
Queridos amigos,
É dia de festa, uma terna e fraterna amizade de quatro décadas acenou-me com um programa que meteu quatro museus, o calcorrear por Namur, sair da cidade aí uns 20 km e fazer uns 8 a 10 a desfrutar a beleza do rio Meuse e o belo património edificado nas suas margens. Segue-se um ágape, um festim de coisas muito boas, até ao remate final de variedades de chocolate belga com uma tisana de frutos do bosque, a gozar da paisagem da floresta em S. Marc, a 4 km de Namur, depois metido no carro e despejado na gare ferroviária até Bruxelas. Dia muito feliz, amanhã é o infortúnio da partida, mas ainda tenho umas coisas para vos contar, Namur tem muito que se lhe diga.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (120):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (11)
Mário Beja Santos
Não foi impunemente que recebi instruções para tomar o comboio das 9h na gare central de Bruxelas, havia um extenso programa à minha espera. Chegada festiva, com beijinhos e abraços e prontamente parte-se para o primeiro objetivo operacional, les Bateliers, no centro da velha cidade, bem perto da catedral. Les Bateliers acolhem duas instituições museológicas de Namur, um Museu Arqueológico e um Museu de Artes Decorativas, bem como dois jardins dos quais um ao gosto francês. O Museu Arqueológico de Namur está implantado numa antiga escola dos barqueiros (bateliers). O belo edifício do Museu de Artes Decorativas é a antiga residência particular dos condes de Groesbeeck e marqueses de Croix, é um edifício do século XVIII classificado como património excecional da Valónia. Esta “ilha cultural” aparece associada a outras instituições como o Museu Félicien Rops e os jardins públicos e a casa da poesia.
O Museu de Artes Decorativas, que continua num processo de remodelação, reveste-se de grande interesse, tanto pela sua arquitetura interior como exterior como pela diversidade das coleções que alberga, testemunho dos estilos e gostos desde o século XVII ao século XIX. O processo de conservação e valorização não fica atrás, há um esforço bem visível para criar a atmosfera própria de um palácio nobre do Século das Luzes, graças à sinergia entre o património e o edifício.
O palácio fpi construído para residência do conde Alexandre-François de Groesbeeck, obedece a três regras fundamentais da arquitetura do século XVIII (respeito pela intimidade, procura de uma nova funcionalidade para os espaços de receção pública e vida social e interesse pelo mundo exterior), regras que se podem resumir na expressão: o prazer da vida e a procura do prazer.
Destaca-se o admirável uso da luz, graças a um sistema de pátios interiores e também a sua difusão a partir da cúpula para corredores através das galerias envidraçadas. A disposição das janelas na fachada das traseiras e a sequência de jardins é a marca de abertura ao exterior, cria-se uma comunicação entre a vida da rua e o universo fechado dos jardins.
Duas notas. A primeira tem a ver com a decoração interior, que é magnífica; a superfície mural está decorada com painéis de madeira com molduras simples e geometrias, usa os elementos da tapeçaria, painéis de couro, umbrais das portas decoradas com elementos de cenas grandes, motivos florais e mitológicos. A segunda, prende-se com o facto de o Museu Arqueológico ter dado lugar a uma exposição, para mim de total aprendizagem sobre os Merovíngios que deixaram marca neste local. Achei por bem registar alguns desses elementos de uma civilização sobre a qual pendia o preconceito de ter sido insignificante e até bárbara, estamos hoje na posse de elementos que levam a admitir o contrário, a sempre exaltada civilização Carolíngia teve o seu berço na obra Merovíngia, como aqui se revela dos achados arqueológicos que deixaram nesta região. Também se mostram dois mapas para dar a localização dos merovíngios e a partilha que houve dos diferentes reinos. Espero que apreciem esta primeira visita, quem me conduz olha permanentemente para o relógio, diz que ainda há mais três exposições a visitar, partiremos de Les Batiliers para o Museu de Arte Antiga para visitar a exposição Esculturas de Vanguarda… no século XVI. Prometo pôr a pratos limpos o que vi e as exposições que se seguiram, amigos, amigos, negócios à parte, primeiro temos que nos fartar neste caldeirão cultural, se tiveres fome comes uma banana e um pequeno chocolate, depois de pedalares por estes quatro museus percorrerás um bom troço de Meuse, depois é que terás pitéu, e pela noitinha serás metido no comboio com destino a Bruxelas. Foi um dia e peras.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24637: Os nossos seres, saberes e lazeres (589): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (119): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (10) (Mário Beja Santos)