segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3463: Os nossos regressos (17): Estavam lá todos, a família, os amigos, mas não o meu pai... (Paulo Raposo)


Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > Sessão de autógrafos >Na mesa, junto ao Beja Santos, o Almansor de Montemor-O-Novo, o Paulo Raposo, um dos quatros famosos baixinhos de Dulombi (mais o Victor David, o Rui Felício e o Jorge Rijo), ex-Alf Mil da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70), membro ilustre da nossa Tabanca Grande, organizador do 1º, memorável, encontro nacional do nosso blogue (na Herdade da Ameira, em 2006).

Sobre a festa do Beja Santos, sobre o lançamento do seu livro, sobre o nosso blogue e sobre os baixinhos de Dulombi, escreveu ele o seguinte comentário, com data de 13 do corrente:

"Meu muito querido amigo e ex-camarada de armas Beja Santos.

"O teu livro. É uma obra vasta, onde demonstra as tuas qualidades de trabalho, a tua generosidade e entrega ao próximo, a tua superior inteligência, a tua memória de elefante, a qualidade da tua escrita e a maneira como romancias o texto para lhe dar uma frescura e beleza.

"Bem Hajas, rapaz. É um testemunho para a História. Deve figurar na Biblioteca do Museu Militar. Gostei muito de te ter dado um abraço, estás sempre no meu coração.

"Quanto ao Luis, 'El Bloguista', muito lhe devemos a sua carolice, perseverança e qualidades para manter O NOSSO BLOGUE sempre vivo. Parabéns Luis. e Obrigado.

"Quanto ao Felício, David e Rijo são como que irmãos para mim. A máquina fotográfica Olimpus, comprada pelo Felício no Uíge, deve ir para um Museu, o da saudade dos anos que tínhamos então.

"É um privilégio para mim ter-vos a todos como amigos.

"Paulo Lage Raposo".

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



Lisboa > Cais da Rocha Conde de Óbidos > Uíge > Embarque para a Guiné > Julho de 1968 > Oficiais milicianos dos BCAÇ 2851 e 2852 na hora da despedida...

Foto: © Paulo Raposo. Direitos reservados.

1. Os nossos regressos (17) (**) > O testemunho de Paulo Lage Raposo


Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 51-53


A VIAGEM PARA LISBOA

Embarcámos no Carvalho Araújo. Navio pequeno e velho. Qualquer coisa servia para sair de lá. A emoção da alegria da largada não tem descrição. À medida que o navio começa a afastar-se daquela terra, a humidade começa a diminuir. O mar estava chão.

Como estávamos nós de saúde? Mal. A nossa cor era verde e o nosso cheiro tinha-se alterado. Na Guiné tinha tido dois ataques de paludismo, embora tivesse tomado o quinino todas as 5ªs feiras. Os ataques de paludismo deitavam-nos muito abaixo. Primeiro eram uns frios grandes e depois uns calores insuportáveis.

A minha úlcera duodenal estava numa lástima. A bordo seguia um médico que nos fez várias análises. Ao sangue, urina e fezes. A bicharada que estava nos intestinos era obra. Tomámos uns purgantes.

Como o navio não estava com muito combustível, o Comandante resolveu acostar na Madeira para reabastecimento. Aquela ilha é realmente bonita. O Capitão André (mais tarde, Presidente da Câmara de Proença-a-Nova, durante 20 anos, até 2005) e eu demos uma volta pelo Funchal num carro militar, gentilmente cedido pelo Regimento local. Flores há-as por todos os lados, é um paraíso. Numa dessas floristas comprámos flores para serem entregues em Lisboa.

O Capitão André manda à sua mulher, com um cartão. Ela estava no fim do tempo para ter uma criança. Eu mando à minha mãe, também com um cartão. Quando cheguei a Lisboa, a minha mãe perguntou-me que cartão era aquele. Tinham-nos trocado.

Do Funchal a Lisboa foi num instante. Começámos a ver terra muito cedo, já estávamos todos acordados, e para fazer tempo para o navio acostar à hora certa ainda fomos fazer um círculo perto do Guincho. Novamente a alegria e a emoção do fim daquele tormento.

A CHEGADA

Estavam lá todos, a família e os amigos, mas o meu pai não estava. Desembarcámos. Mais um desfile e vá de ir para casa. Tudo era diferente. Não só eu me tinha transformado, como cá também tudo tinha evoluído.

Se me custara passar de civil a militar, o inverso depois de 37 meses de tropa foi também muito complicado.

A ansiedade que adquiri no fim da comissão nunca mais me largou. Diminui ou aumenta conforme o cansaço. Está sempre dentro de mim.

Quanto a terrores nocturnos, tive-os durante muitos anos. Por causa de ter adormecido profundamente no mato e não ter ouvido os tiros do inimigo, tive pesadelos pela eventualidade de a companhia avançar e me deixar para trás, só e isolado no mato. Outra situação que me apavorava era a possibilidade de ser novamente chamado para nova comissão como capitão.

Odeio as guerras.

2. Comentário de L.G.:

O Paulo Enes Lage Raposo, que hoje vive em Montemor-o-Novo, onde criou, desenvolveu e dirigiu um belíssimo empreendimento hoteleiro (o Hotel da Ameira), foi Alferes Miliciano de Infantaria, com a especialidade de Minas e Armadilhas, na CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 (Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70).(Escrevo "dirigiu", no passado, por que acho que já passou a gestão para um dos filhos...).

Durante a sua comissão, o Paulo esteve em Mansoa e sobretudo na zona leste (Galomaro e Dulombi), a sul de Bafatá. Uma nota trágica da sua comissão é a perda de 17 dos seus camaradas na travessia do Rio Corubal, em Cheche, na sequência da retirada de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios).

Desde Abril até Setembro de 2006, o nosso blogue publicou o testemunho escrito que o Paulo elaborara em 1997 e que só era conhecido de alguns amigos e camaradas da sua companhia e do seu batalhão. É um documento policopiado, de 65 páginas, com o seu "testemunho e visão da Guerra de África", mais concretamente sobre a história da sua vida militar, desde a sua incorporação, como soldado cadete, em Abril de 1967, na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, até à sua mobilização para a Guiné, como Alferes Miliciano da CCAÇ 2405, onde teve como camaradas os membros da nossa tertúlia Rui Felício, Victor David e Jorge Rijo (este último reformou-se dos seguros, e não temos sabido nada dele uma vez que o endereço de email não é mesmo).

Esta unidade partiu para a Guiné em Julho de 1968. O Paulo regressou e passou à vida civil "ao fim de 37 meses de tropa". Nesse espaço de tempo teve a imensa alegria da visita do seu pai a Bissau (onde esteve alojado no Grande Hotel) e a imensa tristeza de já não o poder abraçar, no seu regresso a casa...

A curta frase com que o Paulo termina a sua história de vida na Guiné, é emblemática e pode seguramente ser subscrita por todos nós:
- Odeio as guerras...

Todos nós, que fizemos a guerra da Guiné, e tivemos a sorte de regressar, sãos e salvos, ficámos a odiar todas as guerras... Ainda estamos a fazer o luto dessa guerra e dos que nela morreram...

Recentemente, na festa do Beja Santos, tive privilégio de dar, ao Paulo, um quebra-costelas, um alfa bravo, um abraço... É bom rever, de tempos os tempos, camaradas da Guiné, puros e duros, como o Paulo. Uma saudação especial para ele e para os restantes baixinhos de Dulombi que são hoje inseparáveis amigos.

__________

Notas de L.G.:

(*) Reproduzido originalmente em 10 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1060: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (19): regresso a Lisboa e à vida civil (fim)

Vd. também o poste de 26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P912: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (12): A morte de um pai

(...) "Era Setembro, e eu estava na altura em Galomaro, juntamente com uma companhia de paraquedistas. O Major Pardal dirige- se a mim, passa-me a mão pelas costas e diz-me:
"- O teu pai acabou de falecer; o Brigadeiro Nascimento mandou um heli buscar-te, reservou o lugar do Governador na TAP e tens na repartição de pessoal uma licença para seguires viagem" (...).

(**) Vd, postes anteriores desta série:

12 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3197: Os nossos regressos (16): Bendita hepatite...(Henrique Matos)

6 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3179: Os nossos regressos (15): Facas de mato, paludismo e ataque no meu regresso...(Paulo Santiago)

19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3140: Os nossos regressos (14): O meu regresso e o 25 de Abril (Juvenal Amado)

29 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3099: Os Nossos Regressos (13): Fundeámos ao largo, com as luzes de Cascais...(José Colaço, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65)

22 de Julho de 2008 > GUiné 63/74 - P3083: Os Nossos Regressos (12): Vagabundo e os outros fantasmas dos Lassas que lá ficaram na Região de Tombali (Mário Fitas)

18 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3071: Os nossos regressos (11): Guiné, 1970/73. Porra, é muito tempo. (Germano Santos)

16 Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3064: Os nossos regressos (10): Uma ida atribulada, um regresso tranquilo...(Valentim Oliveira)

10 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3047: Os nossos regressos (9): Uma viagem tranquila...(Belarmino Sardinha).

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos (Luís Dias)

5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

4 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3021: Os nossos regressos (6): Regressei a olhar para trás...(Santos Oliveira)

3 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3018: Os nossos regressos (5): Refazer a vida (Carlos Vinhal)

2 de Julho de 2008> Guiné 63/74 - P3015: Os nossos regressos (4): Dois anos perdidos naquela terra, quente, húmida e vermelha...(Torcato Mendonça)

1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3012: Os nossos regressos (3): Ficámos a ver Lisboa do navio (José Teixeira)

1 de Julho de 2008> Guiné 63/74 - P3007: Os nossos regressos (2): Finalmente, cheguei, estou vivo, não se assustem, sou eu, o Joaquim (J. Mexia Alves)

26 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2987: Os nossos regressos (1): Lisboa, dois anos depois (Virgínio Briote)

1 comentário:

Luís Graça disse...

Mensagem de email do Paulo Raposo plural.lda@mail.telepac.pt

para Luís Graça luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

18 de novembro de 2008, 11:23
assunto - O Rei Almançor


Olá, "El Bloguista". Diga se me ouve, escuto.Se não ouve, bem posso esperar.As comunicações tropistas eram tão giras e tão estúpidas.

Este é para te agradecer. Bem Hajas rapaz.

Touché.

Um abraço muito forte para ti e todos os teus.

Do El Matador, apenas quando não há touradas.

Paulo