sexta-feira, 10 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20837: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (7): a navegar agora no perigoso Mar Arábico, já no Golfo de Aden, com o Corno de África lá ao fundo à esquerda e o fantasma dos piratas da Somália a acrescentar às preocupações dos passageiros e tripulantes...


MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo >  Em navegação, oceano Índico > 10 de abril de 2020 ,sexta feira santa para os cristãos > Um rota perigosa...

Cortesia da página do faceboook de Constantino Ferreira. Foto reeditada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Oeiras >Algés > Restaurante Caravela de Ouro > Tabanca da Linha > 42º Convívio > 21 de março de 2019 > À mesa, o Constantino Ferreira d'Alva e o António Graça de Abreu.

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala e Mampatá, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande desde 16 de fevereiro de 2016. Vai a bordo do MSC -Magnífica, que teve de apressar o seu regresso ao ponto de partida, devido à pandemia de COVID-19. Está a escrever o seu diário de bordo,  desde 23 de janeiro de 2020, disponível na sua página do Facebook. A ele junta-se o António Graça de Abreu, que também, está a escrever o seu diário de bordo...


Excertos do diário de bordo de Constantino Ferreira 

Sexta-feira, 10 de abril de 2020, 5h39


Estou a pensar, que a vida continua. Hoje, é Sexta-feira Santa e, vivemos a angústia do presente, pensando no passado.

Esse passado longínquo, que marcou estes últimos 2.020 anos. Um Homem-Bom, foi morto cruelmente em Jerusalém, por equívoco do povo e desleixo do “poder”!

Hoje, recordamos esse “equívoco”, com o pensamento contido na revolta. Mas, esse exemplo de compaixão e perdão, fica para sempre no pensamento da Humanidade.

Certamente que houve outro exemplos no Mundo, devemos olhar todos esses exemplos, com fé, nesta nossa Humanidade que hoje luta contra “esta” calamidade !

Hoje, a navegar aqui no Mar Arábico, já no Golfo de Aden, com o Corno de África lá ao fundo á esquerda, penso no futuro da Humanidade, na pessoa do meu neto Francisco, que nasceu ontem em Lisboa.

Um grande abraço, do tamanho do Mundo.


Quinta-feira, 9 de abril de 2020, 7h17

Alô!

Aqui Mar Arábico. Vamos praí a meio!

Mas, já vamos em alerta total contra os piratas da Somália, que com as suas boas lanchas rápidas, podem querer um bom resgate, destes 2.800 navegantes!

Mas também vamos a navegar uma rota sob vigilância das forças de Marinha Internacionais e, vigilância via Satélite!

Os desgraçados dos piratas, têm que ser muito “corajosos” ou muito parvos para nos atacarem !

Bom, o que eu estou em alerta é para assistir á entrada no Mar Vermelho e ver as duas margens !

Mas não vou deixar de olhar o Corno de África! Depois conto como foi !


Excertos do diário de bordo do  António Graça de Abreu 

[ ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com 250 referências no nosso blogue; temos recebido as suas mensagens por correio eletrónico]

Oceano Índico, Golfo de Aden, 10 de Abril de 2020

Desde ontem e por mais dois dias, esquecemos o coronavírus, o problema serão os piratas. Estamos a navegar perto da ilha de Socotora, no Golfo de Aden, à entrada do Mar Vermelho. De um lado temos o Yemen, sempre em guerra, do outro a Somália, o corno de Africa, terras pobres habitadas por algumas gentes que utilizam todos os meios possiveis e quase mpossíveis para sobreviver. Um deles e o ataque a navios, pirataria pura e dura, com assaltos sobretudo a cargueiros, com a tomada de reféns e do próprio barco, e a exigência de avultados resgates.

Recebemos ontem um comunicado no camarote avisando-nos das medidas que o navio está a tomar para escapar aos piratas: luzes meio apagadas durante a noite, janelas dos camarotes com cortinados corridos, todo o conves do 7º andar que rodeia o Magnifica, e é excelente para caminhadas e passeios a pé,  estará fechado, com seguranças em lugares estratégicos, com binóculos perscrutando o mar que se mantem deslumbrantemente azul e prata, sereno e calmo. 

Talvez estas medidas sejam um exagero. Creio que nenhum navio foi atacado, nos últimos tempos. As grandes potências prepararam as respostas a estes actos de pirataria, franceses, norte-americaos, até chineses estão estacionados no Djibuti onde controlam, via satélite, o movimento das grandes e pequenas embarcacões que cruzam estas vastas regiões. 

Dizem-me que os norte-americanos tem drones militares que se deslocam a grande velocidade, carregados de potentes explosivos que podem, com toda a facilidade rebentar com os frágeis barcos utilizados pela pirataria. 

A vida tambem não está fácil para os piratas da Somalia e do mar Vermelho.

Colombo, Sri Lanka, 6 de Abril de 2020

Chegamos frente a Colombo, o navio parou, os arranha-ceus recentes, construidos com capitais chineses, alinhavam-se nsa tira do horizonte. Nós permanecemos no Magnifica, claro, de onde não saimos quase há um mes.

Estamos ancorados no mar, a uns quinze quilómetros da capital do Sri Lanka. Fui lá acima, ao 14. andar, tirar umas fotografias. Um rebocador aproximava-se. Calculei que trazia o piloto local. Não era verdade. Sete ou oito tripulantes do barco de apoio cingales vinham cobertos de largos fatos brancos, mascaras de plastico, luvas e botas estanques. Na plataforma lancada a estibordo pelo Magnifica, três ou quatro tripulantes do nosso navio vestiam tambem roupa de assustar, fatos completos em tons de azul, cobrindo totalmente o corpo, sobressaindo as máscaras e as luvas. Uma maca com uma senhora idosa deitada, ligada a uma botija de oxigénio entre as suas pernas, em cima do cobertor, era transportada com todo o cuidado desde o Magnifica para o rebocador. 

Um tripulante do nosso navio passou também para o barco cingalês e foi imediatamente desinfectado com um spray. Eles trouxeram uma equipe de televisão com um camaraman, todo equipado e artilhado como os restantes tripulantes, que filmou cuidadosamente o processo de evacuação. O rebocador acabou por acelerar os motores, deu meia volta e rumou em direcção ao porto de Colombo. 

Tera a velha senhora, nossa companheira de viagem, contraído coronavirus? Como vai ser tratada, o que lhe acontecera sozinha num hospital de Colombo?

Há pouco, já noite e com o navio a navegar para norte, o capitão Roberto Leotta informou, pela instalação sonora, que se procedera ao reabastecimento de gasóleo, que seguimos para o canal do Suez e que foi preciso evacuar uma passageira, a "necessitar de cuidados médicos urgentes." 

Não creio que a senhora tivesse coronavírus porque, se tal acontecesse teriamos o navio infectado, o que seria uma catástrofe para todos nós, mas o aparato da sua saída para um hospital na capital do Sri Lanka, foi um sufoco, um enorme susto.

2 comentários:

Anónimo disse...

Diário de bordo do António Graça de Abre,u:

Em navegacao, Oceano Pacifico Sul, 18 de Marco de 2020

E agora, quando não há mais Volta ao Mundo, o que fazer no que à continuaçãoda escrita diz respeito?

Posso desdobrar algumas ideias sobre lugares que já não iremos visitar, posso cerzir textos sobre a nossa vida a bordo, sob a constante ameaça de um vírus mortal que grassa pelo mundo e tem possibilidade de cair no meio de nós.

Até há pouco, eramos uns despreocupados velhotes e velhinhas que empreenderam as viagens das suas vidas. Quase de súbito, Belzebu tomou conta de grande parte do mundo e aponta-nos o seu dedo sujo e fétido. Somos objecto das suas próximas malfeitorias, quer levar-nos consigo para o horrendo inferno onde vive.

Será que vou escrever uma prosa fatalista, lacrimejante, fadista, bem a portuguesa, queixando-me dos azares do destino, da desgraca dos dias? Provenho de uma, às vezes, excelente cepa lusitana, sou português desde o tutano dos ossos atá aos pelos da barba, mas não gosto do choradinho de tanta gente da nossa "ditosa pátria."

No navio, no meio da palafrenália de raçaas e raçaas, navegando, navegando, sei que ninguém foi ainda infectado pelo vírus. Não acredito em milagres, mas eles existem. Vou então tentar viver o resto da viagem com a sabedoria necessária, uns restos de optimismo e a tranquilidade possível.

Mesmo permanecendo fechado dentro deste navio durante mais de um mês - é longa a viagem até à Europa -, a escrita continuará, repousada, atenta, carregando a luz da Primavera, ou os miasmas do tempo.

António Graça de Abreu

[Enviado por mail.
09/04/2020, 11:49 ]

Antº Rosinha disse...

Antonio Graça de Abreu, "parafernália de raças e raças"? Mas o grosso dos turistas não será quase inteiramente europeus?

Com alguns americanos à mistura?

Isto parece mesmo o fim de um "certo mundo"!