terça-feira, 25 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2680: O caso do nosso camarada António Batista (Carlos Vinhal / Álvaro Basto / Paulo Santiago e António J. Pereira da Costa)

No Portugal dos nossos dias é possível um morto depositar um ramos de flores na sua própria campa.
Foto publicada no Jornal de Notícias, edição de 18 de Setembro de 1974, com a devida vénia


António Batista, bem vivo felizmente, acompanhado por duas pessoas que se têm interessado pelo seu caso, Álvaro Basto e Paulo Santiago, a quem se junta agora, em boa hora esperemos, o Coronel António José Pereira da Costa.


1. Em 18 de Fevereiro o co-editor Carlos Vinhal contactou o nosso camarada Álvaro Basto:

Amigo Álvaro

Tudo bem? Julgo que tens acompanhado o Batista na tentativa de legalizar a sua situação militar. Gostava, se concordares, que fizesses um resumo do que tem acontecido ou vai acontecer, para ser publicado no Blogue.

A malta pode pensar que o assunto está esquecido ou que tu esmoreceste quanto à vontade de o ajudar.

Espero notícias tuas e pormenores para publicar.
Recebe aquele abraço
Carlos Vinhal

2. No mesmo dia, o Álvaro respondia.

Carlos:

Amanhã (dia 19) vou acompanhar, como estava prometido, o Baptista ao Quartel da Senhora da Hora para ele ser ouvuido no âmbito do processo que foi inciado para ele passar a receber uma pensão de prisioneiro de guerra.

Embora muito atarefado, e em vésperas de partida para a Guiné [ prevista para o dia 21,], vou fazer amanhã um resumo do que se passou para se dar a noticia para o Blogue.

Um grande abraço
Álvaro Basto

3. Em 19 de Fevereiro de novo mensagem para Álvaro Basto

Caro Álvaro:

Porventura não fui oportuno no pedido que te fiz. Compreendo e sugiro que me dês notícias do Batista só após a tua chegada do Simpósio. Não quero que julgues que esquecemos a tua colaboração com o Batista.

Um abraço
Carlos Vinhal

4. Mas o sentimento de revolta e impotência calou fundo no Álvaro Basto que no mesmo dia mandava esta mensagem:

Oh, Carlos, é revoltante

Eu pensava que o caso do Batista era de tal modo conhecido e comprovado que eles eventualmente só queriam saber se ele estava vivo ainda, mas de facto sou um crente.

O Batista foi ouvido no âmbito do processo, mas para ser elaborado um auto de averiguações. Ao simpático e jovem Tenente que o ouviu, o Batista teve de contar outra vez a história toda.

Quando tinha ido para a tropa, onde e quando tinha sido incorporado... quando embarcou para a Guiné, para onde foi, quando foi... como foi... com quem foi... Olha, kafkiano no mínimo, para que tudo ficasse religiosamente registado no auto... que depois de lido foi assinado pelo Batista e pelo Sr. Tenente.

Indescritível... só as velhas máquinas de escrever foram substituídas por velhos computadores.... o mobiliário, a decoração, os cheiros, tudo é igual ao nosso tempo... Até parece que o tempo parou.

Entre lamúrias e alguma palavras de conforto ao Batista, o nosso jovem Tenente foi dizendo que, em tratando-se de se chegarem à frente , é só complicações sobre complicações para se ir protelando. Parece que o dinheiro a que o Batista tem direito não é o nosso dinheiro... Olha, pá, saí de lá revoltado... se calhar era isso mesmo que eles queriam, mas estão bem enganados.

Ainda por cima o processo não ficou encerrado... faltam as tesemunhas... querem testemunhas que tenham estado no cativeiro com o Batista para atestar que ele esteve mesmo preso, não fora dar-se o caso de ele ter ido passear para local incerto durante aqueles quatro anos... e o dinheiro dos contribuintes ser mal empregue.

Obviamente que me ofereci imediatamente para testemunhar mas o nosso Tenente (e ele disso acho que percebe...) achou melhor ser alguém que tenha estado com ele na emboscada e que tenha conseguido safar-se ou alguém que tenha convivido com ele na prisão.

Embora não sendo uma novidade para ninguém acho que isto tem de ser conhecido por todos. Precisamos de lançar um apelo no blogue para ver se conseguimos sensibilizar algum sobrevivente da Companhia do Saltinho a que o Batista pertenceu, eventualmente até o Comandante de Companhia que tanto quanto sei está identificado e localizado.

Quanto aos camaradas de cativeiro, o Batista tem cópias do BI de dois deles que vou juntar mas, tanto quanto ele sabe, estão ambos emigrados fora de Portugal.

Esperava ver este processo bem mais adiantado e afinal parece que ainda a procissão vai no adro... é uma frustração.

NOTAS:

1- Fiquei com o email do Tenente João Paulo Fernandes Vilela (...) para lhe comunicar quando tívessemos testemunhas (credíveis), que possam atestar que o Batista foi preso na emboscada e levado para Conacri onde permaneceu 4 anos.

2- Junto alguma da última correspondência que o Batista recebeu sobre o assunto, bem como os BI dos dois camaradas de cativeiro que se encontram em parte incerta.

Um grande abraço.
Álvaro Basto

5. Em 21 de Fevereiro foi dado conhecimento do andamento do caso do Batista à Tertúlia com esta mensagem:

Caros camaradas e amigos:

Que dizer face a esta mensagem do Álvaro Basto?

Venho dar-vos conhecimento dela, na esperança de que alguém que nos leia possa dar uma ajuda ao Batista e ao Álvaro, nesta tarefa, que sendo de si complicada, mais complicada tornam, para (desculpem a expressão), fazer render o peixe.

Provavelmente vão esperar que ele morra. Sempre se poupa algum ao erário.

Com um abraço para todos, me despeço
Carlos Vinhal

6. No mesmo dia o nosso camarada Jorge Teixeira tinha este desabafo:

Olá Camaradas
Este processo é mais um para juntar aos incógnitos que por aqui e ali, algures nos serviços militares, andam e apodrecem sem solução.

Como querem as forças armadas ou lá como se chamam agora, que as acreditemos e respeitemos, que aderiramos às manifestações de oficiais, sargentos - nao sei se de praças tambem - quando nos complicam tanto a vida.

Apenas porque nós, que andámos por lá desamparados, continuemos da mesma forma 30/40 anos depois, e não nos permitem reconhecer o que achamos a ter direito.

Cada regresso foi um pesadelo para os nossos governantes, e os que temos a sorte de ainda por cá andar, para os actuais governantes e militares, bem melhor seria que desaparecessemos de vez para não criar mais complicações à sua vida de grandes senhores.

Sejam eles políticos ou generais, almirantes ou...

Faço daqui um apelo, aproveitando a visibilidade que os nossos editores do blogue estão a conseguir, que promovam estes casos junto dos orgãos de comunicação social, da direcção de partidos políticos, do Presidente da República como Chefe Supremo das Forças Armadas, ele proprio um antigo militar em África, para que se denunciem estes casos, que nos revoltam mas nos deixam impotentes perante a insensibilidade das gerações actuais.

Um abraço para todos os camaradas.
Jorge Teixeira

7. Como está patente, apesar de tudo, as boas vontades não pára e, em 5 de Março passado o nosso tertuliano Coronel António José Pereira da Costa mandava-nos esta mensagem que traz nova esperança.

Olá Camaradas

Peço que informem o António Baptista de que estou a trabalhar no caso dele.

Já forneci ao oficial averiguante alguns documentos, nomeadamente:
um extracto de um relatório feito pela 2ª Rep do QG/CTIG onde se descreve a troca de prisioneiros entre o PAIGC e o Exército, uma cópia do trecho da relatório (n.º 3/72 de 210800ABR72) da acção onde consta a "morte" dele e o desparecimento em combate de um outro camarada n.º 11336171 - António de Oliveira Azevedo, e uma nota do QG/CTIG -Serviço Justiça e Disciplina, em que este último é dado como desaparecido em combate.

Segundo esta nota há um processo em que se diz que "foi gravemente ferido no ombro direito, costas e abdomen do lado direito" que "deve ter sido mortalmente ferido, embrenhando-se no mato, tendo resultado infrutíferas todas as buscas no sentido de ser encontrado".

É por isso dado como desaparecido em combate desde 17ABR72, por despacho de 29NOV72 do Cmdt Militar.

Parece-me (é a minha opinião) que estamos perante uma situação em que um desparecido em combate morreu, de facto, e o seu corpo foi trocado pelo de um outro capturado pelo IN. Só assim se justifica que no relatório constem 10 mortos, 6 dos quais queimados no incêndio da GMC, um desaparecido (o capturado) e 4 feridos.

Um Ab.
António Costa

8. Em 9 de Março dei conhecimento desta mensagem ao Álvaro Basto e ao Paulo Santiago, duas pessoas que desde há muito lutam contra a burocracia, para que se deslinde este mistério.

Porque não tomam as autoridades competentes a iniciativa de exumar o cadáver que dizem ser do nosso camarada António Batista. Com o avanço da ciência forense, saberíamos exactamente quem é o pobre militar que ali está enterrado indevidamente.

Atrevo-me a dizer que isto é um caso que está a ultrapassar os limites da decência num país dito civilizado.

Havia que dar publicidade junto de todos os orgãos de comunicação social escrita e não só para de vez acabar com esta incerteza.

Alguém está sem o corpo do seu ente querido, julgando-o perdido para sempre.

CV
______________

Notas dos editores:

(1) Vd. o já vasto dossiê sobre o nosso camarada e amigo António da Silva Batista, que vive hoje em Matosinhos, faz parte da nossa Tabanca Grande e aguarda, com legítima ansiedade e expectativa, o fim deste terrível pesadelo que tem já 36 anos:

1 de Fevereiro de 2008 Guiné 63/74 - P2497: O dossiê António da Silva Batista: um caso de indignidade humana (Torcato Mendonça)

31 de Janeiro de 2008 Guiné 63/74 - P2494: Sr. Ministro da Defesa, parece que não há Simplex que valha ao António da Silva Batista! (Paulo Santiago)

8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2422: Quem terá sido o Camarada que ficou na campa do António Baptista? (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)

25 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2381: Diana Andringa, com o teu apoio, podemos ajudar o António Batista, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto)

21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2371: O Sold António Baptista não constava das listas de PG (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)

28 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2140: Tabanca Grande (35): Notícias do Tony Tavares (CCAÇ 2701) e do António Batista (CCAÇ 3490) (Ayala Botto)

9 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2040: No almoço da tertúlia de Matosinhos com o António Batista, o nosso morto-vivo do Quirafo (Paulo Santiago)

30 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P2011: Vamos ajudar o António Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490/BART 3872 (Júlio César / Paulo Santiago / Álvaro Basto / Carlos Vinhal)

26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1999: Vamos arranjar uma caderneta militar nova para o António Batista (Rui Ferreira / Paulo Santiago)

24 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1991: O Simplex, o Kafka e o Batista ou a Estória do Vivo que a Burocracia Quer como Morto (João Tunes)

24 de Jullho de 2007 > Guiné 63/74 - P1990: Carta aberta ao Cor Ayala Botto: O caso Batista: O que fazer para salvar a sua honra militar ? (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)

(2) Sobre a tragédia do Quirafo, Vd. posts de:

21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)

12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

1 comentário:

joão coelho disse...

Sugiro que falem com a TVI, a SIC e o Correio da Manhã sobre esta história "kafkiana"..se alguma das tv's agarrar o assunto, resolve-se rápidamente o problema...infelizmente, hoje em dia é aasim.
Já agora, aproveito para referir um apontamento da RR sobre este blogue, transmitido ontem, 24 de Março, que terminava dizendo que aquela estação de rádio abriu um link para " Luis Graça, etc " no seu sitio..
Um destes dias vocês não chegam para as encomendas...Ainda bem.
Saudações

João Coelho