sábado, 3 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P839: Antologia (41): A AD na luta contra a fome nas regiões do sul


Guiné-Bissau > Ad - Foto da Semana > "Quitana N’Fanda é uma jovem oleira de uma tabanca do sector de Cubucaré, na região de Tombali, sul do país. A AD tem estado a incentivar os jovens a produzirem artesanato local que inclui esculturas Nalús, em madeira e em pedra, cestaria à base de mampufa e cadeiras e mesas de tara, uma vez que se começa a registar um cada vez maior interesse por este tipo de arte por parte dos ecoturistas que demandam agora frequentemente a Mata de Cantanhez".

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2005) (com a devida vénia)



1. O Expresso da semana passada (27 de Maio de 2006) trouxe uma reportagem sobre a situação agro-alimentar no sul da Guiné, nas regiões de Quínara e de Tombali, que já foram o "celeiro" do país... A monocultura do arroz, a sua substituição pela cultura do caju e o miserável abandono por parte do poder político, instalado em Bissau, das populações das regiões do sul onde se forjou a luta pela independência, são alguns tópicos referidos na reportagem.

Também é citado o trabalho (exemplar) que a AD - Acção para o Desenvolvimento, dirigida pelo nosso amigo Pepito, está a fazer na região, em prol da criação de uma agricultura que seja compatível com a protecção do ambiente e que garanta a auto-suficiência alimentar dos camponeses.

Aqui fica a reportagem do jornalista Jorge Pereira (vd. Expresso África que é uma boa fonte de informação, on line, sobre a Guiné-Bissau e outros países africanos de língua oficial portuguesa)


Quando não há arroz, há fome

DEPARAR-SE com uma viatura num domingo e conseguir boleia, numa picada da espessa Mata de Cantanhez, no Sul da Guiné-Bissau, é raro. Mas foi o dia de sorte de Ntchudo Na Lana, um velho camponês de Darsalam, aldeia dos confins da região de Tombali, que já vinha caminhando desde a véspera, só parando para dormir e comer alguma coisa.

Andar longas distâncias a pé, dia e noite, é uma prática comum nas áreas rurais, em particular em Tombali e Quínara, zonas meridionais do país e as mais deserdadas em matéria de comunicação e transporte.

O carro, que transportava um consultor europeu da Acção para o Desenvolvimento (AD) e um técnico desta ONG local empenhada na preservação ambiental, parou e levou Ntchudo, que cultiva arroz de «bolanha», terreno de água salgada conquistado aos «mangroves». Em vez da nefasta, e pouco rentável, cultura itinerante, com recurso à queimada da floresta e à desmatação.

Ntchudo também aderiu ao cultivo de mandioca e de batata-doce, uma medida de urgência introduzida pela AD, para fazer face à actual penúria de arroz, a base da alimentação nacional. Conta que esteve na capital, onde recebeu uma «ajuda» de 150.000 francos (cerca de 230 euros) do chefe de Estado, Nino Vieira, que conheceu quando este era comandante na Frente Sul da luta pela independência.

A última época agrícola foi má para todos os produtores do Sul. Em Tombali e Quínara, consideradas «o celeiro» do país, não chegou a haver colheita de arroz. «E, quando não há arroz, há fome», disse Bilony Nhasse, directora regional da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Quínara, segundo a qual é urgente o fim da monocultura do arroz e variar a dieta alimentar.

Avaliações ainda provisórias indicam que mais de 20 mil pessoas enfrentam sérias dificuldades, o que levou o Governo a pedir, em finais de Abril, o apoio urgente da comunidade internacional. «Nunca se viu este cenário no Sul. As pessoas estão a chorar de fome. A falta de chuva e a entrada de água salgada nos arrozais rebentou com os diques e originou a perda da colheita do ano passado», descreve o chefe do Departamento de Engenharia Rural, Rui Néné Djatá, que aponta a necessidade de um «sistema de ordenamento hidro-agrícola para salvar os campos de arroz».

Para sobreviverem, as populações consomem as sementes que guardaram para a nova época agrícola. Ou recorrem a familiares na capital. A manga e o caju, abundantes nesta altura do ano, são a salvação de milhares de pessoas, que ainda enfrentam a falta de água potável. Como se relata em Bessassema, uma povoação onde, na falta de arroz e água, se mata a fome com manga fervida com sumo de caju.

Além das calamidades naturais, da burocracia e da lentidão na resposta à fome, os especialistas indicam que os atrasos e a polémica sobre os termos de troca da castanha de caju pelo arroz, que antecederam a campanha, penalizaram os agricultores e agravaram a crise.

(...) Para remediar a situação, uma organização que promove o desenvolvimento comunitário em Tombali importou arroz da capital e vendeu directamente aos camponeses, mas em quantidades insuficientes para resolver o problema. Nesta região e na de Quínara, o programa «Alimento por Trabalho», do Programa Alimentar Mundial (PAM), oferece uma ração de arroz e óleo para encorajar os camponeses a recuperarem os diques que protegem os campos de arroz, para que estejam em condições de aproveitar a época agrícola. O Fundo de Iniciativas Ambientais Locais, um projecto governamental recente, também prometeu financiar a reparação de diques, aqui chamados «orique», bem como o melhoramento das pistas rurais.

Para as organizações que intervêm no Sul, a principal causa da fome não é a falta de arroz ou outros factores conjunturais. «O que se passa no Sul é um escândalo. Em mais de 30 anos de independência, estas regiões não têm estradas em condições, nem outras infra-estruturas básicas», desabafa um responsável, que se insurge ainda contra a «ditadura do caju», que tende a substituir a monocultura do arroz. Os três meses - Março a Maio - da campanha da castanha de caju, principal produto de exportação da Guiné-Bissau, movimentam adultos e crianças. Atraem também a cobiça de estrangeiros, sobretudo indianos, os maiores compradores, enquanto os mauritanos vão directamente às aldeias guineenses. «Tomara que não se esqueçam de nós. Deus lhes pagará», roga a irmã italiana Franca Collombo, da missão católica de Empada, uma localidade da região que já conheceu melhores dias e que parece agora ter parado no tempo.

Jorge Pereira, enviado ao Sul da Guiné-Bissau


2. Tambémn o blogue Africanidade (não confundir com o Africanidades do nosso tertuliano Jorge Neto) já há mais de três semanas tinha dado a notícia do desastre alimenntar no sul:

Guinéu-Bissau: 130 mil afectados pela fome, Governo pede apoio internacional (Africanidade, 12 de Maio de 2006)

O governo guineense já tem pronto um programa de combate à fome que afecta mais de 130.000 pessoas no sul da Guiné-Bissau e pediu apoio internacional financeiro para concretizar o plano, anunciou hoje o ministro da Agricultura.

Segundo o ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural guineense, Sola N'Quilin, o programa está orçado em 2,35 milhões de dólares (1,8 milhões de euros) para ajudar as mais de 130 mil pessoas afectadas pelas inundações de água salgada que levaram à destruição dos tradicionais terrenos de cultivo.

A fome afecta as populações das regiões de Quínara, Tombali e Bolama-Bijagós, cuja população total ronda as 250 mil pessoas, num país de 1,5 milhões de habitantes. Segundo as palavras do ministro, regista nas referidas regiões "uma penúria alimentar", confirmada pelos relatórios já elaborados por missões conjuntas com o Programa Alimentar Mundial (PAM) e outras entidades.

"Constatámos a destruição de diques, arrozais e de várias outras culturas que não completaram o ciclo agrícola, o que confirma a situação de penúria alimentar", afirmou Sola N'Quilin, que se encontra de visita àquelas regiões, consideradas o "celeiro" do país.

"A situação torna-se ainda mais alarmante a partir do momento em que se constatou que as populações desenvolvem as suas actividades agrícolas, sobretudo a produção de arroz (principal dieta alimentar dos guineenses), junto a um rio cujas águas salgadas, devido às marés vivas, destruíram toda a produção da região de Tombali", acrescentou.

Sola N'Quilin indicou que 50 por cento das áreas cultivadas foram prejudicadas pelas calamidades naturais, nomeadamente a paragem brusca das chuvas, em fins de 2005, invasão das "bolanhas" (campos de cultivo) por águas salgadas, pragas agrícolas e outros flagelos.
Segundo o ministro, o programa de auxílio, além de ajuda alimentar, prevê a reconstrução dos diques, construção de canais de drenagem, constituição de "stocks" de segurança alimentar e ainda o aprovisionamento de sementes agrícolas, de forma a garantir uma boa campanha agrícola.

Para o êxito das medidas, estão previstas duas estratégias, em que uma delas tem o carácter urgente, pois destina-se a fazer face à penúria alimentar, sendo concretizada através do "Food for Work".

A segunda fase, a médio/longo prazo, prevê apoios para o reforço das capacidades dos agricultores, das organizações camponesas e das estruturas de intervenção, de forma a assegurar a produção agrícola nas duas regiões na próxima campanha."A totalidade da superfície afectada traduz-se num prejuízo mínimo de 32.815 toneladas de arroz 'paddy', ou seja, 23.000 toneladas de arroz limpo, estimando-se que esta situação afecte cerca de 130.000 pessoas, mais de 32 mil agregados familiares", lembrou.

3 comentários:

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