1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 1 de Maio de 2010:
Caro Carlos:
Junto envio o relato do 5.º dia da minha viagem à Guiné (estória n.º 28
da série “A Guerra Vista de Bafata”).
O início da série NA KONTRA KA
KONTRA tem que continuar adiado.
Um abraço
Fernando Gouveia
A GUERRA VISTA DE BAFATA - 28
Diário da ida à Guiné – Dia cinco (08-03-2010)
Como passou a ser meu costume, todos os dias me levantava muito cedo para “ir à caça”. Via sempre nascer o Sol. Ia cedo porque queria estar presente quando o resto do grupo já estava operacional e, de forma alguma, queria perder pitada, “beber” tudo o que fosse possível da Guiné. Estávamos numa segunda-feira e já ia embora na quarta-feira à noite. Impossível, não podia ser. De imediato comecei a pensar no adiamento do regresso. Meio dito (ou pensado), meio feito…
Como já anteriormente disse, passei a “ir à caça” sempre sozinho. Desta vez, levando a carabina ponto 22 do Chico Allen, fui direito à grande clareira, uma bolanha seca que o balanta José me tinha ensinado. Ia tirar a limpo de que passaroco se tratava, o tal que parecia prateado ao esvoaçar. Escondi-me na vegetação existente à volta do charco onde o pássaro costumava estar e não demorou muito a aparecer. Pude observá-lo muito bem a uns cinco metros de distância. Tratava-se muito simplesmente de um pica-peixe matizado de branco e preto que ao voar parecia prateado. Estive largos minutos a vê-lo pescar pequenos peixes. Depois também apareceu uma garça branca. Pareciam ser os dois únicos residentes da lagoa. Momentos inesquecíveis. Tive muita pena de não ter levado a máquina fotográfica e a de filmar.
Se há quarenta anos, na única operação em que participei, procurei andar sempre fora dos trilhos por motivos óbvios, agora semelhantes, ao atravessar a clareira para o outro lado, fi-lo só pelos trilhos bem marcados. Ainda me lembrava bem o que o Mr. John, em Varela, tinha dito sobre as vacas que de vez em quando pisavam uma antiga mina.
Fartei-me de “encher o olho” com aquela paisagem que todos conheceram. Morros de baga-baga sempre diferentes uns dos outros, palmeiras do vinho de palma, palmeiras de cocos, palmeiras de frutos parecidos com cocos, “árvores conta” com frutos que parecem bolotas mas de cores exuberantes, “árvores pelon” com as suas flores exóticas, bissilãos de tronco enorme e muito recortado com arremedos de “art nouveau” e os embondeiros (eternos baobás), imponentes, com os seus frutos que mais parecem ratos pendurados pelo rabo mas que têm uma polpa que os miúdos, e eu próprio, gostamos de chupar quando no início da época das chuvas os vendavais os deitam a baixo.
Um Morro de baga-baga diferente.
Os frutos da árvore conta.
Flor da árvore pelon.
Tronco de bissilão (foto do Miro).
Embondeiro com os seus frutos que mais parecem ratos pendurados pelo rabo (fotos não minhas).
Regressei ao empreendimento a meio da manhã, estava o pessoal a tomar o pequeno almoço. Lembro-me agora que estive para regressar logo no início do passeio pois, indo de manga curta, senti muito frio pois ia-me molhando no capim alto e seco, encharcado com o orvalho nocturno, apesar de durante o dia a temperatura rondar sempre os 40º.
Entretanto chegaram vários casais pertencentes ao grupo que fez a viagem de carro. Entabulou-se uma conversa perfeitamente estéril sobre as fracas condições do nosso empreendimento e também sobre o regresso a Portugal. Por razões emergentes na conversa, mais tarde o grupo veio a fracturar-se. Na sequência dessa conversa, que iria durar o dia inteiro, comecei a ver a minha vida andar para trás.
Para quando Bafata?
Uma das senhoras prontificou-se a fazer o almoço (um arroz de bacalhau), o que foi um alívio para mim. Autenticamente aguardei sentado que me servissem. Depois, para não participar naquela conversa que não me dizia respeito, fui dormir a sesta pela primeira vez.
Não tendo terminado a tal conversa resolveram que íamos jantar ao empreendimento de João Landim para a continuar. O bife que lá comi estava duríssimo. Luz ao fundo do túnel... Como íamos ficar só quatro elementos na Anura, resolveu-se que no dia seguinte íamos a Mansabá, “a guerra” do Pimentel e do Mesquita e também a Bafata. Finalmente…
Como acontece com os miúdos, nessa noite custou-me a adormecer com a excitação do que poderia acontecer no dia seguinte. E aconteceu…
Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 30 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6285: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (27): Diário da ida à Guiné - 07/03/2010 - Dia quatro
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Caro Fernando Gouveia
Um dos aspectos mais relevantes destes teus relatos é que os documentas muito bem com fotos interessantes. Algumas dessas coisas dão para relembrar, outras para aprender.
Quanto a discussões demoradas sobre pontos de vista diferentes... onde é que já vi isso?
Aguardamos o teu relato de Bafatá.
Abraço
Hélder S.
Caro Fernando
E Bafata a(qu)í tão perto...
Esperemos então pelo próximo capítulo.
Abraço
Jorge Narciso
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