Continuação da publicação das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72). Texto enviado em 20 de Novembro de 2006. Há dias (30 de Novembro de 2006) ele comunicou-nos que a sua esposa ia levá-lo, de manhã, de carro, a Porto Marin, perto de Pontevreda, para depois fazer, a pé, o resto do caminho de Santiago. E que esperava dentro de quatro a cinco dias chegar a Santiago. Tinha feito uma tentativa anterior, em Agosto passado, gorada por falta de tempo.
Desta vez, ele pode queixar-se da mochila que vai "um pouco mais pesada, devido à roupa da época"... Mas esperemos que as mazelas contraídas no Saltinho (no episódio que ele relata neste post) não o deixem ficar mal, nem perante o Santo - que era mui fero e guerreiro, como o Paulo - nem perante os seus camaradas da Guiné que muito o estimam e admiram... Muito provavelmente ele hoje já está em Santiago de Compostela e seguramente que lá, no famoso santuário cristão, também pensou em nós, nos seus amigos e camaradas da Guiné, e até é capaz de ter rezado por nós, santos e pecadores...
Em sua homenagem (dele, Paulo, peregrino, caminheiro, ex-comandante de um pelotão de caçadores nativosniurra incarnação), deixo-vos aqui algumas fotos do caminho de Santiago que eu fiz, no verão passado, comodamente, como turista... Devo dizer-vos que não é (nem pode ser) um santo da minha devoção, sendo eu meio-cristão e meio-mouro... Sempre o achei, de resto, muito guerreiro, para o gosto de paisano... De qualquer modo, apesar da massificação do turismo, Santiago de Compostela ainda é um lugar desta jangada de pedra onde há sortilégio, magia e espiritualidade, onde o profano e o sagrado se casam bem... Se lá forem, passam pelo Gato Negro e bebam uma malga de vinho do Ribeiro por mim, por todos nós, pobres de Cristo, que palmilhámos as terras da Guiné e trouxemos de lá uma sede tamanha que só a água de Lisboa podia matar... Em Santiago de Compostela não se morria nem morre de seda: é, de facto, uma das cidades não só da nossa querida Galiza como de toda a Espanha, com mais bares de tapas, bodegas, tabernas e chiringuitos por metro quadrado... Ou não tivesse o santo também olho para o negócio... (LG)
Fotos: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.
Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1971 > O comandante do Pel Caç Nat 53 (1970/72), Paulo Santiago, tomando o seu banho à fula no Rio Corubal.
Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
Em 6 de Janeiro de 1971, fiz vinte e três anos de idade e um ano de tropa. Tinha entrado para o calhau em Mafra, precisamente no dia em que fiz vinte e dois anos, foi o pior aniversário da minha vida, completamente perdido naquele labirinto de escadas e corredores.
Este 6 de Janeiro no Saltinho foi bem bebido, muito whisky a acompanhar umas rodelas de tomate com sal.
Em 21 de Janeiro, aí pelas 21.00 horas, entra um militar da CCAÇ 2701 pelo bar de Sargentos e Oficiais e informa, meio esbaforidamente, que um dos sentinelas está a avistar uma pequena luz numa curva do Corubal, situada aí a uns 500 metros na margem oposta à do quartel.
Saímos todos a correr em direcção ao posto de sentinela, verificando, haver de facto uma pequena luz a mover-se no local indicado. Acrescento que a zona em causa daria uma boa base de fogos para uma flagelação ao Saltinho, com uma posterior retirada pelo rio. O abrigo do [Pel Caç Nat] 53 ficava ali ao lado, e foi onde me dirigi, agarrando no morteiro 60 e duas granadas.
Procuro um local, com visibilidade para a curva do rio, instalo o morteiro, joelho direito em terra, mão direita no tubo, calculo a inclinação e aí vai granada. Tudo foi feito com rapidez., esquecendo-me que a zona do Saltinho ,contrariamente à maior parte da Guiné, era rochosa, o que resultou em azar. Não vi, estava escuro, o prato da arma ficou assente num afloramento de rocha. À saída da granada o prato desliza na pedra, atingindo-me a perna direita acima do joelho. A pancada foi tão forte que caí para o lado, cheio de dores, pensei logo ter ossos partidos.
O Cap Clemente e o Alf Julião que estavam ao meu lado, agarram-me ao colo e trazem-me para o Posto médico, onde me deitam na marquesa. Felizmente o osso ficou à vista, mas não estava partido. Havia que coser a perna, trabalho para o Fur Mil Enf Freire.
Como não havia anestesia, estavam quatro matulões a imobilizar-me e eu a sentir a agulha a coser-me, a repuxar músculos e peles. Hoje suporto a dor com alguma rusticidade, deverão ser
ainda resquícios do que passei naquela noite. Levei exteriormente quinze pontos e fiquei
inoperacional um mês e poucos dias.
No dia seguinte, deveria ficar de cama, não consegui e rebentei de imediato com um dos pontos. Agarrado a uma pseudo-bengala lá vim beber uns copos para o bar. Foi um mês de grandes exageros (ainda mais) com as bebidas. O maior problema passou a ser o banho, não podia mergulhar no rio, então protegia o penso com um plástico, sentava-me à beira da rio e, com uma bacia, ia virando água por cima da cabeça, um banho à fula.
Chegamos ao Carnaval e resolvem fazer um baile na escola que ficava junto do quartel ,ficando eu a beber uns copos no bar . Por volta das vinte horas, ouço várias saídas de arma que não sei determinar. Venho agarrado à bengala dar uma espreitadela à parada, vejo o rasto de vários foguetões (?) dirigindo-se na direcção de Aldeia Formosa, ouço o estrondo dos rebentamentos, repetindo-se de imediato a mesma cena, várias saídas, o rasto dos foguetes e respectivos rebentamentos.
Chega entretanto o pessoal que andava no baile, ficando também a assistir aquela chuva de foguetes e a ouvir os rebentamentos. Aparece o Fur Rui das Transmissões, informando que o quartel de Aldeia Formosa acaba de perguntar se estávamos a ser atacados, e quais as armas utilizadas no ataque.
Chegou-se à conclusão que as granadas estavam a cair em zona entre Saltinho e Quebo
e a arma era desconhecida. Passados alguns dias veio informação do Com-Chefe: naquele ataque falhado a Aldeia Formosa, o IN tinha utilizado pela primeira vez Foguetes Katiusha, também conhecidos por Órgãos de Estaline.
Este 6 de Janeiro no Saltinho foi bem bebido, muito whisky a acompanhar umas rodelas de tomate com sal.
Em 21 de Janeiro, aí pelas 21.00 horas, entra um militar da CCAÇ 2701 pelo bar de Sargentos e Oficiais e informa, meio esbaforidamente, que um dos sentinelas está a avistar uma pequena luz numa curva do Corubal, situada aí a uns 500 metros na margem oposta à do quartel.
Saímos todos a correr em direcção ao posto de sentinela, verificando, haver de facto uma pequena luz a mover-se no local indicado. Acrescento que a zona em causa daria uma boa base de fogos para uma flagelação ao Saltinho, com uma posterior retirada pelo rio. O abrigo do [Pel Caç Nat] 53 ficava ali ao lado, e foi onde me dirigi, agarrando no morteiro 60 e duas granadas.
Procuro um local, com visibilidade para a curva do rio, instalo o morteiro, joelho direito em terra, mão direita no tubo, calculo a inclinação e aí vai granada. Tudo foi feito com rapidez., esquecendo-me que a zona do Saltinho ,contrariamente à maior parte da Guiné, era rochosa, o que resultou em azar. Não vi, estava escuro, o prato da arma ficou assente num afloramento de rocha. À saída da granada o prato desliza na pedra, atingindo-me a perna direita acima do joelho. A pancada foi tão forte que caí para o lado, cheio de dores, pensei logo ter ossos partidos.
O Cap Clemente e o Alf Julião que estavam ao meu lado, agarram-me ao colo e trazem-me para o Posto médico, onde me deitam na marquesa. Felizmente o osso ficou à vista, mas não estava partido. Havia que coser a perna, trabalho para o Fur Mil Enf Freire.
Como não havia anestesia, estavam quatro matulões a imobilizar-me e eu a sentir a agulha a coser-me, a repuxar músculos e peles. Hoje suporto a dor com alguma rusticidade, deverão ser
ainda resquícios do que passei naquela noite. Levei exteriormente quinze pontos e fiquei
inoperacional um mês e poucos dias.
No dia seguinte, deveria ficar de cama, não consegui e rebentei de imediato com um dos pontos. Agarrado a uma pseudo-bengala lá vim beber uns copos para o bar. Foi um mês de grandes exageros (ainda mais) com as bebidas. O maior problema passou a ser o banho, não podia mergulhar no rio, então protegia o penso com um plástico, sentava-me à beira da rio e, com uma bacia, ia virando água por cima da cabeça, um banho à fula.
Chegamos ao Carnaval e resolvem fazer um baile na escola que ficava junto do quartel ,ficando eu a beber uns copos no bar . Por volta das vinte horas, ouço várias saídas de arma que não sei determinar. Venho agarrado à bengala dar uma espreitadela à parada, vejo o rasto de vários foguetões (?) dirigindo-se na direcção de Aldeia Formosa, ouço o estrondo dos rebentamentos, repetindo-se de imediato a mesma cena, várias saídas, o rasto dos foguetes e respectivos rebentamentos.
Chega entretanto o pessoal que andava no baile, ficando também a assistir aquela chuva de foguetes e a ouvir os rebentamentos. Aparece o Fur Rui das Transmissões, informando que o quartel de Aldeia Formosa acaba de perguntar se estávamos a ser atacados, e quais as armas utilizadas no ataque.
Chegou-se à conclusão que as granadas estavam a cair em zona entre Saltinho e Quebo
e a arma era desconhecida. Passados alguns dias veio informação do Com-Chefe: naquele ataque falhado a Aldeia Formosa, o IN tinha utilizado pela primeira vez Foguetes Katiusha, também conhecidos por Órgãos de Estaline.
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Nota de L.G.
(1) Vd. post de 13 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1275: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (4): tropa-macaca, com três cruzes de guerra
(1) Vd. post de 13 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1275: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (4): tropa-macaca, com três cruzes de guerra