao Seculo XX", por Francisco Bethencourt (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20388: Recortes de imprensa (106): Anúncios ("O Arauto", 27/7/1967) de casas de Bissau especializadas em ostras: Casa Afonso (chão de papel) e Hotel e Restaurante Miramar, frehte à Casa Pintosinho (Bissau Velho) (Benito Neves, ex-fur mil at cav, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)



Guiné > Bissau > O Arauto, 27 de Julho de 1967 > Anúncios de duas casas especializadas em ostras, em Bissau : Casa Afonso, no Chão de Papel; e o Miramar, que vendia uma travessa gigante de ostras (da rocha!) por 20 pesos... Dois anos depois ainda eram ao mesmo preço.


Guiné > Bissau > Cabeçalho de O Arauto, Diário da Guiné Portuguesa. Ano XXV - Nº 6242. Preço: 1$00. Director e editor: José Maria da Cruz. Quinta-feira, 27 de Julho de 1967. Era o único jornal diário da província. Cópia de exemplar gentilmente enviado pelo ex-furriel mil atir cav,   CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67). Mora em Abrantes.  (*)

(...) "Comprei momentos antes de entrar para o Uíge, no dia 27/07/67, dia em que embarquei de regresso à Metrópole. Já no barco, ao folhear o jornal, fui surpreeendido com a notícia publicada na página 4, sobre o fim da comissão de serviço da CCAV 1484, a que eu próprio pertenci. E bem ao lado desta notícia, cá estão elas, as ostras, publicitadas". (**)

Fotos (e legendas): © Benito Neves (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Croqui  da parte oriental da Bissau Velha, entre a Avenida da República (hoje, Av Amílcar Cabral) e a fortaleza da Amura. No 15 ficava o Hotel Miramar / Cais Bar... A antiga Rua Olivera Salazar é hoje a Rua Mendes Guerra.  O Miramar ficava em frente à Casa Pintosinho (2, no croqui). Era que, em 1969/71, comíamos ostras, a 20 pesos cada travessa, quando vínhamos a Bissau... (LG)

Fonte: Adapt de António Estácio, em "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il.).

Guiné 61/74 - P20387: Agenda cultural (715): Mesa redonda sobre “Arquivos e Fontes para o Estudo dos Contextos Coloniais”, organização do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL) e do Centro de História da Universidade de Lisboa (CH-ULisboa), hoje dia 27 de Novembro, pelas 17h00, com a participação de Mário Beja Santos

C O N V I T E




Mesa-redonda: Arquivos e Fontes para o Estudo dos Contextos Coloniais

O Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL) e o Centro de História da Universidade de Lisboa (CH-ULisboa) organizam, no próximo dia 27 de Novembro, uma mesa redonda sobre “Arquivos e Fontes para o Estudo dos Contextos Coloniais”.

Partindo do debate sobre a utilização, por Mário Beja Santos, no seu livro “Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba: O BNU da Guiné” (Edições Humus, 2019), dos relatórios dos gerentes da filial do BNU na então Guiné Portuguesa, esta mesa redonda alarga o âmbito da discussão e procura pôr em confronto virtualidades de diferentes tipos de arquivo, nomeadamente as que advém da riqueza própria das fontes neles guardadas.

A mesa redonda contará com a participação dos especialistas em arquivos e fontes Ana Canas (AHU e CH-ULisboa), Augusto Nacimento (CH-ULisboa e CEI-IUL), João Figueiredo (CEDIS, FD-UNL), Maria João Vaz (CIES-IUL, ISCTE-IUL) e Mário Beja Santos, e será moderada por Carlos Almeida (CH-ULisboa) e Eduardo Costa Dias (CEI-IUL, ISCTE-IUL).

A sessão será de entrada livre, na sala C1.01 (Ed. II, ISCTE-IUL), pelas 17h00.

OBS: - Com a devida vénia ao Centro de Estudos Internacionais - ISCTE-IUL
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20362: Agenda cultural (714): 26 de novembro, 3ª feira, na Livraria-Galeria Municipal Verney, Oeiras, lançamento da 10ª edição do livro "Longas Horas do Tempo Africano", de Manuel Barão da Cunha. Prefácio de Isaltino Morais, presidente da CM Oeiras

Guiné 61/74 - P20386: (De)Caras (143): Eu e o saudoso Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019), prontos para ir a Nhacra, de motorizada, comer umas ostras (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)


Guiné > Bissalanca > BA 12 > s/d > c. 1973/74 > O Eduardo Jorge Ferreira, alf mil da Polícia Aérea, à porta dos seus aposentos, pronto para partir para Nhacra,  para comer umas ostras, à civil, de sandálias, e com capacete de segurança, conduzindo a sua motorizada, de 50 cm3 (?), Yahama, matrícula G5907, e levando à boleia o seu amigo Jorge Pinto, alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)... 


 Pormenor digno de registo: o Jorge Pinto, também à civil, de sapatinho de vela, meiinha branca, leva um capacete de segurança pouco ortodoxo: um capacete, branco, da polícia aérea... A ideia só podia ser do nosso saudoso Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019), um homem prático e desenrascado...


Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem de Jorge Pinto, ex-mil, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74); tem cerca de 40 referências no nosso blogue:



Luís, eu é que fico agradecido pela iniciativa de aproveitares o meu texto. (*)

Para o ilustrar, lembrei-me hoje de procurar uma velhinha foto, tirada à porta dos aposentos dele, na base de Bissalanca, sentados na motoreta, prontos a partir para Nhacra, onde íamos saborear as referidas ostras.


Tem muito pouca qualidade esta foto mas para mim, passou a ter muito significado, como podes imaginar. Podes usá-la também se achares conveniente. (Segue em anexo : Eu e Eduardo)

A ideia de já teres marcado encontro para outubro 2020, é esplêndida. É uma forma muito bonita de o homenagearmos, valorizando todo o empenho, generosidade e alegria que ele depositava em iniciativas deste género e que nós tanto admiramos.

Quanto às fotos do porco no espeto (*), lembro-me perfeitamente. Foi mais uma das iniciativas sociais que ele promoveu, em que até os filhos dele, a esposa e pessoal da terra também se envolveram.


Resto boa noite para ti. Forte abraço.

Jorge Pinto


Guiné > Bissalanca > c. 1972/74 > O então ten pilav António Martins de Matos com a sua potente Yamaha, de 200 cm3, a 2 tempos,matrícula G-6388,  comprada numa loja da Av da República (hoje, Av Amílcar Cabral) por 16 contos da metrópole (em 1972 era o equivalente hoje a 3.807,75 €). 

Diz ele que havia 4 motos destas na Base. Pormenor curioso: comparando as matrículas da motorizada do Eduardo (G5907) com a moto do António (G6388), a do Eduardo parece ser mais antiga...possivelmente tendo sido comprada em segunda mão. (Mas não sabemos em que data, exatamente, foi comprada a moto do António, terá sido seguramente entre 1972, 1973 ou 1974).

Foto (e legenda): © António Martins de Matos (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Bissau > Carta de Bissau (1949) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bissau, Bissalanca, Safim, Nhacra... De Nhacra a Bissau eram cerca de 20 km. De Bissalanca a Nhacra, por Safim, devia ser um pouco mais... E não havia problemas de segurança na região de Bissau, até ao fim da guerra... Decididamente o PAIGC nunca optou pela guerrilha urbana...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019).




Guiné >  Região de Bissau > Bissau > c. 1967/69 >  O alf mil SAM Virgílio Teixeira, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), de motorizada às portas de Bissau, na estrada para o aeroporto de Bissalanca.





Guiné > Região de Bissau > O alf mil SAM Virgílio Teixeira,  de motorizada, em Safim, a caminho de Nhacra. Em Safim, havia um cruzamento: para norte seguia-se para João Landim e Bula; para leste, seguia-se para Nhacra e depois Mansoa.



Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20385: (De)Caras (142): O Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019) ou a arte do dom: "um homem não bebe um copo sozinho" (Luís Graça / Jorge Pinto)


Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > O Eduardo Jorge  Ferreira (1952-2019) e o Jorge Pinto (Sintra)


Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > O Fernando Policarpo  (Lisboa) e o Eduardo Jorge: ambos estiveram na Guiné na mesma altura (1973/74). O Policarpo prometeu-me, ontem, no cemitério do Vimeiro que vai integrar a nossa Tabanca Grande em homenagem ao amigo e camarada Eduardo. O Policarpo tem pelo menos 6 referências no nosso blogue.


Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 >  O Eduardo Jorge, à direita, o organizador: era sempre o último a sentar-se à mesa, zelando pelo bem-estar de todos os convivas...


Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > Sempre proativo, o Eduardo Jorge era sempre quem fazia o papel "chato" nestes encontros, que ninguém gosta de fazer: o de receber a massa e pagar a conta... 



Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > A nossa querida São mais o marido... Em segundo plano, o João Baptista (Óbidos). Inspetora do trabalho, ainda no ativo, a São não podia, muitas vezes, acompanhar-nos... a não ser aos fins-de-semana.



Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > A nossa querida São mais o marido... A São viveu e cresceu em Bissau: o pai era funcionário dos CTT... Mas ela e o Eduardo conheceram-se cá. Têm dois gémeos, o João (Lisboa) e o Rui (Londres).



Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > O Jorge Pinto e a esposa, Ana.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019) 
e a arte do dom

por Luís Graça

Contou-me uma vez o Eduardo a seguinte história: o pai, que deve ter nascido nos anos 20 do século passado, tinha uma junta de bois e costumava deslocar-se na região para comprar vinho a granel. No carro, devia levar um ou mais pipas. Ia muitas vezes do Vimeiro à Moita dos Ferreiros, via Marteleira e Miragaia, no concelho da Lourinhã.  A Moita dos Ferreiras era uma freguesia de grande produção vinícola, nessa época (anos 50/60). Pelas estradas de hoje, são cerca de 15 quilómetros. Com o carro de bois, deviam ser umas duas horas e meia ou três. 


Chegava lá cansado, e com sede. Parava numa tasca, para beber um copo. Mas sabia por experiência própria que um homem não bebe um copo de vinho sozinho. Se há gente na tasca, oferece-se de beber a toda a gente. Era a tradição, era a cultura de convivialidade da terra (e em geral da região). Um homem que entrasse numa tasca, pedisse e bebesse sozinho um copo de vinho,  era um homem “marcado”. Para a próxima poderia vir a ter encontros desagradáveis… e os negócios podiam vir a correr mal. 

O pai do Eduardo, que já não é vivo, tal como de resto toda a família (mãe e irmãos), aprendeu, portanto, cultivar a “arte do dom”, a arte de dar, receber e retribuir… E transmitiu isso ao filho...

O Eduardo era daquelas pessoas que, numa época de forte individualismo como a nossa (em que o dinheiro é que define o estatuto social da pessoa), recebeu do pai (e do “caldo de cultura” da sua região) esta tradição do dom, esta arte do dom: um copo de vinho não se bebe sozinho, partilha-se…

Um dos seus traços de carácter mais sublinhados, nestes dias, em que a família e os amigos lhe fizeram a “última despedida”,  foi justamente a sua “generosidade”, “amabilidade”, “dedicação ao bem comum”, “solidariedade”, "empatia" (*)…

Escreveu, na sua página do Facebook,  a Associação Memória da Batalha do Vimeiro de que ele foi cofundador e dirigente: 


“Hoje perdemos um amigo, um companheiro que pertencia à categoria rara das pessoas que irradiam simpatia, dedicação e generosidade.”

Contou um dos filhos gémeos, ontem, na igreja do Vimeiro, nas bonitas, singelas e comovidas palavras que disse do pai, numa igreja completamente cheia de familiares, vizinhos e amigos, a seguinte história: 

“O meu pai era um homens de valores e princípios. Num dia de Natal, celebrámos o dia e almoçámos juntos. Ainda éramos pequenos. Depois, ele levantou-se e disse que tinha que ir a Alcoentre acompanhar um amigo que tinha o pai na prisão. Era Natal e esse filho também tinha o direito que estar com o pai”.

Dos vários testemunhos (incluindo o meu próprio) que foram partilhados na igreja (*), antes do saída do caixão para o cemitério, ressalta a ideia que o Eduardo Jorge era um homem com um coração grande, daqueles corações que não cabem no peito. Ele cultivava, por excelência, a arte do dom: por isso tinha muitos amigos, e amigos sinceros.

O Jorge Pinto, nosso camarada de armas, que se deslocou também ao Vimeiro, para o “último adeus” ao Eduardo, escreveu o seguinte, como comentário ao poste P20382 (*).

“Hoje foi um dia muito triste. Fui ao funeral do Eduardo Jorge, meu amigo e colega de longa data. Durante a cerimónia religiosa foram proferidas palavras que me fizeram reviver muitos momentos… mas a recordação que mais me assaltava à memória relacionava-se com Bissau: Quando, eu todo mordido pelos mosquitos e suado até ao tutano, chegava de Fulacunda na Dornier do nosso saudoso comandante Pombo e o Eduardo Jorge, ainda no aeroporto Bissalanca, pegava em mim e me levava para os seus aposentos na Base Aérea. Ligava o ar condicionado e dizia: 'pá, agora, já te podes coçar à vontade e tomar banho, porque aqui a guerra é outra'...Depois, passado uma hora pegava na motoreta e levava-me até Nhacra comer umas ostras… Era assim o Eduardo Jorge, generoso, ativo, pensando sempre no bem dos outros. Hoje é um dia muito triste”…


Não sou desse tempo, de Bissalanca, sou um amigo mais recente. Já nem recordo quando e quem mo apresentou. Talvez num dos convívios anuais que ele organizava, por ocasião da festa anual de Ribamar, e cuja origem remontava ao ano de 1994, fez agora 25 anos (vd. poste P20380).

Começamos a conviver mais quando ele se reformou em 2009. No blogue está registada a data de 16 de agosto de 2011. Num comentário ao poste P8694 (**), eu deixo um agradecimento, entre outros amigos e camaradas da região do Oeste,  "também ao Eduardo Jorge (professor de educação física, também já aposentado; antigo presidente da assembleia de freguesia do Vimeiro); e ao João Tomás Gomes Baptista, natural das Gamelas/Bombarral, empresário agro-turístico, que nos proporcionou uma tarde maravilhosa em Óbidos"... 

Deve ter sido nessa semana que nos conhecemos, e eu fiquei a saber que tinha estado na Guiné em 1973/74, tendo-o convidado a inscrever-se na nossa Tabanca Grande, o que ele fez no final desse mês (***). 

O nosso convívio intensificou-se a partir daí, tendo o Eduardo sido o primeiro lourinhanense a participar num Encontro Nacional da Tabanca Grande, o VII, em Monte Real, em 21/4/2012. 

Depois disso, começamos a conviver muito mais regularmente, nomeadamente no Vimeiro e em Porto Dinheiro / Ribamar. O primeiro convívio da Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã terá sido em 12/7/2015, com a presença do João Crisóstomo e do Horácio Fernandes,entre outros (****). Descobrimos, entretanto, que o João era seu vizinho, de Paradas, A-dos-Cunhados, embora vivesse em Nova Iorque desde 1975. O Eduardo, por sua vez, apresentou-nos o Rui Chamusco, seu colega do Agrupamento de Escolas de Ribamar.

A morte, inesperada, traiçoeira, veio interromper este tão saudável convívio, dentro e fora da Tabanca Grande (*****). Mas, no dia 12 de outubro de 2020, se formos vivos, lá estaremos na festa de Ribamar para lhe fazer uma pequena homenagem, a ele e à  São, a mulher da sua vida. Todos sentimos, os que o amavam e estimavam, que com a sua morte, todos perdemos: "quando um de nós morre, também morremos todos um pouco", lembrei ontem na hora da despedida (*).


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Momte Real > VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 21 de Abril de 2012 > Dois homens da FAP e de Bissalanca, BA 12: O António Martins de Matos (Lisboa) e o Eduardo Ferreira, lourinhanense, que vive em A-dos-Cunhados, Torres Vedras, uma das "caras novs" do encontro deste ano. "Um foi um dos melhores pilotos de Fiat G91, de toda a guerra da Guiné; o outro foi alferes mil da polícia aérea... Ambos da mesma altura (1972/74, o António Martins de Matos); 1973/74, o Eduardo Jorge Ferreira).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Lourinhã > Ribamar > Tabanca de Porto Dinheiro > 12 de julho de 2015 > Restaurante O Viveiro > A "bajuda do Enxalé", Maria Helena Carvalho (que adotou - e foi adotada por - o pessoal da CCAÇ 1439), e o Eduardo Jorge Ferreira, o organizador do convívio. O Eduardo anda tão entusiasmado com a reconstituição histórica da batalha do Vimeiro, de 17 a 19 deste mês, na sua terra, que até conseguiu convencer o Álvaro Carvalho a fazer a cobertura fotográfico do evento!...





Lourinhã > Ribamar > Tabanca de Porto Dinheiro > 12 de julho de 2015 > Da esquerda para a direita, (i) primeira fila, António Nunes Lopes (ex-fur mil, CCAÇ 1439); João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439); Vilma Crisóstomo; Luís Graça; Helena Carvalho (, filha do Pereira do Enxalé, que morreu em Bissau, em agosto de 1974); (ii) segunda fila, Maria Alice Carneiro, Dina (esposa do Jaime), e Álvaro Carvalho; (terceira fila, Eduardo Jorge Ferreira (ex-alf mil, PA, Bissalanca, 1973/74); Alexandre Rato, presidente da junta de freguesia de Ribamar (que, apanhado à boa fila, teve a gentileza de se juntar a foto de grupo "para mais tarde recordar"; Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-alf mil PQ, BCP 21, Angola, 1970/72); Horácio Fernandes (ex-alf mil capelão, de rendição individual, Catió e Bambadinca, 1967/69) e esposa, Milita.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

25 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20382: In Memoriam (356): Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019): elegia fúnebre para um amigo e camarada: quando morre um de nós, também morremos todos um pouco (Luís Graça)

25 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20380: In Memoriam (355): Um alfabravo (ABraço), Eduardo, até qualquer dia!

24 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20379: In Memoriam (354): Eduardo Jorge Pinto Ferreira (1952 - 2019), ex-alf mil, Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, 1972/74, régulo da Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã: o funeral é amanhã, 2ª feira, no Vimeiro, às 14h00


(...) Camarada (de várias frentes!) Luís Graça:

Pois conforme o prometido, aqui estou a inscrever-me no magnífico blogue que em boa hora criaste e que com os contributos dos muitos aderentes se tem continuado a afirmar como espaço de partilha e de amizade entre aqueles que tiveram (e tem) a Guiné como cenário de passagem.

Confesso que fiquei maravilhado e entusiamado com o (ainda pouco) que li e vi no blogue do qual desconhecia a (já sua longa) existência. (...)



(****) 13 de julho de  2015 > Guiné 63/74 - P14872: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (2): Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro, 12 de julho de 2015 (Parte I): organização 'impex' do Eduardo Jorge Ferreira (ex-1º cabo inf, do exército luso-britânico que se cobriu de glória na batalha no Vimeiro, em 21/8/1808; ex-alf mil, PA, Bissau, Bissalanca, BA 12, 1973/74)


(*****) Último poste da série > 14 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20343: (De)Caras )115): "Nha Maria Barba" ou Maria da Purificação Pinheiro (Boavista, 1900 - Bissau, 1975): expoente máximo da morna e da morabeza da Boavista, esteve no Porto, no Palácio de Cristal, em 1934, na 1ª Exposição Colonial Portuguesa: notas de leitura de um trabalho de pesquisa biográfica, feita por Antonio Germano Lima, da Universidade de Cabo Verde

Guiné 61/74 - P20384: Efemérides (315): Relembrando a sangrenta Op Abencerragem Candente (subsetor do Xime, 25-26 de novembro de 1970) e homenageando o 1º comandante da CART 2715 (Xime, 1970/72), Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014)


Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014)


1. Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, DFA, ex-cmdt CART 2715 (Xime, 1970/72).  Membro da Tabanca Grande, nº 781, a título póstumo, entrado em 26/11/2018, 48 anos depois da trágica Op Abencerragem Candente (sobre a qual temos 20 referências no nosso blogue).

Faltava-nos as duas fotos da praxe, uma do Vitor como militar no CTIG, e outra mais recente, digamos dos últimos 10/20 anos. O Benjamim Durães mandou-nos há dias  esta, que reproduzimos acima. 

O Vitor Manuel Amaro dos Santos tem uma dezena de referências no nosso blogue.

Recorde-se o que aqui dissemos sobre o falecido cor art ref, DFA, Vítor Manuel Amaro dos Santos (Lousã, 22/11/1944- Coimbra, 28/2/2014), ex-cmdt da CART 2715 (Xime, 1970/72):

(i) em 2012 falei, em vida,com ele  ao telefone algumas diversas vezes (, primeira, em 13/1/2012);

(ii) ele mandou-me também diversas mensagens de telemóvel que já transcrevi, em grande parte, no nosso blogue, em que ele me falava do pesadelo do "inferno do Xime" (sic), um pesadelo que ele ainda vivia ao fim destes anos todos;:

(iii) ao mesmo tempo, procurava defender não apenas o seu bom nome e honra, como militar, mas também a memória dos mortos e feridos da sua companhia. 

Esta operação ditou o fim da sua comissão de serviço no TO da Guiné. Um mês e pouco depois, por razões de saúde,  é evacuado para o HM 241, em Bissau, e substituído pelo alf mil art José Fernando de Andrade Rodrigues, também já falecido. (*)

2. Da Op Abencerragem Candente, há 49 anos atrás (**),  a mais sangrenta (para as NT) operação no subsetor do Xime, durante a guerra colonial,  de que temos registo e memória, resultaram pesadas baixas: 6 mortos e 9 feridos graves, do nosso lado... Não nos cansamos de os relembrar:

(i) Da CCS/BART 2917, ao serviço da CCAÇ 12: guia e picador SECO CAMARÁ, assalariado; está sepultado em Nova Lamego:

(ii) Da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72):

- Furriel Mil Mec Auto JOAQUIM ARAÚJO CUNHA 14138068; sepultado em Barcelos;

- 1º Cabo Atirador JOSÉ MANUEL RIBEIRO 18849069; sepultado em Lousada.

- Soldado Atirador FERNANDO SOARES 06638369; sepultado em Fafe;

- Soldado Atirador MANUEL SILVA MONTEIRO 17554169; sepultado em em Condeixa-a-Nova;

- Soldado Atirador RUFINO CORREIA OLIVEIRA 17563169; sepultado em Oliveira de Azeméis...

Dos feridos graves (9), helievacuados, não temos infelizmente registo dos seus nomes, tirando o Sold Sajuma Jaló (apontador de bazuca do 4º GR Comb/CCAÇ 12, onde eu ia integrado, como comandante de secção). 

A emboscada, em L, apanhou na "zona de morte"  os 3 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12]. Estiveram envolvidos nesta operação 3 agrupamentos, 8 grupos de combate, cerca de 250 homens em armas.

"O ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r (!) que incidiram sobre a antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (1° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola-metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores." (Fonte: poste P1318).

3.  A CART 2715, sita no Xime, teve os seguintes comandantes:

(i) cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos;

(ii)  alf mil art José Fernando de Andrade Rodrigues;

(iii) cap art Gualberto Magno Passos Marques;

(iv)  cap inf Artur Bernardino Fontes Monteiro;

(v)  cap inf José Domingos Ferros de Azevedo.

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Notas do editor LG:

Guiné 61/74 - P20383: Parabéns a você (1715): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil Art da CART 2412 (Guiné, 1968/70) e Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3476 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 24 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20376: Parabéns a você (1113): Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20382: In Memoriam (356): Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019): elegia fúnebre para um amigo e camarada: quando morre um de nós, também morremos todos um pouco (Luís Graça)



Eduardo Jorge Ferreira  (1952-2019)


Elegia fúnebre para um amigo e camarada:
quando morre um de nós,
também morremos todos um pouco



Querido Eduardo:


Hoje, em pleno Outono,
O barqueiro de Caronte
Levou-te para a outra margem
Desse rio que nos separa.


É sempre triste a despedida,
A separação,
Pior ainda quando não anunciada.
Mas um dia,
De um qualquer dia das Quatro Estações,
Todos tomaremos lugar
Nesse barco do barqueiro de Caronte.


Alguns dirão: é o fim, é o nada.
Mas, não, mesmo para quem não é crente,
Não é uma miragem,
Do lado de cá,
Continuaremos a ver-te
Com o teu sorriso luminoso,
Com a tua voz de comando,
Com a tua presença tranquila.
Os que te conheceram,
E tiveram o privilégio de lidar contigo,
A começar pela mulher da tua vida, a São,
E os teus filhos, João e Rui,
E os teus netos,
Para quem foste sempre um pai e um avô carinhoso,
  

A São, em Monte Real,
no XIV Encontro Nacional
da Tabanca Grande.
em 25 de maio de 2019.
Foto: Luís Graça (2019)

E aqui deixa-me destacar a tua São,
Discreta, mas magnânima,
Aparentando a fortaleza do rochedo,
A tua São, 
Que passou ontem o teu velório
A afagar o teu rosto, já roxo e frio,
E cujo amor e coragem
São uma referência para todos nós,
Seus amigos.



Se há um lugar, para os humanos,
No condomínio de luxo dos deuses,
Lá no Olimpo,
Ela já ganhou esse direito,
Quando também chegar a hora
Da sua partida no barco de Caronte,
Para ir ter contigo.


Haveremos então, todos juntos,
De reatar as conversas e convívios,
Que a tua morte, súbita,  interrompeu.
Não fiques triste, amigo,
Por ires à frente de todos nós.
A tua vida iluminou-nos
E a tua nobreza nesta terra da alegria
Engrandeceu-nos,
A todos nós,
Teus amigos e camaradas.
Temos muito orgulho em ti.


E, no entanto,
Quantos projetos não ficaram
Por concretizar, Eduardo!
E se tu tinhas ganas de viver,
De vivê-los,
Com os teus filhos e netos,
E com a tua São, que se ia reformar.
E, claro, com os teus amigos
Da Associação Memória da Batalha do Vimeiro!

Guardaremos connosco
As melhores recordações,
Do melhor de ti,
Tu que foste um dos melhores de todos nós,
Um homem inteligente
E bom
E generoso
E amigo do seu amigo,
Com um coração tão grande
Que não cabia no teu peito!
 

Quem fica do lado de cá,
Separado por um rio intransponível,
Fica sempre desolado
Pela perda irreparável
Que é a morte,
A tua morte,
A qual é também a nossa futura morte.


Quem fica do lado de cá,
Como nós,
Fica a dizer-te adeus,
Numa despedida
Que é sempre breve, porém dolorosa,
Tingida já da doce e triste saudade,
Que dizem ser tão típica dos portugueses.


Os teus amigos do seminário, da tropa, da guerra, 
Das nossas nossas tabancas e tertúlias, 
De Porto Dinheiro, de Ribamar, do Vimeiro, 
Da Lourinhã, de Almeida, de Lisboa, de Nova Iorque…
Enfim, de todos os lugares do mundo
Onde foste feliz e/ou onde tinhas amigos…
Ficam no planeta azul a dizer-te adeus,
Convencidos que partiste apenas
Para outro planeta de outra galáxia.


Leva contigo estas últimas palavras
Dos teus amigos,
Que elas te ajudem a atravessar o Caronte,
A fazer boa viagem.
E vela por todos nós.


De regresso a casa,
Vamos ajudar a tua São 
E os teus demais entes queridos
A suportar um pouco melhor
A tua partida,
A dulcificar as lágrimas de sal,
A fazer o luto,
A construir a ponte sobre o Rio de Caronte.
É por isso que aqui estamos,
É para isso que servem os amigos,
Os muitos que fizeste em vida.
Até um dia destes, Eduardo,
Um abraço, um alfabravo,
Um chicoração apertado.


Luís Graça, Alice & demais amigos e camaradas 
aqui presentes, na tua despedida, na igreja do Vimeiro.

Lourinhã, Vimeiro, 25 de Novembro de 2019, 14h00

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Nota do editor:

Postes anteriores:

Guiné 61/74 - P20381: Notas de leitura (1240): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (3): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Conclui-se a viagem de Tiago Veiga em terras guineenses. Curou-se do paludismo, acompanhou a missão da doença do sono até ao chão dos Felupes, deu-lhe asas à imaginação aquele povo e atirou-se a uma empreitada colossal, um canto heroico com reminiscências bíblicas, homéricas e talvez poemas mesopotâmicos, tudo em torno da criação do mundo até ao desfecho, bem clássico, da morte gloriosa do guerreiro.
Como tudo é fantasia, como Tiago Veiga não existiu e nunca se escreveu o Canto Felupe, diz o autor que restam uns versos dessa passagem por terras da Guiné.
E, de seguida, vamos para a última arremetida de Mário Cláudio na atmosfera guineense, pelo menos até agora.

Um abraço do
Mário

Mário Cláudio

Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária:
Um notável escritor que é nosso camarada da Guiné (3)

Beja Santos

Em “Tiago Veiga, uma biografia”, Publicações D. Quixote, 2011, Mário Cláudio arquiteta, em completa fantasia, o percurso de um pretenso bisneto de Camilo Castelo Branco que calcorreou Ceca e Meca e olivais de Santarém, conheceu meio mundo, em sucessivas gerações. Inventa-se mesmo um crítico que sobre ele dirá:  
“De facto, o que sabemos da biografia cultural de Tiago Veiga, dos interesses da sua inteligência e da formação do seu gosto, tem pontos de contato com o perfil e o trajeto de Fernando Pessoa e das suas tão variadas relações literárias […] No mentor da geração de Orpheu, conheceu Tiago Veiga o escritor que em Portugal corresponde a T. S. Eliot e que com este partilhava, entre o mais, a conceção intelectualista do processo de criação literária […] Faz sentido, em verdade, a atração que pela figura autoral e textual de Tiago Veiga sente Mário Cláudio”.

É nesta pura fantasia que Tiago Veiga arriba em abril de 1932 à colónia da Guiné, vai desportivamente numa equipa habilitada para estudar a doença do sono, e é neste entremez que fica palúdico.
Como se escreve:  
“Logo a seguir sofreria Tiago Veiga uma forte investida de paludismo, experiência que retém não pouco do rito iniciático, e sem a qual se não realiza a completa aderência à africanidade. Atirado para a sua tarimba, o nosso poeta foi atravessando as intercadências de calor e frio, e feitos da febre quartã, as irregulares diarreias, e as variações respiratórias, tudo o que de súbito o tornava ansioso pelo cautério da morte, ou esperançado na exaltação da vida”.

Como o leitor recordará, entrou na vida de Tiago Veiga um pequerrucho, Baltasar, que não despegava da companhia daquele branco, “e fixava aqueles olhitos húmidos no homem que, arrendando com asco os lençóis, ou embrulhando-se avidamente neles, soprava e tiritava, estremecia e quedava-se imóvel”. Não há mal que sempre dure e “Na manhã em que recuperou a consciência viu Baltasar, sentado no chão da tenda, brincando com um sapo, coisa que simultaneamente lhe pareceu como execrável abominação, e sinal tranquilizador”. Um ajudante de Fontoura de Sequeira, o chefe da missão, explicou a Tiago Veiga a mezinha que o trouxera à vida: “foi o cozimento de folhas de quinquilibá que a avó do Baltasarzinho o obrigou a beber”.

Tiago Veiga irá embrenhar-se na cultura dos Felupes, cita-se um chefe do posto de Susana, António da Cunha Taborda, que os estudou em meados do século XX. “A recusa a cruzar-se com qualquer outra etnia, e bem assim a sua relutância a sair da área que, havia milhares de anos, lhes servia de solo, explicaria a ausência de indivíduos Felupes fora da sua região. Da independência de que dava mostras o povo Felupe, resulta que ‘só a força tinha conseguido impor-se-lhe, por vezes, tendo de vencer resistências teimosas e encarniçadas’”. Tiago Veiga chega a Varela e “Lançou os olhos àqueles homens altivos, e relapsos a conversas, e àquelas mulheres que sorriam sempre, mas que pareciam fazê-lo por estratégia de defesa de um segredo ancestral”. Sem nada que fazer no trabalho da missão conduzida por Fontoura de Sequeira, o poeta deu asas à sua imaginação e começou a escrever o seu Canto Felupe, uma espécie de epopeia de um povo sem registo literário. Familiarizou-se com a gente da região de Varela, estudou a figura do feiticeiro ou jambacós que o ajudou a esquematizar o poema, alinhou um conjunto de pontos em que se propunha tratar a marcha da existência humana e onde intervinham vários heróis, tudo começaria com a criação do mundo, a que se sucederia o dilúvio, com vários humanos de valor excecional, haveria mesmo casamento e morte, uma tragédia de arromba, com motivos bíblicos, outros que parecem tirados da Canção de Rolando, isto para já não falar na Ilíada e no teatro grego: guerreiros, danças rituais, jogos de sentido mágico, o cerimonial da circuncisão, enfim, Tiago Veiga versava entusiasmado, e apercebendo-se que a brigada estava de regresso à metrópole, meteu empenho para ficar mais uns tempos em Chão Felupe. Mergulhara na cultura africana mas sem desdenhar da matriz greco-latina, e daí o seu versejar meter tanto um Deus da Criação como uma estátua de Zeus da Olímpia.

Segundo o seu biógrafo, restam duzentos e trinta versos deste Canto Felupe, era um projeto imenso que se desdobrava em doze “Cantos”. O biógrafo dá explicação para esta organização poética, seria resultado do ataque palúdico, das beberragens ingeridas, pois tomara casca de bissilão. E o biógrafo desvela alguns versos do Canto VI e a seguir dá-nos conta que o poeta regressou em abril de 1933 a Lisboa, arrumada a bagagem no Hotel Bragança, desembocou numa tasca do Bairro Alto onde conheceu o poeta Carlos Queirós. Tomou conhecimento que Salazar proclamava a sua intenção de presidir ao primeiro governo constitucional, apercebeu-se que muita gente queria fazer chalaça com ele, perguntavam-lhe, caçoando, se tinha morto muitos elefantes lá na Guiné. O poeta não gostou. E depois tudo muda de agulha, parte para Londres, foi na companhia de António Ferro a uma certa conferência, Tiago Veiga divertiu-se à grande, a visita à National Gallery foi um deslumbramento.
Pingarão, ao longo destas oitocentas páginas, ainda algumas referências à Guiné, mas de pouco significado.

Falta-nos agora o último texto, ao que parece muitíssimo controverso, sobre o nefando Capitão Robles, na obra "Para o Livro de Oiro do Capitão Garcez".

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 18 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20361: Notas de leitura (1237): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (2): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 23 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20374: Notas de leitura (1239): "Um ranger na guerra colonial"..., de José Saúde, Edições Colibri, Lisboa, 2019. Prefácio de Luís Graça