sexta-feira, 10 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25504: Notas de leitura (1690): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 a 1853) (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Até ao momento o Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde não nos trouxe nada de retumbante ou, pelo menos, de inédito, sobre a Costa da Guiné, Possessões da Guiné ou Estabelecimentos de Cacheu e Bissau; é um Boletim Oficial que hoje seria inadmissível, tem noticiário jornalístico, folhetins românticos, artigos de cultura geral, tudo à mistura com receitas alfandegárias, nomeações no arquipélago, o papel dos padres, nomeações e aposentações. Já estamos em 1853, vivemos numa atmosfera de Regeneração, o Duque de Saldanha já expulsou do Governo Costa Cabral, entrou em funções Fontes Pereira de Melo; aqui se fala da criação do Governador da Guiné (dependente do Governo Geral de Cabo Verde), este Governador-Geral visitou a Costa da Guiné e parece que veio de lá muito satisfeito, temos informações sobre escravos que não podem ir de Farim para Cabo Verde, há um pedido de isenção de direitos da Casa Nozolini Júnior & C.ª; um aspeto que não deixa também de chamar à atenção é o pedido (certamente formulado pelo Rei D. Fernando II) de exemplares zoológicos, mineralógicos e botânicos da Guiné para serem incorporados nos Museus do Reino. E vamos continuar a pesquisar.

Um abraço do
Mário


Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 a 1853) (2)


Mário Beja Santos

Dando continuidade à leitura do Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, procurou-se informações sobre a Costa da Guiné ou os Estabelecimentos de Cacheu e Bissau nos anos 1852 e 1853. Reina em Portugal Dona Maria II por Graça de Deus, Rainha de Portugal e dos Algarves, Daquém e Além-mar em África, Senhora da Guiné, e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Pérsia, Arábia, e da Índia, etc. Não é demais salientar que as notícias alusivas ao que chamamos Guiné são residuais, avultam as receitas alfandegárias, é um Boletim Oficial que insere folhetins amorosos, a viagem de Dona Maria II e família ao Minho, calorosamente recebidos e poupados por um incêndio devastador, há artigos de erudição sobre a temperança, o que se cultiva na Sibéria, o valor das florestas, ficamos inclusivamente a saber que a Rainha Vitória foi agredida à porta da residência por um alferes que lhe deu uma paulada, a monarca escapou por um triz, graças ao chapéu. A leitura promete, folheia-se com paciência a ver quando a Guiné entra em cena.

Permito-me ir um pouco atrás, estamos a 18 de maio de 1850, ficamos a saber que a Rainha pretende incorporar nos museus do Reino alguns exemplares zoológicos, mineralógicos e botânicos que se possam encontrar nas Possessões da Guiné, bem como em Cabo Verde. E manda criar nas Praças de Bissau e Cacheu comissões que procedam a tal levantamento, no caso de Bissau a comissão era constituída pelo Governador, Carlos Maximiliano de Sousa, acompanhado por três vogais, o cirurgião António Joaquim Ferreira e Caetano José Nozolini e João Severiano Duarte Ferreira; quanto a Cacheu, a comissão era constituída pelo Governador, José Xavier Crato, e por três vogais, um deles Honório Pereira Barreto. Eram dadas instruções para a colheita, acondicionamento e transporte dos produtos e exemplares dos três reinos da natureza, tudo muito bem explicadinho, como se exemplifica: Os minerais podem ser em pó, ou em fragmentos, que facilmente se estorroam e desfazem, como certas argilas, alguns gessos, etc.; ou podem ser cristalizados, ou sem forma regular e duros, ou finalmente impressões, ou pedaços de impressão, a que vulgarmente se chamam petrificações de substâncias animais e vegetais.

Em 9 de novembro desse mesmo ano de 1850 vamos ter referências a escravos e à escravatura. João Bento Rodrigues Fernandes dirigira-se à Rainha pedindo para transportar para Cabo Verde novos escravos que herdara em Farim do seu falecido filho, alegava que o filho vivera cinco anos em Farim, e que ele estava habilitado para trazer os ditos escravos, de acordo com a lei; mas que tendo sido objeto tratado em Conselho de Governo, este fora de parecer que se bem que o suplicante herdasse os bens do seu filho não podia herdar a faculdade que este tinha como colono para gozar o benefício da lei. Era por esta razão que o governador-geral pedia instruções; a Augusta Senhora mandou que o assunto fosse tratado na Secretaria de Estado respetiva, e dava-se agora a informação que o dito João Bento Rodrigues Fernandes não gozava da faculdade de transportar quaisquer escravos de Guiné para o arquipélago, a lei não permite bem como o tratado celebrado com a Grã-Bretanha, pretende-se acautelar o tráfico ilícito de escravatura.

Assunto curioso que prendeu a atenção, um pedido endereçado pela empresa Nozolini Júnior & C.ª, pretende-se isenção de diretos sobre máquina que possam ser importadas na Praça de S. José de Bissau para uso na agricultura, caso de um moinho para descascar arroz que tem de ser construído na Bélgica; mas pedia-se outras isenções, caso da telha de barro portuguesa. O Governador determinou que até a monarca decidir o contrário que se podia importar estes materiais estrangeiros, e estabelecia-se mesmo que se pagariam direitos de acordo com uma determinada fórmula.

Estamos agora em dezembro de 1852, o Boletim Official publica o decreto em que cria o lugar de Governador da Guiné para dar maior regularidade ao serviço administrativo da Possessão, reprimir abusos, para que possa prontamente mandar os convenientes socorros a qualquer ponto que os precise ou repelir ataques dos povos vizinhos. O Governador da Guiné Portuguesa gozará de uma autoridade que se estenderá a todas as Possessões portuguesas da região, ficando sujeito ao Governador-Geral da Província de Cabo Verde; o Governador residirá habitualmente na Praça de Bissau, mas deverá visitar a Praça de Cacheu não menos de duas vezes no ano; na falta, ausência ou impedimento do Governador da Guiné tomará o Governo da Guiné o Governador da Praça de Cacheu. Ficamos a saber, também em dezembro de 1852, que o Governador-Geral de Cabo Verde regressou da Praça de S. José de Bissau. “Durante a sua estada, depois de ouvidos os principais negociantes dela, e o Comendador Honório Pereira Barreto, que o mesmo Ex.mo Sr. mandou ir de Cacheu, tomou várias medidas tendentes à segurança de Bissau, à proteção do comércio e à organização da alfândega, que se achava reduzida a um único empregado, e esse mesmo doente. Teve a satisfação de ver em grande estado de adiantamento o belo edifício destinado para quartel dos oficiais da guarnição, e recebeu propostas para a construção da casa da alfândega, de uma casa para ampliar o Hospital Militar da Praça, e do prolongamento ou conservação do cais ou ponte de madeira já ali existente, sem que a Fazenda Pública tenha de adiantar algum dinheiro, nem sofra gravame dos seus rendimentos. A reparação do Forte de S. Belchior, que domina a navegação do rio Geba, pelo qual se faz quase todo o comércio da praça, ficou também em grande estado de adiantamento, e sua Ex.ª ordenou que finda a subscrição feita para a mesma reparação, se continue a obra com dinheiro da Fazenda; assim como se proceda o quanto antes aos consertos de que careciam os Fortes do Pidjiquiti, a tabanca e a paliçada que defende a população. Para Cacheu autorizou S. Ex.ª a construção imediata de uma muralha de pedra e cal, que substitua a dispendiosa paliçada que unia dois dos redutos da Praça, a fim de que a Guarnição e os habitantes se possam considerar seguros. Aprovou a pronta construção das obras do Quartel Militar. O Sr. Governador-Geral veio extremamente penhorado da nobre dedicação que achou nos sobreditos negociantes, nos quais reconheceu o maior desejo de auxiliar o Governo da Província, na sua gostosa tarefa de levantar aquele Estabelecimento do estado de abatimento em que tem estado até agora.”

Encontramos no Boletim Oficial, com data de 24 de janeiro de 1853, o apelo a donativos para socorrer os necessitados habitantes da ilha da Madeira. E com data de 10 de fevereiro desse ano está criado o lugar de Governador da Guiné.

Vista antiga de Cacheu
Rainha Vitória com o marido, o Príncipe Alberto, e alguns filhos
Estátua de Honório Pereira Barreto na Bissau colonial
Imagem do século XIX de Vila da Praia
(continua)
_____________

Notas do editor:

Primeiro post de 3 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25474: Notas de leitura (1688): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 6 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25487: Notas de leitura (1689): Não há tesouro literário como este na Guiné-Bissau: uma criança, uma guerra, uma bicicleta (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25503: Parabéns a você (2270): Henrique Matos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

____________

Nota do editor

8 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25492: Parabéns a você (2269): Arsénio Puim, ex-Alf Graduado Capelão da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/71)

Guiné 61/74 - P25502: Tabanca Grande (556): o malae Rui Chamusco, cofundador e líder histórico da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste, passa a sentar-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 886

Lourinhã > Porto Dinheiro > Tabanca de Porto Dinheiro > Convívio anual > 18 de agosto de 2017 > O novo membro da Tabanca de Porto Dinheiro: natural de Malcata, Sabugal, vive parte do ano na Lourinhã, professor de Educação Musical no ensino oficial, reformado,  e de Português, Filosofia e Latim no ensino Particular. ativista da causa de Timor-Leste (lidera um projeto de construção de escolas nas montanhas de Timor Lorosae e apadrinhamento de crianças)... E a partir de agora, 10 de maio de 2024, novo membro da Tabanca Grande, nº 886.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Escreveu o nosso editor LG (*):

Rui, "I want you for the Portuguese Armed Forces"... Não cometeste nenhum crime (nem sequer um pequeno delito) mas estás "desterrado" (por uma boa causa...) em terra que outrora foi de "desterro e encarceramento" , Timor-Leste, a ponta mais extrema, no sudoeste asiático, do nosso ex-glorioso império... (Terra de desterro e encarceramento desde, pelo menos, o séc. XVIII, o nosso século barroco e extravagante, até à II Guerra Mundial.)...Àparte o "humor negro de caserna" (negro, sem conotação racista), decidi dar-te "honras de Tabanca Grande"... Passas a ser o nosso grão-tabanqueiro nº 886 (**).

Afinal, faltava cá um "lince" da serra da Malcata... e um "cônsul em Dili"... Morreu o império, viva Timor e as demais novas nações lusófonas, filhas também do 25 de Abril de 1974.

Já cá tens amigos: estou eu, o João (que é o "cônsul de Nova Iorque" e o régulo da Tabanca da Diáspora Lusófono), o Eduardo (que é agora, infelizmente a contragosto e tristeza de todos nós, o nosso "assessor junto de São Pedro", faz-nos muita falta cá em baixo)... Tens outros "lourinhanenses": o Pinto Carvalho, o Jaime Silva, o Carlos Silvério...

Contigo, encaminhamo-nos para os cerca de 900 "amigos e camaradas da Guiné"... que se sentam, os vivos e os mortos, à sombra de um mágico, secular, simbólico, fraterno poilão (a árvore sagrada da Guiné-Bissau, de presença obrigatória em qualquer tabanca).

Já sei, pelo teu "padrinho" João, que aceitas o meu convite... Não são "honras de Panteão" (bolas, felizmente estás vivo!, e para o Panteão, na pior das hipóteses, só daqui a duas décadas depois de comeres o teu primeiro, único e último cogumelo venenoso da serra da Malcata)...

Não é o Panteão, é ainda muito melhor: afinal, "o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!"...

Tu não nos lês, estás longe com Net limitada nas montanhas de Liquiçá, mas ficas a saber que tenho publicado excertos das tuas crónicas, de que sou fã (*) ...

E vou fazendo figas para que não venhas desta vez com as mãos a abanar...(isto é, resolvas de vez o momentoso e aflitivo problema da falta de professores na tua/ vossa escola de São Francisco de Assis.


(Lourinhã, Vimeiro, 1952- Torres Vedras, 2019).




Nova Iorque > 6 de outubro de 2019 > João Crisóstomo (1) e Vilma Kracun (Crisóstomo, por casamento) (2) recebem na sua casa em Queens a embaixadora de Timor nas Nações Unidas, Milena Pires (3) e o embaixador de Portugal nas Nações Unidas, Francisco Duarte Lopes (7), bem como o nosso amigo e agora membro da Tabanca Grande Rui Chamusco (5) e ainda Graça Dinis (4) e Rosa Henriques (6).

Foto (e legenda): Edgar João, página pessoal do Facebook (2019), com a devida vénia...[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Fundadores: Rui Chamusco,
Glória Sobral e Gaspar Sobral
2. Rui, contigo fica melhor composta a nossa Tabanca Grande... 

Aprendi, na escolinha do Conde de Ferreira da Lourinhã, que o meu Portugal ia do Minho (onde nunca tinha ido antes do 25 de Abril) a Timor (que eu não sabia nem era capaz de imaginar que ficava a 14 mil km de distância da minha casa...).

Ora, embora este blogue tenha um especial enfoque na Guiné-Bissau (e na partilha da experiência da guerra colonial / guerra do ultramar), nada nem ninguém nos impede de falar das outras terras do planeta onde houve e há presença de Portugal e dos Portugueses. E depois ainda sabemos pouco da história 
(mas também da geografia e da cultura) de Timor-Leste, hoje país independente, membro da CPLP.

Por outro lado, e como podes ver, temos publicitado a vossa (da ASTIL) conta solidária nos "teus" postes... Já te pedi o nº fiscal da ASTIL para, ainda até ao final de Junho, alguém de boa vontade e retardatário poder transferir os 0,5% do IRS para a ASTIL. (Mas, se bem me lembro, dado o estatuto da ASTIL, vocês não podiam, ou ainda não podem,  aproveitar esse benefício fiscal, o que é pena. )


 Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > 2018 > Escola de  São Francisco de Assis (ESFA), obra da ASTIL  e da comunidade local.
 
Foto (e legenda): © Rui Chamusco (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


No nosso blogue (que já fez 20 anos) procuramos ajudar algumas ONGD, com sede em Portugal,  que fazem trabalho sério e solidário na Guiné-Bissau, e prestam contas, como a Ajuda Amiga ou a Afectos Com Letras...

Tu, que sempre foste "paisano", há uns anos atrás, dizias-me que eras um "malae", um estrangeiro (em tétum), para mais branco e de cabelos brancos (não é o que te chamam os putos em Dili e em Liquiçá ? )

Querias dizer um "malae" em relação à tropa, à guerra, à Guiné... Mas isso é superável. E já tens mais de 3 dezenas de referências no nosso blogue. Afinal, pelo menos deste 2017 que colaboras connosco e fazias parte da Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã, quando o Eduardo Jorge Ferreira , estava vivo e era o régulo. E sempre gostaste de lá ir aos nossos convívios (***).

Foi aí que nasceu, da nossa comum amizade com o Eduardo Jorge e o João Crisóstomo, o nosso interesse por (e o  nosso apoio a) o trabalho que tu e a ASTIL estão a fazer "por mor das crianças timorenses mas também da língua que nos serve de traço de união".   

Pessoas como tu e a famila luso-timorense Sobral são um exemplotter para todos, portugueses. E, no teu caso,  com os teus 77 anos, fazes-me "inveja":  estás em Timor pela 5a. vez, desde 2018. São pelo menos 150 mil km feitos de avião, fora as horas, dias e semanas a calcorrear Timor , de carro, moto ou a pé, montanha acima, montanha abaixo...

Em suma, estás apresentado à Tabanca Grande, não digas mais que és um "malae", um estranho, um estrangeiro,  no blogue dos "amigos e camaradas da Guiné".

E aproveito para te desejar boas notícias e bom regresso, por estes dias, à "casinha lusitana".
__________

Observações: Malae, s. Estrangeiro, pessoa que não pertence à "raça" parda ou malaia; malae mutin, branco, europeu, português; malae sina, chinês; malae metan, africano, holandês; adj. estrangeiro, importado, que não é nativo; cf. timur.

Fonte: Adapt. de Mendes, Manuel Patrício,  e Laranjeira, Manuel Mendes (1935). Dicionário Tétum-Português. Macau: N.T. Fernandes & Filhos. (Para os interessados: há um dicionário de Português. Tétum e de  Tétum - Português, da Porto Editira, 2017, 416 pp.)

PS - O Rui nasceu em 2 de janeiro de 1947. E tem página no Facebook.

(...) Antes de mais quero agradecer-te o agradável encontro de tabanqueiros em Porto Dinheiro.

(...) Estar convosco foi um privilégio, que lembrarei para sempre. É a segunda vez que participo em encontros de camaradas de guerra colonial (por sinal o primeiro também perto daqui, no restaurante "O Pardal", com um batalhão que combateu em Moçambique), e desde então admiro e respeito, com conhecimento de causa, os valores de camaradagem que estes encontros transmitem. Obrigado por me terem incluído no vosso ambiente.

Como me foi pedido, deixo aqui o IBAN da conta aberta na CGD - agência do Sabugal - com destino à angariação de fundos para o Projeto de Solidariedade "Uma Escola em Timor Lorosa'e" e apadrinhamento de crianças em bairros pobres de Dili. (...)


Vd. também postes de: 


(****) Vd. postes de 


Guiné 61/74 - P25501: Facebook..ando (54): as lindas e gentis mulheres Tandas, de Imberém, Cantanhez: foto da semana de 20 de junho de 2011, da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento

 

Guiné-Bissau > Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 20 de junho de 2011> 


"Um grupo de 'caltambas' acompanha as mulheres Tandas na sua colheita de arroz, manifestando a sua alegria pela boa produção obtida e dando coragem para que o trabalho se faça com sucesso. 

"O 'caltamba'representa a força da natureza que promove uma boa lavoura e produção, fazendo com que chova bem, haja paz e que as doenças sejam afastadas. As suas danças e especialmente as vestes baseadas na utilização de produtos da floresta como casca de árvores e folhas, são muito bonitas".

(https://www.facebook.com/adbissau)


Foto (e legenda): © AD - Acção para o Desenvolvimento (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém >  Visita ao Cantanhez dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de março de 2008) > 2 de Março de 2008 >

O Zé Teixeira, no tchon nalu, em pleno Cantanhez, no meio de duas mulheres da população local, e etnia tanda. Belíssimas, gentis e vistosas ("todas bem  produzidas", diria o nortenho do Zé Teixeira), de porte altivo e de grande dignidade. (Na carta de Cacine, a toponomia é Jemberem, a norte de Madina de Cantanhez... Hoje todo o mundo diz e escreve Iemberém. De resto, um dos afluentes do Rio Cacine é o Rio Iemberem... Será que terá havido um erro dos nossos cartógrafos ou uma gralha tipográfica ?...Não, o mesmo topónimo, mas o povo é que fa< a língua... Iemberém foi o local onde a comitiva do Simpósio Internacional de Guileje pernoitou dois dias... Fica em plemo coração do Parque Nacional do Cantanhez.)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Quem os Tandas, de Iemberém ?

É um minoria que habita o Cantanhez, "chão nalu", a que se juntaram outros povos (fulas, balantas, sossos, etc.)-

Escreveu o Pepito em 2008 (**):

(...) "Relatos orais dão os Tandas como originários de Kindou, na região de Tambacunda, Senegal oriental, de onde se terão deslocado inicialmente para Badjar, região de Koundura, atual Guiné-Conacri, à procura de bons solos para a prática da agricultura. 

"Mais tarde foram para Kakalidi, zona de Boké, onde começaram a negociar com os Nalús a concessão de terras, tendo-lhes sido atribuído uma área onde fundaram a sua primeira tabanca na Guiné-Conacri: Madina.

"Na atual Guiné-Bissau, Cassimo Camará criou a primeira tabanca que foi designada de Lamoi, na área de Quitafine. Seguiu-se Cambraz, fundada por Danim Marena, igualmente em Quitafine. Já em Cubucaré, Adulai Cumpon criou Bomani, a que se seguiu Madina, na área de Guileje, por Umarú Nangacum. Caboxanque Tanda, em Quitafine é fundada por Umarú Galissa.

"Acabam finalmente por chegar a Iemberém, em 1930, através de um grupo de seis pessoas, constituído por Umarú Camará, Pedjedibi Camará (pai de Umarú), Issufo Galissa, Mutaro Galissa, Mamadú Nhabali e Alfa Galisssa. 

"Por último, Umarú Galissa funda a tabanca de Cambeque, na linda mata com o mesmo nome.

"De todas estas tabancas apenas existem atualmente quatro: três em Cubucaré (Iemberém, Cambeque e Cambraz) e uma em Quitafine (Caboxanque Tanda).

"No seu seio os Tandas têm seis sub-grupos: Aiendja, Aban, Abangar, Assóssó, Aiés, Abucul e Adjar." (**)

A  "foto da semana" de "20 de junho de 2011" já a conhecímos, do poste P10108 (***). Afinal, a página do Facebook da  ONG AD continua "on line" e já tinha sido criada no tempo do Pepito.  Em 12 de julho de 2012, escrevia-nos o seguinte:


(...) Há oito anos atrás, a AD inaugurava a sua presença na Internet, através do seu site institucional. Temos procurado, aos poucos, fazer mais e melhor e, recentemente, atingimos dois objectivos há muito desejados: por um lado, conseguimos que o site já seja integralmente dinamizado e alimentado por quadros guineenses da AD; por outro, começámos a apostar nas redes sociais (Facebook) e explorado como podemos usar estas plataformas para dar voz aos nossos parceiros e colaboradores. " (...).

Sobre a legenda da foto da semana, acresecente-se que as palavra "caltamba"  e "tanda" não estão grafadas nos nossos dicionários, pelo menos no que está mais à mão, o Priberam. O que é lamentável, sendo o português língua oificial da Guiné-Bissau. Os semhores lexicógrafos da Porto Editora deviam visitar mais vezes o nosso blogue...

---------------------

Notas do editor:

(*) Último poste da série >7 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25351: Facebook...ando (53): Joaquim Garrett procura camaradas que andaram com ele na EINAT n.º 2052 (1968/70)

(**) Vd. poste de 18 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3070: Antropologia (6): O povoamento humano da zona do Cantanhez: apontamentos (Carlos Schwarz, Pepito)

(***) Vd. poste de 3 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10108: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (24): questionário de opinião sobre o seu sítio na Net (que tem 8 anos) e sobre a sua página no Facebook (que tem 2 anos)

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25500: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (42): Os meus pedidos aos soldados do meu 4.º Grupo de Combate



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


OS MEUS PEDIDOS AOS SOLDADOS DO MEU 4.º GRUPO DE COMBATE

A CCAV 2721 chegou à Guiné no dia 11 de Abril de 1970 e chegou ao Olossato em 13 do mesmo mês.

Em 31 de Maio, durante a "Operação JAGUAR VERMELHO" sofreu as baixas do capitão Moura Borges, comandante da Companhia e do alferes Silva, comandante do nosso 4.º grupo de combate.

Na falta do alferes, passei a comandar o meu 4.º Grupo de Combate, por ser o furriel mais antigo do grupo e da Companhia.

Nessa altura falei com o Grupo de Combate sobre a nova situação e para levarmos mais munições para morteiro 60, bazuca, HK-21, etc.

Esse acréscimo seria distribuído por todos, eu incluído, porque preferia irmos e virmos carregados do que precisar de munições e não as ter. O pessoal concordou e excluiu-me da sobrecarga para me poder deslocar mais facilmente por todo o Grupo de Combate.

Pedi-lhes também concentração e responsabilidade porque no fim da comissão queria que viéssemos os mesmos 28 elementos do grupo que levei do Regimento de Cavalaria 4, de Santa Margarida.

Também lhes pedi que não abusassem do álcool, porque os efeitos eram mais gravosos do que na metrópole.

Além disso, deviam ter especial atenção ao álcool nos dias de segurança ao quartel e nos dias de saída para o mato. Nestes dias deviam reduzir o consumo do álcool.

Se alguma vez, tivessem algo a festejar deviam guardar para o dia de trabalhos ao quartel, mas preferencialmente não abusarem da bebida.

E FELIZMENTE VIEMOS OS MESMOS 28 MILITARES QUE TINHAM SAÍDO DE SANTA MARGARIDA.

(continua)

_____________

Nota do editor

Post anterior de 2 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25470: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (41): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: População recuperada ao PAIGC

Guiné 61/74 - P25499: S(C)em Comentários (36): Os 50 anos do 25 de Abril foram bem celebrados neste canto do mundo, Timor-Leste , onde quase ninguém fala o português, mas que tem um grande carinho e afeição com os portugueses, com Portugal (Rui Chamuco)


1. Destaque da última crónica de Rui Chamusco (*):

(...)  Embora muito longe de Portugal, a celebração dos 50 anos da Revolução de Abril não me é indiferente.  Até por que em 1974 tinha eu 27 anos, com vivências e episódios em que o anterior regime deixou marcas inesquecíveis.

 (...) Apraz-me registar que também aqui, em Timor-Leste, em Dili, os 50 anos são bem celebrados. Primeiro através da visita do Presidente Ramos Horta a Portugal para participar nas celebrações. Depois com um programa de atividades que se estende desde o dia 13 de abril a 4 de maio, e que tem como lema “Democracia e Liberdade pautam as comemorações do 25 de Abril".

(...) Os 50 anos são bem celebrados neste canto do mundo, onde quase ninguém fala o português, mas que tem um grande carinho e afeição com os portugueses, com Portugal.

(...) Mas o que me emocionou até verter algumas lágrimas, foi ver como noutras paragens, por exemplo na Galiza, em Paris, em Timor-Leste e muitas mais, tanta gente cantava, com alma e coração, as canções de antes e depois, como que a agradecer a revolução dos cravos. 

E ouvir cantar “Grândola, Vila Morena” por tantas vozes empolgadas pelo entusiasmo e a emoção, deixa-nos extasiados, sem palavras, com os olhos embaciados de lágrimas. Quem viveu o antes e o depois de Abril, não pode ficar indiferente à forma como o 50º aniversário foi vivido. (...) (**)

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25498: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5.ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte V

(**) Último poste da série > 3 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25475: S(C)em Comentários (35): "Barrigas de meia", no gíria do PAIGC (Cherno Baldé, Bissau)

Guiné 61/74 - P25498: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5.ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte V


Timor > Dili > Projeto CAFE (Centros de Aprendizagem e Formação Escolar) > "No passado dia 25 de fevereiro chegaram a Timor-Leste 36 docentes portugueses que irão desempenhar funções pela primeira vez no Projeto CAFE, juntando-se aos 107 docentes que renovaram, no início de 2024, os contratos de cooperação anteriormente celebrados. Foram recebidos pela Coordenação Geral tendo ocorrido posteriormente uma receção na Embaixada de Portugal em Díli (...).

"Este Projeto o qual constitui para o Estado Português e para o Ministério da Educação, o projeto de maior envergadura por si coordenado e cofinanciado no quadro dos acordos de cooperação bilateral na área da educação, mediante o qual se promove a educação e o ensino em Língua Portuguesa em 13 municípios daquele país, envolvendo no presente ano alunos cerca de 11 000 alunos, 150 docentes portugueses e mais de 300 docentes timorenses.

"O Projeto CAFE tem como principais vertentes desenvolver e consolidar o ensino em língua portuguesa naquele território, a nível do ensino não superior, reforçar a formação de docentes timorenses e promover a maior qualificação do sistema educativo timorense, respondendo a três necessidades concretas: (i)  formação complementar a jovens recém-qualificados;: (ii) ensino público de qualidade; (iii) Ações de formação e capacitação."

Fonte: Adapt de Direção - Geral de Administração Escolar > Notícias > 1 de março de 2024 (com a devida vénia...)


1. O Rui Chamusco  de regressar de Timor ao fim de 3 meses de estadia... É a sua quinta visita Chamas-lhe o Som Quixote da lusofonia e o seu 'mano' Eustáquio (da família Sobra, onde ele fca, em Dili), o Sancho Pança: resistiu e lutou nas montanhas contra a ocupação indonésia.  

Depois de terem construído, em 2017,  a Escola São Francisco de Assis (ESFA) ,  na montanha de Liquiçá, ele e a Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste, querem agora o  assegurar a colocação de professores, com formação específica. (*)

Nesta 5ª crónica volta a dar-nos exemplos das  partuclaridades da(s) cultura(s) timorense(s) mas também das dificuldads que se depararam ao ensino da língua portuguesa, que é língua oficial, falada por poucos, a par do tétum.


O Rui Chamusco é um beirão admirável, generoso, solidário, amigo do seu amigo,  "lince" nascido na serra da Malcata, no concelho de Sabugal (terra de desterro na Idade Média, tal como Timor o foi do séc. XVIII até à II Guerra Mundial, "terra abençoada por Deus", diziam os nossos colonialistas republicanos, mas duramente castigada pelo Diabo em figura de gente, primeiro os japoneses, depois os indonésios e as milícias pró-indonésias, até à sua independência, já no início deste milénio). 

É professor de educação musical reformado, do Agrupamento de Escolas de Ribamar, Lourinhã;  é cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste. Será, dentro de dias,  um novo membro da Tabanca Grande (pelo que ele tem feito por Timor-Leste e pela lusofonia).  Tem 77 anos, mora na Lourinhã.  Era grande amigo do nosso tabanqueiro Eduardo Jorge Ferreira (de resto, colegas, professores) e agora meu e do João Crisóstomo (o nosso "cônsul em Nova Iorque").


De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte V



Rui Chamusco e o seu amigo e 'mano'
Gaspar Sobral. Em Dili, fica hospedado casa do Eustáquio,
irmão do Gaspar. Foto: LG (2017)
Quinta crónica, enviada de Timor Leste, em 1 de maio último, às 1:14, pelo Rui Chamusco, na sua 5ª estadia (fev/maio 2024).


 
16.04.2024, quinta feira - E vivam os mortos!...

Há culturas assim. Viver é morrer; morrer é viver, dependendo daquilo em que se acredita. Também em Timor isso acontece.

Hoje foi o funeral de um vizinho.   A meio da tarde ouve-se grande agitação aqui nas redondezas                                                                                                                       e até o pátio dos “Sobrais” está cheio de pessoas que procuram entrar ou subir para as "microletes" (**) e as "carehs" a fim de acompanharem o féretro ao cemitério de Becora. 

Mas quando já tudo parecia tranquilo, com as cerimónias terminadas, eis que se ouve uma grande algazarra de vozes, músicas e outros sons, dando a entender que a “festa” ainda não tinha acabado. Fui ver e confirmar com o Eustáquio que assim era.

Faz parte do funeral. As pessoas voltam ao local donde partiram e continuam a celebrar a morte através da refeição e do convívio. Tudo muito naturalmente, sem grande estresse, porque todos ajudam. Isto é que é viver! Morremos nós, mas vivem os outros. A morte e a vida de braço dado.

E assim a vida continua...

17.04.2024, quarta feira - De encontro em encontro

Aquilo que já nem esperávamos aconteceu. A meio da tarde, o meu telemóvel chama, e vejo que é da Coordenação CAFE (***). Apreensivo atendo, mas fico estupefacto quando do outro lado da linha ouço alguém a dizer:

 É o professor Rui Chamusco? Daqui fala o senhor Roger Soares e é para saber se esta tarde pode vir à Coordenação CAFE, porque estou disponível.

 Ok!”respondi eu. Estamos de saída para aí.

E lá vou eu mais o Eustáquio para este encontro, na esperança de que nos ajudem a encontrar uma solução para a colocação de professores na ESFA. E, de um momento para o outro, conseguimos a audiência pretendida.

Para aquilo que nos tinham dito da nova coordenação, confesso que fiquei muito sensibilizado e surpreendido pela atitude dos coordenadores, a saber o dr. Roger Soares e a Dra. Lina Vicente (já conhecida de anos anteriores).

Ambos se mostraram muito recetivos às nossas informações e propostas, penso até que é por aqui que passará uma decisão favorável. Até nos prometeram uma visita à ESFA, ainda que por compromissos já assumidos não possam participar na celebração do 6º aniversário. Vamos a ver! Temos batido a tantas portas que alguma se há-de abrir. Nem que seja para severem livres de nós... “O pedinte tantas vezes bate à porta que o patrão, talvez já chateado com tantos batimentos, se levanta e vem dar-lhe a esmola.”

19.04.2024, sexta feira  - Hospital Guido Valadares

Hoje passámos toda amanhã no hospital, para acompanharmos a Nanda (Fernanda) que é (será a mulher do Zinon e, por conseguinte, a nora do Eustáquio), que foi a uma consulta de endocrinologia devido a um nódulo a tiroide. Este hospital de Dili está sempre cheio de gente. É um hospital público e por isso ninguém paga nada. Também por isso é muito procurado.

Não admira, portanto, o tempo que se tem de esperar para ser atendido. Não há marcação de consultas, e a chamada é por ordem de chegada. Mesmo assim, tudo numa boa nesta sala (?) de espera. Há que esperar até que chamem pelo nome. Até houve momentos de humor que os próprios doentes tentavam criar para aliviar o ambiente. E, para que isso acontecesse, oEustáquio muito contribuiu, conversando com as pessoas que já lá estavam ou as que iam chegando. 

Uma das pessoas que esperava pela consulta tinha a bengala que utilizam os deficientes visuais, e viu-se logo pelo seu comportamento que realmente não via nada. Foi então que o Eustáquio se abeirou dele e da sua esposa para se dar a conhecer. Mas afinal eles já se conheciam e até habitam perto um do outro. 

Quiseram saber da vida de um do outro e, claro está, com perguntas cujas respostas não eram nada agradáveis. Por exemplo quando perguntaram ao Eustáquio pela Aurora (sua mulher) e ouviram a frase “a Aurora já morreu, faz o dia 19 de julho um ano, ouviu-se um Ohhhh! impressionante pela surpresa. 

Também ficámos deveras impressionados quando o amigo revelou a causa da cegueira. Fizeram-lhe uma intervenção à tiroide, e teve como consequência acessória a falta devisão. Mas, no meio de toda esta tragédia, houve um grande momento de humor, quando ele diz para o Eustáquio: “Pois. Eu olhava para onde não devia olhar, e agora fiquei cego”. Toda a gente riu a bom rir com a piada. 

E é isto! Mesmo no meio da adversidade, há sempre a possibilidade de “virar o bico ao prego”. Que resiliência, meus amigos!... Ainda nós nos queixamos por tudo e por nada.

21.04.2024, sábdo  - História de um capacete de motorista

Tobias desde há uns dias que é figura diária na casa do Eustáquio, de quem é afilhado, e vem ajudar nas obras que estão em curso: colocação do chão em mosaicos. Também não teve vida fácil, e até já esteve preso, não sei nem me importam as razões, perdendo, entretanto, a primeira mulher que aproveitou a ausência dele para arranjar outro. Está claro que o Tobias teve todo o direito de, já liberto, poder também encontrar outra mulher, da qual já nasceram dois filhos. 

O mais velho, Marcelino, de quatro anos, há dias que vem com o pai e faz o encanto dos nossos olhos e ouvidos. Muito bonito e vivaz, fala com clareza o tétum e de vez em quando algumas palavras em português que o abô Rui vai debitando. Eu chamo-lhe “Marcelinho pão e vinho”, e é um regalo ver os dois “inhos” em ação: a criança e o velho; o menino e o velhinho. “De velhinho se volta a menino”. 

A primeira vez que lhe dei dois rebuçados foi a correr para o pai, dizendo: este é para o mano. Logo aí me cativou pelo sentido de partilha e de família.

Mas vamos à história do capacete. O Tobias viu uma criança com um capacete e foi logo a correr para ver se seria o seu, que estava junto da sua motorizada, não fosse ele a ficar outra vez sem o seu. E foi então que surgiu a história do capacete. Há tempos apareceram uns rapazes a quererem vender um capacete. O Tobias, como precisava de um, comprou-o e, legalmente, tudo estava bem, passando o Tobias a utilizá-lo nas suas deslocações e viagens. Até que uma vez, alguém que vinha atrás que por acaso até é polícia,  reconheceu o capacete e, ultrapassando-o,  se pôs à sua frente fazendo-o parar e dizendo: "Onde roubaste esse capacete?" O Tobias, que até tem dificuldade em começar a falar, respondeu-lhe: "Eu não o roubei, eu comprei”. E gerou-se ali a confusão habitual: "compraste a quem, etc, etc"... Então o Tobias disse ao polícia: “Se tem dúvidas vamos ali a casa do meu padrinho para confirmar". E assim foi. 

Na entrada da casa do Eustáquio esclareceu-se tudo. Um grupo de rapazolas aqui do canto, armados em larápios vão furtando as coisas que podem para depois venderem na candonga. Através da descoberta deste roubo concluíram que também sacos de cimento e outras coisas foram levadas da casa em construção desse mesmo polícia. Conclusão: o capacete foi devolvido ao seu primeiro dono, e os outros materiais furtados foram pagos através de uma multa que aplicaram a esses jovens. Só que, como esses jovens não tivessem o dinheiro suficiente para o pagamento da multa, então as famílias aqui do canto pagaram entre si mas com um sério aviso: "Se voltais a fazer isso deixamos que vos prendam e passem a cumprir a pena na prisão”. 

Tudo se resolveu, exceto o Tobias que ficou a arder, sem o dinheiro com que tinha pago ofamoso capacete.

22.04.2024, segunda feira - Vítima do massacre de Liquiçá

Esta tarde fomos ao município de Liquiçá falar do concelho de Sabugal, um encontro previamente combinado no âmbito do acordo de colaboração celebrado entre os dois municípios. Nada que superasse as expetativas, para além de dar a conhecer o nosso município, tal e qual como já se fez nonSabugal em relação ao município de Liquiçá. Vamos a ver, na prática, em que é que se traduz este acordo de colaboração.

À saída das salas da presidência estava o senhor Manuel Nunes Serrão, personalidade bem conhecida de Liquiçá, que amavelmente nos veio cumprimentar, falando a língua portuguesa. Irmão do amigo senhor Renato que em 2019 visitou o Sabugal e outras terras portuguesas que criaram laços com o município de Liquiçá, depressa nos envolvemos em conversa de amigos que estão contentes por se encontrarem e travarem conhecimento.

Foi então, quando fiquei a saber o que aconteceu com este senhor Manuel Serrão durante o “massacre na igreja de Liquiçá”. Em 1999, cinco meses antes do plesbicito sobre a independência de Timor-Leste, as milícias apoiadas pelas tropas indonésias irromperam pela igreja onde estavam à volta de 2000 pessoas ali abrigadas e, à catanada, massacraram aquelagente. Bastantes morreram (dizem que mais ou menos 100 pessoas), e muitos deles ficaram mutilados. Arrepiante!... 

Pois o senhor Manuel foi uma dessas vítimas que, por sorte ou graça de Deus, levou uma catanada no pescoço, sendo bem visível a enorme cicatriz. Segundo os médicos que o operaram, a sua sorte foi a veia principal não ter sido atingida, caso contrário faria agora parte da lista dos mortos desse massacre. 

São estes testemunhos vivos que nos fazem pensar se a violência, a brutalidade, as armas têm algum sentido em qualquer parte do mundo. Quanto mais não vale o diálogo, a tolerância, as relhas e os arados. “Não queremos mais o ódio /Não queremos mais a fome / Não queremos mais a guerra / Queremos pão para toda a terra”.

23.04,2024, terça feira  - Festa na aldeia!?

Tudo aconteceu ao final da tarde. Já tinha conhecimento de que hoje seria o jogo de estreia da equipa feminina de futsal de Ailok Laran, da qual a Adobe, a Elixce e a Felismina fazem parte. A equipe e a sua comitiva de adeptos deslocaram-se ao campo da aldeia de Tahan Timor, que até tem dois jogadores de futebol na seleção nacional. Tudo levava a crer que o mais certo seria a derrota de Ailok Laran. Aliás, ao intervalo já perdiam por 3 a zero, o que supunha virem de lá com um cabazada de golos. Mas o milagre aconteceu. A equipe perdedora ao intervalo remontou e conseguiu empatar e ganhar o jogo por 3-4. 

As heroínas são sobretudo as três moças da família Sobral: a Adobe pelas defesas que fez como guarda-redes, a Mina(Felismina) que fez o hattrik e a Elixce que marcou também o seu golo.

Conclusão: até ao lavar dos cestos é vindima.

23.04.204, terça feira - “Cultura” e medicina em conflito

Nem dá para acreditar, mas é verdade. Ontem à noite, depois de uma tarde cansativa, chegamos de Liquiçá estafados a Ailok Laran com uma vontade enorme de irmos descansar. Foi o que eu fiz e, assim faria também o Eustáquio se nada houvesse em contra. Mas não. Passadas algumas horas ouvia o Eustáquio ao telemóvel, conversando com a família da Nanda, que nos dias anteriores teve consulta médica, seguindo-se exames e análises para detetar a causa e a consequente solução para o problema, com apossibilidade de uma intervenção cirúrgica. E, quando supostamente todos esperavam o seguimento do processo, eis que chega o telefonema de um tio da Nanda para dizer:”Toda a família não está de acordo com esse processo. A nossa cultura tem outra explicação para a doença da Nanda, e é isso que vamos fazer”. 

E tudo ficou em standby, para seguir esse tratamento da sua cultura. Eu que já ouvi e tenho conhecimento de mais histórias destas, fico perplexo e nem sei o que hei-de pensar. Há rituais que respeito e acato, mas há coisas incompreensíveis que nos fazem duvidar e até rejeitar. E então esta de alguém ficar com determinada doença só por que comeu algo que a “cultura” não permite comer, é demais. Gostaria de explicar melhor, mas não posso, ou não devo. Valha-nos Deus!...

24.04.2024  - Ainda sobre culturas

Fiquei a saber que aqui, em Timor-Leste, há diferentes culturas segundo algumas regiões: cultura de Ermera, cultura de Dili, cultura de Açabe, cultura de Maubisse, etc. Todas elas ainda muito arraigadas nas populações.

Os mais velhos são os seus grandes defensores, e temem que os mais novos, influenciados pela modernidade, um dia as possam esquecer e abandonar.

São crenças que herdarem dos seus antepassados e que defendem “com unhas e dentes”. Muitas delas determinam o presente e o futuro dos seus cidadãos, nomeadamente no que se refere a comportamentos e atitudes perante os acontecimentos. Tenho ainda bem presente os rituais que os anciãos de Boebau / Manati realizaram por ocasião da inauguração da Escola São Francisco de Assis, nos quais exigiram a nossa presença e participação (eu e o Gaspar). 

E aqui vos deixo, como exemplo, esta descrição relativa às festas do “barlake”. É comum sempre que há uma festa ritual as famílias contribuíram com os seus “dotes” para as refeições, nomeadamente oferecendo animais (vacas, porcos, cabras), ou até dinheiro. 

Há regras muito rigorosas sobre quem tem de oferecer e a quem, quem pode consumir e o quê. Se um tio ou tia oferecer, por exemplo,  uma vaca ao sobrinho, todos podem comer esse animal exceto as pessoas do sexo feminino (sobrinhas). A pior parte do animal para consumo é sempre o pescoço, e sobretudo do fahi (porco). Quem fizer o contrário está sujeito a ter doenças do pescoço. Por exemplo, se alguém tem um problema de tiroide, é por que comeu carne do pescoço da vaca ou do porco. Já dá para entender alguma coisa do que escrevi anteriormente?...

24.04.2024, quarta feira - Mais uma do Eustáquio

Em amena cavaqueira, e depois de muitos comentários sobre a vida em Timor-Leste, mais concretamente em Dili e arredores, o Eustáquio sai-se com esta: “ Não compreendo por que é que aqui, em Timor, quando a gente vai fazer a inspeção aos carros, colocam a viatura em cima dos rolos e abanam para todos os lados. Então as estradas não estão já cheias de buracos que fazem a gente baloiçar de um lado para o outro? Precisam de mais provas de resistência?” 

Muito bem observado... E se quiserem mais provas que me chamem a mim, pois ao longo destas cinco estadias tenho sido vítima de todo este desconforto. Às portas de Dili, e até dentro da cidade, isso acontece. Quem tiver dúvidas faça o caminho do mercado de Perunas e outras circundantes, que logo se convence. Vão-se os carros mas ficam oscaminhos...

25.04.2024, quinta feira  - 25 de Abril, SEMPRE!...

Embora muito longe de Portugal, a celebração dos 50 anos da Revolução de Abril não me é indiferente. Até por que em 1974 tinha eu 27 anos, com vivências e episódios em que o anterior regime deixou marcas inesquecíveis.

Só quem de alguma maneira não sentiu na pele a vida em ditadura é que poderá ser a favor do “antigamente”. “Que los hay, los hay!...” Mas nem esses saudosistas, nem os que nasceram em “berço de oiro” da democracia, poderão abafar as conquistas e os valores que a Revolução dos Cravos nos legou. Felizmente que as forças democráticas bem presentes na sociedade portuguesa se mobilizaram para dar o devido destaque à celebração dos 50 anos. 

Todos nós sabemos que ainda há muito por fazer, sobretudo ao nível da justiça social. Todos nós somos críticos, e ainda bem, das políticas implementadas durante estes 50 anos. Todos nós queremos mais e melhor para nós e para os outros. Mas nada nem ninguém poderá aniquilar a valentia, a originalidade e, sobretudo, as consequências desta Revolução dos Cravos.

A luta continua! A vitória é difícil, mas é nossa!... 

Apraz-me registar que também aqui, em Timor-Leste, em Dili, os 50 anos são bem celebrados. Primeiro através da visita do Presidente Ramos Horta a Portugal para participar nas celebrações. Depois com um programa de atividades que se estende desde o dia 13 de abril a 4 de maio, e que tem como lema “Democracia e Liberdade pautam as comemorações do 25 de abril". E por fim, talvez a que mais agrada aos alunos das escolas, o governo deu tolerância de ponto. Seja como for, os 50 anos são bem celebrados neste canto do mundo, onde quase ninguém fala o português, mas que tem um grande carinho e afeição com os portugueses, com Portugal.

27.04.2024, sábado - Quando a emoção nos invade...

O fadista pergunta e responde: “Quando a tristeza me invade?... Canto o fado!” Mas não é de tristeza que se trata. É de emoção. E vem tudo isto a propósito do rescaldo das celebrações dos 50 anos de abril. Graças aos meios digitais, temos acesso às manifestações e ações que se desenvolveram em grande parte do nosso país. É uma confirmação de que abril está bem vivo, e que os seus valores continuarão a orientar a sociedade portuguesa.

Mas o que me emocionou até verter algumas lágrimas, foi ver como noutras paragens, por exemplo na Galiza, em Paris, em Timor-Leste e muitas mais, tanta gente cantava, com alma e coração, as canções de antes e depois, como que a agradecer a revolução dos cravos. 

E ouvir cantar “Grândola Vila Morena” por tantas vozes empolgadas pelo entusiasmo e a emoção deixa-nos extasiados, sem palavras, com os olhos embaciados de lágrimas. Quem viveu o antes e o depois de abril, não pode ficar indiferente à forma como o 50º aniversário foi vivido. E, Deus queira, que cada aniversário a caminho dos 100, seja a atualização deste espírito que o 25 de abril de 1974 nos ofereceu. 25 de Abril SEMPRE!... (...)

(Revisão / fixação de texto: LG)
_____________

Conta solidária da Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (ASTIL)

IBAN: PT50 0035 0702 000297617308 4

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25473: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5.ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte IV

(**) Microlete: o termo já vem grafado no Priberam

Timor: Veículo privado de transporte colectivo de passageiros. Etimologia: de oirgem obscura.

"microlete", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/microlete.

(***) CAFE > Projeto dos Centros de Aprendi<agem e Formação Escolar