1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Maio de 2020:
Queridos amigos,
A organização da História de Portugal e do Império Português, pelo académico A. R. Disney, em dois volumes, tem as suas originalidades e não deixam de provocar surpresa ao leitor português. O primeiro volume abarca desde a Pré-História até ao fim do Antigo Regime e o segundo começa no Norte de África, com a conquista de Ceuta e vai até ao Império do Oriente na era colonial tardia. O que tem a ver com a Guiné inicia-se com a exploração das costas da África Atlântica e finaliza ao tempo da segunda fortaleza de Bissau, da nossa presença também no Cacheu e nalguns outros locais. Foi esta tímida presença, espartilhada pela França a Norte, num Senegal onde a Inglaterra tinha encravado a Gâmbia, a Sul uma Guiné Francesa que pretendia expandir-se, que se obteve, com o sacrifício do Casamansa, a legitimidade territorial da Guiné Portuguesa, que é hoje o território onde se confina a Guiné-Bissau. Daí o autor estar altamente motivado a falar do tráfico de escravos, verificou que a missionação foi altamente esporádica, e termina a sua exposição exatamente no tempo em que vão começar as explorações de produtos agrícolas. Um livro rigoroso que importa saudar.
Um abraço do
Mário
A Guiné no Império Português, segundo A. R. Disney (2)
Mário Beja Santos
Considerado pela crítica uma investigação de gabarito pela originalidade da estrutura e pelo inventário bibliográfico e documental, como este académico observa no prefácio do segundo volume, que aqui cabe fazer referência, está organizado de forma um pouco diferente do primeiro. Na obra de arranque, A. R. Disney centra-se na Pré-História de Portugal, prossegue pela Idade Média, a construção do Portugal de Avis, o que ele designa por a Idade de Ouro, a época de declínio, a Restauração e a Reconstrução, o esplendor barroco, a era do Marquês de Pombal, o final do Antigo Regime. Neste segundo volume é toda a evolução do Império, desde as Praças do Norte de África até o Império do Oriente na era colonial tardia é matéria de análise – "História de Portugal e do Império Português", Volume II, por A. R. Disney, Guerra e Paz Editores, 2011.
Vimos que o envolvimento na África Atlântica ditou uma forma de presença portuguesa naquilo que o autor designa por Alta Guiné mediante um contrato de arrendamento que favoreceu marcadores portugueses e cabo-verdianos. Instituiu-se a figura do lançado também designado por tangomão quando se aculturava. A Coroa era muito severa relativamente à área destinada a trato comercial, os mercadores estavam impedidos de ir a Arguim ou descer até S. Jorge da Mina. O tráfico de escravos destinado a diferentes paragens foi alvo de concorrência, a presença portuguesa no período pós-Restauração fragilizou-se ainda mais. Como o autor observa, a concorrência já era enorme antes do período filipino. “Na década de 1530 embarcações normandas e bretãs frequentavam a região para comerciar. Juntaram-se-lhes os Ingleses, na década de 1550, e os Holandeses, a partir de 1580. Estes concorrentes europeus foram muito bem recebidos pelos governantes africanos e rapidamente se estabeleceram na Alta Guiné. Com o tempo cada nacionalidade começou a concentrar-se em áreas particulares: os Franceses no Senegal, os ingleses na Gâmbia, os Holandeses e os Ingleses na Serra Leoa”. Encetara-se uma concorrência áspera, as nações europeias pensaram mesmo em erigir fortalezas, o que não era do agrado das chefias africanas, que queriam negociar sem restrições e com quem lhes parecesse vantajoso. Facto comprovado, os portugueses foram perdendo terreno na Alta Guiné, não podiam dispor de fornecimentos tão satisfatórios como os concorrentes. Em abono da presença portuguesa, os viajantes e mercadores tinham uma mais antiga experiência na região onde se tinham fixado em povoamentos informais que já estavam enraizados. A grande concentração era no Cacheu. Em 1589, o chefe Papel do Cacheu, depois de muita hesitação, concordou em permitir a construção de um forte, supostamente para a proteção dos lançados contra possíveis ataques de inimigos europeus. No início do século XVII, a cidade tinha duas igrejas e uma população cristã de quase mil pessoas.
Em 1614, a Coroa Portuguesa decidiu tornar a colónia oficial e nomeou um Capitão para o Cacheu que se iria tornar, quase durante dois séculos, no principal entreposto português para os escravos da Alta Guiné. Chegada a Restauração, decidiu-se que no Cacheu seriam pagos os direitos alfandegários da exportação de escravos, em substituição da cidade da Ribeira Grande. Esclareça-se que havia também lançados na ilha de Bissau, houvera bom acolhimento pelo chefe Papel local que se convertera ao catolicismo por franciscanos portugueses e deu autorização para a construção de uma fortaleza, em 1696. Pouco tempo depois, Bissau foi declarada uma Capitania portuguesa. As dificuldades cresciam, os concorrentes eram imbatíveis, tentou-se uma reestruturação, experimentaram-se as companhias comerciais. Foi instituída uma companhia para o comércio da África Ocidental, em 1664, revelou-se um fracasso. Foram encetadas outras companhias em 1676, 1682, 1690 e 1699, todas subcapitalizadas e condenadas a uma vida curta. A despeito da Guerra da Restauração, D. João IV, em 1646 autorizou a continuidade do tráfico de escravos para a América espanhola. Em 1701, Lisboa decidiu encerrar o Forte de Bissau. Durante a metade do século seguinte, os portugueses competiram nos Rios da Guiné com extrema dificuldade, tendo sempre à ilharga os franceses e os britânicos. Os estreitos laços económicos e políticos de Portugal com o Reino Unido trouxeram alguma vantagem sobre os franceses. Isto para significar que a primeira metade do século XVIII teve longe de ser um período próspero para os portugueses na Alta Guiné.
Seguiu-se a reforma pombalina acompanhada da decisão de construir outro forte em Bissau, a partir de 1752, houve oposição dos Papel, mas a estrutura foi concluída em 1775. A fortificação permitiu aos portugueses ir exercendo ascendência nos Rios da Guiné, apesar da presença inglesa rival, tanto nas ilhas Bijagós como no continente. Registou-se uma modesta recuperação no tráfico de escravos, em parte sob o estímulo da Companhia do Grão-Pará e Maranhão de Pombal, surgida em 1755. A Companhia deteve o monopólio português do comércio e navegação para a Alta Guiné até 1778 e levou mais de 22 mil escravos africanos para as até aí negligenciadas capitanias do Norte do Brasil.
Cacheu, Bissau e outros pequenos povoamentos nos Rios da Guiné continuaram nas mãos portuguesas e a crescer, mesmo depois da aposentação forçada de Pombal. É este conjunto de possessões que acabará por formar o núcleo da colónia da Guiné Portuguesa que ganhará fronteiras em 1886, alvo de algumas correções, que dão hoje o território da República da Guiné-Bissau.
A. R. Disney prossegue o seu trabalho com o ouro de S. Jorge da Mina, importa recordar que Fernão Gomes, devido ao seu contrato de 1469 a 1474, não só adquiriu grandes quantidades de ouro em várias aldeias costeiras dos atuais Costa do Marfim e Gana, zona da Baixa Guiné, mais tarde chamada Costa do Ouro, a que os portugueses chamavam a Costa da Mina. Em janeiro de 1482, D. João II despachou para a Costa da Mina uma armada comandada por Diogo de Azambuja e depois de conversações com o chefe local começou imediatamente a construção da fortaleza. Os portugueses nunca conseguiram estabelecer contato comercial direto, o ouro da Mina foi sempre uma operação sedentária, conduzida a partir da fortaleza. O ouro era trazido por mercadores indígenas que tratavam igualmente da distribuição dos produtos portugueses importados por todo o Interior. Resta dizer que S. Jorge da Mina é representada nos mapas do século XVI sobranceira à costa da Guiné, imagem algo errónea. A fortaleza não era imponente, o poder de ataque dos portugueses era mais ou menos limitado ao alcance do seu canhão. Resta dizer que o domínio marítimo português na costa da Mina durou cerca de 150 anos, e de modo algum se pode associar a presença portuguesa na Guiné diretamente com a fortaleza de Arguim ou a fortaleza de S. Jorge da Mina, eram tratos comerciais completamente distintos. E terminam as referências a este reconhecido trabalho sobre a História de Portugal e do Império Português, no que concerne à Guiné, mas História anterior à ocupação efetiva.
Notas do editor:
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