sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5448: Viva o Porto - Futebol Clube, breve estória de Torcato Mendonça

1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), com data de hoje, 11 de Dezembro de 2009:

Camarada Vinhal

Li e brincando comentei o "escrito" do Alberto Branquinho**. Mas fiquei a matutar. Depois voltei a sair, regresso, jantar e blogue. Li o comentário do Vasco da Gama e o teu. Os pensamentos breves e o matutar desta tarde, trouxeram-me agora ao presente um velho escrito. Onde andará o amontoado de letras... busca e zás. É sobre um antigo militar do meu grupo.

Faz dele o que entenderes camarada... faz dele o que entenderes... mas a nossa geração... fica para depois.

Gostei de ver a alegria da Tabanca de Matosinhos e da festa do Manuel Maia. Força!

Um abraço para ti e para todos os que directa ou indirectamente sofreram naquela guerra estúpida. De ambos lados, logicamente

Abração;
Torcato


VIVA O PORTO – FUTEBOL CLUBE!

Sentado confortavelmente no palanque da sentinela, o olhar a vaguear pela mata ali perto ou, quem sabe, a ir para o local muito longe dali onde estava a acção, por ele ora relatada: o confronto entre o seu Futebol Clube do Porto e algum dos seus mais directos adversários.

Parece-me valer a pena contar esta breve “estória”, como um conto de menino.
Talvez o efeito terrível do isolamento, da brutalidade da guerra. De tudo.

Assim:

Era uma vez um soldado que foi mobilizado para a Guiné. Antes foi à inspecção e deram-no como apto para todo o serviço militar. A Pátria precisava de todos os jovens. Tinha três frentes onde se combatia e outros lugares, por esse mundo fora, onde era necessário a tropa estar. Assim se mantinha una a Pátria do Minho a Timor.

Passado tempo, pouco, foi chamado, entrou num quartel e fez a recruta. Mais tarde foi mobilizado e tirou a especialidade de atirador de artilharia. Foi nesta altura que nos conhecemos. Confesso que não notei qualquer quebra no militar, física ou psicológica. Estava eu preparado para tal avaliação? Claro que não. Na parte física talvez e a mais não era obrigado. Lembro-me das dificuldades de um militar, a tirar também a especialidade, em fazer certos exercícios. Má coordenação motora ou, mais simplesmente, não brincara em criança. Tirou a especialidade e na Guiné foi excelente combatente.

Este, que agora invoco passou desapercebido. Fez a especialidade e foi para a Guiné também. Mas não devia ter ido.

Na primeira operação, com contacto com o IN, o comportamento não foi o melhor. Teve uma primeira conversa com o Furriel e, posteriormente na conversa entre os três concluímos estar, por agora, tudo bem. O medo vai e vem… talvez fosse isso. Só que não era bem isso. Noutras acções ele foi-se indo abaixo psicologicamente. Ainda falei ao médico do Batalhão sobre o estado de saúde daquele militar. Creio mesmo que ele lá foi. Tudo ficou na mesma. Foi regredindo, digamos mesmo que, cada vez mais, estávamos em presença de uma criança. Haviam militares em quebra o que, nas condições em que vivíamos era natural. Ele era diferente e teríamos que ser nós a resolver o problema. Antes deviam ter constatado o estado psicológico do homem. Nunca tal foi feito. Depois devia ter sido devidamente tratado. Não foi assim. Só se algo de grave acontecesse. Mas a bestialidade de certa gente, dita responsável, a mais não chegava.

Passou assim aquele militar à condição de não operacional. Fazia sentinelas diurnas, outros serviços de apoio ao grupo, nas nossas ausências mantinha os abrigos funcionais, os nossos pertences acautelados e era tratado com respeito e amizade por todos. Não tenho a certeza, creio que aprendeu a ler e escrever, tirando a 3.ª ou 4.ª classe.

O que mais gostava, era saltar para o palanque da sentinela e fazer relatos de futebol. Tudo bem. Aí estava ele a relatar as vitórias do seu Porto. Os nomes dos jogadores das várias equipas, estavam correctos. Passava de um campo a outro, voltava rapidamente para relatar mais um golo do Porto. Grandes vitórias. No intervalo havia cantoria. Assim se foi passando a comissão de um homem/criança de excelente trato. Havia camaradas que o conheciam na vida civil. Era mais fácil assim para ele e para nós. Eu entregava-lhe as minhas “coisas”. Ele tomava-as religiosamente a seu cuidado. De quando em vez, vinha junto a mim falar de vários assuntos, por vezes pedia para lhe pagar uma Fanta, outras na brincadeira, puxava-me as barbas. Barbichas… paga uma Fanta…paga?

Passou à disponibilidade e certamente foi esquecido, como tantos, por quem o mandou um dia defender uma terra que não era dele.

Penitencio-me, por nunca ter procurado saber dele e de outros… um dia… um dia!
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5435: Os nossos regressos (19): Dia 4 de Dezembro de 1969, já lá vão 40 anos (Torcato Mendonça)

(**) Vd. poste de hoje > Guiné 63/74 - P5445: Contraponto (Alberto Branquinho) (3): Fugas... na hora da morte

Guiné 63/74 - P5447: Controvérsias (59): Deixem que cada um tenha a liberdade de criar a sua versão... (António Matos)

1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem:

Deixem que cada um tenha a liberdade de criar a sua versão sem que isso seja motivo de confrontação!

Jorge Luís Borges dizia: “Chega-se a ser grande por aquilo que se lê e não por aquilo que se escreve", porém, e parafraseando alguém que escreveu no blogue, corroboro a confrangedora nulidade de muitos comentários nele publicados que não ajudam em nada a esta tão humilde posição pessoal de esforço de engrandecimento lendo as opiniões proferidas.

São, na sua maioria, eivadas de protagonismos exacerbados que nos toldam a visão e nos põem de pé atrás à cata dos proveitos que possam estar escondidos em tão díspares apreciações publicadas à saciedade.

Ciclicamente, a questão "Guileje" renasce das cinzas com os sobreviventes de tudo quanto aquilo possa ter sido, a reclamarem de sua justiça.

Esgotados os argumentos de que Coutinho e Lima foi um covarde ou um herói, retoma-se a lenga-lenga que, a meu ver, massacra psicologicamente quem lá esteve e enfada quem já leu dezenas de vezes a mesma coisa.

Conclusões, obviamente, nenhuma, o que me parece lógico na medida em que cada um viveu a situação dum ponto de vista, quer emocional quer geográfico diferente e isso dá diferentes percepções.

Calculo que todos e cada um dos intervenientes neste blogue terão já feito na sua cabeça o filme dos acontecimentos.
À sua medida, claro.

Com a sua verdade, com certeza.

Estarão certos? Estarão errados?

Já se percebeu que permanecerão as duas teorias, e daí?

Deixem que cada um tenha a liberdade de criar a sua versão sem que isso seja motivo de confrontação!

Ou alguém consegue ser eloquente suficiente que "venda" um discurso que se "compre"? Se sim, já o deveria ter feito!

Entretanto já existe uma segunda polémica: a FAP e a sua acção / inacção em (onde havia de ser?) Guileje!

Parece terem-se tornado hábito (pouco saudável, diga-se) as conversas de escárnio e mal dizer mas estas, (algumas) já são desabridamente insultuosas o que, de acordo com os credos do blogue já deviam ter sido pura e simplesmente eliminadas!

Liminarmente!

Vou continuar a ler querendo crer que Borges tinha razão.

António Matos
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:


Guiné 63/74 - P5446: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (2): Na terra dos Vikings, com um cheirinho do nosso querido Portugal (José Belo)

A magia da floresta escandinava... ameaçada, como o resto do planeta, com as alterações climáticas. Foto: Autor desconhecido. Cortesia de José Belo


1.  Mensagem de Joseph Belo [ joseph.josephsson.belo@telia.com ], com data de 8 do corrente:

Com votos de um Feliz Natal e Bom Ano Novo  (*) para todos os Camaradas e Amigos da Tabanca Grande.          

Obrigado por terem feito chegar até aqui um bocadinho do nosso querido Portugal

Um abraço sincero do José Belo.

2.  Comentário de L.G.:

O José Belo (foto actual, à esquerda) foi Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70). Foi camarada de outros Maiorais como o nosso Zé Teixeira, da Tabanca de Matosinhos. Está hoje reformado como Capitão Inf e vive, na Suécia, há mais de trinta anos. É autor da série Da Suécia com Saudade. Quem, como ele vive da diáspora, longe da Pátria  - e são tantos os nossos caamaradas, nomeadamente os das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores - é que sabe dar o valor à palavra Saudade...

Reputado zoológo, foi ele quem identificou e deu a conhecer ao mundo uma nova espécie animal, os Ui!Ui!, animais nocturnos do tarrafo do  Rio Grande do Sul. Zé Belo, não sei do que precisas mais,  no novo ano que se avizinha... Desejo-te, no mínimo, continuação da boa saude e boa disposição na alegre companhia entre os Ui!Ui!...

P'la  nossa equipa editorial, Luís Graça
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Guiné 63/74 - P5445: Contraponto (Alberto Branquinho) (3): Fugas... na hora da morte

1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689 (, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 7 de Dezembro de 2009:

Carlos Vinhal
Junto vai um texto sobre morte e vida ou sobre vida e morte sobre tempos que estavam pela... "hora da morte".

Um abraço bem vivo do
Alberto Branquinho



C O N T R A P O N T O (3)

FUGAS…


Antes de chegar à Guiné, eu era eterno. Morte? Não havia (para mim). Ela estava longe… no tempo e no espaço.

Mesmo o suicídio do rapaz, que se pendurou do ferro mais alto do beliche durante um fim-de-semana algum tempo antes do nosso embarque, não aproximou de mim a ideia da morte. Deu, até, para aprender uma coisa – que o suicida, antes de executar o acto contra si mesmo, descalça ou, pelo menos, desaperta as botas.

Na Guiné, não demorou muito tempo a concluir que… não regressaria. E um homem, quando atinge o ponto que julga ser de não retorno, começava a baloiçar entre dois comportamentos: ou provocar o embrutecimento, a caminho da autodestruição (não, não pelo suicídio!) ou, quando a realidade espremia os miolos, causando angústias, insónias, irritações - a afogar-se em relaxantes, calmantes e outros. Era nessa altura que se começava o dia a beber duas “bazucas” em jejum. (Mesmo quentes, quando o frigorífico a petróleo estava avariado)

Não havia carta da família, por mais próxima que fosse, nem madrinhas de guerra que, por escrito, pudessem ajudar. Os mais fracos (e conhecedores…) movimentavam-se para irem à consulta de psiquiatria, em Bissau.

A saída era, muitas vezes, a dedicação a um macaco, a um periquito, a um cão. Assumiam-se atitudes extravagantes e bizarras, habitualmente nos cortes do cabelo, da barba e bigodes muito “criativos”.

Havia, também, quem, nas horas vagas, passeasse, cuidadosamente, latas de conserva puxadas por um fio, de modo a que não caíssem as “pedrinhas” que tinham colocado lá dentro.

Ou quem, em noite de insónia, agravada pelas picadas e zumbidos dos mosquitos, tentasse matá-los com rajadas de G-3.

Ou quem, no início das chuvas e debaixo de chuva, saísse de noite, de lanterna eléctrica na mão esquerda e vassoura na direita, matando os sapos e rãs que, num ápice, surgiam de não-sei-onde às centenas, num coaxar infernal, como um coro maluco e desafinado de tenores, barítonos e contraltos.

Coisas… Coisas que ainda hoje se recordam, com a diferença de que, agora, nos fazem sorrir (embora sentindo, ainda, um grão de angústia lá bem no fundo, bem fundo da alma).

Alberto Branquinho
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5247: Ser solidário (44): A propósito do Dia dos Veteranos em Stoughton - Estados Unidos da América (Alberto Branquinho)

Vd. último poste da série de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4612: Contraponto (Alberto Branquinho) (2): Não vale a pena chorar

Guiné 63/74 - P5444: Dossiê Guileje / Gadamael (17): Depois do que ouvimos da boca do Sr. Cor Pára Durão, tudo o que vier a ser dito, soa a elogio (Victor Alfaiate)

1. Mensagem do Victor Alfaiate, com data de 30 de Outubro, e em princípio privada, mas que entendi dever divulgar como complemento do poste P5415 (*) e como contributo para um melhor conhecimento do seu autor, que foi  Fur Mil Trms, CCAV 8350 (Guileje, 1972/73), e é um dos novos membros da nossa Tabanca Grande. Permitam-me apelar, mais uma vez, para a elevação, intelectual e ética, que devemos manter na discussão, franca e aberta, deste dossiê difícil, fracturante, doloroso... (LG)

Olá,  Luís, Boa Noite

Li com a máxima atenção o mail que me remeteste e antes de mais quero esclarecer que não é nem foi nunca minha intenção melindrar ou ofender quem quer que seja.

Aliás se contactares os meus camaradas Reis, Seabra, Zé Carvalho ou Major Coutinho e Lima,  eles confirmarão certamente que sou incapaz de ofender quem quer que seja, mais que não seja porque me considero suficientemente educado para o não fazer.

No entanto e relendo o meu mail, confesso não ter encontrado nada que possa ofender os Srs. Tenentes Pessoa e Martins de Matos,  salvo a alusão às loirinhas e ao ar condicionado, mas se analisares com atenção é o Sr. tenente Martins de Matos que, no P3737,  diz que dormia todas as noites no ar condicionado, as palavras são dele não minhas.

Quanto a utilização do tratamento por Senhores, dou-te a minha palavra de honra que não há no mesmo qualquer sentido depreciativo, antes uma questão de respeito. Se reparares, trato todos por Senhores (Sr. Major; Sr. General; Sr. Alferes), aliás na Força Aérea todos se tratavam por Senhores, enquanto no exército era (Meu Capitão; Meu Alferes; Nosso Cabo),  na Força Aérea era (Sr. Capitão; Sr. Alferes).

Quanto ao termo "desculpa esfarrapada", não vejo qualquer mal, trata-se de uma desculpa que todos vêem ser falsa (Ex. Empresta-me o teu carro - Não posso porque acabei de o pintar e ainda não secou). Não vejo em que tal termo possa ser ofensivo.

No que diz respeito à ineficácia da Força Aérea no que toca ao apoio a Guileje, tive o cuidado de referir no início que era a minha opinião pessoal, correndo até o risco de poder ser injusto, mas sinceramente é e continua a ser a minha opinião pessoal, e aliás deixo bem explícitos os motivos conducentes a tal opinião.

No que respeita ao diálogo com o Sr. Tenente Martins de Matos, penso não poder fazer qualquer alteração uma vez que o mesmo reproduz na verdade o que realmente se passou.

Entendo perfeitamente que tentes evitar picardias, mas sinceramente não foi meu intuito provocá-las, aliás se vires bem no meu mail digo claramente que não era minha intenção participar numa discussão que, julgo, nunca conduzirá a qualquer conclusão, pelo que se achares que não deves publicar o meu mail, estás  à vontade para o fazer, considera-o se assim o entenderes sem efeito mas não me peças para fazer alterações porque isso seria desvirtuar o que sinto e penso na realidade, e já me basta viver num país onde os que fugiram a cumprir um dever que bem ou mal era servir a pátria, são considerados patriotas e democratas e nós, que andamos lá a bater com os costados, somos tratados nalguns casos abaixo de cão.

Este mail é pessoal, pelo que só para ti e, confirmando o que atrás deixo referido, se quisesse provocar picardias,  o P3737 do Sr. Tenente Martins de Matos dava pano para mangas, a saber:

- Sr. Major Coutinho e Lima sem perfil para comandar o Cop 5;
- O Homem do rádio, isto sim dito com sentido depreciativo;
- Guileje para os corrécios;
- B-52 - Resposta com raiva;
- Terem fugido 600 pessoas;
- Transformar o Sr. Major Coutinho e Lima num herói, que não foi.

Como vês,  a haver alguém que se deveria sentir melindrado e ofendido eramos nós, mas como já estamos habituados, nem ligamos, são bocas que esbarram na couraça da nossa indiferença. Depois do que ouvimos da boca do Sr. Coronel Durão quando chegámos a Gadamael, tudo o que vier a ser dito nos soa quase como elogios.

Não te vou chatear mais, como disse estás a vontade para dares ao mail o destino que quiseres.

Quanto a fazer parte do Blogue, como já disse terei muito gosto nisso, mas as fotografias só as poderei enviar quando for a Portugal.

Um Abraço.
Victor Alfaiate
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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de :

7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5417: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (15): Ainda e Sempre Guileje (Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350, 1972/74)

Vd. também: 9 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5432: FAP (39): Guileje, outra vez?!... (António Martins de Matos)

(**) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)

Guiné 63/74 - P5443: Memória dos lugares (59): Fotos de Catió, Ilha de Como e Cufar III (Benito Neves)


1. O nosso Camarada Victor Condeço solicitou ao Benito Neves, que foi Fur Mil Atirador da CCAV 1484 (1965/67) (Nhacra e intervenção ao Sector de Catió de 08JUN66 a finais de JUL67), que nos permitisse publicar uma série de 28 fotografias do seu álbum de memórias, belíssimas e que detêm excelente qualidade e interesse pelos motivos retratados.

2. Nos postes P5366 e P5411, publicamos duas séries dessas estimadas e bem conservadas fotos, num total de 19 peças, e hoje, com os nossos melhores agradecimentos e cumprimentos ao Condeço e ao Benito, completamos com as restantes 9 dessas invulgares fotografias:

Foto 15: Catió, 1967 - Material capturado em Cabolol, operação “Penetrante” em 27JUN67.

















Catió, 1967- Material capturado em Cabolol na operação “Penetrante”, em 27JUN67. Fotos 14 e 16.

















Cachil > 1965 > Ilha do Como. Foto 24: Um abrigo onde se albergavam-se 3 ou 4 militares e Foto 25: Interior do aquartelamento.



Foto 1: Catió 1967 - Casa do então Tenente João Bacar Djalo, em Priame.




















Catió 1967 > Foto-026: Sargento Baldé ajudando a ataviar o Ten João Bacar Djalo. (O velho Sargento tinha por alcunha o “Furadinho”, tal a quantidade de cicatrizes de ferimentos que tinha sofrido em combate, como já não ia para o mato, era uma espécie de impedido do João Bacar e de 1º da Companhia); e Foto-027: O Tenente João Bacar Djalo comandante da Companhia de Milícia 13 à porta da sua casa em Priame. (Pela presença da viatura, provavelmente ia deslocar-se ao Comando do Batalhão para participar em mais um planeamento de uma operação, era normal pedirem a sua presença e atenderem as suas recomendações. Com o seu saber e a sua experiência no terreno, a ele se deveram por certo o êxito de muitas operações e o reduzido número de baixas sofridas. Nesta altura já lhe tinham sido atribuídas 2 Cruzes de Guerra, 1 em 1964 e 1 em 1965, em 1970 já ao serviço dos Comandos é-lhe atribuída a Torre Espada.)

Foto-028: Cufar 1966- Artilharia no quartel de Cufar, Obus 8,8 cm.
Benito Neves
Fur Mil At CCAV 1484


Fotos e legendas: Benito Neves (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:
Vd. poste anterior desta série em:

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5442: Agradecimento de Jorge Teixeira (Portojo)

1. Mensagem de Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70, com data de 10 de Dezembro de 2009:

Amigo Carlos
Não sei se é abuso pedir um poste de agradecimento às mensagens que recebi no blogue.
Mas na realidade senti-me sensibilizado pelo escritos dos camaradas.

Claro que se escreveram exageros. O teu e o do Luís por exemplo. Mas também de outros mânfios que estarão a pensar que lhes consigo um complemento de reforma mais chorudo se mexer os meus cordelinhos na A.R.
Camaradas, desenganem-se. Isso ainda não consigo. Mas para o caso não interessa nada.

Interessa que não sei como agradecer-vos. Mas interessa também saber que encontrei um camarada velhinho, o Ribeiro, (meu Deus, que pira eu era à beira dele quando cheguei a Catió) mas pois claro, através do Victor Condeço.

Foi com alegria que hoje encontrei camaradas, a maior parte dos quais através desta casa. E recebi mais abraços e txins. Mas a felicidade maior é podermo-nos encontrar fisicamente ou através da net e dar aquele ar de SEXestins até que o corpo nos doia.

Um abraço para a Tabanca.
Jorge/Portojo
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Nota de CV:

Vd. poste de 8 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5421: Parabéns a você (48): Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil do Pel Canhões S/R 2054 (Editores)

Guiné 63/74 - P5441: Agenda cultural (50): Apresentação do livro História de Portugal em Sextilhas, de Manuel Maia, na Tabanca de Matosinhos

No dia 9 de Dezembro de 2009, houve manga de ronco na Tabanca de Matosinhos com o lançamento do Livro do nosso camarada Manuel Maia "História de Portugal em Sextilhas".

A sala de jantar da Tabanca de Matosinhos no restaurante Milho Rei estava cheia, contando com a presença dos habituais frequentadores das quartas-feiras e mais uns quantos camaradas que ali se deslocaram a propósito do evento.

Falemos então da festa, já que a Tabanca de Matosinhos dispensa quaisquer particularidades.

Acompanhavam o nosso Manel, a sua esposa e filho que assim se associaram a este momento tão marcante.

Foram muitos os camaradas que se deslocaram de fora do grande Porto, embora para alguns deles não fosse propriamente a primeira vez que se deslocavam ao Milho Rei.

Vamos no entanto destacar, pedindo desde já desculpa a alguém que possa ficar no esquecimento: o padrinho/irmão Vasco da Gama, Belarmino Sardinha e esposa, Hélder Sousa, José Manuel Matos Dinis, Juvenal Amado, Jorge Picado que se fez acompanhar de um amigo e nosso camarada também, Luís Faria (a quem tive o prazer de conhecer e abraçar), o nosso Mexia Alves sempre bem disposto e o Manuel Reis.

Por aqui me fico quanto aos forasteiros. Da casa são tantos que enumerá-los sem esquecer alguém é muito difícil. Notei porém duas presenças das redondezas que ao Milho Rei se deslocaram pela primeira vez, o Carlos Azevedo, nosso tertuliano e o Fernando Alves da Silva, amigo e vizinho do Manuel Maia, meu companheiro na organização dos almoços anuais dos ex-combatentes da Guiné de Matosinhos.

O repasto meteu sopa de legumes, as indispensáveis e sempre bem recebidas sardinhas assadas na brasa, bacalhau à Braga, tripas à moda do Porto e lulas grelhadas. A pomada era da produção do Zé Manel que lá estava mais a sua simpatiquíssima esposa.

Barriguinhas confortadas, procedeu-se então à cerimónia, singela mas tocante, de abertura do pacote onde estavam os esperados exemplares do livro.
Discursou em primeiro lugar o pai/padrinho (nas palavras do Manel) Vasco da Gama, que embora muitas vezes interrompido, conseguiu levar o seu discurso até ao fim.
Nestas coisas às vezes um homem não se consegue levar a sério. Pudera, tudo bem comido e melhor bebido...

Falou seguidamente o autor, que muito comovido agradeceu ao chamado Grupo do Cadaval a iniciativa de promoverem a publicação do seu livro. Seguiram-se os abraços e quase beijos (o escândalo esteve iminente).

Porque o seu discurso de agradecimento foi feito e lido em... sextilhas, aqui fica na íntegra:

AGRADECIMENTO

Na guerra combatente, um dia achado,
dos p`rigos nunca ausente ou alheado,
dobrei marés e ventos de amargura...
Escolhos mil tomados de vencida,
são marcos conquistados nesta vida,
levada tal qual fora uma aventura...

Mau grado, irreverente, inveterado,
tomei por ponto assente o lema usado
p`la tribo dos "Terríveis", nessa altura.
"Perante a adversidade estabelecida,
solidariedade é arma/vida
para evitar precoce sepultura"...

Num mundo estranhamente povoado,
de vida, humanamente desfalcado,
na sociedade espúria e sem lisura.
Calor desta amizade em nós sentido,
é fruto, que em verdade, foi devido,
aos tempos de Guiné e vida dura...

Perante o desafio desta escrita
na forma algo incomum, mesmo inaudita,
de narração da Lusitana História.
Ao combatente, as forças fui catar
num esforço,`inda mais um, p`ra mergulhar,
nos livros, documentos e memória...

A emoção cerceia o raciocínio,
à verbe rouba até o seu domínio,
amordaçando a voz dentro do peito...
Palavras que brotavam em torrente,
transformam-se em silêncios, de repente,
deixando-me ante vós, assim sem jeito...

Belarmino Sardinha, Zé Dinis,
Valério, tantos outros e Luis,
aqui vos manifesto gratidão.
Se ao mar encapelado desta vida
ousei enfrentamento na partida,
a ti o devo, Vasco "meu irmão"...

Postado ao leme, firme ante editora,
"dobrando" rotativas, impressora...
acicatou vontades, gerou chama...
Neste ancorar seguro onde descansa,
trabalho de poeta feito `sp`rança,
está o grande "capitão" Vasco da Gama.

Para ti Vasco, com um grande abraço.

Aqui, no "MILHO-REI", morança activa
senti, e em vós achei, `sp`rança emotiva,
dum tempo solidário co`a Guiné.
À paz e crescimento, apetecível,
subjaz entendimento, imprescindível,
no leque partidário, hoje de pé...

Torna-se portanto necessário que os partidos políticos guinéus se entendam, se decidam a dar as mãos, de forma definitiva, por forma a permitirem ajuda externa.

Seguiu-se a sessão de autógrafos, os cumprimentos ao autor e o são convívio até ao fim de tarde.

Não podemos deixar passar um outro momento festivo que foi o cantar de parabéns ao Portojo que tinha feito anos no dia 8.

Mais uma tarde passada em convívio com daqueles camaradas da Tabanca de Matosinhos, amigos, generosos, solidários, que tão bem sabem receber. Muito obrigado, bem hajam.

Seguem-se umas quantas fotos de centenas que por lá se tiraram.

A sala de jantar estava praticamente lotada.
Foto de MC.


Belarmino Sardinha e a esposa Antonieta assinam o quadro de honra da Tabanca de Matosinhos.
Foto de JT.


Fernando Silva, Manuel Maia e filho preparam-se para assinar o quadro de honra da Tabanca de Matosinhos.
Foto de JT.


Hélder Sousa, Manuel Maia e José Manuel Matos Dinis no momento em que se cantavam os parabéns ao Jorge Teixeira.
Foto de BS


Manuel Maia, esposa e filho. Em primeiro plano Fernando Silva, amigo do autor, em conversa com o nosso Zé Teixeira.
Foto de BS


Nesta foto, uma das três senhoras presentes, Luísa, esposa do Zé Manel. Este casal é um caso especial de simpatia.
Foto de JT.


A esposa do Manuel Maia, assina o quadro de honra da Tabanca de Matosinhos.
Foto de JT


Os volumes da História de Portugal em Sextilhas, expostos na sala.
Foto JT


Bolo comemorativo com uma História de Portugal em Sextilhas comestível.
Foto JT


Vasco da Gama tentando usar da palavra.
Foto JT


Manuel Maia agradecendo emocionado a manifestação de amizade de que estava a ser alvo.
Foto JT


Aqui o povo gritava, beija... beija... beija...
Foto BS


Álvaro Basto, um dos nossos anfitriões da Tabanca de Matosinhos.
Foto MC


Fotos de:
Jorge Teixeira - Portojo (JT)
Belarmino Sardinha (BS)
Manuel Carmelita (MC)

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Notas de CV:

Título: História de Portugal em Sextilhas
Autor: Manuel de Oliveira Maia
Capa e composição: A. Godinho Fernandes
Editor: Erres e Esses, Lda.
128 páginas
Preço: 12,50 €uros
Prefácio de Luís Graça

Vd. último poste de 29 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5372: Agenda cultural: (49): Síntese da minha comunicação no Colóquio Internacional na Universidade dos Açores (Carlos Cordeiro)

Guiné 63/74 - P5440: Ser solidário (48): “Ciência para meninos em poemas pequeninos” (Regina Gouveia)

1. A Regina Gouveia, esposa do nosso Camarada Fernando Gouveia (Alf Mil Pel Rec Inf - Comando de Agrupamento 2957 -, Bafatá, 1968/70), enviou-nos um convite que passamos a publicar, extensível a todos os Camaradas tertulianos, familiares e amigos, bem como a todos os nosso Amigos que acompanham a vida do blogue, para o lançamento do seu mais recente livro:

CONVITE

Lançamento do Livro "Ciência para meninos em poemas pequeninos" da escritora Regina Gouveia

No próximo dia 16 vai ter lugar o lançamento do meu novo livro, onde estará presente o Coronel Marques Lopes, representando a Ajuda Amiga.

Um abraço,
Regina Gouveia

A Vivacidade tem a honra de convidar V. Exa. para o Lançamento do Livro “Ciência para meninos em poemas pequeninos” da autoria de Regina Gouveia, que terá lugar no dia 16 do corrente mês pelas 18h na Vivacidade - Espaço Criativo no Porto.

Serão momentos de cultura e de diversão numa acção de solidariedade para com as crianças da Guiné-Bissau. A sessão tem entrada livre.

Envio o convite e anexo o folheto informativo onde encontrará um resumo do currículo das pessoas que irão participar no lançamento.

A Autora Regina Gouveia e o Ilustrador Nuno Gouveia darão uma sessão de autógrafos.

Muito apreciaríamos poder contar com a sua presença neste evento. Agradecemos confirmação.

Direcção,
Mª Adelaide Pereira
Vivacidade – Espaço Criativo
Rua Alves Redol, 364 - B
4050-042 Porto
Tel.: 220937093
Fax: 220937092
Mob: 913263302
www.vivacidade.pt
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5439: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (1): Com amor & humor (Miguel e Giselda Pessoa)

1. Who is Who, quem é quem ?...

Para quem só agora aterrou, desembarcou, amarou, borregou ou até entrou por engano  na nossa Tabanca Grande, eles são, simplesmente, um casal de camaradas da Guiné, o mais mediático casal de camaradas da Guiné, o mais amoroso, o mais simpático, o mais encantador, o mais glamouroso, o mais tudo... Por mérito próprio, mas também porque são... o único casal de camaradas da Guiné com licença de residência na Tabanca Grande!... Dão-se alvíssaras, a quem encontrar e nos trazer outro, porque eles, coitadinhos, estão sozinhos no Paraíso...

Ele é o Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, Bissalanca, BA12, 1972/74, hoje Cor Pilav Ref).  Ela é a Srgt Pára-quedista Giselda Antunes... Seguramente o único casal do mundo que foi atingido - cada um deles, separadamente, em ocasiões diferentes, e em areonaves diferentes - , por um míssil SAM 7 Strela...  A Guiné e o Strela os juntou, sob a benção da FAP... Por mim já estavam no Guiness Book of Records se isso ajudasse a aumentar o PIB do nosso país e a contribuir para tornar ainda maior a nossa Tabanca Grande, além de ainda mais felizes... Ele & Ela.

Ele é um camarada de peso... Ela é a nossa única camarada de verdade... As outras bajudas e mulheres grandes só podem ser amigas... Obrigado, Miguel  e Giselda pelos votos de pesar pela morte do perú... Mas a verdade é que, tal como na tropa, alguém tem que se sacrificar pelo bem-estar e pelo moral do pessoal da Tabanca Grande. Como não há voluntários (nem básicos!), sacrifique-se o perú!..

2.  O Miguel e a Giselda dão a dica e o tom: o Natal (mesmo para os não-cristãos, para os outros monoteistas, para os politeistas, para os animistas, para os ateus, para os agnósticos...) é, na aldeia global, uma quadra festiva...em que os homens humanizam os seus deuses, ou climatizam os seus pesadelos ou, muito simplesmente, confraternizam entre si... (Para os que não tiverem programa nenhum, na noite de Consoada,  ainda há a alternativa, a nossa alternativa, que é blogar, blogar até que... o rato nos doa!).

Ficamos a aguardar que outros camaradas e amigos/as da Guiné nos escrevam neste período... Publicaremos as mensagens mais originais, mais loucas, mais provocatórias, mais inovadoras, mais inspiradoras, mais criativas, mais solidárias, mais picarescas, mais ternurentas, mais bem-humoradas, mais divinamente humanas, mais natalícias, mais artísticas, mais comestíveis, mais bebíveis, mais pimbas, mais.. mais ...mente incorrectas". Manga de mantenhas natalícias!

A equipa editorial

Guiné 63/74 - P5438: Controvérsias (58): Do revisionismo da história e da memória ao branqueamento do papel da PIDE/DGS (João Tunes)



Guiné > Mato Farroba > Catió > Abril de 1970 > João Tunes (à esquerda), ex-Alf Mil Trms,  CCS do BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71) e CCS do BART  2865 (Catió (1969/70)... Na peluda, foi engenheiro químico na GALP. Ingressou no nosso blogue em Agosto de 2005, numa altura em que o número de 'tertulianos' ainda se podia contar pelos dedos: Sousa de Castro, David Guimarães, A. Marques Lopes, Humberto Reis,  Afonso Sousa, Jorge Santos ... (E ainda Américo Marques, Belmiro Vaqueiro, Carlos Fortunato, Fernando Gomes de Carvalho, Joaquim Guimarães,  José Carlos Mussá Biai, Leopoldo Amado, Luís Carvalhido, Manuel Cruz, Manuel Castro, Manuel Ferreira)...

Foto: © João Tunes (2005). Direitos reservados.

1. Texto do nosso amigo e camarada João Tunes, enviado em 24 de Novembro último (*):

Fomos todos bons rapazes
por João Tunes

Há uma nítida tendência de revisão histórica sobre o colonialismo, a descolonização e a guerra colonial a espraiar-se em literatura de ensaio publicada e na blogosfera, ambas animadas ou por militares profissionais na reserva ou por antigos combatentes milicianos.

É uma espécie de reflexo de curto prazo para com a memória de um envolvimento militar que sofreu um recalcamento sem direito a catarse. Sem hipóteses regressivas, no social, no político e no cultural, sem projecto mobilizador que a empenhe em lutas pela mudança do presente e construção do futuro, há muita gente a querer viver o seu resto de vida sem remorso nem autocrítica, muito menos justiça histórica e política para com os povos africanos (os pretos “terroristas”, "turras" como síntese de ódio pronto a disparar, que se combateram com as armas mas também com a tortura, a prisão, o assassinato, a violação, a assimilação e a corrupção, quando muito dando-lhes o "benefício" das "delícias" - para os "tugas" - de uma cafrealização nos momentos compensatórios do "repouso do guerreiro"), para com acontecimentos marcantes verificados na transição da sua juventude para a primeira idade adulta.

Assim, a revisitação da experiência na guerra colonial tende a tornar-se um branqueamento forçado e necessário para reconciliações individuais e grupais que tendem a reintegrar no imaginário colectivo o mito da passagem, dramática mas limpa, de centenas de milhares de portugueses pelos cenários africanos incendiados pela guerra.

Lendo-os, aos auto-reciclados da guerra colonial, a impressão que se colhe, quanto à guerra colonial, é a de um patriotismo difuso e serôdio, empenhado numa guerra “limpa”, generosa e que até podia ter sido ganha se a democracia demorasse mais uma década a regressar à política portuguesa, e que, no mínimo, foi geradora de uma vivência de fraternidade de bons amigos e camaradas de armas. É, claro, uma memória filtrada dos “sobreviventes da guerra”. Sem actos assassinos e indignos, sem a génese da ocupação de "terra alheia", sem os muitos milhares de mortos e estropiados nos dois lados da guerra, sem os efeitos devastadores para o reencontro de Portugal com a democracia que teve de fazê-lo após gerações terem passado por treze anos de guerra em África e onde se tinham consumido enormes recursos (na fase final do fascismo-colonialismo, cerca de metade do Orçamento era consumido em gastos militares com a guerra colonial) e cedendo-se a independência aos países africanos num cenário político de transição de guerra pela independência para guerra civil, onde se forjaram, simetricamente, elites políticas militarizadas e formadas no marxismo de guerra.

Mas há um “ponto negro” de que, por regra, o revisionismo da memória foge. Refiro-me ao facto de a polícia política do salazarismo-marcelismo, a PIDE depois rebaptizada de DGS (**), ter sido o braço direito do exército colonial em África, no período 1961-1974. Militares e polícias políticos foram “unha com carne” na guerra colonial. Cada qual desempenhando o seu papel, mas casando-os sempre na maior intimidade e impunidade. Por muito que custe aos memorialistas da revisão em marcha, o que foi, aconteceu.

Dalila Mateus, num livro editado há tempos atrás mas que é uma referência da historiografia dedicada à guerra colonial (&), portanto sempre actual, aborda as actividades da PIDE/DGS nas antigas colónias no período 1961-1974, uma questão que ainda é tabu, até pelos desassossegos que desperta em grande parte dos militares que participaram naquela guerra. A historiadora expõe os mecanismos de actuação da PIDE/DGS em África e os meios que dispunha e que utilizava (na medida do que é possível saber-se e escapou à destruição dos arquivos).

Além de demonstrar que o que se passou nas frentes das guerras coloniais foi um genocídio intermitente gerido contra as populações africanas (confirmando a caracterização feita pela ONU), para além de actos de brutalidade generalizada e de máxima crueldade praticados pelas Forças Armadas, sobretudo durante o primeiro período da guerra mas que se verificaram pontualmente até ao fim, o grosso das acções de obtenção de informação, infiltrações entre os guerrilheiros, atentados contra os seus líderes, tortura de prisioneiros, gestão de prisões e de campos de concentração (onde o internamento era ordenado pela própria PIDE, sem julgamento e como sendo um ”acto administrativo”de “fixação de residência”) foram cometidas à PIDE/DGS. Ou seja, na maior parte dos casos, as Forças Armadas passavam para a PIDE a maior parte do “trabalho sujo” relativamente a militantes, simpatizantes ou suspeitos de simpatias para com as causas nacionalistas.

Esta “repartição de tarefas” assentou numa cumplicidade e complementaridade totais e absolutas. Para além de permitir que as Forças Armadas salvaguardassem a sua imagem de “combatentes” apenas “guerreiros”, cumprindo uma qualquer ética castrense, e com margem para a chamada “psico”, o trabalho entregue à PIDE “ganhou” em “especialização” e em “eficácia” (embora, por regra, as operações ofensivas tenham sido conjuntas).

Mais, tornou as duas organizações numa espécie de irmãs siamesas em que uma não podia viver sem a outra. As operações militares faziam-se com base nas informações da PIDE, a PIDE trabalhava os prisioneiros feitos pelas Forças Armadas. Neste sentido, as torturas, os assassinatos, as prisões indiscriminadas, cometidas pela PIDE durante a guerra colonial, foram crimes da polícia política mas mancharam, na mesma dimensão de iniquidade e responsabilidade, os comandos militares irmanados com a polícia. E sabendo como sabiam o que a PIDE aplicava aos guerrilheiros, a co-responsabilidade é absoluta.

Como entender a resistência havida após o 25 de Abril, em extinguir a PIDE em África, em que, sobretudo em Angola, ainda trabalharam durante muito tempo integrados na PIM (Polícia de Informação Militar)? Como entender a excelente apreciação que a maioria dos oficiais de carreira fazia sobre os méritos da PIDE em África? Como entender que o Alto-Comissário em Moçambique (Vitor Crespo), onde a PIDE foi desmantelada mais cedo, se tenha encarregado de destruir os ficheiros da PIDE? Como perceber a ausência de escrúpulos dos militares golpistas após o 25 de Abril trabalharem em estreita colaboração com ex-pides, retomando velhas cumplicidades? Finalmente, como perceber que, enquanto na metrópole, a PIDE era odiada pela população, em África ela era considerada e acarinhada pela maioria dos colonos (por vezes, mais estimada que os militares que faziam a guerra)?

A resposta a estas últimas questões está, como hipótese, na noção que os militares profissionais tinham que não haveria condições para fazerem a guerra sem a PIDE. E sabiam que a PIDE  “fazia bem” o papel que lhe estava atribuído (a maioria dos guerrilheiros reconhece isso, sendo uma das raras excepções a prosápia estúpida de Marcelino dos Santos da Frelimo que afirmou que a PIDE não sabia nada). Compreende-se assim que, no início da pós-revolução, a PIDE continuasse viva e bem viva nas ainda colónias. Ou pela integração no PIM, ou, clandestinamente, a ajudar a “resistência branca”, transbordando depois para o combate ao MPLA e, em Moçambique, na criação da Renamo.

Parte dos oficiais de carreira profissionalizados na guerra colonial (muitos deles com três comissões feitas) deram a “volta política”, participaram na descolonização e seguiram o paradigma político do MFA. Mas um número significativo de oficiais de média e alta patente (a partir de Major na altura do 25 de Abril) foi incapaz de digerir a descolonização e entender o papel da PIDE como sendo um alicerce do regime (o que, sendo verdade, não abona sobre o regime). É que não foram as Forças Armadas (só por si) que fizeram as guerras nas colónias, a PIDE (só por si) tão pouco. Foi uma e outra. Foi o regime salazarista-marcelista. Quando o regime caiu, o colonialismo caiu e a descolonização só podia ter como ponto de partida o ponto de chegada do colonialismo português.

O “depois” “devia” ter sido diferente e melhor. Mas o “depois” que houve partiu do “antes” herdado. Alguns militares da época não o entenderam na descolonização e cada vez o entendem menos, servindo a profusa literatura de memória e análise que publicam, em blogues e em livros, como demonstração dessa fixação, porque o ressentimento cresce com o tempo, sem que a catarse tenha sido feita. À força de “justificarem”, perante a sociedade e eles próprios, os anos de profissão naquelas guerras, perderam essa capacidade, a da catarse da participação de uma guerra injusta, impossível de vencer, iníqua nos meios utilizados e nos crimes cometidos, directamente ou com sua colaboração.


(&) – A Pide/DGS na Guerra Colonial – 1961-1974, Dalila Cabrita Mateus, Ed Terramar, 2004. (***)

João Tunes

Nota: Este texto resulta da junção de outros dois, editados em:

- http://agualisa6.blogs.sapo.pt/1592621.html

- http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/11/24/a-questao-mais-incomoda-da-guerra-colonial/

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
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Notas de L.G.:

(*) O João Tunes já publicou, desde 11 de Agosto de 2005, cerca de 35 postes no nosso blogue:

Vd. último postes:

4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5206: Efemérides (27): as eleições de 26/10/1969, as oposições democráticas (CDE e CEUD) e a escalada da guerra (João Tunes)

2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4722: Depois da guerra, o stresse... da paz (4): Os dois piores anos da minha vida (João Tunes)

(**) Sobre a PIDE/DGS há 35 referências na II Série do nosso blogue e outras 15 na I Série. Cite-se, a título de exemplo:

4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5267: História de vida (17): Um homem no Cachil, Ilha do Como, CCAÇ 557, 1964 (José Augusto Rocha)

(...) Nos anos sessenta, a ordem de incorporação e a ida para a guerra colonial estava indisfarçavelmente ligada à repressão política e à PIDE. Esta articulação era particularmente visível em relação ao movimento estudantil e em especial aos seus dirigentes. As medidas de repressão do aparelho do Estado, ao nível das forças armadas, eram várias e diversificadas e iam desde a incorporação em estabelecimentos militares disciplinares de correcção, como o de Penamacor, onde foi internado, por exemplo, o Hélder Costa e o João Morais, até incorporações antecipadas e transferências arbitrárias de quartéis, de acordo com estritas ordens da polícia política (PIDE).

No meu caso, libertado do Forte de Caxias, em Julho de 1963, fui incorporado logo em Setembro, para minha total surpresa, no Regimento de Lanceiros 2, conhecido como o quartel da polícia militar, unidade de confiança do regime político do Estado Novo. Vim a encontrar aí outro dirigente associativo, da Associação dos Estudantes da Faculdade de Letras, o João Paulo Monteiro, filho do exilado político Adolfo Casais Monteiro. A surpresa de imediato foi esclarecida. O treino militar do 1º ciclo, naquele Regimento, era muito duro e de verdadeiro castigo e, logo que terminou, ambos fomos transferidos para a Escola Prática de Infantaria de Mafra, por despacho do então Ministro da Defesa Nacional, General Mário Silva. (...)

19 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4707: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (10): Mina bailarina

(...) Por sorte não fui comandar um Pelotão de Reconhecimento como aconteceu com a maior parte dos meus colegas do Pel Rec Inf de Mafra. Fui sim destinado às Informações, nomeadamente a Oficial de Informações do Comando de Agrupamento de Bafatá.

Entrando directamente na estória que hoje aqui me traz, começo por dizer que as minhas funções no Comando de Agrupamento eram na prática, e principalmente, receber, triar e registar de várias formas todas as notícias (informações) que iam chegando, normalmente via mensagens rádio referentes quer ao IN, quer às NT.

Abrindo aqui um parênteses, referirei que durante os dois anos em que lá exerci essas funções, nunca em caso algum tive qualquer contacto com elementos da PIDE, o que sempre achei estranho. Ainda bem que assim foi, mas não posso deixar de referir que essa indiferença por parte da PIDE era talvez um prenúncio da sua decadência, bem como do regíme que a sustentava. (...)


25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4412: Dando a mão à palmatória (20): O Arsénio Puim, capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), só foi expulso em Maio de 1971 (Luís Graça)

(...) Nas conversas que tenho tido com ele, ao telefone, o Puim nunca refere a presença de nenhum agente da PIDE/DGS... Afirma categoricamemente que quem passou a revista ao seu quarto (de resto, partilhado pelo Dr. Vilar, o médico, também conhecido pela alcunha O Drácula), quem mexeu nos seus objectos pessoais, na sua mala... e quem confiscou o seu diário, foi o 2º comandante. De qualquer, a meticulosa e ominipresente PIDE/DGS averbou esta cena no ficha do Puim... O que sugere alguma promiscuidade entre a PIDE/DGS e a hierarquia militar...

Admito que a PIDE/DGS (de Bafatá) estivesse por detrás de tudo isto, ou pelo menos acompanhasse o processo do polémico capelão de Bamadinca... Mas como o Puim era um oficial miliciano e ainda por cima capelão, é natural que Bissau tenha dado ordem para ser a hierarquia militar a encarregar-se do caso... e não armar escândalo. Afinal, os tempos já eram outros... Spínola tinha a PIDE/DGS ao seu serviço, ou pelo menos sobre a sua tutela e protecção. (...)

[Vd. 17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)]

18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3651: Estórias do Zé Teixeira (31): Um Pide, um marabu e um balanta de Bula que se converte ao Islamismo (José Teixeira)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

(...) Numa das saídas das explorações que nos eram confiadas, foi apanhado um guerrilheiro e feito prisioneiro. Quando o pessoal chegou, já era noite. Não eram horas de entregar o prisioneiro à PIDE. Então o capitão lembra-se da brilhante ideia, como o Colaço está de serviço permanente ao posto rádio, fica a guardar o prisioneiro. Ordens são ordens e não há que contestar.

A única alteração foi alterar o local da pistola Walther, pois esta estava sempre pendurada num cabide na parede do posto rádio. Nessa noite andou no coldre mas na cintura do militar.

Era um homem mais ou menos dos seus cinquenta e picos anos. Eram cerca das 3 horas e 30 minutos, depois de termos tido uma conversa, posso dizer de amigos. Olhei para ele, de olhos nos olhos, e notei o seu estado de fraqueza. Fiz-lhe a seguinte pergunta:
- Não tens fome? - Ao que ele respondeu com um sim tímido. Então disse-lhe:
- Fica aí sossegado, está bem ?!, que eu vou arranjar comida. (...)

10 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3593: História da CCAÇ 2679 (9): Boas recordações da PIDE (José Manuel Dinis)
 
(...) Em Buruntuma, localidade que acolhia uma Companhia do BArt 2857, sediado em Piche, sector L-4, havia um Agente daquela instituição que desenvolvia a sua actividade de compra e troca de informações, em regime de residência permanente. Todavia, apesar de independente da tropa e de exercer o seu importante mister com toda a autonomia, dependia do BArt para efeito de recebimento salarial. Nessas ocasiões, o individuo, de fraca figura, mas arguto e importante pela benção do regime, apanhava boleia numa das colunas de ligação a Piche, onde tinha o hábito de permanecer uma ou duas noites. (...)
 
4 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3564: História de Vida (20): Meninos Soldados (Juvenal Amado)
 
(...) Filho de operário vidreiro, aí [, em Alcobaça,] comecei a moldar o meu sentimento político.

Uma madrugada ouvi bater as portas de carro, mesmo debaixo da janela do quarto, onde dormia mais o meu irmão. Em 1960 os carros eram raros e, que eu me lembre, no bairro não havia nenhum. As visitas não eram para nós, mas sim para a casa ao lado. Ouvi vozes graves, alguma turbulência, o choro de uma mulher, palavras nervosamente balbuciadas, várias pessoas entram no carro e este parte.

No dia a seguir apercebo-me, entre as meias palavras da minha tia e da minha mãe, que o senhor Loureiro tinha sido preso. Deixava a esposa e filhos num total desespero. O senhor Loureiro era operário vidreiro na Crisal. Era por demais reconhecido por toda a gente, que os vidreiros eram firmes opositores ao regime de Salazar. A Pide prendeu muitos militantes anti-salazaristas nessa altura e o senhor Loureiro foi um deles.

A partir daí passei a viver com o terror, de que viessem buscar o meu pai também, não que percebesse o porquê, mas na minha ingenuidade, pensei que prendessem todos os que fossem vidreiros. (...)

4 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3561: No 25 de Abril eu estava em... (5) Bissau, ouvindo vivas a Spínola, pai do nosso povo (J. Casimiro Carvalho)

Carta, Bissau, 30/4/74

Querida mãezinha: (…) Isto aqui anda a ‘ferver’. Os africanos andam aos montes na cidade e partem montras e há porrada. Acabou a DGS e eles andam loucos de alegria, só querem é apanhar ex-membros da extinta DGS., que estão a ser evacuados da Província.

Andam com cartazes deste génerio: 'Abaixo a repressão / Abaixo a DGS / Viva Spínola, pai do nosso povo / Liberdade ao nosso povo', etc

Andam às centenas. Tropas às centenas (armadas até aos dentes) patrulham a cidade dia e noite, até dormem nas ruas com ração de combate. Parece Belfast. À noite não me atrevo a ir à cidade. É por isso que estou a escrever-lhe senão levava mais uns dias.(…)

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3366: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)

(...) Em Tanéné fomos recebidos pelo camarada Tomás Queta, chefe da aldeia. Por seu intermédio, conseguimos falar com o camarada do Partido, Daudá Camará, de Cacoca. Depois de uma longa sessão informativa sobre a vida do Partido no chão dos nalús e mais particularmente sobre a sua organização do interior da região, o camarada Daudá Camará mereceu a nossa confiança. E foi assim que nós o encarregámos de uma missão junto do camarada Pedro Duarte, em Cacine.

No regresso, recebemos as seguintes informações:

(i) É difícil contactar o Duarte, é vigiado dia e noite por um Alferes Indiano, que trabalha no mesma repartição com o seu adjunto, um caboverdiano de nome Carvalho, que é um grande inimigo da nossa causa, juntamente com o régulo de Cacine, de seu nome Tomás Camará, igualmente nefasto.

(ii) A casa do Duarte é guardada dia e noite por soldados africanos; já não tem jipe de serviço, desloca-se agora num jipe do exército. A sua mulher, que o denunciou, regressou a 7/12/1961;

(iii) Todos os régulos nalus foram convocados a Cacine, para receber as seguintes informações: Supressão do sistema de registo de denominação indígena; deixa de haver distinção entre brancos e negros, tanto os grandes como os pequenos devem passar a possuir um bilhete de identidade de cidadão português; este bilhete de identidade deve ser pago, mas ainda não foi fixado o respectivo preço. Supressão do imposto indígena. O preço dos produtos agrícolas passam a ser fixados pelos proprietários (sic). As regiões convocadas foram Catió, Cacine, Buba, Fulacunda, Gadamael, Bedanda, Cacoca, Quitafine, Sanconhá, Camissoro, etc.,

(iv) Que é preciso ter muito atenção a Álvaro Queta, de Sanconhá, Munini Camará (Lumba jodo), de Cacoca, que são elementos muito perigosos da PIDE. Circulam por todas as regiões (do sul). (...)

7 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3181: História de vida (17): A falsa Mariama, mandinga de Bambadinca, a sua filha, e o seu amigo... (Alberto Nascimento)

(...) Soubera, do muito comentado entre a população, caso do padre Grillo, e tinha ouvido falar do que se passara em Samba Silate, em Poindom e também se apercebera dos prisioneiros que os militares tinham feito nestas povoações, sem uma única crítica, somente uma grande preocupação pela segurança e futuro da filha, e sem deixar transparecer simpatia por qualquer das partes já em conflito, ou eu não quis ou não consegui entender...

Alguns dias antes da partida de Bambadinca para Bissau, a Mariama disse-me que tivera conhecimento que um rapaz de quem era amiga, e já não via há bastante tempo, estava preso em Bafatá “por ser contra os brancos”. Pediu-me que se parasse em Bafatá falasse com ele para lhe dar cumprimentos. Não sabia se era possível ter acesso à zona onde estavam os prisioneiros, mas prometi que faria o possível.

No dia da partida fizemos realmente uma paragem em Bafatá e um camarada indicou-me a prisão e até me elucidou, julgo que com verdade, sobre o destino dos presos que tinham um trapo atado ao pescoço, a marca dos que foram considerados mais activos nas acções contra colonialismo e, por conseguinte, sujeitos a maior pressão nos interrogatórios, que podiam determinar o seu fim.

Frente à grade da cela, como não o conhecia, pronunciei o seu nome. Aproximou-se e transmiti-lhe o recado que ouviu com um sorriso e agradeceu. Ele tinha o trapo no pescoço. (...)

10 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3125: História de vida (15): Norberto Tavares de Carvalho, O Cote: do PAIGC ao exílio (A. Marques Lopes)

(...) Entre 1970 e 1973 foi estudante da Escola Industrial e Comercial de Bissau, tendo também trabalhado, em 72 e 73, como acompanhante na Ponte Cais de Bissau (trabalho nocturno); em 2 de Novembro de 1972 foi preso pela PIDE, por ordem expressa do General Spínola, na sequência de uma greve dos estudantes; em 8 de Maio de 1973 foi novamente preso pela PIDE, tendo sido condenado, em Setembro desse ano, a 3 anos de prisão e deportação para a Ilha das Galinhas (campo de concentração na Guiné para presos políticos). Foi libertado a 3 de Maio de 1974, na sequência do 25 de Abril.

Após a independência, foi dirigente da Juventude Africana Amilcar Cabral, tendo também trabalhado como funcionário público nos Arquivos da Segurança do Estado, entre Novembro de 1974 e Setembro de 1978, e sendo Comandante do Departamento Central da Migração em 1978-1980; foi preso em Novembro de 1980, depois do golpe de Nino Vieira de 14 de Novembro desse ano, tendo sido deportado, em Dezembro de 1982, para trabalhos forçados na ilha de Carache (nos Bijagós). Foi libertado em 1 de Maio de 1983, tendo fugido para o Senegal em Julho desse ano.

É exilado político na Suíça desde Novembro de 1983. A alcunha de "O Cote" foi-lhe dada pela PIDE, disse-me ele. Os seus pais eram empregados de um alemão, de nome Cote, que estava na Guiné, e começaram a chamar-lhe assim. E é o nome por que ficou conhecido entre os seus camaradas do PAIGC. (...)

17 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3067: Estórias do Juvenal Amado (12): O longo abraço (Juvenal Amado)

(...) O Filipe esteve internado 32 dias em Bissau, antes de ser evacuado para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde esteve 173 dias.

Conhecendo eu o Filipe, o seu romantismo revolucionário, não o deve ter deixado calado por onde passou. Resultado cartas, fotos e objectos, que ao tempo foram considerados suspeitos vá-se lá saber porquê, tudo desapareceu entre Galomaro, Hospital de Bissau e Estrela .

A PIDE também visitou a casa da mãe no Porto, quando ele por sorte estava em Lisboa. A seguir, o 25 Abril veio pôr fim aos delitos de opinião, que as gerações mais novas nem sonham o que era, talvez por nossa culpa.

O Filipe faz um sentido agradecimento à memória do Alferes Mota, por o ter ajudado naquela noite, quando ele regressava do Regala. Eu também lhe agradeço, pois pequenos gestos como o que praticou, ajudaram a anular a suspeita, as escutas e a delação, que eram uma constante nas nossas vidas.

Brancos ou pretos, a PIDE não escolhia cores e o braço era longo.Obrigado, Alferes Mota. (...)

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2931: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (2): Da solidão de pides, padres, administradores, mascotes...
 
(...) Havia um PIDE, mais propriamente, um agente da Polícia Internacional e de Defesa do Estado.

O PIDE estava instalado numa casa junto ao arame farpado do quartel e tinha uma mulher. Ter uma mulher era vulgar. Muitos tinham, também, mulher. Se não oficialmente, pelo menos oficiosamente. No caso do PIDE era a mulher oficial e estava ali naquela casa. Isso era proibido aos militares. Naquele lugar um tanto ou quanto perigoso.

Além disso, o PIDE tinha muitos informadores. Pagava-lhes para trazerem novas sobre as movimentações e intenções da insurreição política. Para ele tratava-se de insurreição política. Para os militares, se havia insurreição, era armada.

Além disso, o PIDE tinha antenas altas. Não era dessas. Eram mesmo antenas de comunicações. Telecomunicações, como agora se diz. Tinha, também, antenas horizontais, que ligavam as tais antenas altas à torre da igreja (das Missões). E, assim, falava com Bissau, ou com Lisboa, passando uma tangente sobre Bissau. (...)

Vd. também na I Série do Blogue:

22 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXV: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte

25 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVI: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)

29 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLVIII: Comerciantes de Bafatá: turras ou pides ? (Manuel Mata)

14 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCL: Capelão militar por quatro meses em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

20 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Antologia (38): O cativeiro dos bichos (Artur Augusto Silva)

24 de Maio de 2006 > Guiné 63/4 - DCCLXXXVIII: Os crimes da Pide, dos comandos e dos camaradas (Pepito)

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCV: O colaboracionismo sempre teve uma paga (1) (A. Marques Lopes)

4 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXVI: A vingança da PIDE (Manuel Domingues)

14 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVIII: Memórias de Turpin e da Bissau do seu tempo

(***)  Vd. poste de João Tunes >

4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1337: O campo de concentração da Ilha das Galinhas (João Tunes)

(...) Caro Luís e restantes camaradas,

Como era incontornável, o nosso blogue, cada vez mais rico e recheado de facetas mais encadeadas, assenta sobretudo na visão da guerra de um dos lados, o das NT. Não podia ser de outra forma. Mas, julgo eu, sobretudo a esta distância no tempo, não entenderemos o que passámos e lá estivemos a fazer, sem compreender o outro lado, o lado do IN. Só numa compreensão abrangente das duas metades, é que, nós e os guineenses, podemos ter a percepção da epopeia daquele drama comum e que nos ficou a unir.

Infelizmente, da parte do PAIGC, há uma exiguidade de produção histórica e tratamento documental e testemunhal sobre a sua luta. A par do facto terrível de que a grande maioria dos antigos combatentes do PAIGC ou morreu ou para lá caminha proximamente sem deixar lavrados os seus imprescindíveis relatos e testemunhos (é muito curto o horizonte de vida na Guiné). (...)

Entretanto, aproveitando para o divulgar e recomendar, saiu um livro importante da Dalila Cabrita Mateus em que ela apresenta um conjunto de depoimentos recolhidos e verificados junto dos prisioneiros africanos no período da guerra colonial. Julgo até que este livro é de leitura impositiva pois possibilita, coisa rara, que se oiçam vozes do sofrimento daqueles que combatemos e nos combateram.  O que é útil a vários níveis - permite-nos relativizar os nossos sofrimentos enquanto combatentes coloniais; traz à luz do dia uma bestialidade escondida no tratamento da pessoa humana que era o lastro do suporte ao nosso combate e sobrevivência. Sem aquilo, sem aquela PIDE, poucos de nós estaríamos aqui a escrever e a contar.

Uma parcela importante do livro de Dalila Cabrita Mateus é composta de entrevistas com prisioneiros da segunda fase de funcionamento do Campo de Concentração do Tarrafal (Ilha de Santiago - Cabo Verde). Como se sabe, o Campo (também conhecido como Campo da Morte Lenta) funcionou entre 1936 e 1954 para prisioneiros políticos portugueses e o seu encerramento deveu-se ao escândalo internacional devido à demasiada semelhança com os campos nazis. (...).

[ MATEUS, Dalila Cabrita - Memórias do Colonialismo e da Guerra. Porto: Edições ASA. 2006. Colecção: Arquivos Históricos. 672 pp. Preço: 24 € ].

A PIDE/DGS na Guerra Colonial (1961-1974), Dalila Cabrita Mateus, Ed. Terramar. 2004.