Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Missirá > 1968 > O Tigre de Missirá, mais alguns dos seus homens do Pel Caç Nat 52, no famoso burrinho (o Unimog 411), com que reabriu a estrada Missirá-Enxalé antes da visita do comandante do novo batalhão (BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70).
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados
Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1968 > O comandante do BCAÇ 2852, tenente-coronel Manuel Pimentel Bastos, assinalado com um círculo a verde, numa das suas primeiras visitas a uma das suas unidades de quadrícula (neste caso, a CART 2339, Mansambo, 1968/69).
Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.
Texto enviad0 em 25 de Outubro de 2006. Continuação da publicação das memórias do Mário Beja Santos, como alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1).
Caro Luís, tens que fazer das tripas coração para ilustrar este texto: não tenho fotografias de Enxalé, mas pode ser que possas pôr Mato de Cão. Tudo o que fotografei nesta época ardeu. Tens aí em teu poder uma fotografia em que estou a dar aulas, há outra em que estou com o Quim, o Adão e outros mais. Não tenho fotografias do Pimentel Bastos. Vê o que podes fazer. Estarei em Roma até Domingo à tarde. Na terça feira de manhã, oiço aqui o Queta Baldé para ver se ele me refresca a memória. Depois será a vez do Fodé Dahaba. Por todo o cuidado que tens tido nesta odisseia recebe o reconhecimento do Mário.
A viagem triunfal do Pimbas ao Cuor
por Beja Santos
Entre Outubro e Novembro de 68, Manuel Maria Pimentel Bastos, Comandante do BCAÇ 2852 (ternamente conhecido na caserna pelo Pimbas, ao que consta o seu nome poético) (2), decidiu visitar os diferentes quartéis do sector, começando em Xitole e Mansambo, passando por Xime e Galomaro, depois Missirá e também Demba Taco e Taibatá e algumas tabancas em autodefesa.
O novo Comandante de Bambadinca, seguramente por decisão do Comando-Chefe, procedia a auscultações dos régulos da região a que não era alheia o fenómeno do reagrupamento de populações e o reforço das tabancas em autodefesa. Notificado da visita ao Cuor, após consulta dos Furriéis, do régulo e dos comandantes de milícia de Missirá e Finete, tomei as seguintes disposições para aprimorar o programa:
(i) visita a Finete e recepção do régulo que acompanharia o Comandante na visita ao aquartelamento e tabancas, destacando a importância estratégica e a debilidade do sistema defensivo;
(ii) montagem de patrulhamentos entre Missirá e Finete para permitir uma progressão rápida entre quartéis;
(iii) recepção em Missirá, cerimónia do içar da bandeira, visita aos melhoramentos e ao sistema defensivo, seguindo-se uma reunião com régulo e furriéis, bem como os comandantes das respectivas milícias;
(iv) depois da pernoita do comandante em Missirá, trazê-lo de volta a Bambadinca na manhã seguinte, montando os mesmos dispositivos de segurança na estrada até Finete, desde o amanhecer.
Em meados de Outubro, o Pimbas informou-me que se faria acompanhar do David Payne Pereira (3), o médico que começava a ganhar aura de santidade entre as nossas populações civis. Os preparativos incidiram sobre a limpeza das moranças civis e abrigos, metais brunidos, bota luzídia e farda a condizer. Doutor e Umaru Baldé estagiaram na messe de oficiais para conhecer os gostos gastronómicos do ilustre hóspede, procurando reproduzi-los à justa medida. Estava lançado um plano de azáfama, arranjos urgentes, reparação de móveis e alguns toques de estilo.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Dezembro de 1969 > A equipa de futebol de oficiais de Bambadinca que acabara de jogar contra uma equipa de sargentos. Na fotografia aparece, na segunda fila, de pé - devidamente assinalado com um círculo a azul - o médico David Payne (já falecido), tendo a seu lado, à direita, o major Cunha Ribeiro, 2º comandante do BCAÇ 2852 e, à sua esquerda, o capitão Brito, comandante da CCAÇ 12. O Payne acompanhou o Pimbas na visita ao regulado do Cuor.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Um homem culto, um melómano,
Pimentel Bastos era um homem de cultura, loquaz até à exaustão, um comunicador habituado aos salões, vivendo longe das vicissitudes do nosso teatro de guerra. Nos primeiros encontros que travámos descobrimos rapidamente afinidades que tanto passavam pelo Jorge Amado e Carlos de Oliveira como por Bizet, Verdi e Brahms no tocante a música coral, ópera e sinfonia. Logo comecei a idealizar seja um concerto de música por mandingas seja um serão musical, em Missirá. Quando o sondei, abriu-me os olhos com cupidez e perguntou-me:
-Ouve lá, tu não sabes como eu gostaria de ouvir ópera no mato profundo, deixo o programa ao teu critério. Só com uma ressalva, não me vais obrigar a ouvir uma ópera do Wagner por inteiro. O resto é à tua discrição.
É exactamente neste período de azáfama que uma manhã, pelas 5 e meia, acordando e estando em ângulo recto na cama a olhar os pés inchados e besuntados com Lauroderme, ganhando energia para mais uma viagem a Mato de Cão quando os meus olhos caíram na minha mais que apodrecida carta de 1:50000, juntei-lhe a carta do Enxalé e disse para mim:
-E se voltássemos a abrir a estrada, indo com as viaturas, picando cuidadosamente de Saliquinhé a São Belchior e daqui a Enxalé?
Querendo medir a insensatez da temeridade, e verificar se a hipótese era concretizável, chamei os três cabos mais antigos do pelotão, o Paulo Ribeiro Semedo, o Domingos Silva e o Zé Pereira, gente educada em Bissau, formados em Bolama, em 1964, e já conhecedores do Enxalé. Quando lhes falei da possível visita, trataram o possível acontecimento com a maior das naturalidades:
-E porque não? No passado, quando viemos de Porto Gole para Enxalé, fazíamos regularmente a estrada. Depois começaram as minas e as emboscadas e o nosso alferes Zagalo desistiu. Devíamos era ir pelotão e meio, mais gente a picar, deixávamos depois em Mato de Cão meio pelotão em patrulhamento, picávamos bem até lá e vínhamos depois a correr para impedir qualquer emboscada.
São Belchior, o mais importante entreposto do Rio Geba, depois de Bissau
Do imaginado ao realizado a distância foi curta. Todos pareciam voluntários, pois a maioria do pelotão tinha passado por Enxalé, onde igualmente habitavam fulas e mandingas. Houve imediatamente pedidos da população civil e num ápice apareceram sacos à cabeça, gente com Mausers, vontades adormecidas de comerciar e trocar. Os Unimog estavam reparados e atestados, juntou-se combustível suplementar à cautela. A louca viagem ia começar. E, quando em Mato de Cão passou um comboio de três embarcações onde os tripulantes olhavam surpresos aquele estranho aparato, já um grupo de seis picadores se lançava a espiolhar as condições da estrada.
Saliquinhé tinha sido uma ponta com boas moradias e muito terreno lavrado. Atravessámos um grande palmeiral e depois a extensa bolanha junto do rio de Ganturandim. A seguir, avistámos os vestígios imponentes do que fora S. Belchior. Quem já estudou a história da Guiné do séc. XIX, sabe que S. Belchior foi o mais importante entreposto do Rio Geba depois de Bissau, foi mesmo o limite da presença portuguesa, já que o território a seguir andou permanentemente em litígio até Teixeira Pinto. Tudo em ruínas agora, mas não escondendo o bulício e os negócios de envergadura do passado.
Uma hora depois avistámos copas frondonsas de bissilões e Quebá Soncó, o irmão do régulo, que seguia imponente levando o seu chapéu à turca com estrela de prata, anunciou a proximidade do aquartelamento. Fomos recebidos em Enxalé com muita cortesia e não menos surpresa. Não se duvide que eu estava em transgressão, ultrapassar o meu sector, o alferes do Enxalé começou por suspeitar que se tratava de uma rendição ou operação conjunta, até à despedida tomou esta visita como uma rematada loucura que ele premiou com um almoço de galinha frita regada com vinho do Dão.
Regressámos a toda a brida, as viaturas roncando em estradas completamente esquecidas do que é presença humana e juncadas de restos de viaturas e os mais diversos sinais de civilização abandonada. Resta dizer que, quando ao anoitecer entrámos em Missirá com a alegria estampada do inédito da aventura e o fim dos temores de quem nos esperava, começaram a troar rebentamentos das forças de Madina/Belel [, base do PAIGC, a noroeste].
Seguramente que os sentinelas advertiram de Sinchã Corubal, os de Madina ficaram alarmados julgando tratar-se de uma coluna militar se deslocava a partir do Enxalé, sabe-se lá para onde. Mais tarde, Madina voltou a advertir que estas incursões não eram desejadas: Missirá e Finete serão flageladas, a primeira ao de leve, a segunda para deixar pesadas feridas. Depois falaremos destes acontecimentos.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969> A nova mesquita local. Era também aqui, em Missirá, que vivia o régulo do Cuor.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados
O que interessa agora dizer é que numa manhã cheia de luz, a tropa escoifada e com expressão festiva acompanhou o Comandante de Bambadinca na cambança do Geba, uma viagem de burrinho pela bolanha de Finete, onde teve lugar uma recepção onde não faltaram reverências das mulheres grandes dos Soncó e dos Mané. Pelo caminho ocorreram acidentes como Ussumane Baldé, que ia num brinco, e caiu desamparado dentro da água lamacenta.
O Pimbas sorria, de vez em quando pedia uma garrafa de água, fazia exclamações, estava excitado com aquela pequena mas tocante apoteose. A viagem até Missirá nunca mais a esqueci, pois falámos de tudo menos de guerra., como dois cavalheiros num clube. Quando lhe falei das ruínas monumentais da Aldeia de Cuor, o Pimbas, acicatado pela curiosidade, quis lá ir. Fui peremptório na negativa, sugerindo que tínhamos ali um aliciante para a próxima visita.
Na porta de armas, foi tratado como uma marechal de campo que viesse em visita aos mais destemido dos exércitos. Passeou-se e deslumbrou-se com os elementos de conforto como a messe, o balneário, os arranjos à volta da mesquita, a progressiva segurança dos abrigos. Mas não ignorou a fragilidade, a falta de electricidade, a incapacidade de sermos uma força ofensiva, pondo o inimigo permanentemente a respeito.
A tarde finava-se, o Pimbas preferiu uma bonita alocução aos militares e aos civis. Na messe, conversou com todos, tudo perguntava, parecia que tudo era completamente novo e digno de curiosidade naquele ermo do mundo. Seguiu-se o inacreditável jantar, e ainda hoje pergunto se é verdade que o Umaru serviu com luvas brancas, entregando um trinchante aos convivas, servindo o vinho, a água como se estivesse habituado a banquetes em Missirá (mal sabia o Pimbas que nesse dia faltaram bandejas e outras peças da baixela a Bambadinca...).
Antes do serão musical mostrei-lhe a morança onde ele ia dormir, perguntando se estava tudo a seu gosto. Como não sabia, nem ninguém me explicou se um Comandante no mato faz as suas necessidades como qualquer mortal, mandei comprar um penico no estanco do Zé Maria. O David Payne também foi instalado noutro abrigo, e pareceu-me satisfeito com aquele precário serviço de hotel.
O insólito: A Aída e a Traviata em Missirá
Chegámos agora ao clímax. Proponho em primeiro lugar ouvir árias por vozes sublimes: Maria Callas, Elena Suliotis, Regine Crespin, George London e Giuseppe Di Stefano. No intervalo, enquanto suas excelências beberricavam uísque puro, anunciei o Requiem de Mozart. A proposta foi aprovada com entusiasmo. E quando eu julgava que não teria sentido pelas 10 horas da noite convidá-los aos 4 actos da Aída, os ilustríssimos convidados mostraram a excitação ao rubro. Entrávamos na noite de ópera, como se estivéssemos no Scala ou no Convent Garden.
Ouviu-se a Aída com volume de som desmesurado, duvido que alguém pudesse estar a dormir com o Franco Corelli a protestar amor eterno à escrava etíope.
Encurtando razões, quando os heróis estão agonizantes no termo do 4º Acto, sendo já meia noite, na perspectiva de uma noite em vigilância, propondo ao Pimbas que se recolhesse de acordo com a sua condição, então não é que o David Payne que remexia no vinil e estava esgazeado com La Traviata , cantada por Joan Sutherland, Carlo Bergonzi e Robert Merrill, num elenco de nomes gigantescos, numa versão que ainda hoje continua no top das execuções sublimes, me pediu com aquela delicadeza que lhe era peculiar:
-Não te importas que quando o nosso Comandante se for deitar vamos ouvir a Traviata - Pedi-lhe que tivesse dó por um desgraçado que ia iniciar o turno da noite. Ele conformou-se e ouviu La Traviata sozinho. Pela hora do almoço, despedi-me do Pimbas na outra margem do Geba e ele exclamou para quem o quisesse ouvir:
-Menino, foi uma noite de estalo, quero que se repita por muitas e boas!
O Pimbas só voltará a Missirá nas circunstâncias dramáticas da Op Anda Cá, quando a sua estrela caminha para o ocaso. Foi uma noite tão boa e tão vibrante que quando há tempos eu ouvia o noticiário da Antena 2 que dava notícia da morte da Birgit Nilsson, a Aída daquela noite, não resisti a ir buscar o velho vinil e examinar o disco referente ao 4º Acto todo riscado por me ter levantado bruscamente quando uma morteirada caiu em cima do meu abrigo, lá para Setembro de 1969.
Entretanto, há prodígios que devem ser contados. Por exemplo, o Furriel Casanova vai tomar conta de uma criança, o Braima que morre à fome, comprando biberão e leite de fórmula, vigiando as mamadas e levando a criança ao David Payne. O Casanova que chegara cabisbaixo a Missirá, quase que renasceu com esta imprevista incumbência. Eu tenho que vos falar de Braima Mané e de uma operação em que ele recuperou alguma mobilidade num braço que parecia morto por estilhaços. Vou continuar a fazer patrulhamentos e emboscadas nocturnas. Irei a Salá, onde, do outro lado do rio, ouvirei tiros isolados de caçadores das populações civis de Madina.
Uma dessas manhãs, o Paulo Ribeiro Semedo, que estudou na missão católica de Bissau, irá perguntar-me se podermos ir à missa da capela de Bambadinca. Aproxima-se o momento de ir a Chicri e nesse dia haverá fogo de morte. Nesse dia igualmente irá surgir o primeiro dos 21 feridos graves da minha comissão. Vou procurar controlar as emoções para fazer o relato de tudo isto, do que leio, do que escrevo, dos sonhos realizados e por realizar. Quero que fiquem a saber uma coisa muito importante: estou a ler e permanentemente a reler O Delfim, do José Cardoso Pires. Exijo que partilhem comigo uma das leituras de toda a minha vida.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post anterior, de 14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1276: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (20): A (má) fama do Tigre de Missirá em Bambadinca
(2) Sobre o tenente-coronel Pimentel Bastos (nickname, Pimbas), pode ler-se os seguintes posts:
28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos
30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)
16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)
(3) Sobre o Alf Mil Medico David Payne ver os seguintes posts:
28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1238: David Payne Pereira, um gentleman luso-britânico e um grande médico em Bambadinca (Beja Santos)
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1237: Lembranças do David Payne (Torcato Mendonça / Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 22 de novembro de 2006
terça-feira, 21 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1303: Blogoterapia (2): Convite ao António Rosinha, que viveu em Angola, de 1951 a 1974, ex-fur mil em 1961, e antigo topógrafo da TECNIL na Guiné-Bissau (1979-1993) (Luís Graça)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Trabalhos de construção da estrada Bambadinca-Xime, a cargo da TECNIL... Nas duas fotos, vêm-se os trabalhos na orla da vasta bolanha de Bambadinca, sobranceira à qual se erguiam, numa pequena elevação, as instalações civis e militares (posto administrativo e Comando + CCS/BART 2917, 1970/72). A CCAÇ 12, já nos últimos meses da comissão dos seus quadros metropolitanos, fez muitas horas de segurança aos trabalhos de construção da nova estrada, de importância estratégica para a ligação do litoral com toda a Zona Leste (compreendo as actuais Regiões de Bafatá e de Gabu).
Fotos do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.
Mensagem do editor do blogue que foi enviada, em 4 de Outubro de 2006, ao António Rosinha (ex-furriel miliciano em Angola, em 1961, e antigo topógrafo da empresa TECNIL, na Guiné-Bissau, no pós-independência, de 1979 a 1993), com conhecimento ao Amílcar Mendes (38ª CCmds, 1972/74):
Amigo Rosinha, camarada Mendes:
1. Agradeço os comentário sobre o blogue (que tanto um como o outro fazem) e faço um convite ao Rosinha para se juntar a nós: temos em comum a vivência da Guiné e porventura a mesma amizade para com aquele povo e aquele país, independentemente da desgraça que tem sido a sua governação…
Em 1970 e 1971, a minha unidade, a CCAÇ 12 (uma companhia de africanos dos regulados de Badora e Cossé, sobretudo), fez segurança à TECNIL que estava a construir a nova estrada Bambadinca-Xime. Houve mortos e feridos entre os seus trabalhadores. O Rosinha veio depois, já em 1979, mas também é um amigo da Guiné, que como tal pode e deve pertencer à nossa tertúlia, se ele assim o entender…
2. Sou eu (e apenas eu, por enquanto) que faço a moderação dos comentários: Não sou (nunca tive vocação para) censor. Tenho publicado os comentários do Rosinha que são previamente sujeitos à minha apreciação. Desde que não sejam insultuosos ou não violem as nossas regras de convívio (que são mínimas), são sempre publicados. Se escapou algum, o Rosinha que volte a reenviá-lo… Mas o melhor é passar a fazer parte da nossa tertúlia, o que lhe dá o direito de escrever regularmente no blogue.. Faço questão de apadrinhar a sua admissão…
3. Neste blogue, conta sobretudo a partilha das nossas experiências na Guiné, como militares ou civis, quer tenhamos sido tugas, nharros ou turras… Em 1979 e anos seguintes o Rosinha ouviu muitas estórias e deu-se conta das sequelas do período antes e depois da independência… Ele próprio as viveu e essas estórias também nos interessam.
Amigo Rosinha, camarada Mendes:
1. Agradeço os comentário sobre o blogue (que tanto um como o outro fazem) e faço um convite ao Rosinha para se juntar a nós: temos em comum a vivência da Guiné e porventura a mesma amizade para com aquele povo e aquele país, independentemente da desgraça que tem sido a sua governação…
Em 1970 e 1971, a minha unidade, a CCAÇ 12 (uma companhia de africanos dos regulados de Badora e Cossé, sobretudo), fez segurança à TECNIL que estava a construir a nova estrada Bambadinca-Xime. Houve mortos e feridos entre os seus trabalhadores. O Rosinha veio depois, já em 1979, mas também é um amigo da Guiné, que como tal pode e deve pertencer à nossa tertúlia, se ele assim o entender…
2. Sou eu (e apenas eu, por enquanto) que faço a moderação dos comentários: Não sou (nunca tive vocação para) censor. Tenho publicado os comentários do Rosinha que são previamente sujeitos à minha apreciação. Desde que não sejam insultuosos ou não violem as nossas regras de convívio (que são mínimas), são sempre publicados. Se escapou algum, o Rosinha que volte a reenviá-lo… Mas o melhor é passar a fazer parte da nossa tertúlia, o que lhe dá o direito de escrever regularmente no blogue.. Faço questão de apadrinhar a sua admissão…
3. Neste blogue, conta sobretudo a partilha das nossas experiências na Guiné, como militares ou civis, quer tenhamos sido tugas, nharros ou turras… Em 1979 e anos seguintes o Rosinha ouviu muitas estórias e deu-se conta das sequelas do período antes e depois da independência… Ele próprio as viveu e essas estórias também nos interessam.
Há um crescente número de civis, guineenses ou portugueses, a interessar-se por esse período e que querem partilhar, connosco, o seu conhecimento sobre (e a sua experiência vivida de) a Guiné… A exposição pública dos nossos pontos de vista, das nossas estórias, etc., obriga-nos a ter mais cuidado com a linguagem, com a forma, com o conteúdo… Não se trata de enfeitar as coisas, cada um tem o seu estilo (de escrever, de apresentar) e quem mentir, deturpar ou falsear a realidade está sujeito a ser desmentido e desmascarado em público… Por isso, procuramos ser rigorosos no que diz respeito á verdade dos factos, à publicação de documentação, à fundamentação de pontos de vista, etc. O problema é que a realidade é complexa e tal como a moeda há um verso e um reverso…
Que fique claro, em contrapartida, que não há nenhum dono (nem donos) do blogue… Há um gestor editorial do blogue que sou eu… E há também pessoas que escrevem mais do que as outras… O blogue resulta da colaboração de todos, uns mais assíduos e mais activos do que outros…
Que fique claro, em contrapartida, que não há nenhum dono (nem donos) do blogue… Há um gestor editorial do blogue que sou eu… E há também pessoas que escrevem mais do que as outras… O blogue resulta da colaboração de todos, uns mais assíduos e mais activos do que outros…
Procuro fazer uma gestão equilibrada e oportuna do que me vai chegando por e-mail… De facto, não publico tudo: há coisas que só circulam por e-mail, por exemplo, assuntos relacionados com a organização e funcionamento do blogue, comentários curtos, pequenos esclarecimentos. Questões fora do âmbito do blogue também não são publicadas… Por exemplo, comentários ou opiniões sobre a actualidade política da Guiné-Bissau, o que é diferente de notícias que tenham a ver, directa ou indirectamente, com a guerra no nosso tempo, com os combatentes africanos, com a história e a cultura da Guiné, com a preservação da nossa memória comum, etc.…
4. Rosinha: Para ser admitido no Blogue, faça-me um breve apresentação da sua pessoa (a mensagem que mandou ao camarada A. Mendes serve perfeitamente, já que contem alguns elementos autobiográficos) e duas imagens digitalizadas de duas fotografias suas: uma do tempo em que esteve na Guiné, na TECNIL, e outra mais recente…Está de acordo, Rosinha ? Se entrar para a nossa tertúlia, passaremos a tratar-nos por tu, que é o tratamento usado entre camaradas (e amigos) da Guiné…
5. Obrigado ao Amílcar por me ter encaminhado esta mensagem do Rosinha.
Mantenhas para os dois.
4. Rosinha: Para ser admitido no Blogue, faça-me um breve apresentação da sua pessoa (a mensagem que mandou ao camarada A. Mendes serve perfeitamente, já que contem alguns elementos autobiográficos) e duas imagens digitalizadas de duas fotografias suas: uma do tempo em que esteve na Guiné, na TECNIL, e outra mais recente…Está de acordo, Rosinha ? Se entrar para a nossa tertúlia, passaremos a tratar-nos por tu, que é o tratamento usado entre camaradas (e amigos) da Guiné…
5. Obrigado ao Amílcar por me ter encaminhado esta mensagem do Rosinha.
Mantenhas para os dois.
L.G.
Guiné 63/74 - P1302: Blogoterapia (1): Palmas para o Amílcar Mendes, o Beja Santos e o Victor Tavares (António Duarte, CART 3493 e CCAÇ 12)
Lisboa, Belém, 10 de Junho de 2006 > 13º Encontro Nacional de Combatentes > O António Duarte (CART 3493 e CCAÇ 12, 1972/74), assinalado com um círculo a vermelho, na nossa mini-tertúlia dos amigos e camaradas da Guiné:
(i) na primeira fila, eu próprio, Luís Graça (CCAÇ 12, 1969/71), à esquerda, e a meu lado o Carlos Fortunato (CCAÇ 13, 21969/71);
(ii) na segunda fila, a contar da esquerda para a direita: o Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1969/71), o já citado António Duarte, o Mário Dias (CCmds, 1963/66), o José Martins (CCAÇ 5, 1968/70), o Francisco Baldé (1ª, 2ª e 3ª Companhia de Comandos Africanos, 1969/74) e o João Parreira (CART 730 e Comandos, 1964/66).
Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.
Texto do António Duarte, datado de 25 de Outubro de 2006:
Terapia através da escrita. Vamos editar um livro ?
Caro Luís Graça:
Durante estes últimos anos pouco tenho falado sobre a guerra colonial com terceiros, excepto com amigos mais chegados. Reconheço que tenho (ou tinha) alguma dificuldade em abordar o tema, já que sentia alguma responsabilidade por nela ter participado (1). Claramente teria preferido não ter lá estado, já que quando embarquei não tinha grandes dúvidas sobre a quem é que interessava a dita cuja. Considero-me patriota, mas percebia que a História não estava com a postura do governo da época.
Vem esta minha lengalenga a propósito dos escritos, de altíssimo interesse, que os nossos camaradas vão escrevendo, constituindo por si só uma óptima terapia espiritual, que nos ajuda a viver com as nossas consciências. Permite-me que te diga que fico esmagado.
Pedindo desculpa a todos, gostaria de referir a qualidade e a serenidade dos textos do Beja Santos do Pel Caç Nat 52, a emotividade transmitida pelo Amílcar Mendes da 38ª CCmds e do VictorTavares da 121ª CCP, transmissão só possível por quem viveu / sofreu os factos terríveis relatados na primeira pessoa.
Por fim, e voltando a repetir-me, acho que se justifica que façamos algo no sentido de promover e perpetuar o nosso blogue através de livro. Se te parecer oportuno, lança a ideia e a caserna que emita opinião.
Um abraço para todos os membros da tertúlia.
António Duarte
Ex-Fur Mil Atir
Cart 3493 e CCAÇ 12
(Mansambo e Xime, 1972/74)
______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de António Duarte:
18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXI: Um periquito da CCAÇ 12 (António Duarte / Sousa de Castro)
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVIII: Notícias da CART 3493 (Mansambo, 1972) e da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973/74) (António Duarte)
11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)
17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P966: O Mexia Alves que eu conheci em Bambadinca (António Duarte, CCAÇ 12, 1973)
24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)
(i) na primeira fila, eu próprio, Luís Graça (CCAÇ 12, 1969/71), à esquerda, e a meu lado o Carlos Fortunato (CCAÇ 13, 21969/71);
(ii) na segunda fila, a contar da esquerda para a direita: o Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1969/71), o já citado António Duarte, o Mário Dias (CCmds, 1963/66), o José Martins (CCAÇ 5, 1968/70), o Francisco Baldé (1ª, 2ª e 3ª Companhia de Comandos Africanos, 1969/74) e o João Parreira (CART 730 e Comandos, 1964/66).
Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.
Texto do António Duarte, datado de 25 de Outubro de 2006:
Terapia através da escrita. Vamos editar um livro ?
Caro Luís Graça:
Durante estes últimos anos pouco tenho falado sobre a guerra colonial com terceiros, excepto com amigos mais chegados. Reconheço que tenho (ou tinha) alguma dificuldade em abordar o tema, já que sentia alguma responsabilidade por nela ter participado (1). Claramente teria preferido não ter lá estado, já que quando embarquei não tinha grandes dúvidas sobre a quem é que interessava a dita cuja. Considero-me patriota, mas percebia que a História não estava com a postura do governo da época.
Vem esta minha lengalenga a propósito dos escritos, de altíssimo interesse, que os nossos camaradas vão escrevendo, constituindo por si só uma óptima terapia espiritual, que nos ajuda a viver com as nossas consciências. Permite-me que te diga que fico esmagado.
Pedindo desculpa a todos, gostaria de referir a qualidade e a serenidade dos textos do Beja Santos do Pel Caç Nat 52, a emotividade transmitida pelo Amílcar Mendes da 38ª CCmds e do VictorTavares da 121ª CCP, transmissão só possível por quem viveu / sofreu os factos terríveis relatados na primeira pessoa.
Por fim, e voltando a repetir-me, acho que se justifica que façamos algo no sentido de promover e perpetuar o nosso blogue através de livro. Se te parecer oportuno, lança a ideia e a caserna que emita opinião.
Um abraço para todos os membros da tertúlia.
António Duarte
Ex-Fur Mil Atir
Cart 3493 e CCAÇ 12
(Mansambo e Xime, 1972/74)
______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de António Duarte:
18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXI: Um periquito da CCAÇ 12 (António Duarte / Sousa de Castro)
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVIII: Notícias da CART 3493 (Mansambo, 1972) e da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973/74) (António Duarte)
11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)
17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P966: O Mexia Alves que eu conheci em Bambadinca (António Duarte, CCAÇ 12, 1973)
24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)
Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)
Companhia Colonial de Navegação > TT Uíge > Viagem nº 127 (Bissau - Lisboa) > Bordo, 2 de Março de 1969 > Ementa do jantar e programa das distrações... Por curiosidade, a ementa desse dia era: Crème Conchita; Peixe au Meunier, Batata à Parmentier; Contre-Fillet à Maître d'Hôtel, Batata Boulanger, Alface; Bábás com Rhun; Fruta; Chá, Café...
Era caso para pensar que fomos para (e viemos de) a guerra, com chef de cuisine française atrás!... Enfim, não se pode dizer que a Pátria, através da Companhia Colonial de Navegação, não tratava bem de nós... E no programa social, não faltavam os jogos de salão, as sessões de cinema, o jantar de despedida!... Só faltou o baile de máscaras, nesta farsa carnavalesca!... Àparte isto, pergunto-me o que terão comido nessa noite os desgraçados das praças que iam no porão...
O serviço a bordo na viagem nº 127 do Uíge, nos princípios de Março de 1969, na classe turística (a dos sargentos!), era seguramente bem melhor que aquele a que iremos ter direito, no mesmo navio, dois anos depois, em Março de 1971: eu, o Tony Levezinho, o Humberto Reis, o Sousa, o Abel Rodrigues, o Fernandes e os demais camaradas (metropolitanos) da CCAÇ 12... A avaliar pelas ementas, os ladrões roubaram-nos as batatas à Parmentier e o fillet mignon a que tínhamos direito! (2) ...
Do programa social já não me lembro... Aliás, quando pus os pés no Uíge eu só queria esquecer a Guiné (3)... De qualquer modo, a degradação do serviço no Uíge era um sinal dos tempos: a guerra agravava-se, metade do Orçamento Geral do Estado ia para o esforço de guerra em três frentes, Portugal continuava cada vez mais isolado no seio da comunidade internacional, a Academia Militar estava às moscas, batiam-se recordes na saída da população portuguesa para o estrangeiro, o Uíge não chegava para as encomendas, e o cozinheiro francês deve ter esgotado o stock de batatas Boulanger, a pachorra e a imaginação...
A propósito dessa nossa viagem de regresso (tudo menos triunfal) a Penates, em 17 de Março de 1971, eu escrevi:
"Regressávamos da guerra, com a morte na alma e mazelas no corpo, num navio da marinha mercante da Companhia Colonial de Navegação (uma empresa, fundada em Angola em 1922, para assegurar os transportes marítimos das colónias portuguesas com a Metrópole, sendo o paqueteVera Cruz o seu navio mais emblemático, e que não teve tempo de fazer o branqueamento do seu nome, já que o termo colonial não era politicamente correcto no início dos anos 70...).
"Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, contra os ventos da história (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na classe turística (reservada aos sargentos) uma sopa de creme de marisco, seguido de um prato de peixe (Pescada à baiana) e um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... sem esquecer a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king" (3)... (LG)
Fotos e texto: © Vitor Condeço (2006)
Camarada Luís Graça,
Em primeiro lugar deixe-me cumprimentá-lo e elogiar o seu muito digno e meritório trabalho que tem conseguido levar por diante no blogue.
Ter já conseguido fazer deste blogue um referencial histórico de um período da história de Portugal, escrito pelas pessoas que fizeram essa própria história, não é obra fácil.
Que tenha a saúde, a disposição e a disponibilidade de tempo suficientes para poder continuar a sua obra e que não faltem as colaborações dos nossos camaradas e amigos da Guiné.
Sou assíduo frequentador desde Março de 2006, altura em que, procurando por mapas da Guiné, me deparei com este excelente sítio. Raro é o dia que o não visite, já li também a grande maioria dos postes mais antigos, onde recordei ou fiquei sabendo de acontecimentos que já não lembrava ou nunca soubera.
Já ando há tempos para lhe escrever, tem-me faltado a coragem mas, ao ler há dias o Post 1271 e hoje o 1296 sobre O cruzeiro das nossas vidas (1) , achei que devia contribuir com algo que este blogue teve a virtude de me ajudar a redescobrir a minha velha mala de porão que não era aberta há talvez trinta anos, e que foi-o de novo.
O material digitalizado que junto em anexo, pode ajudar a ilustrar esses mesmos cruzeiros e o Luís usará como lhe aprouver se neles reconhecer algum interesse.
Trata-se da ementa do primeiro jantar de regresso da Guiné a bordo do NM Uíge e do programa de distracções para os cinco dias previstos da viagem, que afinal acabaram por ser seis.
Os passageiros eram os militares dos BART 1913 e do BART 1914.
São portanto, recordações desse cruzeiro, iniciado a 26 de Abril de 1967, quando na Rocha do Conde Óbidos embarquei no Uíge com destino à Guiné.
Já tinha quase vinte meses de tropa, já nem contava de ser mobilizado, mas fui, infelizmente todo o pessoal do meu curso foi contemplado com um destes cruzeiros.
Sou um velho combatente (63 anos feitos ontem, dia 18 de Novembro), estou aposentado, meu nome é Victor Manuel da Silva Condeço, ex-Furriel Miliciano 00698264, do Serviço de Material – Mecânico de Armamento e, por isso mesmo, sem grandes histórias de guerra para contar. Este blogue teve a virtude de me despertar recordações, umas boas, outras menos boas, mas que nem por isso deixam de ser uma forma de reviver um passado de há quase quarenta anos.
Participei na Guerra da Guiné por obrigação, como aliás quase todos nós, desde 1 de Maio de 1967 a 3 de Março de 196, fazendo parte da CCS do BART 1913 que era constituído também pelas CART 1687 (Cachil e Cufar), CART 1688 (Bissau e Biambi) e CART 1689 (Fá, Catió, Cabedú e Canquelifá).
Estive na região do Tombali na Vila de Catió, Comando de Sector, pertencente ao Comando de Agrupamento de Sectores de Bolama. As unidades deste sector eram: Bedanda, Cabedú, Cachil (i), Cufar e o destacamento de Ganjola (i), por todas passei em serviço.
Desembarquei em Catió a 2 de Maio de 1967, os vinte e um meses de comissão foram aqui cumpridos, até 20 de Fevereiro de 1969, data em que regressei a Bissau.
Um abraço Luis, por hoje é tudo.
Victor Condeço
Comentário de L.G.:
Meu caro Victor:
Julgo que tu és o primeiro especialista mecânico de armamento que aparece por estas bandas. E não penses que é uma especialidade de 2ª classe: pelo contrário, se a G3 encrava ou se o canhão sem recuo não recua, estamos todos fritos... Humor à parte, nenhum de nós vem aqui exibir o seu cardápio de roncos, o seu currículo de horrores ou o seu estojo de cruzes de guerra... Todos estivemos lá, todos somos camaradas da Guiné... É isso que nos une. Sê, portanto, bem aparecido e, quando te der jeito, manda duas chapas tuas para a fotogaleria... A gente gosta de conhecer a cara dos camaradas e de os ouvir falar dos sítios fantásticos por onde andaram e da gente simples e boa, guineense, com quem conviveram... Fala-nos de Catió, e de como eram as coisas no teu tempo... A Catió que era gozada nos programas de rádio a fingir, para a plateia da caserna: E agora um disco pedido, pelo Embaló, que tem um primo em Catió!....
Um dia destes, encontramo-nos por aí, para dar um abraço uns aos outros e beber um copo... Obrigado, pela teus recuerdos da viagem nº 127 do Uíge, a caminho de casa, depois de mais de quarenta longos meses de tropa (120o e tal dias!!!)... Ah, e já agora, um abraço de parabéns do tamanho da nossa tertúlia pelos teus belos 63 anos! (LG)
_________
(i) Estes aquartelamentos foram desmantelados e abandonados pelas NT a meio do segundo semestre de 1968, em virtude da adopção de novas estratégias pelo então Brigadeiro Spínola, Comandante Chefe do CTI da Guiné (4).
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd posts
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
(2) Vd. post de 9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)
(3) Vd. Blogue-Fora-Bada... e Vão Dois (Luís Graça) > post de 8 de Dezembro de 2005 > Blogantologia(s) II - (22): Esquecer a Guiné
(...)
Esquecer a Guiné... por uma noite!
O sabor a sangue e a merda
Que a vida aqui tem,
Aos vinte e três anos,
Já feitos.
A merda da Guiné.
A merda que te cobre o corpo e a alma.
É mais do que a merda toda
Das bolanhas, das lalas e do tarrafo.
Podes lavar-te todos os dias
Que essa merda
Nunca mais te sai.
Nunca mais te sairá do corpo e da alma.
(...)
(4) Em Ganjolá morreu um primo meu, o soldado José António Canoa Nogueira, natural da Lourinhã, em 1965. Já aqui transcrevi uma das suas últimas cartas: vd. post de 8 de Setembro de 2005 (Guiné 63/74 - CLXXXI: Antologia (18): Um domingo no mato, em Ganjolá ).
Sobre o destacamento do Cachil, diz o oficial da Armada Marques Pinto:
(...) Percorri várias vezes o Rio Cobade, frente á Ilha do Como, lá recebi o meu primeiro abonanço de morteirada, felizmente sem consequências para o pessoal embarcado e lá fiz algumas entregas logísticas para o infelizmente célebre e tão martirizado destacamento do Cachil, que segundo me contaram pessoalmente alguns soldados tinham de fazer escolta armada para percorrerem os 300 a 400 metros que os separavam da água" (...)
Vd. post de 29 Outubro 2006 > Guiné 63/74 - P1221: Lembranças de mais um marujo (Marques Pinto)
Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)
Lisboa > Mosteiro dos Jeróminos > Claustro > Uma nau portuguesa do Séc. XVI (pormenor). Foto: © Luís Graça (2006)
Marinha Portuguesa > Fragata classe João Belo (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.).
Marinha Portuguesa > Corveta classe João Coutinho (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.)
Marinha Portuguesa > Submarino classe Albacora. Fonte : © Marinha Portuguesa > Galeria Digital > Fotos > Submarinos (2004) (com a devida vénia...)
Marinha Portuguesa > Fragata classe João Belo (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.).
Fonte: © Marinha Portuguesa (2004) (com a devida vénia...)
Marinha Portuguesa > Corveta classe João Coutinho (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.)
Texto do Pedro Lauret (membro da nossa tertúlia, foi oficial imediato da LFG Orion - Guiné, 1971/73 -, sendo hoje capitão-de-mar-e-guerra na reforma e dirigente da Associação 25 de Abril) (2)
A Marinha Oceânica na Guerra Colonial
por Pedro Lauret
A Marinha é um ramo das Forças Armadas que tem tradicionalmente uma postura discreta, não evidenciando muitas das suas responsabilidades nem a forma como as cumpre, talvez porque saiba que como é importante num País com a História e Geografia como o nosso.
Esta postura muitas vezes a tem prejudicado por incompreensão. Quem não questionou, ontem como hoje: submarinos e fragatas, para quê?
Tudo isto vem a propósito dos transportes de tropas (1).
Talvez nem todos saibam que 90% do reabastecimento dos três teatros de operações [ - Angola, Guiné e Moçambique - ] nos 13 anos de guerra foram efectuados por via marítima, mas é verdade!
Talvez também nem todos se tenham apercebido que as áreas oceânicas que os nossos transportes de tropas atravessavam eram contíguas a mares territoriais de países hostis, países que, em muitos casos, tinham saído recentemente de situações coloniais. Países que assumiam protagonismo internacional crescente, que se organizavam a partir de Bandung, no movimento dos não-alinhados. Países que assumiam claramente posições agressivas contra a política ultramarina/colonial de Portugal. Países que faziam ouvir as suas vozes nas posições que as Nações Unidas iam assumindo contra a política do governo do nosso país.
O conjunto de deliberações e resoluções das Nações Unidas contra Portugal começava a justificar, face ao direito internacional, acções militares contra transportes de tropas e outros transportes logísticos.
Por este motivo foi necessário, com discrição, manter abertas as linhas de comunicação: proteger os transportes de tropas e materiais destinados à Guerra.
A Marinha assumiu essa missão tendo adquirido para o efeito (2):
- 4 Fragatas classe Comandante João Belo, construídas em França, tinham consideráveis capacidades artilheiras quer anti-superfície quer anti-aéreas e ainda capacidade anti-submarina;
- 4 Submarinos classe Albacora;
por Pedro Lauret
A Marinha é um ramo das Forças Armadas que tem tradicionalmente uma postura discreta, não evidenciando muitas das suas responsabilidades nem a forma como as cumpre, talvez porque saiba que como é importante num País com a História e Geografia como o nosso.
Esta postura muitas vezes a tem prejudicado por incompreensão. Quem não questionou, ontem como hoje: submarinos e fragatas, para quê?
Tudo isto vem a propósito dos transportes de tropas (1).
Talvez nem todos saibam que 90% do reabastecimento dos três teatros de operações [ - Angola, Guiné e Moçambique - ] nos 13 anos de guerra foram efectuados por via marítima, mas é verdade!
Talvez também nem todos se tenham apercebido que as áreas oceânicas que os nossos transportes de tropas atravessavam eram contíguas a mares territoriais de países hostis, países que, em muitos casos, tinham saído recentemente de situações coloniais. Países que assumiam protagonismo internacional crescente, que se organizavam a partir de Bandung, no movimento dos não-alinhados. Países que assumiam claramente posições agressivas contra a política ultramarina/colonial de Portugal. Países que faziam ouvir as suas vozes nas posições que as Nações Unidas iam assumindo contra a política do governo do nosso país.
O conjunto de deliberações e resoluções das Nações Unidas contra Portugal começava a justificar, face ao direito internacional, acções militares contra transportes de tropas e outros transportes logísticos.
Por este motivo foi necessário, com discrição, manter abertas as linhas de comunicação: proteger os transportes de tropas e materiais destinados à Guerra.
A Marinha assumiu essa missão tendo adquirido para o efeito (2):
- 4 Fragatas classe Comandante João Belo, construídas em França, tinham consideráveis capacidades artilheiras quer anti-superfície quer anti-aéreas e ainda capacidade anti-submarina;
- 4 Submarinos classe Albacora;
- 10 Corvetas classe João Coutinho e Baptista de Andrade.
Os transportes de tropas (TT) tinham embarcado um oficial superior da Armada: o Capitão de Bandeira, que tinha como missão superintender a disciplina a bordo e a sua articulação com os outros meios navais empenhados na sua segurança.
Os navios mercantes estavam preparados para, com facilidade, instalar peças de artilharia para auto-protecção.
Resumindo, a Marinha durante os 13 anos de guerra protegeu, discretamente, os transportes de tropas para os três teatros de operações.
Alguém pensou que sob as águas do seu transporte de tropas [ - Alfredo da Silva, Ana Mafalda, Manuel Alfredo, Niassa, Timor, Uíge -] (4), se poderia encontrar um submarino? ou que para além do horizonte poderia estar uma fragata ou corveta? Provavelmente não!
Pedro Lauret
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. por exemplo, post anterior, com data de hoje: Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
(2) Vd post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)
(3) Vd. Portal da Marinha Portuguesa > Guerra de África
(4) Vd. posts anteriores:
20 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
Os transportes de tropas (TT) tinham embarcado um oficial superior da Armada: o Capitão de Bandeira, que tinha como missão superintender a disciplina a bordo e a sua articulação com os outros meios navais empenhados na sua segurança.
Os navios mercantes estavam preparados para, com facilidade, instalar peças de artilharia para auto-protecção.
Resumindo, a Marinha durante os 13 anos de guerra protegeu, discretamente, os transportes de tropas para os três teatros de operações.
Alguém pensou que sob as águas do seu transporte de tropas [ - Alfredo da Silva, Ana Mafalda, Manuel Alfredo, Niassa, Timor, Uíge -] (4), se poderia encontrar um submarino? ou que para além do horizonte poderia estar uma fragata ou corveta? Provavelmente não!
Pedro Lauret
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Notas de L.G.:
(1) Vd. por exemplo, post anterior, com data de hoje: Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
(2) Vd post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)
(3) Vd. Portal da Marinha Portuguesa > Guerra de África
(4) Vd. posts anteriores:
20 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
Ana Mafalda (2)
Uíge (3)
Alguns dos nossos navios da marinha mercante que foram requisitados para transporte de tropas para o TO da Guiné entre 1963 e 1974... O mais requisitado foi o Niassa. Os grandes paquetes, como o Vera Cruz (com capacidade para transportar mais de 2000 homens), não podiam operar no Porto de Bissau.
Fonte: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.
Excerto extraído da página CD25A / UC - Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, relativamente aos transportes de tropas, marítimos e aéreos, durante da guerra colonial (com a devida vénia...):
As guerras de África implicaram a manutenção da maior força armada no exterior, que Portugal alguma vez formou ao longo dos seus oito séculos de história. Em 1974, eram mais de 130 000 homens que se mantinham em pé de guerra a milhares de quilómetros da metrópole (27 000 na Guiné, 57 000 em Angola e 50 000 em Moçambique). O seu simples transporte e apoio logístico era problema de grande envergadura para um país das dimensões de Portugal e com os seus recursos, mas sem esse problema ser resolvido não podia haver guerras de África.
Podemos dizer que a solução começou a ser pensada logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1939-45, tornou-se evidente que um dos pontos que criavam maiores dependências do país em relação ao exterior, em alturas de crise, era a falta de uma marinha mercante e de ligações regulares com o império. Durante a guerra, por exemplo, os produtos de Angola apodreciam nos portos e, embora fosse possível comprar petróleo, não se conseguia assegurar o seu transporte.
O Governo decidiu dar prioridade à resolução desse problema. Logo em 1945 foram aprovadas duas medidas que implicaram vultosos investimentos nesse sentido. A primeira foi o despacho de 10 de Agosto do ministro da Marinha, onde se previa a ampla renovação da marinha mercante nacional por meio da construção de 70 navios, com apoio do Estado, entre os quais nove grandes paquetes. A segunda foi a decisão de criar uma companhia aérea do Estado (a TAP), com a prioridade de iniciar as operações da chamada linha imperial, de ligação regular com Angola e Moçambique.
Em finais dos anos 50, depois de investimentos públicos de grande envergadura, a marinha mercante portuguesa teve o seu desenvolvimento máximo. Contava, nomeadamente, com 22 paquetes, no total de 167 000 toneladas. Entre eles estavam os quatro gigantes: Santa Maria, Vera Cruz, Príncipe Perfeito e Infante D. Henrique, com cerca de 30 000 toneladas cada, capazes de transportar mias de 1000 passageiros ou mais de 2000 soldados.
Muitos destes paquetes foram requisitados em diversas ocasiões para transporte de tropas, muito especialmente na fase inicial da guerra, e as restantes unidades da marinha mercante seriam essenciais para manter o esforço em África. Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíge.
O Niassa foi o primeiro paquete afretado como transporte de tropas e de material de guerra, por portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens, chegando a realizar 13 num ano. Em 1961, efectuaram-se 19 travessias por nove paquetes em missão militar e o ritmo aumentou à medida que a força expedicionária em África crescia: em 1963, tinham-se efectuado 27 viagens por oito paquetes e, em 1967, 33 por nove.
Até 1974, o mar era a grande via de ligação ao império, tendo mais de 90 por cento da carga e de 80 por cento do pessoal metropolitano empenhado na guerra sido transportado em navios.
A linha aérea imperial começou a funcionar em 1947, mantida inicialmente pelos velhos Dakotas da TAP, que asseguravam a ligação a Luanda e a Lourenço Marques (5). Em 1948, os bimotores foram substituídos pelos quadrimotores DC-4 Skymaster, com os quais se conseguiu, pela primeira vez, a ligação semanal regular com o império.
Mais tarde, os DC-4 foram substituídos pelos Constellation e, desde, 1955, pelos Super Constellation, que transportavam 83 passageiros para Luanda em menos de 24 horas. Só em 1965 estes aparelhos foram substituídos na TAP pelos Boeing 707, os primeiros aviões a jacto de longo curso usados por Portugal.
O esforço de guerra não podia ser mantido só com a linha da TAP e assim a Força Aérea, desde muito cedo, tentou desenvolver os transportes aéreos estratégicos, missão entregue aos TAM (Transportes Aéreos Militares), que começaram a operar na primeira metade dos anos 50 a partir do AB1, em Lisboa, para o que usaram dois C-54 (o equivalente do Skymaster), cedidos pelos americanos para uso nos Açores. Em 1955, os TAM contavam já com uma frota de 11 C-54 ou DC-4, mas todos antiquados.
Quando a luta armada rebentou em Angola, os Constellation da TAP foram requisitados e fizeram viagens como transportes de tropas, enquanto os C-54 dos TAM tentaram manter a ligação regular com Luanda, em voos que demoravam 22 horas. As dificuldades eram muitas para os velhos aviões e quatro deles perderam-se em acidentes.
Fonte: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.
Excerto extraído da página CD25A / UC - Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, relativamente aos transportes de tropas, marítimos e aéreos, durante da guerra colonial (com a devida vénia...):
As guerras de África implicaram a manutenção da maior força armada no exterior, que Portugal alguma vez formou ao longo dos seus oito séculos de história. Em 1974, eram mais de 130 000 homens que se mantinham em pé de guerra a milhares de quilómetros da metrópole (27 000 na Guiné, 57 000 em Angola e 50 000 em Moçambique). O seu simples transporte e apoio logístico era problema de grande envergadura para um país das dimensões de Portugal e com os seus recursos, mas sem esse problema ser resolvido não podia haver guerras de África.
Podemos dizer que a solução começou a ser pensada logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1939-45, tornou-se evidente que um dos pontos que criavam maiores dependências do país em relação ao exterior, em alturas de crise, era a falta de uma marinha mercante e de ligações regulares com o império. Durante a guerra, por exemplo, os produtos de Angola apodreciam nos portos e, embora fosse possível comprar petróleo, não se conseguia assegurar o seu transporte.
O Governo decidiu dar prioridade à resolução desse problema. Logo em 1945 foram aprovadas duas medidas que implicaram vultosos investimentos nesse sentido. A primeira foi o despacho de 10 de Agosto do ministro da Marinha, onde se previa a ampla renovação da marinha mercante nacional por meio da construção de 70 navios, com apoio do Estado, entre os quais nove grandes paquetes. A segunda foi a decisão de criar uma companhia aérea do Estado (a TAP), com a prioridade de iniciar as operações da chamada linha imperial, de ligação regular com Angola e Moçambique.
Em finais dos anos 50, depois de investimentos públicos de grande envergadura, a marinha mercante portuguesa teve o seu desenvolvimento máximo. Contava, nomeadamente, com 22 paquetes, no total de 167 000 toneladas. Entre eles estavam os quatro gigantes: Santa Maria, Vera Cruz, Príncipe Perfeito e Infante D. Henrique, com cerca de 30 000 toneladas cada, capazes de transportar mias de 1000 passageiros ou mais de 2000 soldados.
Muitos destes paquetes foram requisitados em diversas ocasiões para transporte de tropas, muito especialmente na fase inicial da guerra, e as restantes unidades da marinha mercante seriam essenciais para manter o esforço em África. Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíge.
O Niassa foi o primeiro paquete afretado como transporte de tropas e de material de guerra, por portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens, chegando a realizar 13 num ano. Em 1961, efectuaram-se 19 travessias por nove paquetes em missão militar e o ritmo aumentou à medida que a força expedicionária em África crescia: em 1963, tinham-se efectuado 27 viagens por oito paquetes e, em 1967, 33 por nove.
Até 1974, o mar era a grande via de ligação ao império, tendo mais de 90 por cento da carga e de 80 por cento do pessoal metropolitano empenhado na guerra sido transportado em navios.
A linha aérea imperial começou a funcionar em 1947, mantida inicialmente pelos velhos Dakotas da TAP, que asseguravam a ligação a Luanda e a Lourenço Marques (5). Em 1948, os bimotores foram substituídos pelos quadrimotores DC-4 Skymaster, com os quais se conseguiu, pela primeira vez, a ligação semanal regular com o império.
Mais tarde, os DC-4 foram substituídos pelos Constellation e, desde, 1955, pelos Super Constellation, que transportavam 83 passageiros para Luanda em menos de 24 horas. Só em 1965 estes aparelhos foram substituídos na TAP pelos Boeing 707, os primeiros aviões a jacto de longo curso usados por Portugal.
O esforço de guerra não podia ser mantido só com a linha da TAP e assim a Força Aérea, desde muito cedo, tentou desenvolver os transportes aéreos estratégicos, missão entregue aos TAM (Transportes Aéreos Militares), que começaram a operar na primeira metade dos anos 50 a partir do AB1, em Lisboa, para o que usaram dois C-54 (o equivalente do Skymaster), cedidos pelos americanos para uso nos Açores. Em 1955, os TAM contavam já com uma frota de 11 C-54 ou DC-4, mas todos antiquados.
Quando a luta armada rebentou em Angola, os Constellation da TAP foram requisitados e fizeram viagens como transportes de tropas, enquanto os C-54 dos TAM tentaram manter a ligação regular com Luanda, em voos que demoravam 22 horas. As dificuldades eram muitas para os velhos aviões e quatro deles perderam-se em acidentes.
Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra (2006)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 20d e Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
(...) O imponente paquete Timor, amarelado, mais alto e corpulento do que a enorme estação fluvial, ali estava, calmo, à nossa espera, poisado nas águas paradas do Tejo. Várias escadas, longas, ligavam o cais ao bojo barrigudo mas elegante, do paquiderme, de proa arrebitada e pendão festivo, à solta.
"Não demorou muito e toda a gente estava a bordo, distribuida pelos muitos pisos, docilmente transformados em quartel. Um tremendo urro disparou nos ares e as máquinas medonhas aceleraram, lá no fundo.A água do Tejo começou a ferver em ondas de espuma, em turbilhão, à popa, empurrando o gigante para mais uma oferenda, em sacrifício, no altar da ditosa pátria" (...)
(2) Vd. post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967) (A. Marques Lopes)
(...) "Largámos às 12h00 do dia 8 de Abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejectos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os despejo começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório" (...).
8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXII: Caminhos entrecruzados: Ana Mafalda, Cantacunda... (Carlos Marques dos Santos)
(...) "Bravo, Marques Lopes: Afinal os nossos percursos entrecruzaram-se. Tu antes, eu depois. À tua descrição poderia só acrescentar: Faço minhas as tuas palavras e, concerteza, vivências: (i) Ana Mafalda e vómitos de 5 dias;(ii) Cantacunda e fome de 15 dias, depois de terem levado alguns, não poucos, dos nossos" (...);
25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)
(...) "Estas unidades navais [, as LFG,] efectuavam inicialmente a docagem de conservação (alagem) nos estaleiros navais de S. Vicente, em Cabo Verde e, mais tarde em Bissau. Significava que, com alguma dificuldade e amargos diversos de estômago, efectuavam navegação oceânica.
"Tinham a base naval em Bissau, na ponte cais em T, frente ao Comando de Defesa Marítima na parte interior da ponte-cais em T onde, na parte exterior atracavam também os comerciais e alguns TT's. Estou a lembrar-me do Rita Maria, Ana Mafalda e até mesmo o Funchal" (...).
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
(...) "Em 7 de Abril de 1970 a CART2732 recebeu o seu Estandarte. No dia 13 de Abril realizou-se no Cais do Porto do Funchal a cerimónia de despedida da Companhia (...).
"A CART 2732, sob o comando interino do Alf Mil Art Manuel Casal, embarcou nesse mesmo dia, cerca das 12H00, no navio Ana Mafalda, que largou pouco depois com destino à Guiné. No cais ficou uma multidão de populares, familiares e amigos dos militares, que ali se deslocaram para assistirem à cerimónia de despedida, embarque e partida da Companhia.
9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)
(...) "Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, contra os ventos da história (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na classe turística (reservada aos sargentos) uma sopa de creme de marisco, seguido de um prato de peixe (Pescada à baiana) e um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... sem esquecer a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king... Obrigado ao Humberto Reis e à sua já famosa "memória de elefante" por me lembrar que o 17 de Março de 1971 foi o primeiro dia do resto das nossas vidas" (...) (LG)
(4) Vd. post de 19 de Novembro e 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
(...) "A largada foi terrível. O barco a afastar-se do cais é muito doloroso para nós, com as carpideiras que para lá eram enviadas, para nos desmoralizarem ainda mais.
"Depois do navio largar e passar S. Julião da Barra, fomos para o bar à espera que nos chamassem para o almoço. O Major Branco, que comandava interinamente o nosso Batalhão, uma vez que o nosso Comandante, Ten Cor Pimentel Bastos já tinha seguido de avião, perguntou ao nosso Capitão:- Embarcaram todos os rapazes?O Capitão respondeu de imediato:- Sim, sim, meu Comandante. Ele sabia lá!
18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLVIII: Bajudas, nem vê-las! (Carlos Marques dos Santos)
(...) No final da comissão ainda houve duas saídas para Bafatá, para fim de semana. Ao meu pelotão não chegou a vez.
"Melhor ainda. Viemos embora para casa. Tinha terminado o mato. Esperava-nos Bissau e o Uíge, em contraposição com o Ana Mafalda de ida, de vómitos e sofrimento de toda a Companhia.
"Foi a minha estreia em cruzeiros. No regresso fomos tratados com senhores. Só que não vieram todos" (...).
(4) Vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau
(...) "Alguém se lembrou de abrir uma garrafa de champagne como se tivéssemos atravessado o Equador em alegre cruzeiro pelo Atlântico Sul. Com um sorriso amarelo, também participei neste ritual de iniciação e ergui a minha taça:- Afinal, estamos todos no mesmo barco!, - pensei.
"De resto, come-se e bebe-se o dia todo para matar o tédio da vida a bordo. Há os viciados da lerpa. Os oficiais superiores, esses, divertem-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística escreve cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imagino já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades. As praças, essas, vomitam nos porões. Todo o navio fede e no meio do cheiro nauseabundo há um desgraçado de um desertor que vai a ferros" (...).
(5) Segundo o Portal da TAP > História > 60 Anos na Rota do Futuro, a Linha Aérea Imperial (Lisboa-Luanda-Lourenço Marques) foi inaugurada em 31 de Dezembro de 1946: com 12 escalas, 15 dias de duração (ida e volta) e 24540 quilómetros, era "a mais extensa linha a nível mundial operada com o DC-3". Em 1964, a TAP inaugura a operação regular Lisboa-Sal-Bissau.
segunda-feira, 20 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1298: Blogoterapia: Pensei que era fácil esquecer, mas não foi... (Zé Teixeira, CCAÇ 2381)
Guiné > Buba e Empada (Região de Quínara) > CCAÇ 2381 - Os Maiorais, 1968/70 > Três fotografias (artísticas...), daquelas que nós mandávamos para os nossos parentes, amigos e namoradas, mostrando o exotismo da Guiné e deixando antever os perigos que nos espreitavam nas matas, nas picadas ou nos aquartelamentos...
Na primeira foto, de cima, o Zé simula o disparo de um lança-roquetes, de 37 mm, usado tanto pelas tropas especiais (fuzileiros, paraquedistas e comandos) como pelas companhias africanas de intervenção (como era o caso da minha CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)... Esta foto julgo ter sido tirada em Buba, onde estava estaccionada uma força de fuzileiros, de acordo com o relato que o Zé faz no seu diário (1).
Nas restantes fotos - possivelmente tiradas em Empada -, vemos o Zé, sem o seu mochila de cabo enfermeiro, progressindo de G-3 em punho, no capinzal, alto, mais alto do que os nossos campos de milho ou as nossas searas de trigo...
Na terceira e última das fotos, o Zé está numa pose que parece sugerir estar emboscado, por detrás de um tronco de árvore ou - não é claro - de um bagabaga, outro dos fenómenos naturais da Guiné que faziam as delícias dos nossos fotógrafos amadores... Não havia militar que se prezasse que não mandasse para casa uma foto, de pé, garbosamente, - qual Teixeira Pinto ! - em cima de um bagabaga, que está para a formiga como os Himalaias estão para nós...
Daqui vai um grande abraço para ele, que vive em Matosinhos, gozando com saúde e com alegria de viver a sua reforma de gerente bancário... Um abraço também para a restante tertúlia do Norte (LG).
PS - O Zé Teixeira mandou-me um mail, logo a seguir, para esclarecer o seguinte: (i) as fotos foram tiradas na célebre tabanca Ponderosa (aliás, Ualada, a sudoeste de Empada) (2) ; (ii) a CCAÇ 2381 também tinha (dois) lança-roquetes, de 37 mm: o Zé está com um que lhe terá salvo a vida, uns dias antes, quando esteve em risco de ser apanhado à mão; (iii) recorde-se que o Zé estve primeiro na região de Buba (Buba, Mampatá, Chamarra e Aldeia Formosa) e depois na região de Empada (onde fica Sare Tuto e Ualada). Buba e Empada pertencem actualmente à Região de Quínara. Em contrapartida, Quebo (antiga Aldeia Formosa) já pertence à Região de Tombali (Catió).
Fotos: © José Teixeira (2006). Direitos reservados.
Texto do Zé Teixeira (que foi 1º Cabo Enfermeiro, na CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70; que é um excelente contador de estórias; e que tem, além disso, um notável diário do seu tempo de Guiné, que já tivemos o privilégio de publicar no nosso blogue, entre Janeiro e Março de 2006) (1) .
Luís.
Saúde, paz e felicidade para ti, para os teus e para todos os tertulianos.
No meu último texto (3), que fizeste o favor de publicar, eu afirmava:"Quando regressei, acreditava que ia ser fácil esquecer . . .mas não foi".
A Ana Ferreira, filha do cabo Ferreira que nos acompanha neste intercomunicador contínuo, glosou as minhas palavras afirmando: "Quando regressei estava convencido que ia ser fácil esquecer, mas não foi", diz o José Teixeira. Acredito. Não o foi para o José nem para ninguém. Não o foi para os que lá estiveram , de facto, nem para os que viveram esta guerra, através dos que amavam" (4).
Isto foi uma provocação sadia, que me pôs a reflectir e da reflexão surgiu o novo texto que agora te envio, com um beijinho fraternal à Ana.
Quando regressei estava convencido que ia ser fácil esquecer, mas não foi.
Por Zé Teixeira
De facto essa era a minha esperança, mas logo nos primeiros dias de peluda a situação mudou.
Era a verdade sonhada. Tudo ia ser fácil, SE…
SE ao reentrar na sociedade civil, não sentisse que tinha perdido os três melhores anos da minha vida, numa guerra estúpida que não conduziu a nada, pois as informações que chegavam, quantas vezes lidas nas entrelinhas, confirmavam que a situação piorava dia a dia e o fim estava à vista com uma derrota que teria sido estrondosa e trágica se não acontecesse o 25 de Abril.
SE os amigos que deixei não se tivessem naturalmente dispersado na organização da sua vida e o vazio afectivo, não fosse um tormento, embora a prazo.
SE o rosto da mãe que viveu o drama de ver morrer carbonizada a sua menina sem lhe poder valer, por estar ferida e impossibilitada de se deslocar em seu socorro, não me perseguisse.
SE o grito do camarada, que mal conhecera, ao sentir a vista a fugir-lhe e ao reflectir que a sua vida se estava a apagar, sem eu lhe poder valer, não atormentasse mais os meus ouvidos.
SE os olhos aterrorizados das crianças a correr para os abrigos nos ataques diurnos e nocturnos à Tabanca não aparecessem mais à minha frente.
SE a voz sonante do Conceição Caixeiro, não continuasse a soar um melodioso fado nos meus ouvidos, recordando-me a sua morte com a nuca esmagada, quando feliz da vida cantava, enquanto fazia as necessidades fisiológicas.
SE a visão das aldeias cercadas por duas fiadas de arame farpado, não fosse uma constante que apenas desapareceu após o regresso à Guiné em 2005. Arame farpado, cemitério de garrafas amarradas duas a duas para tilintarem à mais pequena tentativa de intrusão do IN. Cercadas ainda por campos de minas, obrigando as populações a usarem só e apenas os carreiros ou picadas. Autênticas prisões de onde se saía apenas para o essencial e bem armado.
SE não sonhasse com o grito eufórico do camarada que localizou um pedaço de corpo humano enegrecido pela pólvora, julgando ser de um inimigo . . . e as suas e nossas lágrimas, quando se verificou que eram de um camarada que tinha pisado um fornilho.
SE o grito do Miguel ao sentir a falta da perna que uma Anti-Pessoal arrancou sem piedade - ela já não me quer – deixasse de me atormentar. O Miguel, calmo e sereno que eu conheci. O Miguel que cintava as cartas da namorada e correspondia a uma por dia . . . O Miguel que só reencontrei 32 anos depois.
SE a cena que vivi na bolanha dos passarinhos a caminho de Nhala em que senti a voz de Deus, dizer-me Salta da viatura e segundos depois esta foi pelos ares, ficando totalmente destruído o habitáculo que momentos antes eu ocupara. Se tal cena não continuasse a perturbar-me.
SE não recordasse com imensa saudade as pessoas de cor negra com quem partilhei belos momentos. Homens da milícia, mulheres, crianças e sobretudo lindas bajudas, a Fátma, a Mariema, a Auá, a Djobo Ansato e tantas outras. Momentos tantas vezes encerrados abruptamente pelo sargenti di milícia Hamadú, que aparecia, com a celebre frase hora di vai na deita, bandido stá lá e apontava para o local donde de vez em quando éramos brindados com umas canhoadas, que punham a Tabanca em sobressalto, trazendo sustos, ferimentos e quantas vezes a morte.
SE as bebedeiras monstruosas para esquecer, que me faziam ir de gatas para a caserna, ou quantas vezes apanhar a agradável cacimba no rosto nas noites dormidas a curtir, não fossem um provocante estímulo a continuar a trilhar esse caminho.
SE o simples bater de uma porta ou o estoirar de um foguete, não provocassem um baque no coração e uma procura rápida de um buraco para me abrigar.
SE o estrondo de simples embate de duas viaturas, com perdas em chaparia, em plena cidade, não me fizesse desatar a correr com medo de ver sangue a correr. (Fui enfermeiro na guerra e bastou o que vi) Só uns anos mais tarde senti algum equilíbrio nesta área.
SE os olhar do prisioneiro abatido a sangue frio, sem culpa formada e sem defesa, não se espetasse no tecto do meu quarto a gritar-me Estou inocente !
SE a voz do prisioneiro, afogado no Rio Grande de Buba - Morte justificada na linguagem militar (muito provavelmente) Atirou-se à água para tentar fugir, levando uma G3 (A G3 que tinha desaparecido e era preciso justificar) - não ecoasse nos meus ouvidos.
SE os sorrisos da minha Maimuna, que me acompanhou durante meses - Bebé amorosa, hoje mudjer garandi - deixasse o meu coração.
SE os canhões sem recuo que todas as noites faziam serenatas - ora em Gandembel, ora em Guileje, Gadamael, Cacine, Catió, Buba, ou ali mesmo onde eu estava - se calassem para sempre.
SE as corridas atarantadas para a vala, para o abrigo mais próximo ou o simples deitar no chão, cobrir a cabeça com as mãos e aguardar a bala ou o estilhaço que felizmente nunca chegaram até mim, cenas de filme repetido e que não me deixavam viver em paz.
SE a voz do Raul Fodé a convidar-me para deixar a arma e ficar em Empada com enfermeiro civil, com comida e mudjer garantidas.
SE...SE...SE...
Tantos SE que ficaram armazenados no sótão da minha consciência a atormentar-me. Armazenados, mas não apagados, dos quais me vou libertando com o tempo.
Não fiz guerra, porque a minha guerra era outra – prestar os socorros possíveis com um volume de soro fisiológico, algumas compressas e pensos, alguns injectáveis na sacola de enfermeiro e muita sorte, sobretudo. Mas, vivi os horrores de uma guerra que não queria. Guerra que era um dever patriótico. Veneno que me injectaram desde a escola primária, num Portugal pluri-racial de aquém e além mar que era preciso defender, até ao sacrifício da própria vida.
Guiné-Bissau > Buba > Tabanca Lisboa > 2005 > O Zé Teixeira, felicíssimo, com um puto ao colo, na tabanca Lisboa (um antigo centro de treino do IN, de nome Sare Tuto, a 5 km de Buba) (4)
Foto: © José Teixeira (2006). Direitos reservados.
Depois do meu regresso à Guiné [, em Abril de 2005], muitos SE se foram esbatendo. Revi um povo que continua pobre e sem rumo, com um futuro muito difícil, mas alegre como sempre o senti, acolhedor como sempre foi. Povo livre, senhor do seu destino, que lutava por uma vida melhor, vida que ambas as partes em contenda prometiam e foi por uns abandonado e pelos outros enganado.
Um dos fantasmas que me perseguia, era como seria recebido, agora que não tinha a força da G3 a impor-me. A surpresa no acolhimento, logo ao chegar à fronteira em Pirada, terra que só conhecia de nome, do tempo em que se ouviam os rebentamentos e alguém dizia - Pirada está a comer !
Guiné-Bissau > 2005 > Morcão e dragão, o Zé Teixeira pôde testemunhar e comprovar, algures numa tabanca do interior, o orgulho de se ser... portista!
Foto: © José Teixeira (2006). Direitos reservados.
Senti-me como que em Portugal. A preocupação do polícia, que me atendeu, foi saber onde tinha estado no tempo da guerra e lá localizou um irmão em Buba e um primo em Quebo. Queria saber se eu os conheci.
Revi amigos, antigos companheiros - Portugueses da Guiné, que lutaram a meu lado -, que se recordavam de mim, que me procuravam para recontar, recordando, cenas vividas em comum., que falavam de outros companheiros, uns desaparecidos que o tempo não perdoa, outros aqui ou além, na sua nova vida a que tiveram de se adaptar, outros que fugiram para nunca mais, ou ainda, os que foram assassinados com o estigma de traidores à Pátria, só porque estavam do lado errado, quando a guerra acabou.
Revi bajudas, agora mudjer garandi, com filhos e netos, que me recordaram velhos tempos de convívio e de namoro, porque não. Elas eram tão lindas ! Como nos divertíamos nos espaços de tempo que o bandido da mato nos permitia !
Visitei uma tabanca que foi base inimiga (Sare Tuto, ou Tabanca Lisboa, como os seus habitantes gostam que lhe chamem) situada a cerca de 5 Km de Buba (5).
Daí partiam para as emboscadas que sofri, para os ataques aos aquartelamentos, para me saudarem ao deitar, acordar de noite ou de manhã cedinho com as suas mortíferas canhoadas. Hoje, é, apenas e só, mais uma Tabanca da Guiné, cuja população já não precisa de se esconder quando ouve o Já passou (*), se é que ainda existem na Guiné aviões desse tipo, o que duvido.
Pude abraçar companheiros de guerra, que me fizeram cara a vida, porque estavam do outro lado da contenda, que ainda não sabem falar português, pois que retirados, talvez à força, sua terra, ainda muito jovens, aprenderam o francês como língua materna e agora servem-se do crioulo para comunicarem.
Que agradável encontro. Foi como que um fazer de pazes.
As tabancas cercadas com duas fiadas de arame farpado, deram lugar a grandes aldeamentos onde habitam milhares de pessoas, onde as pistas de aviação foram transformadas em zonas habitacionais ou campos de cultivo de caju, onde os quartéis se tornaram escolas. As picadas / estradas, outrora campos de morte, cumprem hoje, lá como em todo o mundo, a sua missão de interligarem povoações, de encurtarem distâncias, caminhos de um progresso bem merecido, mas que teima em não aparecer.
Com tudo isto, os fantasmas vão desaparecendo, enquanto a afeição pela Guiné, vai crescendo.
Zé Teixeira
(*) Nome que o IN dava aos Fiat – Caças a jacto da aviação portuguesa que, quando passavam resteiros, só se ouviam quando já estavam em cima do alvo... Logo, quem pudesse gritar Já passou, tinha escapado à sua acção mortífera
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Notas de L.G:
(1 Vd. post de
14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
Vd posts anteriores:
1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDX: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968(...) Buba, 21 de Julho de 1968: Agora me lembro, hoje é Domingo... Saí às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta, depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXI: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (2): Buba/Aldeia Formosa, Julho de 1968(...) Buba/Aldeia Formosa, 24-26 de Julho de 1968: (...) A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o radiotelegrafista morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caíu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino nada pudemos fazer (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (3): Aldeia Formosa, Julho de 1968 Aldeia Formosa, 9 de Agosto de 1968: (...) Um pelotão de milícia de Aldeia Formosa foi bater a zona de Mampatá, para confundir o IN e sofreu dois mortos e três feridos. Trouxe orelhas de vários IN, mortos durante o combate. É horrível, Senhor... dois mortos e três feridos e... orelhas de vários IN mortos. Alguns, foi a sangue frio, segundo dizem, depois de serem descobertos com ferimentos que os impediam de fugir. Tudo isto é guerra, enquanto uns estavam na rectaguarda feridos, outros, autênticas feras, procuravam IN, irmãos de raça, para os assassinarem (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIV: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (4): Aldeia Formosa, Agosto de 1968 (...) Aldeia Formosa, 28d e Julho de 1968: (...) Encontrei em Gandembel o Mário Pinto, meu colega de escola, contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à fronteira com a Guiné-Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à estrada da morte, impedindo o IN de fazer os abastecimentos (...).
6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXVII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (5): Mampatá, Agosto-Setembro de 1968 (...) Mampatá, 7 de Setembro de 1968: Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ? Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não (...).
11 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968 (...) Mampatá, 17 de Setembro de 1968: Dia de correio. Ainda cedo sentiu-se a avioneta de Sector em direcção a Aldeia Formosa. Aguardamos com ansiedade a viatura que partiu para lá....O Vitor escreveu-me. Por Bissorã nem tudo corre bem. Segundo ele, num pequeno incidente ficaram dois soldados inutilizados para toda a vida, ambos com uma perna amputada e um outro com a cara cheia de estilhaços. Além destes, uma nativa morta e outra sem uma perna. Tudo por rebentamento de minas A/P, montadas pelo IN. Numa saída em patrulha a malta vingou-se fazendo sete mortos e dois prisioneiros. O último a morrer foi o tipo que montou as minas e, pelo que ele conta, teve morte honrosa. Todos os africanos verificaram a eficiência das suas facas no seu corpo (...)
(...) Mampatá, 25 de Setembro de 1968: Como é belo sentir nas próprias mãos o pulsar de um coração novo que acaba de vir ao mundo. Um corpo pequenino, branco como a neve, puro como os anjos e no entanto, este corpo vai crescer, a pouco e pouco a natureza encarregar-se-á de o tornar negro como os seus progenitores, negro como os seus irmãos que hoje não cabiam em si de contentes. É puro como os anjos, a sua alma está imaculada, mas virá o tempo em que conhecerá o pecado, terá de escolher entre o bem e o mal (...).
Guiné 63/74 - CDLIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (7): Mampatá, Outubro-Dezembro de 1968(...) Mampatá, 29 de Outubro de 1968: (...) A família do sargenti di milícia Hamadu (1) estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos (...).
19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (8): Chamarra, Janeiro de 1969 (...) Mampatá, 5 de Janeiro de 1969: (...) Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada). A Maimuna tinha oito luas quando cheguei a Mampatá (...).
(...) Chamarra, 23 de Janeiro de 1969: (...) Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas, tiveram morte imediata e houve ainda dez Furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer (...).
24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate' (...) Buba, 20 de Fevereiro de 1968: Estou em Buba desde 7 de Fevereiro e as perspectivas não são muito boas. Gandembel foi abandonada e o IN entretinha-se por lá. Agora, talvez porque se está a construir uma estrada nova para ligar Buba a Aldeia Formosa, esta linda terra está a ser a preferida pelo IN para as suas brincadeiras.A estrada nova já causou um morto, o primeiro da minha Companhia quando eu ainda estava em Chamarra. O IN estava emboscado com dois fornilhos montados e, ao fazer rebentar a emboscada, provocou a explosão das armadilhas e um homem, o velho, foi pelos ares. Mais uma vida roubada (...).
30 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXVI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (10): Abril/Maio de 1969, 'Senhora, nem Tu me salvaste!" (...) Buba, 19 de Abril de 1969: (...) Um pequeno incidente de palavras entre um soldado da minha Companhia [CC 2381] e um Comando Africano, quando tomavam banho, originou uma luta entre Fuzileiros e Comandos com consequências graves. Parece estar tudo louco (...).
6 de Fevereio de 2006 > Guiné 63/74 - DII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (11): Desenfiado, em férias na Metrópole (Maio/Junho de 1969)(...) Bissau, 19 de Junho de 1969: Regressei a Bissau depois de um mês de férias na Metrópole onde pude participar no casamento do meu irmão Joaquim.A minha [licença] de férias foi cheia de aventura. O Comandante não assinou o Passaporte, pelo que não podia ir, apesar de ter a viagem comprada. Mandei um rádio para Bissau a anular a viagem e entretanto o Comandante foi para uma Operação.
(...) Entretanto aparecem dois bombardeiros no ar e o lugar do atirador vago. Ao pressentir que iam aterrar, fardei-me, peguei na mala e dirigi-me à pista com intenções de pedir ao Comandante da Esquadrilha para me levar, só que vejo sair do outro Bombardeiro nada menos que o meu Comandante que regressava da Operação (...).
8 de Fevereiro de 2006 >A Guiné 63/74 - DV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (12): A morte do Cantiflas (Julho de 1969)(...) Buba, 18 de Julho de 1969: (...) Para morrer basta estar vivo, não interessa o local ou meio. De paz ou de guerra. A morte aparece em qualquer sítio e a qualquer hora. O Cantinflas estava na guerra.. Caíu debaixo de fogo várias vezes, sofreu os efeitos de uma guerra traiçoeira, sem o mais pequeno ferimento, mas a morte espreitava-o impiedosamente e há dias, através de um choque eléctrico, veio ter com ele (...).
9 de Fevereirod e 2006 > Guiné 63/74 - DVIII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (13): Vi a morte à minha frente (31 de Julho de 1969)Buba, 31 de Julho de 1969: Vi a morte à minha frente. Saí de manhã até à Bolanha de Beafada, a montar segurança à coluna que ia para Aldeia Formosa. Tinha como missão assistir os Picadores que iam à frente a tentar detectar as possíveis minas que o IN costuma colocar. Coloquei a bolsa na 1ª viatura e segui à frente da mesma.Como havia muitas poças de água, instalei-me ao lado do condutor. Em determinado momento tive um pressentimento e saltei da viatura seguindo à sua frente. Não andei 50 metros e senti um rebentamento, fui projectado pela deslocação do ar e senti algo a cair em cima de mim, deduzindo que eram estilhaços. Pensei:- Desta não escapo (...).
11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (14): De que lado estaria Deus ? (Agosto de 1969)(...) Buba, 7 de Agosto de 1969: As colunas de abastecimento a Aldeia Formosa e povoações limítrofes continuam a dar que falar. Ontem, seguiu mais uma e, ao chegar ao Pontão de Uane, uma mina anticarro rebentou debaixo da 14ª viatura, projectando os seus ocupantes a grande altura, pois a viatura seguia sem carga. Três mortes instantâneas, todas de africanos e nove feridos graves, entre os quais dois colegas meus. Foi este o resultado (...).
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (15): um dia negro para a 15ª Companhia de Comandos (Setembro de 1969)(...) Empada, 9 de Setembro de 1969: Na estrada de Fulacunda, mais 8 Comandos e 3 soldados ficaram sem vida. Houve ainda sete feridos graves, entre os quais o meu amigo Zé João, enfermeiro comando. Uma mina anti-carro de grande potência atirou com a viatura cheia de militares, que estiveram comigo em Buba (15ª Companhia de Comandos) contra um tronco de árvore que se debruçava sobre a estrada, matando uma série deles instantaneamente. No buraco feito pela bomba pode-se esconder uma viatura, tal era a sua potência... (...)
8 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXVII: Dia Internacional da Mulher (5): 'Fermero, ká na tem patacão pra paga, fica ku minha mudjer' (Zé Teixeira) .XVI Parte de O Meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (16)
9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (17): Este gajo estava mesmo apanhado (...) Empada, 16 de Outubro de 1969: Do pelotão que está em Buba chegam novidades. Há dias houve por lá um terrível ataque com tentativa de assalto. Atacaram do sítio habitual do lado do rio com 10 Canhões s/r (...) Segundo dizem os meus colegas eram mais de duzentos, a avançarem em arco para que se as nossas forças saíssem a envolverem. Felizmente estava emboscado um Pelotão que os detectou. Parece que foi um tremendo fogachal, enquanto os Fuzas perseguiam os que atacaram do lado do rio que pretendiam reforçar as forças de assalto (...).
12 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (18): Empada, Novembro/Dezembro de 1969 )...) Empada, 20 de Novembro de 1969: O Kebá aparecia todos os dias na Enfermaria. É o nosso ajudante no tratamentos da população. Trata as pequenas feridas. Elas já sabem:- Kebá põe mercuro ! - e ele põe.- Kebá, parte quinino! - e ele vai buscar LM. Vão-se embora todos contentes. Ao Almoço lá lhe trazemos uma cantina cheia de comida. É a nossa paga. Há dias deixou de aparecer. Estranho, mas como tem duas mulheres e vários filhos no mato, admiti que tivesse ido embora.Ontem vi-o a carregar barricas de água, da fonte para o jardim do chefe de posto. Perguntei-lhe porque deixou de aparecer e fiquei horrorizado. Estava preso por não pagar o Imposto de Pé Descalço.Vim para o Quartel e a minha revolta fez-me agir. Um quarto de hora depois estava a casa do Chefe de Posto cercada por militares armados de G3 a exigirem a libertação do Kebá (...).
(2) Vd. post de 11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCIII: Notícias do Zé Teixeira: da Ponderosa (CCAÇ 616) a Gandembel (CCAÇ 2317) (José Teixeira)
(...) "A Ana Ferreira diz que o pai esteve na tabanca Ponderosa, cujo nome nome verdadeiron não conhece. Pois bem, trata-se da Tabanca de UALADA.
"Houve uma Companhia que em memória da célebre série da TV Bonanza fez um pórtico com o nome RANCHO DA PONDEROSA e este vingou, ficando a ser conhecida por todo o branco como Ponderosa.
"Em 1969 a Tabanca estava deserta. Tinha sido abandonada e a população recolhida em Empada. Como tinha um bolanha muito produtiva, a população ia todos os dias para lá trabalhar nos campos de arroz e a minha Companhia fazia deslocar 2 Secções para o local, no sentido de proteger a população. Algumas das fotos que te enviei (Em cima de um bagabaga) foi tirada lá. Vou ver se consigo um foto que já vi, com o pórtico do Rancho da Ponderosa" (...).
(3) Vd. post de post de 26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1214: Tão longe e tão perto, camaradas de Empada, Gandembel, Guileje, Buba, Mejo, Cacine, Tite, Guidaje ... (Zé Teixeira)
(4) Vd. post de 2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1239: Recordando o meu pai: era o silêncio o que mais custava ouvir-lhe (Ana Ferreira)
(5) Vd. post de 26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCI: Onde ficava Sare Tuto ? (Afonso M.F. Sousa)
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