segunda-feira, 19 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6185: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (25): Diário da ida à Guiné - 05/03/2010 - Dia dois

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 9 de Abril de 2010:

Caro Carlos:
Mais um atraso no envio deste relato devido à minha falta de prática no manuseamento das fotos da máquina de filmar. Estou a começar a encarreirar pelo que espero ser mais pontual. Aliás ontem na Tabanca Pequena vários camaradas perguntaram quando saía a próxima “estória”.

Como agora mando muitas fotos comprimi-as mais. Agradecia que me dissesses se chegaram com a qualidade necessária.

Quanto ao seriado NA KONTRA KA KONTRA, apesar de já ter vários capítulos escritos, tenho tido os mesmos problemas com as fotos, a que há que juntar o problema da publicação de fotos de pessoas, mas que não viveram os acontecimentos. Quero ver se resolvo esse problema para
começar a mandar os episódios.

Aproveito ainda para lembrar aos camaradas que futuramente visitem a Guiné-Bissau que todos (mesmo todos, até ministros!) agradecerão tudo quanto se lhe possa levar, desde lápis, roupa, livros, cadernos, etc. (Em Bissau uma bajudazinha que vendia mancarra pedia: Branco, branco
compra para eu poder comprar água!)

Termino, referindo que, em toda a Guiné não senti mais insegurança que em Portugal. Andei sozinho em Bissau, andei sozinho no mato à caça.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE FÁFATA - 25

Diário da ida à Guiné – Dia dois (05-03-2010):


Duas ideias estavam sempre presentes na minha cabeça: A ida a Báfata e, se possível, Madina Xaquili, bem como ter a experiência de ir à caça, agora sem constrangimentos da guerra.

Nesta manhã, o grupo resolveu que era o dia de ir ao Saltinho. Báfata ficava adiada. Eu próprio tinha também muito interesse em ir ver as apregoadas belezas do local. Pensando que se passava por Báfata, como há quarenta anos, pedi de “joelhos” para estarmos meia hora em Báfata, para adiantar as coisas para a próxima ida, já com mais calma. Na conversa que estabelecemos pelo caminho, percebi que a ida a Báfata era um sacrifício pois agora a boa estrada alcatroada ia directamente a Bambadinca e à direita para o Saltinho, ficando à esquerda Báfata a 30 km. Assim sendo, fomos directos para o Saltinho.

Porém, pelo caminho, passámos pelas matas de Madina, de Belel e Matu de Cão ao tempo santuários do PAIGC, que o digam os camaradas que aquartelaram por Missirã. Eu próprio, e só por muitas vezes ter colocado marcas de recontros no mapa do Comando de Agrupamento, senti uma grande emoção.

Bambadinca, como todas as grandes tabancas tinha crescido imenso e com o seu mercado de rua estava irreconhecível. Mais emoção quando no cruzamento pude ver a placa a indicar Báfata.

Logo a seguir à Ponte dos Fulas ainda conseguiu ver-se o abrigo da guarda à ponte.

Antigo abrigo de guarda à Ponte dos Fulas

Passámos a derivação à direita, para o Xime, passámos pelo Xitole e em determinada altura começou-se a avistar uma ponte aos arcos. Estávamos no Saltinho. Ainda antes da ponte e, virando à direita, entrámos no empreendimento turístico que ocupa em parte as antigas instalações do quartel, numa pequena elevação sobranceira ao rio.

Mesquita do Xitole, aliás igual a outras da região.











Pinturas murais das Companhias que passaram pelo Saltinho, agora na sala de refeições do empreendimento.


Nesta ida à Guiné não visitei o sul do Geba/Corubal, por não haver ligações de barco a partir de Bissau e pelo Saltinho tornava-se já longe a partir de Bula, mas de tudo o resto que vi, incluindo Varela, o Saltinho foi o local mais espectacular que visitei.

Na esplanada do Empreendimento Turístico do Saltinho, com o Pimentel.

Almoçámos no empreendimento um óptimo prato de peixe (bica), não sem que antes tivéssemos ido tomar banho ao Corubal, distante uns 50m. Achei a água magnífica, límpida, como não imaginava. Eu que gosto mais de rio que de mar, cheguei a atravessar o Corubal a nado. E tomar banho junto das quedas de água? Nem no meu Nordeste Transmontano.

Uma bajuda de entre os muitos miúdos que tomaram banho junto de nós.

Depois do almoço, eu e o Mesquita dirigimo-nos à tabanca do Saltinho, situada do outro lado do rio. Não fomos pela ponte principal mas sim pela antiga ponte submersível, cem metros a montante. À saída do empreendimento e do outro lado da estrada deparámos com a plataforma de poiso dos helis, que ainda tinha parte das marcações pintadas. Mais a baixo, junto a um edifício em ruínas e onde funcionaria uma escola, resolvi abrir com os dentes a castanha de um caju, aliás como costumo fazer cá com as amêndoas em verde.

Uma escola com os característicos banquinhos, num antigo edifício, já sem telhado

Queimei a boca e fiquei sem paladar durante dias, de tal forma que passados dois dias, quando tomava banho no mar em Varela achei que a água não era salgada.

Do outro lado da estrada principal e junto ao caminho que conduzia à ponte submersível, a antiga plataforma de poiso dos helis. Ao fundo, o Mesquita, dá escala ao conjunto.

Panorâmica com o heli-porto à esquerda, ao centro a ponte e à direita a entrada para o empreendimento turístico, onde antes era o aquartelamento.

A ponte submersível vista de Sul e de jusante.

Atravessámos a ponte submersível e já à entrada daquela recôndita tabanca deparámos com uma construção que numa parede ostentava os dizeres: Discoteca do Saltinho.

Deambulámos os dois pela tabanca que parecia enfermar do isolamento raiano. Em determinada altura alguém me chama, convidando-me a entrar para uma morança. Só entro eu. Lá dentro está uma família abrigada do torresmo do sol, naquela hora. Além de fotografar e filmar tive uma conversa interessante com os adultos em que um, que tinha sido guerrilheiro, me manifestou o desagrado da situação em que se encontravam e que achava que estariam bem melhor se Portugal não tivesse saído da Guiné.

Os adultos com quem conversei, dentro de uma morança, na tabanca do Saltinho.

Já fora da morança uma muher grande pediu-me que lhe desse um telemóvel. Expliquei-lhe o melhor possível, que embora tivesse gasto muito para vir de Portugal e estar ali, não podia andar a dar telemóveis.

Por ter dado alguns lápis e canetas aos miúdos que sempre me rodearam, não mais me largaram até ao empreendimento. Desta vez atravessámos a ponte principal, de Sul para Norte, portanto.

Chegados ao empreendimento ainda houve tempo para mais uma vez mergulhar e sobretudo refrescar, no Corubal. Pouco depois iniciámos o regresso.

Como já anteriormente tinha falado com o Allen sobre um tal Sr. Camilo (de quem já falei noutra estória), que há quarenta anos, em Báfata, costumava oferecer uns lautos jantares aos oficiais e para os quais eu nunca aceitei o convite, disse-me que talvez fosse um caboverdiano que morava em Bambadinca. Apesar de não me lembrar se realmente alguma vez o tinha visto adiantei que não deveria ser o mesmo pois achava que não devia ser caboverdiano e que já devia ter morrido. O Chico disse então que íamos tirar isso a limpo. Em Bambadinca parámos junto à casa desse Sr. Camilo, estando ele sentado à porta, um caboverdiano com 76 anos. Era realmente ele. Pedi-lhe desculpa (passados 40 anos) de nunca ter aceite os seus convites (já noutra estória referi as razões) e na conversa que se seguiu ele referiu que há 40 anos pertencia à PIDE (se pertencia a algo mais, não disse). Tirámos as fotos da praxe e seguimos caminho.

Em Bambadinca com o Sr. Camilo. (foto do Pimentel ou do Mesquita)

O Chico, em Jugudul quis parar para visitar um amigo que tinha a principal destilaria de aguardente de cana da Guiné, a “Bordão”. Também bebemos umas cervejas e sobretudo fiquei a saber as últimas novidades de Báfata, nomeadamente sobre o cinema e o seu proprietário, o Sporting Club de Báfata. Interessava-me esse tipo de informações pois tinha prometido a um amigo santomense (Silas Tiny) que anda a fazer um trabalho ligado ao Cinema de Báfata, que lhe recolheria toda a informação sobre o assunto.

O proprietário da destilaria, que nos recebeu em sua casa.

Regressados ao Anura, penso que comemos uma sopa (ao almoço comia-se normalmente muito). Noticiário (com as invariáveis notícias das falcatruas habituais do nosso país) e cama.

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6101: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (24): Diário da ida à Guiné - 04/03/2010 - Dia Um

8 comentários:

Jorge Narciso disse...

Caro Fernando

Li o primeiro Post da tua ida à Guiné e fiquei a aguardar a anunciada continuação. Finalmente aqui está ela e logo com o relato da visita ao Saltinho, que também eu considero dos (se não o)mais bonitos da Guiné. Venham pois os próximos capítulos.

Relativamente a este permite-me um reparo:

Havia de facto um outro Sr.Camilo em Bafatá que não era, seguramente, caboverdiano, antes era natural algures do Norte de Portugal (penso que transmontano).

Digo-o porque participei num dos almoços que citaste, no caso em "vésperas" da elevação de Bafatá a cidade e em homenagem a esse facto.
E participei (não sendo oficial) porque fui o mecanico do heli onde ali se deslocou o meu "Patrão/Comandante" (à época Coronel) Diogo Neto (com quem tenho outros voos bem mais marcantes)e um outro Piloto (Alf. Heleno) que era familiar do citado Camilo, salvo erro sobrinho.
Estava de facto nesse almoço a "nata"
militar, nomeadamente da zona Leste.

Apesar de o ter visto apenas por duas ou très vezes, uma outra foi acompanhando uma diferente visita feita pelo Heleno, retenho a imagem de um homem afável, com estatura mediana, encorpado e calvo.

A sua casa era de dimensão significativa, penso que cor de rosa e tinha um grande pátio interior, onde se realizou o citado almoço.
Como curiosidade, foi ali que pela primeira vez provei lampreia(!).

Não tendo eu nenhuma prova ou sequer suspeita que me leve a secundar tal afirmação, diziam as "más linguas" que esse Sr. Camilo, teria um estilo de negócio alargado, que é como quem diz: faria dominó em mais que um lado. Falso ou verdadeiro ? Melhor que eu outros que o conheceram de perto poderão ajuizar.

Com um abraço

Jorge Narciso

Fernando Gouveia disse...

Caro Jorge Narciso:

Agradeço muito as tuas informações sobre o outro tal Camilo. Tudo o que dizes vem de encontro ao que eu já refreri na estória em que falo dele, nomeadamente que o "verdadeiro" fosse, como eu cheguei a dizer, de Mirandela, tanto que também o designariam por "o Mirandela".
A ser assim o desta estória não passa de um equívoco, provocado pelo Chico Allen.
Vou continuar a investigar o assunto.

Um abraço.
Fernando Gouveia

paulo santiago disse...

Estou um pouco baralhado...estive
em casa de um Camilo(no dia em que
fiz 24 anos)mas era em Nova Lamego,
tendo sido a única vez que estive
nesta vila.Tinha saído do Saltinho,
após o almoço,num heli que ía para
Bissau, e daqui iria para Bambadinca,parece um itenerário algo complicado,mas foi mesmo assim
...dava para passar dois ou três dias em Bissau.Esse Camilo(?)penso
ser funcionário da Casa Gouveia,era
transmontano,e parece-me que a casa
dele era uma paragem quase obrigatória para os pilotos dos
heli.É verdade que já saí do Saltinho muito bem bebido,mas não
daria para confundir Nova Lamego com Bafatá,até porque conhecia esta
cidade relativamente bem.Aqui,
tirando os"tascos"onde se comia e
bebia,almocei uma ou duas vezes,em
casa de um cabo-verdiano,
funcionário dos Serviços de Agricultura,e/ou Veterinária que
tinha uma filha que era uma beleza
de suster a respiração.Nunca fui a
casa dele,mas ofereceu-me um almoço
um português que tinha uma escola de condução,não me lembro do nome,
nem donde era natural.
Voltando ao Camilo,e a 71-72,fico
na dúvida,mas aposto em Nova Lamego,dúvida que poderá ser desfeita por algum piloto de heli.

Abraço

Jorge Narciso disse...

Caros Fernando e Paulo

O meu relato refere-se a Março de 70, pois fui à Net e está referido que Bafata foi elevada a cidade em 12 e 13 (também lá estive nessas datas)desse mês.
O Camilo que falo era mesmo de Bafata e seguramente comerciante (de quê especialmente não posso precisar) por conta própria.
Como ajuda ao raciocinio vou enviar uma mensagem ao Jorge Felix que concerteza também o conheceu

Abraço

Jorge Narciso

Anónimo disse...

Caro Fernando Gouveia:
Já que eu lá não vou, possa então aproveitar notícias e imagens daqueles que, como tu, por lá vão matar saudades.
Bafatá, Bambadinca, Saltinho!... Já fui muito (in)feliz naquelas bandas!...
Um abraço,
Mário Migueis

Unknown disse...

Caro Fenando.
Tive o prazer de ouvir o relato que nos fizeste sábado passado das tuas "aventuras". Juntamente com o Mesquita e o Pimentel ali ao lado, foi empolgante ouvir-vos. E falar do nosso Xico, que já é uma saudade viva. E claro, da minha ex-Mituzinha. Mas o teu programa para as escolas é audacioso.
Adoro ler as tuas "reportagens". Continua.
Um abraço do
Jorge

Hélder Valério disse...

Caro Fernando

O relato da tua viagem continua interessante e a dar-nos belos 'frescos' sobre os lugares qu nos são (foram) familiares.
Continua.
Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Sr.Fernando
Obrigada por "revisitar" e gostar tanto da terra que me viu nascer e de onde tenho tantas recordações muito felizes...
N valerá a pena identificar-me, porquanto sou filha de um dos comerciantes portugueses que la residiram, portugueses estes q me parece n serem muito da vossa simpatia...
Adiante, e para quem realmente conheceu Bafatá, o Sr. Camilo era transmontano, de Mirandela, (infelizmente já falecido)e não o Senhor Cabo-Verdiano da fotografia, e era o gerente da casa "Esteves", edificio q se situava em frente do quartel, e que, de facto oferecia alguns jantares, para os quais eram também convidados alguns militares.
O q n significa que praticasse o tal jogo de dominó, como insinuaram... Foi uma óptima pessoa, e um grande amigo do meu pai,e da minha família, pelo que me parece conveniente, fazer alguma justiça à sua memória.
De qq modo Sr. Fernando, adoro as suas histórias sobre Bafatá e como esta terra o deixou apaixonado...
Muito obrigada por gostar de Bafatá.
Uma sua leitora que espera sempre ansiosamente pelo capítulo seguinte.