Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 24 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1991: O Simplex, o Kafka e o Batista ou a Estória do Vivo que a Burocracia Quer como Morto (João Tunes)
1. Com a devida vénia, reproduzimos aqui, com algumas pequenas adaptações, o seguinte post do nosso amigo e camarada João Tunes. É mais uma contribuição para que o caso Batista - o nosso morto-vivo do Quirafo, e futuro membro da nossa tertúlia - não morra na praia, e ele volte a recuperar o registo, na sua Caderneta Militar, da verdade e da memória a quem tem direito!... Vamos ajudá-lo a conseguir esta pequena vitória contra a burocracia sem rosto!... É também uma pequena homenagem ao Álvaro Basto e ao Paulo Santiago que se interessaram pelo caso (humano e militar) do António da Silva Batista. Vamos fazer chegar o caso dele até ao Chefe do Estado Maior do Exército, e por aí fora (se for caso disso). Vamos testar o tão badalado o Simplex, a vontade de transparência e de simplificação das relações entre os eleitos e os eleitores, o poder político e os cidadãos ! O Simplex não pode ser apenas Propagandex! E tem de chegar às repartições militares!
O Paulo Santiago, que é um homem generoso,solidário, emotivo e de grandes causas, deixou ointem este comentário no blogue do João Tunes: "João: Se o Batista lesse este teu post, ficaria agradecido, como ele não anda pela Net, agradeço eu, em seu nome. Sinto-me muito revoltado, mais ainda após ler o post do Luís e o teu. Apagarem anos e meses da vida de uma pessoa é uma canalhice, é uma filha da putice. Ainda não sei o que irei fazer, mas,quieto e calado não ficarei. Senti que, para ele, é mais frustante o não mencionarem o seu passado de prisioneiro de guerra que a não atribuição de qualquer pensão" (...). Hoje o Paulo já escreveu ao Coronel Ayala Botto, que foi ajudante de campo de Spínola na Guiné (vd. post anterior a este). Mais ideias, precisam-se! (LG).
Água Lisa (6), blogue de João Tunes > 23 de Julho de 2007 >
SIMPLEX E O VIVO QUE A BUROCRACIA QUER COMO MORTO
Também a guerra tem as suas burocracias. E, como qualquer burocracia, se não domada pelo sentido do humano, tende a tomar galopes soltos mesmo sem sinais humanos sentados na sela. Onde facilmente as vidas se perdem, ou se gastam, como é o caso das guerras, a burocracia da guerra pode cometer o mais caricato erro burocrático: trocar vivos por mortos, ou vice-versa.
Neste blogue [, link para o nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné,] reconstitui-se uma odisseia burocrática que começou na guerra colonial na Guiné e se espraiou no meio da papelada, esmerando-se em caprichos, com que os militares portugueses registam os que, da guerra, saíram vivos e mortos. Mostrando-se difícil que alguém dado como morto e enterrado, afinal estando vivo, recupere a cidadania da sua vitalidade (....).
Resumindo a história do ainda vivo cidadão António da Silva Batista, antigo soldado do Exército Colonial Português:
- Em 17 de Abril de 1972, em Quifaro (Guiné), uma emboscada montada pelo PAIGC provoca um número elevado de vítimas mortais: 11 militares portugueses, cinco milícias africanos e vários civis que eram transportados na coluna militar. O soldado Batista escapa com vida e é aprisionado pelos guerrilheiros do PAIGC, sendo levado por eles para a Guiné-Conacry. Através da Cruz Vermelha, o soldado Batista escreve várias cartas à família que nunca chegam ao seu destino.
- O soldado Batista é dado como morto pela burocracia militar portuguesa, um outro cadáver faz-lhe de corpo seu, é passada competente certidão de óbito, os restos mortais substitutos são entregues à família, que procede ao respectivo funeral, ficando com campa no cemitério da sua terra natal que passa a ser cuidada e transformada em culto de saudade pela família.
- Com o reconhecimento da independência da Guiné-Bissau, o PAIGC liberta o soldado Batista, entregando-o ao exército português. Em Setembro de 1974, passados 27 meses sobre a data da sua captura pelo PAIGC, volta a casa e à família. Visita a “sua campa” no cemitério (foto na imagem, publicada em 1974 no Jornal de Notícias) onde lê na lápide que lhe era dedicada “Em memória de António da Silva Batista. Falecido em combate na província da Guiné em 17-4-1972" e deposita uma coroa de flores sobre o corpo que lhe fizera as vezes.
- O ex-soldado Batista, cujo único documento de identidade era a sua certidão de óbito, vê-se em palpos de aranha para recuperar a sua condição de cidadão vivo. Se o Exército o dera como morto em combate, com certidão de óbito devidamente emitida, como podia passar a vivo e contado o tempo de ausência como prisioneiro? A burocracia reage como é timbre da burocracia. O ex-soldado Batista é reintegrado no rol dos vivos mas ainda hoje, continuando vivo, não conseguiu que a sua permanência no campo de prisioneiros do PAIGC lhe conste, na sua caderneta, como tendo sido em serviço militar.
A burocracia não permite que um vivo tenha estado vivo enquanto os papéis, os sagrados papéis da burocracia, assinalam que o vivo estava morto. Quando muito terá estado vivo mas, nos papéis, continua morto, ou pelo menos ausente em parte incerta. E se o ex-soldado Batista quisesse documentos conformes, respeitasse o papel da certidão de óbito e, em vez de andar a atrapalhar a burocracia, aceitasse que estava morto. Nem o Simplex resolve tão intrincado desrespeito à santa burocracia?
Guiné 63/74 - P1990: Carta aberta ao Cor Ayala Botto: O caso Batista: O que fazer para salvar a sua honra militar ? (Paulo Santiago)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Campo de futebol > Cerimónia de Encerramento 1º Curso de Instrução de Companhgais de Milícias > 24 de Dezembro de 1971, > O Com-Chefe General Spínola passa revista às tropas (milícias) em parada. O Alf Santiago segue atrás com o Cap Tomás, ajudante de campo do general Spínola, antecessor do Cap Cav Ayala Botto (hoje, coronel ma reforma e membro da nossa tertúlia) (1).
Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
1. Texto do Paulo Santiago:
Caro Coronel Ayalla Botto:
Eu, emotivo e, ainda,combatente de causas justas, sinto-me revoltado com a situação criada ao Batista, ex-combatente na Guiné e prisioneiro de Guerra.
Se ainda não leste, vai ao nosso blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné ver os posts sobre a pessoa em causa (2).
Antes de continuar, faço um breve preâmbulo de apresentação. Sei que és amigo do Carlos Clemente, um dos meus maiores amigos desde o dia em que cheguei à Guiné, em Outubro de 1970 (3) .
Penso que também estavas convidado,para um jantar, perto de Oliveira do Hospital, em casa do Coronel Carvalhais, no passado dia 27 de Junho. Já em 2006 tinha ido a esse jantar, a que não estiveste presente. Este ano não fui, andava naquela data pedalando no Caminho de Santiago Francês.
Há meses, fiquei muito chocado quando soube, através de um comum amigo, da morte inesperada do cunhado do Clemente, Gen António Palma. Há dez anos, estive 6 meses em Lisboa num Curso de Formação da Direção-Geral de Veterinária. Todas as 3ªs feiras jantava em casa do Carlos, onde também ía o António, que me dava boleia para o local onde estava alojado.
Contigo na Guiné, só estive uma vez. Foi no Saltinho, após o Gen Spínola ter recebido uma carta de um militar, queixando-se da péssima qualidade do rancho, que era óptima na CCAÇ 2701, companhia do Carlos. Esse episódio já o contei no blogue.
Tive vários contactos com o Gen Spínola, principalmente em Bambadinca, quando comandava uma Companhia de Instrução de Milícias, isso ainda no tempo do teu antecessor, Cap Tomás. No dia 24 de Dezembro de 71, dia da cerimónia de encerramento do 1º curso que dei aos Milícias, fui à boleia no heli para o Saltinho, onde o General ía fazer uma visita de Natal e eu passar aquela data com os meus homens, [do Pel Caç Nat 53].
Mas, voltemos ao Batista. Como escrevi no blogue, é um homem humilde e sem rancores.
Senti que aquele ex-militar tem uma grande mágoa, em virtude de a sua Caderneta
Militar omitir a sua condição de Combatente e Prisioneiro de Guerra.
Sinto que era um documento que talvez gostasse de mostrar aos netos. Mais que qualquer possível pensão, o seu lamento é o apagamento feito do período de Julho 71 a Novembro de 74. Um qualquer burocrata cometeu esta injustiça, daí a minha revolta.
Será possível alguém refazer aquela parte, bem sofrida, da vida do ex-Soldado António
Batista? Agradeço-te se puderes fazer alguma coisa,ou dar-me algumas dicas para que justiça seja feita. Tudo isto mexeu comigo.
Um abraço de camaradagem do
Paulo Santiago
(ex-Alf Mil Cmdt do pel Caç Nat 53,
Saltinho,1970/72)
___________
Notas dos editores:
(1) Vd. post de 6 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1407: Tertúlia: apresenta-se o Coronel de Cavalaria Carlos Ayala Botto, ajudante de campo do General Spínola
(2) Vd. posts de:
23 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)
22 de Julho de 2007:Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
(3) Vd. posts de:
12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado
13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2): nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança
19 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri
13 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1275: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (4): tropa-macaca, com três cruzes de guerra
4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha
13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)
5 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1564: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (7): Fogo no capinzal
12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1653: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (8): A pontaria dos artilheiros de Aldeia Formosa
23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1687: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (9): Maluqueiras na picada Saltinho-Galomaro-Bafatá
3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1812: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (10): As mulheres dos meus homens eram minhas irmãs
Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
1. Texto do Paulo Santiago:
Caro Coronel Ayalla Botto:
Eu, emotivo e, ainda,combatente de causas justas, sinto-me revoltado com a situação criada ao Batista, ex-combatente na Guiné e prisioneiro de Guerra.
Se ainda não leste, vai ao nosso blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné ver os posts sobre a pessoa em causa (2).
Antes de continuar, faço um breve preâmbulo de apresentação. Sei que és amigo do Carlos Clemente, um dos meus maiores amigos desde o dia em que cheguei à Guiné, em Outubro de 1970 (3) .
Penso que também estavas convidado,para um jantar, perto de Oliveira do Hospital, em casa do Coronel Carvalhais, no passado dia 27 de Junho. Já em 2006 tinha ido a esse jantar, a que não estiveste presente. Este ano não fui, andava naquela data pedalando no Caminho de Santiago Francês.
Há meses, fiquei muito chocado quando soube, através de um comum amigo, da morte inesperada do cunhado do Clemente, Gen António Palma. Há dez anos, estive 6 meses em Lisboa num Curso de Formação da Direção-Geral de Veterinária. Todas as 3ªs feiras jantava em casa do Carlos, onde também ía o António, que me dava boleia para o local onde estava alojado.
Contigo na Guiné, só estive uma vez. Foi no Saltinho, após o Gen Spínola ter recebido uma carta de um militar, queixando-se da péssima qualidade do rancho, que era óptima na CCAÇ 2701, companhia do Carlos. Esse episódio já o contei no blogue.
Tive vários contactos com o Gen Spínola, principalmente em Bambadinca, quando comandava uma Companhia de Instrução de Milícias, isso ainda no tempo do teu antecessor, Cap Tomás. No dia 24 de Dezembro de 71, dia da cerimónia de encerramento do 1º curso que dei aos Milícias, fui à boleia no heli para o Saltinho, onde o General ía fazer uma visita de Natal e eu passar aquela data com os meus homens, [do Pel Caç Nat 53].
Mas, voltemos ao Batista. Como escrevi no blogue, é um homem humilde e sem rancores.
Senti que aquele ex-militar tem uma grande mágoa, em virtude de a sua Caderneta
Militar omitir a sua condição de Combatente e Prisioneiro de Guerra.
Sinto que era um documento que talvez gostasse de mostrar aos netos. Mais que qualquer possível pensão, o seu lamento é o apagamento feito do período de Julho 71 a Novembro de 74. Um qualquer burocrata cometeu esta injustiça, daí a minha revolta.
Será possível alguém refazer aquela parte, bem sofrida, da vida do ex-Soldado António
Batista? Agradeço-te se puderes fazer alguma coisa,ou dar-me algumas dicas para que justiça seja feita. Tudo isto mexeu comigo.
Um abraço de camaradagem do
Paulo Santiago
(ex-Alf Mil Cmdt do pel Caç Nat 53,
Saltinho,1970/72)
___________
Notas dos editores:
(1) Vd. post de 6 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1407: Tertúlia: apresenta-se o Coronel de Cavalaria Carlos Ayala Botto, ajudante de campo do General Spínola
(2) Vd. posts de:
23 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)
22 de Julho de 2007:Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
(3) Vd. posts de:
12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado
13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2): nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança
19 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri
13 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1275: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (4): tropa-macaca, com três cruzes de guerra
4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha
13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)
5 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1564: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (7): Fogo no capinzal
12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1653: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (8): A pontaria dos artilheiros de Aldeia Formosa
23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1687: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (9): Maluqueiras na picada Saltinho-Galomaro-Bafatá
3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1812: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (10): As mulheres dos meus homens eram minhas irmãs
Guiné 63/74 - P1989: Homenagem ao António da Silva Batista (Artur Conceição, CART 730, Jumbembem, 1965/67)
1. Mensagem do Artur Conceição, ex-soldado de transmissões da CART 730 (1965/67), actualmente residente na Damaia, Amadora (Esteve em Bissorã, Farim e Jumbembem, ou seja, na actual Região do Oio) (1):
Um grande abraço para o António da Silva Batista! (2)
Toda a nossa indignação, a nossa solidariedade e o nosso carinho são insuficientes para conseguir encaixar episódio tão marcante para todos nós.
Todos passámos por montes de cenas que nos tocaram, algumas vindas de camaradas nossos que apenas conseguiam pensar que tal só acontecia aos outros, isto a propósito de lhe terem roubado na caderneta os 27 meses de cativeiro, mas este é um mal que infelizmente permanece cada vez mais acentuado na nossa sociedade. Reparem no que funcionários da CGA (Caixa Geral de Aposentações) estão a fazer a colegas seus, obrigando-os a trabalhar até à morte em condições desumanas, sem se lembrarem que um dia lhes pode acontecer o mesmo.
Toda a nossa admiração para com o Batista é pouca; mas há uma outra parte que toca mais profundamente, e que é o sofrimento dos seus familiares, fazer o funeral de um filho, erguer-lhe uma campa com o seu nome, morto em condições tão dramáticas.... e depois receber correspondência de um cativeiro... Não é fácil...!!!
As lágrimas vertidas na retaguarda davam para encher uma bolanha.
Em homenagem a todos os pais, avós, irmãos..., vamos colocar no monumentos situado em Campia uma coroa de flores no dia 10 de Novembro, dia indicado para o convívio dos ex-Combatentes da Freguesia de Campia (1).
Um abraço
Artur António da Conceição
Av. Gorgel do Amaral, 6-1º drt -Damaia
Telem: 919652342
__________________
Notas dos editores:
(1) Vd. post de 21 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1772: Tabanca Grande (5): Também quero estar ao lado dos que não permitem o virar da página (Artur Conceição, CART 730, 1965/67)
(2) Vd. posts de 22 de Julho:
Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
Um grande abraço para o António da Silva Batista! (2)
Toda a nossa indignação, a nossa solidariedade e o nosso carinho são insuficientes para conseguir encaixar episódio tão marcante para todos nós.
Todos passámos por montes de cenas que nos tocaram, algumas vindas de camaradas nossos que apenas conseguiam pensar que tal só acontecia aos outros, isto a propósito de lhe terem roubado na caderneta os 27 meses de cativeiro, mas este é um mal que infelizmente permanece cada vez mais acentuado na nossa sociedade. Reparem no que funcionários da CGA (Caixa Geral de Aposentações) estão a fazer a colegas seus, obrigando-os a trabalhar até à morte em condições desumanas, sem se lembrarem que um dia lhes pode acontecer o mesmo.
Toda a nossa admiração para com o Batista é pouca; mas há uma outra parte que toca mais profundamente, e que é o sofrimento dos seus familiares, fazer o funeral de um filho, erguer-lhe uma campa com o seu nome, morto em condições tão dramáticas.... e depois receber correspondência de um cativeiro... Não é fácil...!!!
As lágrimas vertidas na retaguarda davam para encher uma bolanha.
Em homenagem a todos os pais, avós, irmãos..., vamos colocar no monumentos situado em Campia uma coroa de flores no dia 10 de Novembro, dia indicado para o convívio dos ex-Combatentes da Freguesia de Campia (1).
Um abraço
Artur António da Conceição
Av. Gorgel do Amaral, 6-1º drt -Damaia
Telem: 919652342
__________________
Notas dos editores:
(1) Vd. post de 21 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1772: Tabanca Grande (5): Também quero estar ao lado dos que não permitem o virar da página (Artur Conceição, CART 730, 1965/67)
(2) Vd. posts de 22 de Julho:
Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
Guiné 63/74 - P1988: Álbum das Glórias (20): CCAÇ 2402, Amadora, Junho de 1968: o meu pelotão (Beja Santos)
Amadora > Regimento de Infantaria nº 1 > 1968 > "Eu, aspirante a oficial miliciano, e o meu pelotão na CCAÇ 2402 (1), Amadora, Junho de 1968" (BS).
Foto e legenda: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do Beja Santos:
Caro Raul [Albino], junto mais 2 fotografias para as tuas memórias (2). Nessa altura, não se sabia ainda que eu seria transferido para o CTIG (3), e muito menos por que razões. Salvo erro, tenho aqui praticamente todas as praças. Espero encontrar-me em breve com o Horácio e oferecer-lhe estas lembranças.
Um abraço do Mário
2. Comentário do Raul Albino ao Post 1975 (1)
O Beja Santos julga que estarão na foto os pelotões 3º e 4º da CCAÇ 2402. Como a ordem dos pelotões sofreu alterações na Guiné em face da antiguidade dos substitutos, não sei se o meu grupo estará de facto na foto. Não me consegui identificar na fotografia. O mais natural é que os grupos sejam os do Medeiros Ferreira e Beja Santos, que na altura seriam, salvo erro, o 2º e 4º pelotões. Após a reorganização o 1º virou 2º, o 2º virou 4º e o 4º virou 1º, o 3º que era o meu grupo, manteve-se 3º por mero acaso.
Raul Albino
__________
Notas de L.G.:
1) Vd. post de 20 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1975: Álbum das Glórias (19): Eu e o Zé Manel [Medeiros Ferreira], duas baixas da CCAÇ 2402 (Beja Santos)
(2) Em relação à foto publicada no Post P 1975, o Raul mandou a seguinte email ao Beja Santos (extracto):
(...) Esta fotografia é uma preciosidade. Só te pedia para me identificares que grupo era este, onde foi tirada a foto e me indiques algum graduado de que te lembres (nome e posição na foto). Julgo que o Medeiros Ferreira é o que está ao teu lado. Verdade? (...)
(3) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira
Os aspirantes a oficiais milicianos da CCAÇ 2402 eram, originalmente, os seguintes, em Junho de 1968: Francisco Silva, José Manuel Medeiros Ferreira, Mário Beja Santos e Raul Albino. A CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 partiu para a Guiné a 24 de Julho de 1968, sem o Beja Santos (que foi em rendição individual, indo comandar o Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) e o Medeiros Ferreira (que desertou, na véspera da partida, tendo-se exilado na Suíça onde se licenciou, pela Universidade de Genebra, em Ciências Sociais).
segunda-feira, 23 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1987: Blogue-fora-nada: O melhor de... (2): Apanhados pelo macaréu e mortos no Rio Geba (Sousa de Castro, CART 3494, Xime, 1972)
Guiné-Bissau > Zona Leste > Xime > 1997 > As traiçoeiras águas do Rio Geba, a seguir à confluência com o Rio Corubal, e no início do troço conhecido como o Geba Estreito. Era aqui se podia apreciar o espectacular e ao mesmo tempo assustador fenómeno do macaréu. No Rio Amazonas, Brasil, é conhecido por pororoca [a propósito, vejam este espectacular vídeo, no You Tube, de uns malucos a fazer surfing, em Março de 2003, sobre a maior onda do mundo, a pororoca, no Rio Amazonas: Pororoca Surfing].
Em termos simples, o macaréu é uma onda de arrebentação que, nas proximidades da foz pouco profunda de certos rios e por ocasião da maré cheia, irrompe de súbito em sentido oposto ao do fluxo da água. Seguida de ondas menores, a onda de rebentação sobe rio acima, com forte ruído e devastação das margens. Pode atingir vários metros de altura, mas tende a diminuir a sua força e envergadura à medida que avança.
Neste rio, o Geba, ou nesta parte do rio, o Geba Estreito, que ainda é de água salgada, três soldados da CART 3494, aquartelada no Xime, camaradas do Sousa de Castro, desapareceram, em 10 de Agosto de 1972, apanhados pelo macaréu quado se dirigiam de lancha para um patrulhamento ao Mato Cão. Só o cadáver de um foi recuperado... Mais uma erro (criminoso) de um dos nossos brilhantes oficiais superiores que, desastradamente, conduziram aquela merda de guerra... (LG).
Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.
Texto publicado originalmente no Blogue-fora-nada (*). Retomado agira, na série Blogue-fora-nada: O Melhor de ... (**), em homenagem ao nosso tertuliano nº 2.
Memórias da Guiné, Xime (1972-1974)
por Sousa de Castro (***)
Xime. CART 3494 (****). 10 de Agosto de 1972.
A companhia nesse dia recebeu instruções para fazer um patrulhamento através do rio Geba, em lanchas, e depois entrar no mato e seguir para Mato Cão. Tínhamos lembrado ao Major de Operações, [do BART 3873, com sede em Bambadinca,] que a hora que ele, major, determinara para sair, não seria ideal, já que dentro de pouco tempo passaria o Macaréu (1).
Mesmo assim ele entendeu que haveria tempo de sair antes de passar o Macaréu. Os pelotões envolvidos nesse patrulhamento não tiveram outra alternativa senão obedecer. Os soldados, pela experiência adquirida, sabiam que uma desgraça iria acontecer. Dá-se então aquilo que todos esperavam, e que não se podia evitar: são apanhados pelo Macaréu.
A embarcação virou e então cada qual tentou desenrascar-se como pôde do perigo de morrer afogado. Muitos não sabiam nadar. Depois com todo peso de armamento que transportavam, para além da farda que envergavam, viram-se e desejaram-se para se safarem, mas nem todos o conseguiram. Assim morreram afogados três camaradas, sendo um da Póvoa de Varzim, casado, com uma filha, outro de Famalicão, este solteiro, e um terceiro que já não me recordo de onde era.
Nesse mesmo dia, todo pessoal da companhia desdobrou-se em esforços tentando encontrar os que desapareceram. Só apareceu o de Famalicão, no dia seguinte, já em estado de começo de decomposição.
Normalmente a companhia fazia diariamente segurança à estrada que ligava o Xime a Bambadinca. Era necessário ir buscar o pelotão que fazia essa mesma segurança. Eu era radiotelegrafista, não podia sair do quartel, mas vendo o estado muito abatido devido ao cansaço em que os transmissões de infantaria se encontravam, peguei no transmissor AVP-1 e na G-3 (2), ofereci-me como voluntário e fui juntamente com o pelotão buscar o pessoal que fazia a segurança à dita estrada.
Era de noite, então dá-se aquilo que eu não previa. Uma vez no local para agrupar o pessoal que fazia segurança da estrada, vi-me envolvido numa situação para mim única. Começa um forte tiroteio. Supondo ter sentido algo a mexer, eu, ao saltar da viatura, sem querer fiz um disparo, com pessoal na linha da frente. Fiquei preocupadíssimo, poderia ter atingido algum camarada meu, o que não aconteceu felizmente.
Ao vir para o quartel, antes de entrar, o Furriel Carda, que era de Ponte de Sor (era quem comandava o pelotão que foi buscar a segurança no qual eu estava integrado) mandou parar as viaturas e disse:
- Alguém que está na minha viatura disparou um tiro. Quero saber quem foi. Ninguém quer dizer? É fácil. Cheira-se a arma de cada um e descobre-se já.
Como havia um alferes periquito (3), e a maior parte da malta pensando ter sido ele quem deu o tiro, acharam por bem que o melhor seria esquecer e ir embora para o quartel. Será que esse alferes também fez algum disparo? Ainda hoje estou na dúvida.
Domingo, 27 de Setembro 1998. Sousa de Castro
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Notas do S.C.:
(1) Sublevação brusca das águas, que se produz em certos estuários no momento da cheia e que progride rapidamente para as nascentes sob forma violenta, capaz de fazer estragos em pequenas embarcações.
(2) Espingarda automática usada pelas nossas tropas.
(3) Militar acabado de chegar à Guiné.
_________________
Notas de L.G.:
(*) Vd. post de 22 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VI: Memórias do Xime, do Rio Geba e do Mato Cão (Sousa de Castro) (extractos)
(**) Vd. post de 11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1945: Blogue-fora-nada: O melhor de ... (1): Nunca contei uma estória de guerra aos meus filhos (Virgínio Briote)
(***) O Sousa de Castro, ex-1º Cabo Trms, da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74), do BART 3873, é histórica e cronologicamente o nosso tertuliano nº 2. E este foi o texto nº 6 que se publicou relacionado com a Guiné 63/74...
(****) Vd. post de 15 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1664: Composição da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) (Sousa de Castro):
Eis os nomes dos três camaradas mortos ou desaparecidos no Rio Geba, nesta tragédia do dia 10 de Agosto de 1972:
Soldado Abraão Moreira Rosa (desaparecido)
Soldado José Maria da Silva e Sousa (morto)
Soldado Manuel Salgado Antunes (desaparecido)
Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)
1. Texto do editor do blogue:
O António da Silva Batista (1) foi vítima de um processo kafkiano: primeiro, morreu, não fisicamente, mas socialmente. Depois, roubaram-lhe a memória, roubaram-lhe os dias e as noites que passou no cativeiro!
Caído numa emboscada com o seu grupo de combate, foi feito prisioneiro e levado para as prisões do PAIGC, primeiro em Conacri e depois em Madina do Boé; o Exército deu-o como morto, tendo alguém (que não o Alf Mil Médico Azevedo nem o Fur Mil Enf Basto) passado uma falsa certidão de óbito.
O Batista foi contabilizado entre o monte de cadáveres desmembrados e calcinados, que ficaram na picada do Quirafo e levados - os restos - para os balneário do Saltinho. Quem tomou essa decisão, de ânimo leve ? O Capitão da CCAÇ 3490, do Saltinho ? O comandante do BCAÇ 3872, de Galomaro ? No mínimo, há aqui descuido, incompetência, grosseira insensibilidade, desumanidade!...
O Exército (e a PIDE/DGC que deve ter interceptado as cartas que ele enviava do cativeiro para a família, através da Cruz Vermelha…) nunca mais quis saber dele… E a prova é que o mantiveram na lista dos mortos… durante muito tempo… Hoje, felizmente, já não consta, pelo menos, da lista (oficiosa) dos Mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes...
A odisseia do Batista, no pós-25 de Abril, do Porto a caminho de Lisboa, munido de um certidão de óbito (!), gastando tempo, dinheiro e emoições para recuperar a sua identidade (como vivo!) e a sua dignidade (como português, homem, cidadão e militar!) é outro processo kafkiano!...
Amigos e camaradas: este caso, mesmo passados muitos anos, deveria incomodar-nos a todos e sobretudo indignar-nos! Como ao Paulo Santiago, que aqui escreveu: Filhos da puta!... Roubaram-lhe, na caderneta militar, os 27 meses de cativeiro!...
O Exército ainda deve uma reparação, mesmo que seja meramente simbólica e moral, ao nosso camarada António da Silva Batista, a quem eu proponho que aceite figurar na nossa lista de amigos e camaradas da Guiné!
É o gesto mais elementar de solidariedade que nós, todos nós, podemos ter para com ele, acarinhando-o e ajudando-a lidar melhor com uma vida passada feita de pesadelos. Espero que o Paulo e o Álvaro possam fazer-lhe chegar esta singela homenagem do nosso blogue, e que ele a aceite!
O editor do blogue, Luís Graça.
____________
Nota de L. G.:
(1) Vd. posts de 22 de Julho de 2007:
Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
O António da Silva Batista (1) foi vítima de um processo kafkiano: primeiro, morreu, não fisicamente, mas socialmente. Depois, roubaram-lhe a memória, roubaram-lhe os dias e as noites que passou no cativeiro!
Caído numa emboscada com o seu grupo de combate, foi feito prisioneiro e levado para as prisões do PAIGC, primeiro em Conacri e depois em Madina do Boé; o Exército deu-o como morto, tendo alguém (que não o Alf Mil Médico Azevedo nem o Fur Mil Enf Basto) passado uma falsa certidão de óbito.
O Batista foi contabilizado entre o monte de cadáveres desmembrados e calcinados, que ficaram na picada do Quirafo e levados - os restos - para os balneário do Saltinho. Quem tomou essa decisão, de ânimo leve ? O Capitão da CCAÇ 3490, do Saltinho ? O comandante do BCAÇ 3872, de Galomaro ? No mínimo, há aqui descuido, incompetência, grosseira insensibilidade, desumanidade!...
O Exército (e a PIDE/DGC que deve ter interceptado as cartas que ele enviava do cativeiro para a família, através da Cruz Vermelha…) nunca mais quis saber dele… E a prova é que o mantiveram na lista dos mortos… durante muito tempo… Hoje, felizmente, já não consta, pelo menos, da lista (oficiosa) dos Mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes...
A odisseia do Batista, no pós-25 de Abril, do Porto a caminho de Lisboa, munido de um certidão de óbito (!), gastando tempo, dinheiro e emoições para recuperar a sua identidade (como vivo!) e a sua dignidade (como português, homem, cidadão e militar!) é outro processo kafkiano!...
Amigos e camaradas: este caso, mesmo passados muitos anos, deveria incomodar-nos a todos e sobretudo indignar-nos! Como ao Paulo Santiago, que aqui escreveu: Filhos da puta!... Roubaram-lhe, na caderneta militar, os 27 meses de cativeiro!...
O Exército ainda deve uma reparação, mesmo que seja meramente simbólica e moral, ao nosso camarada António da Silva Batista, a quem eu proponho que aceite figurar na nossa lista de amigos e camaradas da Guiné!
É o gesto mais elementar de solidariedade que nós, todos nós, podemos ter para com ele, acarinhando-o e ajudando-a lidar melhor com uma vida passada feita de pesadelos. Espero que o Paulo e o Álvaro possam fazer-lhe chegar esta singela homenagem do nosso blogue, e que ele a aceite!
O editor do blogue, Luís Graça.
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Nota de L. G.:
(1) Vd. posts de 22 de Julho de 2007:
Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
domingo, 22 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
1. Continuação do relato do Paulo Santiago, sobre o encontro, realizado ontem, na Maia, com o António da Silva Batista (na foto, ao lado) (1):
(v) A vida em Madina do Boé
Havia uma relativa liberdade,para os prisioneiros, na zona de Madina do Boé, tanto assim era que um deles, em Março de 74, conseguiu fugir e, acompanhando a margem do Corubal, acabou por chegar ao quartel no Saltinho.
Souberam do 25 de Abril através de informação dada pelos guerrilheiros, continuando, apesar daquele acontecimento, a viverem nas mesmas condições. Havia o caso do Cap Peralta, preso em Portugal,e a libertação deles estava dependente da libertação daquele militar cubano.
(vi) A liberdade chega em Setembro de 1974
Um dia em Setembro de 74, não sabe precisar a data certa, meteram-nos num camião, sem os informar ao que iam, levando-os para Aldeia Formosa (Quebo). Chegados aí, aperceberam-se que o cativeiro tinha acabado, ao verem vários oficiais do Exército Português juntos com comandantes do PAIGC.
Ressalvo, dos sete prisioneiros, o oitavo fugira em Março, o Batista era o único oficialmente dado como morto,os outros tinham sido dados como desaparecidos em combate, ou em poder de (ou capturados por) o IN.
Quando chegou a Lisboa, pagaram-lhe dezoito mil escudos mas, atendendo aos vinte e sete meses de cativeiro (desde Abril de 1972 a Setembro de 1974), deveriam ter-lhe pago vinte e três mil escudos.
(vii) Uma mãe em estado de choque
Chegou ao Porto no dia 17 de Setembro de 1974, à noite. Nesse dia de manhã, alguns oficiais do QG tinham ido preparar a mãe, para a iminente chegada do filho, cuja campa, quase todos os dias, visitava no cemitério de Crestins.
Disse-me o António Batista:
- A minha mãe estava completamente apanhada, entrei em casa,estava sentada, continuou na mesma posição, não disse uma palavra, olhava para mim com uma cara de imenso espanto. Foi muito dificil para mim.
Começaram, de seguida, os problemas burocráticos. Documentos não tinha, ou melhor, tinha uma Certidão de Óbito com o seu nome.
(viii) O único que o ajudou foi o Corvacho [, o antigo capitão do nosso Zé Neto, em Guileje]
Teria que ir a Lisboa, andar de repartição em repartição para resolver todos os problemas. Conseguiu falar pessoalmente com o Comandante da Região Militar Norte, o Eurico Corvacho (2), de quem diz ter sido a única pessoa que mais o auxiliou naquela fase complicada da sua vida, conseguindo inclusive que ele recebesse os cinco mil escudos que o Exército lhe ficara a dever, quando da sua chegada.
Precisava de ir a Lisboa, ía ao QG ter com o Corvacho, ele mandava passar uma Guia de Marcha para Lisboa, ficando instalado no Depósito Geral de Adidos, os dias necessários para tentar resolver a sua situação.
Tinha inclusive, facilidades de transporte militar, em Lisboa. Do seu antigo comandante de batalhão[, o BCAÇ 3872, com sede em Galomaro, sector L5 da Zona Leste] nunca teve uma palavra e, pelo que me apercebi, das duas vezes que esteve com o Lourenço [, o antigo capitão da sua companhia, a CCAÇ 3490], este também não lhe deu qualquer apoio. Como eu disse no início, é um homem humilde, sem rancores e, sendo assim, cagaram-se - é o termo - para os problemas do homem.
Andou nestas idas e vindas para Lisboa durante alguns meses, até ter de novo documentos que o davam como vivo e válido.
O ex- Alf Mil Médico Alfredo Pinheiro de Azevedo, em 1972 e hoje
Fotos: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.
O Álvaro Basto tem uma questão pertinente (3). No dia da emboscada, ele e o Alf Mil Médico Azevedo, que prestava assistência no Xitole e no Saltinho, foram a este último quartel, afim de passarem as respectivas Certidões de Óbito. O Dr Azevedo, apesar das insistências do Lourenço [, capitão da CART 3490], recusou-se a passar certidões daqueles corpos carbonizados e desmembrados.
Pergunta o Álvaro e agora também eu pergunto:
- Quem assinou as ditas certidões?
O Fur Mil Enf Álvaro Basto, em 1972 e hoje.
Fotos: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.
Por sua vez, o António Batista é assaltado por uma outra perplexidade:
- Tenho desde 6ª feira outra dúvida - diz-me ele – Um conterrâneo meu, da Maia, António Oliveira Azevedo, ía também a monte na GMC, tendo sido dado como desaparecido em combate. Nunca apareceu. Acontece que, de Maio a Agosto [de 1974], tempo que ainda permaneci no Saltinho, jamais ouvi falar em terem sido dados como desaparecidos em combate qualquer dos militares que iam na GMC. Nunca os meus FurMil Mário Rui e Dinis, assim como os meus primeiros Cabos Cosme e Pina, que fizeram a recolha dos corpos, me falaram no Soldado Azevedo.
Aquilo que se dizia era que o Batista - este viram-no ser apanhado ! - devia ter sido dado como desaparecido em combate, situação a que o Lourenço se tinha oposto. O Cosme continua a não se lembrar deste facto, infelizmente, neste momento,não tenho o contacto do Mário Rui e o Dinis é da Terceira, Açores. Também não tenho qualquer contacto dele e o Pina, por sua vez, morreu há um ano. Terei que deslindar esta dúvida por outros meios.
Agora vem o meu sentimento da mais profunda revolta. Há uns dez anos, por motivos relacionados com a reforma, o António Batista pediu uma 2ª via da Caderneta Militar. Nesta consta o seguinte: incorporado em Julho de 1971 no RI 13 em Vila Real, passando à disponibilidade em Novembro de 1974.
Filhos de puta! ... Onde está a ida para a Guiné? Onde estão os 27 meses do Batista como prisioneiro de guerra? Apagaram quase 4 anos da sua vida. Verdadeiramente lamentável.
No consulado do Ministro Portas, o Batista fez uma exposição sobre a sua situação de ex-combatente e prisioneiro de guerra. Até hoje não teve qualquer resposta.
Paulo Santiago
(Ex-Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
(2) Vd. posts de:
24 de Fevereiro de 2006 >Guiné 63/74 - DLXXVIII: Corvacho, um homem com honra (João Tunes)
23 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXVII: Corvacho, um capitão de Abril
(A.Marques Lopes)
23 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXVI: O meu capitão, o capitão Corvacho da CART 1613 (1966/68) (Zé Neto)
(3) Vd. post de 26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1888: Tabanca Grande (19): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873 (Xitole, 71/74)
(...) "Eu também estive no Quirafo.. .Já só fui ajudar a identificar os mortos nos balneários do Saltinho. Fui de heli com o médico Dr. Azevedo (se não me engano, que isto da memória às vezes prega-nos partidas)... E imaginem como fiquei ao ler os relatos e testemunhos que aqui foram deixados sobre esse fatídico dia de Abril... Recordo sobretudo e infelizmente o Armandino e os pormenores mais macabros que me levaram a perder o sono durante muito tempo e a recorrer, de forma quase viciante, às diazepinas (valiuns) para dormir e sossegar a mente e o medo...
"Quando após o 25 de Abril leio, uma bela manhã, na primeira página do Notícias do Porto a reportagem do morto que, afinal, estava vivo, a visitar a sua campa no cemitério de S. Mamede Infesta com a namorada que afinal já tinha casado com outro porque se julgava livre, imaginem como fiquei!... Era mesmo o tal transmissões que foi alapando na emboscada do Quirafo. Durante anos guardei a reportagem do jornal mas acabei por deitá-la fora numa dessas minhas alucinadas crises de arrumação compulsiva... Como lamento hoje" (...).
(v) A vida em Madina do Boé
Havia uma relativa liberdade,para os prisioneiros, na zona de Madina do Boé, tanto assim era que um deles, em Março de 74, conseguiu fugir e, acompanhando a margem do Corubal, acabou por chegar ao quartel no Saltinho.
Souberam do 25 de Abril através de informação dada pelos guerrilheiros, continuando, apesar daquele acontecimento, a viverem nas mesmas condições. Havia o caso do Cap Peralta, preso em Portugal,e a libertação deles estava dependente da libertação daquele militar cubano.
(vi) A liberdade chega em Setembro de 1974
Um dia em Setembro de 74, não sabe precisar a data certa, meteram-nos num camião, sem os informar ao que iam, levando-os para Aldeia Formosa (Quebo). Chegados aí, aperceberam-se que o cativeiro tinha acabado, ao verem vários oficiais do Exército Português juntos com comandantes do PAIGC.
Ressalvo, dos sete prisioneiros, o oitavo fugira em Março, o Batista era o único oficialmente dado como morto,os outros tinham sido dados como desaparecidos em combate, ou em poder de (ou capturados por) o IN.
Quando chegou a Lisboa, pagaram-lhe dezoito mil escudos mas, atendendo aos vinte e sete meses de cativeiro (desde Abril de 1972 a Setembro de 1974), deveriam ter-lhe pago vinte e três mil escudos.
(vii) Uma mãe em estado de choque
Chegou ao Porto no dia 17 de Setembro de 1974, à noite. Nesse dia de manhã, alguns oficiais do QG tinham ido preparar a mãe, para a iminente chegada do filho, cuja campa, quase todos os dias, visitava no cemitério de Crestins.
Disse-me o António Batista:
- A minha mãe estava completamente apanhada, entrei em casa,estava sentada, continuou na mesma posição, não disse uma palavra, olhava para mim com uma cara de imenso espanto. Foi muito dificil para mim.
Começaram, de seguida, os problemas burocráticos. Documentos não tinha, ou melhor, tinha uma Certidão de Óbito com o seu nome.
(viii) O único que o ajudou foi o Corvacho [, o antigo capitão do nosso Zé Neto, em Guileje]
Teria que ir a Lisboa, andar de repartição em repartição para resolver todos os problemas. Conseguiu falar pessoalmente com o Comandante da Região Militar Norte, o Eurico Corvacho (2), de quem diz ter sido a única pessoa que mais o auxiliou naquela fase complicada da sua vida, conseguindo inclusive que ele recebesse os cinco mil escudos que o Exército lhe ficara a dever, quando da sua chegada.
Precisava de ir a Lisboa, ía ao QG ter com o Corvacho, ele mandava passar uma Guia de Marcha para Lisboa, ficando instalado no Depósito Geral de Adidos, os dias necessários para tentar resolver a sua situação.
Tinha inclusive, facilidades de transporte militar, em Lisboa. Do seu antigo comandante de batalhão[, o BCAÇ 3872, com sede em Galomaro, sector L5 da Zona Leste] nunca teve uma palavra e, pelo que me apercebi, das duas vezes que esteve com o Lourenço [, o antigo capitão da sua companhia, a CCAÇ 3490], este também não lhe deu qualquer apoio. Como eu disse no início, é um homem humilde, sem rancores e, sendo assim, cagaram-se - é o termo - para os problemas do homem.
Andou nestas idas e vindas para Lisboa durante alguns meses, até ter de novo documentos que o davam como vivo e válido.
O ex- Alf Mil Médico Alfredo Pinheiro de Azevedo, em 1972 e hoje
Fotos: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.
O Álvaro Basto tem uma questão pertinente (3). No dia da emboscada, ele e o Alf Mil Médico Azevedo, que prestava assistência no Xitole e no Saltinho, foram a este último quartel, afim de passarem as respectivas Certidões de Óbito. O Dr Azevedo, apesar das insistências do Lourenço [, capitão da CART 3490], recusou-se a passar certidões daqueles corpos carbonizados e desmembrados.
Pergunta o Álvaro e agora também eu pergunto:
- Quem assinou as ditas certidões?
O Fur Mil Enf Álvaro Basto, em 1972 e hoje.
Fotos: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.
Por sua vez, o António Batista é assaltado por uma outra perplexidade:
- Tenho desde 6ª feira outra dúvida - diz-me ele – Um conterrâneo meu, da Maia, António Oliveira Azevedo, ía também a monte na GMC, tendo sido dado como desaparecido em combate. Nunca apareceu. Acontece que, de Maio a Agosto [de 1974], tempo que ainda permaneci no Saltinho, jamais ouvi falar em terem sido dados como desaparecidos em combate qualquer dos militares que iam na GMC. Nunca os meus FurMil Mário Rui e Dinis, assim como os meus primeiros Cabos Cosme e Pina, que fizeram a recolha dos corpos, me falaram no Soldado Azevedo.
Aquilo que se dizia era que o Batista - este viram-no ser apanhado ! - devia ter sido dado como desaparecido em combate, situação a que o Lourenço se tinha oposto. O Cosme continua a não se lembrar deste facto, infelizmente, neste momento,não tenho o contacto do Mário Rui e o Dinis é da Terceira, Açores. Também não tenho qualquer contacto dele e o Pina, por sua vez, morreu há um ano. Terei que deslindar esta dúvida por outros meios.
Agora vem o meu sentimento da mais profunda revolta. Há uns dez anos, por motivos relacionados com a reforma, o António Batista pediu uma 2ª via da Caderneta Militar. Nesta consta o seguinte: incorporado em Julho de 1971 no RI 13 em Vila Real, passando à disponibilidade em Novembro de 1974.
Filhos de puta! ... Onde está a ida para a Guiné? Onde estão os 27 meses do Batista como prisioneiro de guerra? Apagaram quase 4 anos da sua vida. Verdadeiramente lamentável.
No consulado do Ministro Portas, o Batista fez uma exposição sobre a sua situação de ex-combatente e prisioneiro de guerra. Até hoje não teve qualquer resposta.
Paulo Santiago
(Ex-Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
(2) Vd. posts de:
24 de Fevereiro de 2006 >Guiné 63/74 - DLXXVIII: Corvacho, um homem com honra (João Tunes)
23 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXVII: Corvacho, um capitão de Abril
(A.Marques Lopes)
23 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXVI: O meu capitão, o capitão Corvacho da CART 1613 (1966/68) (Zé Neto)
(3) Vd. post de 26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1888: Tabanca Grande (19): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873 (Xitole, 71/74)
(...) "Eu também estive no Quirafo.. .Já só fui ajudar a identificar os mortos nos balneários do Saltinho. Fui de heli com o médico Dr. Azevedo (se não me engano, que isto da memória às vezes prega-nos partidas)... E imaginem como fiquei ao ler os relatos e testemunhos que aqui foram deixados sobre esse fatídico dia de Abril... Recordo sobretudo e infelizmente o Armandino e os pormenores mais macabros que me levaram a perder o sono durante muito tempo e a recorrer, de forma quase viciante, às diazepinas (valiuns) para dormir e sossegar a mente e o medo...
"Quando após o 25 de Abril leio, uma bela manhã, na primeira página do Notícias do Porto a reportagem do morto que, afinal, estava vivo, a visitar a sua campa no cemitério de S. Mamede Infesta com a namorada que afinal já tinha casado com outro porque se julgava livre, imaginem como fiquei!... Era mesmo o tal transmissões que foi alapando na emboscada do Quirafo. Durante anos guardei a reportagem do jornal mas acabei por deitá-la fora numa dessas minhas alucinadas crises de arrumação compulsiva... Como lamento hoje" (...).
Guiné 63/74 - P1984: Em busca de... (5): Nova Vizela (Júlio César)
1. Mensagem do Júlio César (1), ex-1.º Cabo da CCAÇ 2659/BCAÇ 2905, Cacheu, 1971:
Amigo Luís:
Desculpa ocupar a nossa Tertúlia com um assunto tão banal... Será que alguém da nossa tertúlia se lembra em que sítio ficava localizada a "Nova Vizela"
Julgo ter sido em 1973 (já tinha acabado a minha comissão) que o Governador da Guiné, na altura o General António de Spínola, deu o nome de Nova Vizela a um aldeamento novo, algures entre Bafatá e Bissorã.
Será que alguém sabe o nome desse aldeamento e a sua localização exacta?
PS - Um destes dias vou mandar algumas fotos que fiz, durante a minha estadia em 1996, na Guiné - Bissau
Um abraço amigo
Júlio César Ferreira
Vizela
2. Comentário de L.G.:
Júlio: Não maças nada! O nosso blogue também cumpre essa missão de tirar dúvidas e aumentar o nosso conhecimento sobre a nossa querida Guiné. Olha, pesquisando no blogue, encontrei uma referência recente a Nova Vizela. Quem lá esteve, há meses atrás, foi o nosso camarada Carlos Fortunato, ex-Fur Mil da CCAÇ 13, em viagem de saudade até Bissorã. Clica neste post de 17 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1533: De regresso a Bissorã: Uma viagem fantástica (Carlos Fortunato) .
Fico a aguardar as fotos de 1996. Um alfa bravo. Luís.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1940: O dia de S. Martinho que jamais esquecerei... (Júlio César, CCAÇ 2659, 1970/71)
7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1931: Tabanca Grande (24): Júlio César, ex-1º Cabo, CCAÇ 2659 do BCAÇ 2905 (Cacheu, 1970/71
Amigo Luís:
Desculpa ocupar a nossa Tertúlia com um assunto tão banal... Será que alguém da nossa tertúlia se lembra em que sítio ficava localizada a "Nova Vizela"
Julgo ter sido em 1973 (já tinha acabado a minha comissão) que o Governador da Guiné, na altura o General António de Spínola, deu o nome de Nova Vizela a um aldeamento novo, algures entre Bafatá e Bissorã.
Será que alguém sabe o nome desse aldeamento e a sua localização exacta?
PS - Um destes dias vou mandar algumas fotos que fiz, durante a minha estadia em 1996, na Guiné - Bissau
Um abraço amigo
Júlio César Ferreira
Vizela
2. Comentário de L.G.:
Júlio: Não maças nada! O nosso blogue também cumpre essa missão de tirar dúvidas e aumentar o nosso conhecimento sobre a nossa querida Guiné. Olha, pesquisando no blogue, encontrei uma referência recente a Nova Vizela. Quem lá esteve, há meses atrás, foi o nosso camarada Carlos Fortunato, ex-Fur Mil da CCAÇ 13, em viagem de saudade até Bissorã. Clica neste post de 17 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1533: De regresso a Bissorã: Uma viagem fantástica (Carlos Fortunato) .
Fico a aguardar as fotos de 1996. Um alfa bravo. Luís.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1940: O dia de S. Martinho que jamais esquecerei... (Júlio César, CCAÇ 2659, 1970/71)
7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1931: Tabanca Grande (24): Júlio César, ex-1º Cabo, CCAÇ 2659 do BCAÇ 2905 (Cacheu, 1970/71
Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)
Maia > 21 de Julho de 2007 > o encontro com o António da Silva Batista (ao centro). à esquerda, o Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492, Xitole, 1971/74) ; à direita, o Paulo Santiago (ex-Alf Mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)
Fotos: © João Santiago (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do Paulo Santiago que no chegou esta madrugada, dando conta do encontro com o o António da Silva Batista, ex-soldado atirador de infantaria, da CCAÇ 3490 (Saltinho,1972/74), feito prisioneiro peloPAIGC na sequência da emboscada do Quirafo, em17 de Abril de 1972 (1):
Luís: Ontem, acompanhado pelo meu filho João Santiago (que foi o fotógrafo de serviço), fui à Maia encontrar-me com o Állvaro Basto, camarada que descobriu o Batista, através da lista telefónica,e, tendo-lhe telefonado, ficou a saber o local onde o encontrar.
Tinha-te dito pelo telefone estar apreensivo com este encontro, já que ia encontrar-me com um homem dado como morto, prisioneiro de guerra, e , como a emoção por vezes se apodera de mim, não sabia como iria reagir.
Na 5ª feira passada, telefonei também ao Vitor Junqueira, hoje almocei em casa dele, após ter feito uma caminhada, com a minha amiga/camarada Rosário, na Serra de Sicó. Também lhe falei do encontro do dia seguinte e do receio das minhas emoções. Tal como tu me aconselhaste, manter-me calmo e dominar-me, o Vitor deu-me conselho semelhante.
Tinha-te dito pelo telefone estar apreensivo com este encontro, já que ia encontrar-me com um homem dado como morto, prisioneiro de guerra, e , como a emoção por vezes se apodera de mim, não sabia como iria reagir.
Na 5ª feira passada, telefonei também ao Vitor Junqueira, hoje almocei em casa dele, após ter feito uma caminhada, com a minha amiga/camarada Rosário, na Serra de Sicó. Também lhe falei do encontro do dia seguinte e do receio das minhas emoções. Tal como tu me aconselhaste, manter-me calmo e dominar-me, o Vitor deu-me conselho semelhante.
(i) Batista: Um homem precomente envelhecido, mas humilde e sem rancores
Chegados ao café indicado, eu, o Alvaro e o João, encontrámos o Batista. Quando o cumprimento, domino o sentimento emotivo com alguma facilidade. Estava perante um homem lúcido, de aspecto - é a minha opinião - mais envelhecido que aquele que deveria apresentar, para a idade que tem (58 anos), mas sem apresentar qualquer sintoma de perturbação psíquica, o que vim a confirmar durante a nossa conversa.
É um homem sem rancores, de uma humildade que me tocou profundamente. Levei o meu Portátil com placa de ligação à Net. Falei-lhe no teu/nosso blogue mas, como deves imaginar, é uma pessoa ao lado destas coisas da blogosfera. Perguntei-lhe se poderia mostrar-lhe a foto da GMC, tirada em Fevereiro de 2005, e a foto do Paulo Malu, comandante da emboscada (2). Quando viu a GMC, vi-lhe qualquer coisa nos olhos, mas dominou essa reacção momentânea. Quanto ao Malu, a cara não lhe diz nada, não é para admirar, passados todos estes anos.
Vamos agora ao dia da emboscada, rectificando algumas imprecisões que me foram transmitidas e que tinha apresentado como verdadeiras. O Batista não era de Transmissões, era Atirador de Infantaria, levando uma G3 com dilagramas. Morreu, de facto, na emboscada um 1º Cabo, Ferreira, Radiotelegrafista, a quem o IN tirou o AVP 1 (3).
Chegados ao café indicado, eu, o Alvaro e o João, encontrámos o Batista. Quando o cumprimento, domino o sentimento emotivo com alguma facilidade. Estava perante um homem lúcido, de aspecto - é a minha opinião - mais envelhecido que aquele que deveria apresentar, para a idade que tem (58 anos), mas sem apresentar qualquer sintoma de perturbação psíquica, o que vim a confirmar durante a nossa conversa.
É um homem sem rancores, de uma humildade que me tocou profundamente. Levei o meu Portátil com placa de ligação à Net. Falei-lhe no teu/nosso blogue mas, como deves imaginar, é uma pessoa ao lado destas coisas da blogosfera. Perguntei-lhe se poderia mostrar-lhe a foto da GMC, tirada em Fevereiro de 2005, e a foto do Paulo Malu, comandante da emboscada (2). Quando viu a GMC, vi-lhe qualquer coisa nos olhos, mas dominou essa reacção momentânea. Quanto ao Malu, a cara não lhe diz nada, não é para admirar, passados todos estes anos.
Vamos agora ao dia da emboscada, rectificando algumas imprecisões que me foram transmitidas e que tinha apresentado como verdadeiras. O Batista não era de Transmissões, era Atirador de Infantaria, levando uma G3 com dilagramas. Morreu, de facto, na emboscada um 1º Cabo, Ferreira, Radiotelegrafista, a quem o IN tirou o AVP 1 (3).
(ii) Deferido o seu requerimento de amparo de mãe, dois dias antes da fatídica emboscada
O Batista já não tinha pai, os irmãos eram mais novos, a mãe vivia com dificuldades, tendo metido um requerimento de amparo de mãe. Este tinha acando de ser deferido e comunicado ao quartel do Saltinho, através de msg, dois dias antes. Aguardava,por isso,regresso à Metrópole. Também por este motivo, tinha pedido ao Alf Armandino para não voltar para o mato. Trabalhava, antes de ir para a tropa, como porteiro, no então chamado Aeroporto de Pedras Rubras [, hoje Aeroporto Sá Carneiro].
Não sabe precisar se alguém,em Madina Buco, avisou o Alf Armandino da presença de um grupo do PAIGC, emboscado no sábado anterior, nas imediações do Quirafo. É verdade que a GMC levava tanto pessoal, militares, milícias e civis, tudo tão apertado, mal se podendo mexerem.
Quando rebentou a emboscada, atirou-se abaixo da viatura, para o lado onde estava o IN, não tendo sido ferido por qualquer tiro. De seguida, lembra-se,ver a GMC incendiar-se no meio de grandes rebentamentos. Há um guerrilheiro, chega junto dele, que estava deitado no terreno entre a viatura e o Bi-Grupo atacante, agarra-lhe na arma e leva-o para o interior da mata.
(iii) Sentiu medo na travessia, a vau, do Rio Corubal, a caminho da fronteira. Em Concacri, foi interrogado pelo Nino e pelo Aristides Pereira
Ninguém lhe bateu. Sentiu medo na travessia do Corubal. Começou a ver os guerrilheiros a entrarem no rio com a água a chegar-lhes ao peito,e o Batista pensou ir morrer afogado pois não sabia nadar.Para seu grande espanto, verificou que havia um cordão de rochas submersas, por onde passaram para o lado do Boé.
Conforme a afirmação do Paulo Malu (2), seguiu de Boké para Conacri num camião.
Seguiram-se 15 dias de isolamento, sendo várias vezes interrogado, nomeadamente pelo Nino Vieira e pelo Aristides Pereira. Nunca foi torturado. Passados os 15 dias, juntaram-no a mais quatro prisioneiros, tendo, mais tarde, aparecido mais três, perfazendo um total de oito.
(iv) Encostado à parede, prestes a ser fuzilado, como eventual represália pelo assassinato de Amílcar Cabral
A comida era à base de arroz, havendo, poucas vezes, alguma carne. Cigarros também muito raramente havia.
A seguir ao assassinato do Amílcar Cabral, houve um dia em que pensou ir ser fuzilado. Um dos guardas encostou-os a uma parede para os liquidar,felizmente,outros guardas,impediram que ele o fizesse.
Os guardas eram guerrilheiros,uns sem um braço, outros sem uma perna, já não aptos para a luta no mato.
Deram-lhe papel,escrevendo várias cartas à família,entregues à Cruz Vermelha,que nunca chegaram ao destino.Terá sido a CV que não as enviou, ou foram interceptadas pela PIDE ?
Também a seguir ao assassinato do Amilcar Cabral,foram deslocados de Conacri para a zona de Madina do Boé, onde viviam em casas de mato semelhantes às da guerrilha.
(Continua)
O Batista já não tinha pai, os irmãos eram mais novos, a mãe vivia com dificuldades, tendo metido um requerimento de amparo de mãe. Este tinha acando de ser deferido e comunicado ao quartel do Saltinho, através de msg, dois dias antes. Aguardava,por isso,regresso à Metrópole. Também por este motivo, tinha pedido ao Alf Armandino para não voltar para o mato. Trabalhava, antes de ir para a tropa, como porteiro, no então chamado Aeroporto de Pedras Rubras [, hoje Aeroporto Sá Carneiro].
Não sabe precisar se alguém,em Madina Buco, avisou o Alf Armandino da presença de um grupo do PAIGC, emboscado no sábado anterior, nas imediações do Quirafo. É verdade que a GMC levava tanto pessoal, militares, milícias e civis, tudo tão apertado, mal se podendo mexerem.
Quando rebentou a emboscada, atirou-se abaixo da viatura, para o lado onde estava o IN, não tendo sido ferido por qualquer tiro. De seguida, lembra-se,ver a GMC incendiar-se no meio de grandes rebentamentos. Há um guerrilheiro, chega junto dele, que estava deitado no terreno entre a viatura e o Bi-Grupo atacante, agarra-lhe na arma e leva-o para o interior da mata.
(iii) Sentiu medo na travessia, a vau, do Rio Corubal, a caminho da fronteira. Em Concacri, foi interrogado pelo Nino e pelo Aristides Pereira
Ninguém lhe bateu. Sentiu medo na travessia do Corubal. Começou a ver os guerrilheiros a entrarem no rio com a água a chegar-lhes ao peito,e o Batista pensou ir morrer afogado pois não sabia nadar.Para seu grande espanto, verificou que havia um cordão de rochas submersas, por onde passaram para o lado do Boé.
Conforme a afirmação do Paulo Malu (2), seguiu de Boké para Conacri num camião.
Seguiram-se 15 dias de isolamento, sendo várias vezes interrogado, nomeadamente pelo Nino Vieira e pelo Aristides Pereira. Nunca foi torturado. Passados os 15 dias, juntaram-no a mais quatro prisioneiros, tendo, mais tarde, aparecido mais três, perfazendo um total de oito.
(iv) Encostado à parede, prestes a ser fuzilado, como eventual represália pelo assassinato de Amílcar Cabral
A comida era à base de arroz, havendo, poucas vezes, alguma carne. Cigarros também muito raramente havia.
A seguir ao assassinato do Amílcar Cabral, houve um dia em que pensou ir ser fuzilado. Um dos guardas encostou-os a uma parede para os liquidar,felizmente,outros guardas,impediram que ele o fizesse.
Os guardas eram guerrilheiros,uns sem um braço, outros sem uma perna, já não aptos para a luta no mato.
Deram-lhe papel,escrevendo várias cartas à família,entregues à Cruz Vermelha,que nunca chegaram ao destino.Terá sido a CV que não as enviou, ou foram interceptadas pela PIDE ?
Também a seguir ao assassinato do Amilcar Cabral,foram deslocados de Conacri para a zona de Madina do Boé, onde viviam em casas de mato semelhantes às da guerrilha.
(Continua)
(Ex-Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 53,
Saltinho, 1970/72)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)
(2) Vd. posts de:
21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)
17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)
12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)
25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)
26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)
28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)
15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)
(3) Vd. post de 20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1681: Efemérides (4): Lista dos mortos no Quirafo (José Martins)
(...) "António Ferreira, 1ºCabo, natural de Cedofeita, Porto" (...).
Vd. também post de 22 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1686: Fichas de unidades (1): BCAÇ 3872, CCAÇ 3489, 3490 e 3491 (Sector L5, Galomaro, 1972/74) (José Martins)
Guiné 63/74 - P1982: Blogoterapia (27): Saudações ao novo co-editor Virgínio Briote e votos de felicidade à equipa (Rui Ferreira)
1. Mensagem do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira, autor do livro de memórias Rumo a Fulacunda:
Meu caro Luís:
Uma vez mais dás provas do grande comandante que deves ter sido em combate e do grande chefe que és hoje.
A nomeação do Virginio Briote (1) para te ajudar a presidir aos destinos do nosso blogue e o rápido aceitar deste são um exemplo de bom senso de ambos, uma inequívoca prova de que estão prontos para os sacrifícios que isso vos trará, que o fazem com dedicação e tal como sempre afirmei em relação aos comandantes de companhia que popularam por esse imenso Portugal de Além-mar, a um bom comandante resultava uma boa unidade. A um mau comandante um bando armado.
Com chefes como vocês dorme a minha alma descansada. Um grande abraço para os três, incluindo claro o Carlos. Que os ventos com que os Deuses do Olimpo fazem recair sobre os eleitos, soprem para o vosso lado.
Sempre fixe
Rui Alexandrino Ferreira
2. Comentário de L.G.:
O meu muito obrigado pelas (imerecidas) referências elogiosas que fazes à minha pessoa, e às minhas qualidades de liderança. O que se passa é que este passeio na blogosfera acabou por ultrapassar-me em grande parte: já não se trata de dar meia dúzias de passos à volta do meu quintal, de modo a poder cultivar as minhas blogarias de luxo - como eu desejava e imaginava - mas sim de uma verdadeira operação a nível de... batalhão.
E aí a coisa pia mais fino: há demasiada gente a levar isto a sério e a pôr até expectativas muito altas neste projecto... Em suma, isto tem que ser mesmo um blogue colectivo, um projecto colectivo...
A minha escolha, primeiro do Carlos Vinhal, e depois do Virgínio Briote, como co-editores, naturalmente que foi ditada pelo conhecimento (pessoal) das suas qualidades pessoais e profissionais e pela percepção da sua disponibilidade: como grandes camaradas que são, aceitaram de imediato partilhar comigo esta tarefa (que já é pesada) de pôr o blogue em dia, dia a dia... Fico muito honrado por eles terem aceite o meu pedido e o meu desafio.
Não penses, entretanto, meu caro Rui, que podes ficar descansado, que a gente não vai mesmo deixar-te descansar... A tua valiosa participação será sempre bem vinda e desejada. Obrigado, sobretudo por eles, o Carlos e o Briote, que estão a sair-se lindamente das agruras da missão...
Mas o teste ainda está por fazer: como eu gosto de lembrar - citando Hersey e Blanchard, dois autores americanos de modelo de liderança popular tanto no mundo dos negócios como das academias militares dos States- , "quando o trabalho do melhor líder fica feito, as pessoas dizem: Fomos nós que o fizémos"... Ou seja: a liderança não é um fim, em si, nem nenhuma qualidade pessoal, especial, dos líderes, mas o trabalho que alguém - que se assume como líder, se comporta como tal e é reconhecido como tal - faz com uma equipa para atingir os objectivos da equipa... É sobretudo trabalhar com e através das pessoas (e às vezes contra algumas pessoas)... Como tu bem sabes, já passaste a tua vida a comandar, a mandar com...
Boa sorte ao nosso projecto comum... Oxalá tenhamos tempo, saúde e vontade para poder prosseguir... Até onde quisermos e pudermos, com o apoio de grandes homens e camaradas como tu e os demais memros da nossa tertúlia, actuais e futuros... E venham mais cinco! LG
___________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1943: Virgínio Briote, novo co-editor do blogue
Meu caro Luís:
Uma vez mais dás provas do grande comandante que deves ter sido em combate e do grande chefe que és hoje.
A nomeação do Virginio Briote (1) para te ajudar a presidir aos destinos do nosso blogue e o rápido aceitar deste são um exemplo de bom senso de ambos, uma inequívoca prova de que estão prontos para os sacrifícios que isso vos trará, que o fazem com dedicação e tal como sempre afirmei em relação aos comandantes de companhia que popularam por esse imenso Portugal de Além-mar, a um bom comandante resultava uma boa unidade. A um mau comandante um bando armado.
Com chefes como vocês dorme a minha alma descansada. Um grande abraço para os três, incluindo claro o Carlos. Que os ventos com que os Deuses do Olimpo fazem recair sobre os eleitos, soprem para o vosso lado.
Sempre fixe
Rui Alexandrino Ferreira
2. Comentário de L.G.:
O meu muito obrigado pelas (imerecidas) referências elogiosas que fazes à minha pessoa, e às minhas qualidades de liderança. O que se passa é que este passeio na blogosfera acabou por ultrapassar-me em grande parte: já não se trata de dar meia dúzias de passos à volta do meu quintal, de modo a poder cultivar as minhas blogarias de luxo - como eu desejava e imaginava - mas sim de uma verdadeira operação a nível de... batalhão.
E aí a coisa pia mais fino: há demasiada gente a levar isto a sério e a pôr até expectativas muito altas neste projecto... Em suma, isto tem que ser mesmo um blogue colectivo, um projecto colectivo...
A minha escolha, primeiro do Carlos Vinhal, e depois do Virgínio Briote, como co-editores, naturalmente que foi ditada pelo conhecimento (pessoal) das suas qualidades pessoais e profissionais e pela percepção da sua disponibilidade: como grandes camaradas que são, aceitaram de imediato partilhar comigo esta tarefa (que já é pesada) de pôr o blogue em dia, dia a dia... Fico muito honrado por eles terem aceite o meu pedido e o meu desafio.
Não penses, entretanto, meu caro Rui, que podes ficar descansado, que a gente não vai mesmo deixar-te descansar... A tua valiosa participação será sempre bem vinda e desejada. Obrigado, sobretudo por eles, o Carlos e o Briote, que estão a sair-se lindamente das agruras da missão...
Mas o teste ainda está por fazer: como eu gosto de lembrar - citando Hersey e Blanchard, dois autores americanos de modelo de liderança popular tanto no mundo dos negócios como das academias militares dos States- , "quando o trabalho do melhor líder fica feito, as pessoas dizem: Fomos nós que o fizémos"... Ou seja: a liderança não é um fim, em si, nem nenhuma qualidade pessoal, especial, dos líderes, mas o trabalho que alguém - que se assume como líder, se comporta como tal e é reconhecido como tal - faz com uma equipa para atingir os objectivos da equipa... É sobretudo trabalhar com e através das pessoas (e às vezes contra algumas pessoas)... Como tu bem sabes, já passaste a tua vida a comandar, a mandar com...
Boa sorte ao nosso projecto comum... Oxalá tenhamos tempo, saúde e vontade para poder prosseguir... Até onde quisermos e pudermos, com o apoio de grandes homens e camaradas como tu e os demais memros da nossa tertúlia, actuais e futuros... E venham mais cinco! LG
___________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1943: Virgínio Briote, novo co-editor do blogue
Guiné 63/74 - P1981: Antologia (60): Assassinato de Amílcar Cabral: O PAIGC, os russos e a Guiné-Conacri (José Milhazes)
1. Texto enviado pelo nosso camarada Jorge Santos, com data de 11 de Julho último:
Envio em anexo um artigo de José Milhazes sobre a Operação do contra-torpedeiro soviético Experiente, na Costa da Guiné, onde atracou em Novembro de 1972.
Cumprimentos
Jorge Santos
2. Artigo do conhecido jornalista português, José Milhazes que vive na Rússia há mais de 30 anos (1) e que tem um blogue chamado Da Rússia:
Da Rússia, blogue de José Milhazes > 30 de Maio de 2006 > Contributos para a História de Portugal - 6 > A Operação do Experiente na Costa da Guiné
O assassinato de Amílcar Cabral, dirigente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), na cidade de Conacri, capital da República da Guiné, a 20 de Janeiro de 1973, continua envolvido em muito mistério, mas a chave de alguns segredos encontram-se nos arquivos ou nos testemunhos de militares soviéticos que acompanharam esse acontecimento de perto.
Em Novembro de 1972, a pedido do Governo da Guiné (Conacri), no porto de Conacri atracou o contra-torpedeiro soviético Experiente (Бывалый), da Armada do Norte, que devia patrulhar a costa desse país africano. O navio de guerra era comandado pelo capitão de fragata Iúri Ilinikh.
Na noite de 20 para 21 de Janeiro de 1973, entraram inesperadamente no Experiente o comandante das Forças Armadas da Guiné Conacri e o conselheiro militar soviético, o major-general Fiodor Tchetcherin. Eles trouxeram a notícia que, por volta das 23 horas, numa das ruas de Conacri, um grupo de desconhecidos tinha assassinado A. Cabral. A sua esposa e alguns membros do Comité Central do PAIGC foram feitos prisioneiros e levados para lanchas que se dirigiram para a Guiné Portuguesa.
As visitas inesperadas pediram, em nome do Presidente do país, Séku Turé, e do embaixador soviético em Conacri, A. Ratamov, ao capitão de fragata que fizesse sair o Experiente a fim de capturar as lanchas.
Às 0 horas e 50 minutos do dia 21 de Janeiro, o contra-torpedeiro pôs-se em marcha com marinheiros soviéticos e soldados guineenses a bordo. Ilinikh enviou para o Estado-Maior da Armada Soviética vários relatórios, mas apenas recebeu instruções para não empregar armas.
Às 5 da manhã, foram detectadas duas das três lanchas que saíram de Conacri. O contra-torpedeiro aproximou-se de uma lancha e prendeu-a com cordas. A segunda lancha rendeu-se ao ver-se na mira de canhões de 130 milímetros. Soldados guineenses entraram nas lanchas, libertaram os reféns, desarmaram os seus ocupantes e conduziram-nos para o Experiente.
Às 15 horas, o contra-torpedeiro regressou a Conacri, rebocando as duas lanchas. A terceira foi capturada por soldados guineenses.
Primeiramente, Iúri Ilinikh foi afastado do cargo devido a ter actuado sem autorização de Moscovo, mas, depois do relatório do major-general Tchitcherine, Ilinikh recuperou o comando do Experiente e recebeu elogios pelas suas "acções ousadas e decididas".
Fonte da ilustração: Da Rússia > Blogue de José Milhazes (com a devida vénia...)
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Nota de L.G.:
(1) Nota autobiogáfica de José Milhazes:
(i) José Manuel Milhazes Pinto nasceu a 2 de Outubro de 1958 na Póvoa de Varzim.
(ii) Começou os estudos secundários na Ordem Missionária dos Combonianos, mas terminou-os no Liceu Eça de Queirós da terra natal.
(iii) Em 1977, parte para a União Soviética a fim de cursar História da Rússia e assistir à “construção do comunismo”.
(iv) Tendo bem mais sorte do que muitos outros estudantes portugueses que foram mandados para os “confins do Império”, pôde levar a cabo os seus estudos na Universidade Estatal de Moscovo (Lomonossov).
(v) Formado em 1983, constituiu família e ficou a residir na URSS, dedicando-se à tradução de obras literárias (Tolstoi, Turgueniev, Erofeev), e políticas (Brejnev, Andropov, Tchernenko, Gorbatchov), bem como de filmes de ficção de língua russa para português.
(vi) A 8 de Agosto de 1989, escreve a primeira crónica para a TSF e, no ano seguinte, com o lançamento do Público, torna-se seu correspondente em Moscovo.
(vii) Em 2002, começa também a colaborar com a SIC.
(viii) A longa permanência na União Soviética e, depois, na Rússia, permitiu-lhe assistir e participar num dos períodos mais agitados do séc. XX: a queda da “cortina de ferro” e a formação de novos Estados no Leste da Europa.
(ix) O gosto pela História e a vontade de aprofundar o estudo dos “laços entre o Partido Comunista Português e o Partido Comunista da União Soviética” leva-o a realizar trabalhos de investigação nos arquivos soviéticos para o Instituto de Ciências Sociais da Universidade Clássica de Lisboa e Fundação Mário Soares.
(x) Actualmente, nas poucas horas livres de que dispõe, prepara a sua tese de doutoramento na Universidade do Porto sobre as "Influências do liberalismo português e espanhol no movimento dezembrista russo de 1825".
sábado, 21 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)
Guiné-Bissau > Instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento > Julho de 2007 > O Paulo Malu, antigo comandante do PAIGC, hoje coronel, e quadro superior da Direcção-Geral de Alfândegas. Foi ele que comandou, em 17 de Abril de 1972, o grupo IN que montou e executou a terrível emboscada contra os militares da CART 3490 (Saltinho, 1972/74) que escoltavam um grupo de civis afectos à construção de uma estrada (Quirafo-Foz do Cantoro).
Segundo o Pepito, o Paulo Malu (apelido provalmente mancanha) é um homem afável, mas que na altura da entrevista não estava na melhor forma, em termos de saúde. No decorrer da entrevista, o Pepito apurou que os guerrilheiros do PAIGC estavam convencidos que a abertura da picada tinha como objectivo levar as NT a tentar a reconquista de Madina do Boé (abandonada em Fevereiro de 1969, alguns dias depois de Mejo, Gandembel e Balana). Recorde-se, por outro lado, que foi o Malu quem levou o nosso camarada Batista, que foi feito prisioneiro, até Conacri, à presença de Amílcar Cabral (LG).
Foto: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do co-editor Virgínio Briote:
Caro Torcato,
Olha, coube-me a mim tratar o assunto Quirafo. Da alma saem-nos sentimentos, contraditórios muitas vezes, aos tropeções às vezes, como lava a espichar para o céu. O contacto com a atmosfera arrefece-a, quando começa a cair, alguma já está pedra. Desculpa esta analogia, num sentido muito figurado. Como já tens dito, Torcato, estou a alinhar palavras umas às outras, sem necessidade de as repensar, sei que as compreendes muito para além delas. A perda de camaradas doeu-nos, como só alguém que por situações destas tenha passado.
Na minha guerra, entre 65 e 66, pessoalmente fui um tipo cheio de sorte. Entrei em várias situações de fogo e, sem estar com a preocupação da estatística, mais de 90%, foram por nós causadas. Mesmo assim, embora com vários feridos, tive um morto no meu grupo. Por uma azelhice dupla, da minha responsabilidade.
O soldado A. A. Maria da Silva (em 1º plano, em Set. 65), com a comissão terminada há mais de 15 dias, depois de várias insistências dele e do chefe de equipa, acabei por permitir que ele alinhasse na op Hermínia (a 1ª heliportagem de assalto na Guiné) e assinei-lhe a sentença de morte. A 2ª responsabilidade é de ordem operacional.
No fogo cruzado que se seguiu depois da largada dos helis (imagem retirada de filme da heliportagem de assalto, op Hermínia, 6 Março 66, Jabadá), dei instruções à equipa de que ele fazia parte para fazer uma manobra, abrir em linha a frente de ataque, para permitir que duas equipas entrassem no acampamento. Foi nesta acção que o António A. Maria da Silva foi atingido por uma única bala. No coração. Passaram-se anos e anos, e ainda hoje é um caso que me atormenta.
A Guiné envolveu-nos, cobriu-nos com uma manta, estivemos abrigados com uma capa com mais que uma face. Aconteceu-nos de tudo, matámos, devastámos populações, cobrimos de napalm tabancas inteiras. No mesmo dia, outro pelotão na mesma área, construía abrigos, tapava com chapas de zinco casas esventradas, atendia crianças, adultos, velhos, distribuía quinino, tirava crianças da barriga das mães, e sabes tão bem como eu que elas quando resolviam parir, parece que combinavam, tratavam de pôr as crianças cá fora quase ao mesmo tempo.
Amámos aquelas terras de uma forma, que às vezes penso, exagero meu, claro, que as amamos mais do que muitos guineense. Mas isto já são exageros meus. A partir de Set de 74, oficialmente, a vida dos guineense a eles diz respeito, ponto final.
Torcato, paro aqui.
Um abraço,
vb
2. Resposta do Torcato Mendonça:
Virgínio Briote
Vou ser rápido; não tenho qualquer problema com Quirafo e, menos ainda, com o actual Coronel Paulo Malu. Fez o trabalho dele e eu fiz o meu. Passei uma vez pelo menos por Quirafo, se tivesse dado de caras com alguém do IN, procurava disparar primeiro.
Sempre, mas sempre, respeitei os homens que do outro lado estavam. Cumprimentei militarmente o Comandante Braimadicô quando, depois de ele ter servido de guia na Lança Afiada, o acompanhei ao helicóptero. Não sou racista. Detesto o que se está a passar em África e noutras Países. Li a reportagem da Única do Expresso, sobre Angola. Dias antes tinha longamente falado (ouvido) alguém a falar de Angola e não só. Não confundo o Povo Guineense, mesmo outros Povos com certos dirigentes, certos políticos, certos detentores de efémero poder. Mas para isso basta olhar para o meu País…
Vim de África e procurei recordar o menos possível…mas certos estímulos, certos acontecimentos punham-me lá. Revolta ouvir os relatos do médico F. Nobre, do Darfur, do…do… por isso fico … ou reajo como posso. Não foi agora o caso. Isto foi uma simples mensagem para um Homem que admiro muito o seu trabalho. Anexo o texto (2). Só que fui ou podia ser entendido como menos elegante…rude, boçal e ter dado, do meu passado de militar uma visão diferente.
Atenção: não esqueço e nunca perdoo as atitudes nojentas… fuzilar amigos meus, não! Desculpo ou aceito porquê? Ainda estou deformado? Talvez! Sou, nesse aspecto, o mesmo militar desse tempo.
Fico super satisfeito com o Doutoramento do L. Amado, em saber do Simpósio e do trabalho da AD, de novas em que me dizem que certos homens e mulheres venceram… V B, para mim só há uma raça, a Humana! E continuava… já li o Livro do Mário Vicente, escrevi-lhe um cartão a agradecer o envio, o texto, o dizer que a guerra é a maior estupidez do homem e que, em ambos os lados, há sentimentos de medo, amor e outros em partilha de vidas interrompidas.
Nós temos o problema do Stress… isso tem que ser tratado já. Passou tanto tempo, tanta promessa. Continua-se a sofrer, a morrer, a viver abafados em álcool ou drogas. Já se falou nisso aqui… não me repito.
Por um Portugal e uma Guiné melhores. Lutemos por isso e façamos terapia, blogoterapia, recordando, aqui, o momento passado, o poilão, a estória vivida nos nossos verdes anos… Tenho que parar…
Faço CC, só por esquecimento não, ao nosso Camarada LG… Fui militar… talvez, neste espaço, ainda seja…
Um abraço
Torcato Mendonça
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Notas de v.b.:
(1) Vd. posts de:
17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)
12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)
(2) Eis a mensagem que o Torcato mandou ao Luís Graça, numa primeira reação, epidérmica, ao Post 1947:
O tipo está de sentinela?
O passado, a memória, o não saber esquecer e menos perdoar. Disse no 1º escrito e, ainda hoje, certamente por má formação minha… é-me difícil… parece que está a olhar quem já partiu. Ou é prémio?
Desculpa, meu Caro Luis, esta deformação. Já não tenho idade, saúde e força para vestir o camuflado. Fica a vontade… disparate meu!
A memória, o ajuste de contas com certo passado. Fico no meu exílio doirado, escolhido e, para me distrair neste final de tarde, vou passear o cão Labrador arraçado, filho de Pluta, sua mãe e, em homenagem a ela, ficou Pluto.
Um abraço,
Torcato Mendonça
Guiné 63/74 - P1979: Da Guiné a Moçambique, era (também) assim que comunicávamos a nossa dor (Beja Santos)
Participação da morte de um combatente, que professava a fé católica. Cortesia do Beja Santos. O Carlos Sampaio (Anadia, 19/11/1946; Nambunde, 2/2/1970), era Alferes Milicinano e correspondia-se com o Beja Santos, de quem era amigo (1).
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 11 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1833: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (49): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (4)
(...) Para o Carlos Sampaio > Inesquecível amigo
"Os teus livros chegaram e já os devorei. A leitura, tal como a oração, é um refúgio e um bálsamo para a alma. Ando sempre com livros embrulhados em plástico, na tentativa vã de eles resistirem às chuvas ou aos campos alagados dos arrozais. Às vezes, quando estamos a esperar os barcos que passam pelo Geba, não resisto a ler umas páginas seja de autores clássicos seja dos poetas da nossa geração, como o Gastão Cruz ou a Fiama.
(...) "Carlos, ajuda-me com o teu conselho já que podes conversar aí com a Cristina, embora eu saiba que estás muito tomado com o preparativo desse batalhão com que vais para Moçambique. A Cristina insiste em vir para Bissau e dar aulas, até eu me poder juntar. Acontece que ninguém fala na minha transferência, antigamente um militar passava cerca de 12 meses em teatro de operações, consta que doravante não vai ser assim, podemos andar a comissão toda em locais de muito risco. Não me sinto no direito de a deixar num estado grande de ansiedade e inclusivamente ficar sozinha até meados do ano que vem.
"Como tu irás certamente experimentar, a guerra é por natureza absorvente: com os militares só falas de guerra, tens que estar permanentemente atento se há comida bem feita na messe ou falta arroz à população civil, levar as crianças e os doentes à consulta médica, há que conversar e estar atento aos problemas das autoridades civis, há que cuidar da segurança do quartel, é um estado de espírito dominado pelo serviço aos outros. Não vejo, pois, circunstância de apoiar este projecto da vinda para Bissau. Prometi à Cristina ir a Bafatá tratar dos documentos na conservatória, mas peço do coração que me ajudes a ver melhor todo este quadro, e diz-me com sinceridade se a minha inquietação tem fundamento.
(...) "A guerra aqui agrava-se muito e confundo-me os ataques que os rebeldes fazem às populações em autodefesa. Hoje não te maço mais, agradeço toda a tua ajuda, é para mim impensável viver sem a tua grande amizade. Deus te ajude na tua comissão que vai começar em breve" (...).
sexta-feira, 20 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1978: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (55): Mataste uma mulher, branco assassino!
Guiné > c. 1968 > Bilhete postal > No verso lê-se: " Guiné Portuguesa > Bilhete postal > 103 - Folclore. Edição exclusiva das Galerias Jota Éme para a Casa Gouvêa. Reprodução Proibida". (Cortesia de Cristina Allen: faz parte de uma colecção de postais ilustrados da Guiné, enviados pelo seu então noivo e futuro marido, Mário Beja Santos).
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados
Mensagem do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):
Caro Luis, aqui vai o episódio da semana passada. Tudo farei para recuperar o atraso e manter o stock de segurança em três episódios. Pelas minhas contas, o próximo será provisoriamente o último do primeiro volume. Conto que tu faças o milagre de encontar ilustrações, não tenho propostas. O Queta vem cá em breve para tirar as fotografias que tu reclamas, muito justamente. Recebe um abraço do Mário.
56º episódio da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 11 de Julho de 2007 (1). Substítulos do autor e do editor.
Mataste uma mulher, branco assassino!
por Beja Santos
(i) Trabalhos e aflições em Finete
Em 1 de Agosto [de 1969], parto para Finete acompanhado de uma dúzia de colaboradores. Assentara com o Casanova e com o Pires o que havia a fazer em Missirá nesta primeira semana do mês, sendo que as idas a Mato de Cão nos seriam sempre comunicadas em Finete, para onde se deslocaria um contigente de 15 homens, respectivamente com morteiro 60, dilagramas e bazuca, e que aqui seria reforçado com milícias, e eu assumiria, sempre que possivel, o comando.
Continuávamos a ter muitos doentes, militares e civis, quase todos os dias o David Payne [, o médico do BCAÇ 2852, em Bambadinca,] atendia sofredores de malária e múltiplos vírus. Levei rações de combate, colchões, mosquiteiros, o indispensável Lion Brand para afugentar a bicharada, algum material de engenharia para apoiar as obras em curso, e, a despeito dos vendavais e novas enxurradas de água, sempre dentro do ciclo "chove agora copiosamente, daqui a um bocado faz sol, troveja depois", recordo um tempo magnífico, patrulhamentos à volta de Boa Esperança, travessia até Canturé e descida até à bolanha de Gambana. Ao fim da tarde do primeiro dia, encontrámos marcas de sandálias de plástico em trilhos que ligavam Gambana até Malandim. Que desaforo! As gentes de Madina passeava-se mesmo junto a Finete.
A 2 [de Agosto], conferi carga de material enquanto os cabos Benjamim Costa, Dominigos Silva, Alcino Barbosa e António Queirós ajudaram nas obras do novo balneário e de um abrigo reforçado, no alto do morro, com uma posição estratégica para os acessos de Malandim. É nessa tarde que escrevo à Cristina:
"Faz agora exactamente um ano que recebi uma guia de marcha para seguir para Bambadinca. Cheguei a 3 de manhã ao cais de Bissau, foi uma longa viagem que acabou ao anoitecer no cais de Bambadica. Eu era o periquito de Missirá. Na tarde do dia seguinte, há-de aparecer o Saiegh acompanhado de Mamadu Camará e Campino, todos me olham como curiosa novidade. Nunca mais esqueci o olhar do Saiegh, dois carvões iluminados, azeitonas brilhantes que não iludiam um grande ressentimento, como vim a comprovar. Nesse dia, em Missirá, a gente da Madina deixou na fonte panfletos a convidarem os colonialistas a desertar; nessa mesma manhã, Uam Sambu, também não muito longe da fonte de Cancumba, viu o seu peito estilhaçado por uma granada mal armadilhada.
"Será uma noite muito difícil, esta primeira noite em Missirá: oiço uma língua que mal percebo, parece um português arcaico entremeado com diferentes linguajares, o que não estava longe da verdade. Choro mansinho dentro do meu mosquiteiro, num abrigo onde se ouve o tossir áspero do rádio de transmissões para onde o Teixeira de vez em quando se dirige. Estou a dimensionar uma pavorosa solidão, depois de ter visto alguns despojos macabros que o Saiegh guardava em frascos. Desculpa as longas descrições, os pormenores entediantes, os sustos que te dei. Sei que sofreste muito com as minhas cartas, com os meus mortos e feridos, as flagelações. Desculpa tudo, estou certo que Deus assim andou connosco, e nos deu força".
(ii) A emboscada em Malandim
E portanto a 3 de Agosto vamos emboscar em Malandim, vamos mostrar a quem se abastece em Mero e Santa Helena que não estamos impassíveis ao descaro. Trabalhou-se até cerca das 5 da tarde, escolhi um grupo de quinze homens, cuidadosamente, com o auxílio do Benjamim Costa e do Domingos Silva expliquei como íamos actuar: ficaríamos em linha numa clareira, muito perto do mato denso que vem da destilaria de aguardente abandonada da fazenda de Malandim; ficaria no meio rodeado do Tcherno e de Mamadu Djau; ninguém dispararia a não ser à minha ordem, e a haver uma retirada viríamos pelo trilho até Finete, deixando os sentinelas de sobreaviso quanto a essa emergência.
Levara para Finete alguns livros, tais como A vida de Charlot, por Georges Sadoul, um volume com as aventuras Sherlock Holmes, um belo livro polícial de Ellery Queen, um romance que mal iniciei de Truman Capote e estava a meio de um policial de Erle Stanley Gardner, O caso do pato afogado. Este último, envolto num plástico, acompanha-me até à enboscada de Malandim.
Estamos devidamente posicionados quando a repentina noite tropical caíu sobre nós. Aqui e ali ainda se ouve um cantil que vai à boca, um mastigar de comida, um pedaço de cola que ajuda a passar o tempo e quebra a secura. Penso mais no dia de amanhã que no de hoje, amanhã quero levar as folhas dos vencimentos a Bambadica, procurar trazer arroz, encomendar comida para a nossa messe em Missirá, ver se já chegaram alguns cunhetes para suprir as munições desaparecidas na noite de 15 de Julho.
(iii) A histérica reacção do Cabo Costa
A 5 de Agosto vou escrever à Cristina:
"Não podes imaginar a dor com que te escrevo, estou chocado e não sei conter a amargura que me trespassa a alma. Tens que me ouvir. Montei uma emboscada na noite de 3 perto de Finete, onde estive até ontem. Aguardávamos com ânimo elevado a borrasca dos céus e o desfiar das horas, até alta madrugada. Eu estava estirado na pequena picada que conduz às ruínas da fazenda de Malandim. Silêncio sem o piar das aves até que, passava das 7, não estávamos ali há mais de uma hora, oiço o brado do Mamadu Camará que passa como um chicote pelas minhas costas: alto, alto já! rodopio, há um vulto que avança para mim, é um manto que me parece esverdeado que vacila diante de mim, não sei se vem armado, crivo-o de balas, oiço um suspiro breve, é como se uma massa mole que me cai nos braços.
"Estala o pânico, ouvem-se passos em fuga, é naturalmente o grupo que se reabastecera em Mero que parte em fuga. Acometido por uma violenta histeria, o cabo Costa pragueja e insulta-me: matou uma mulher, és um branco assassino. Uns procuram dominar o dementado, outros querem caçar os fugitivos, é uma desordem geral com a berraria do cabo Costa que continuava a vociferar e a insultar-me.
"Coisa curiosa, estou sereno, ordeno a retirada para Finete, aqui peço ao Bacari para ir buscar o corpo e os despojos, informo que vamos todos seguir para Bambadinca, sei e sinto que é necessário cortar pela raiz este sinal de insubordinação. Os quilómetros enlameados que levo até Bambadinca dão para pensar no que devo ao Benjamim Lopes da Costa, seguramente o mais culto dos meus cabos, sempre prestável, militar aprumado a quem reconheço a qualidade da solicitude e o valor da lealdade. Mas não se pode passar uma esponja sobre o que aconteceu".
(iv) Uma conversa surreal com o meu comandante, na presença dos meus homens
Atravessado o Geba, parece que corremos até à rampa de Bambadinca, em segundos alcanço a messe de oficiais onde Jovelino Pamplona Corte Real joga bridge. Cá fora fica o grupo acompanhante, tudo gente que presenciou os acontecimentos de Malandim.
Uma conversa quase extraordinária com o Comandante do BCAÇ 2852:
- O que o traz aqui a estas horas?
- Meu Comandante, fizemos uma emboscada perto de Finete, surpreendemos um grupo que ia para Madina, matei um dos elementos, um dos meus cabos perdeu a cabeça e insultou-me, chamando-me "branco assassino". É indispensável que se reponha a ordem. Tem que ficar aqui preso. É a si que compete dar voz de prisão.
- Homem, nem pensar. Na guerra, não se prende toda a gente só porque se perde a cabeça. Fale-lhe a bem, obrigue-o a pedir desculpa, vai ver que não houve insubordinação nenhuma.
- Meu comandante, mantenho com todos os militares em Missirá e Finete uma relação de autoridade e estima que não posso nem quero perder. Não vou agora fazer um relatório com este episódio aldrabado. Não pudemos capturar o inimigo por este desrespeito, este acto insensato que estragou o patrulhameto ofensivo. Os meus soldados nunca entenderiam ter-se feito silêncio sobre este acontecimento. Aliás, não aceito desculpas aos soldados que adormecem no posto, nunca deixo passar em branco as tentativas àqueles que querem pagar reforços para fugir ao serviço. O cabo Costa ou é punido ou eu não volto para Missirá.
- Acalme-se, vamos para o meu gabinete.
E fomos, eu fiz sinal para que todos viessem atrás de nós. Entrei a seguir ao comandante no seu gabinete, a luz acendeu-se, ele sentou-se e voltou a propor-me um exercício de cortesia.
- Veja se serena. Quando se é implacável em excesso, corre-se o risco de perder o verdadeiro respeito que a tropa nos deve ter. O melhor é o cabo ficar aqui, eu converso com ele, eu trago-o à razão.
- Não, meu comandante. O cabo Costa chamou-me branco assassino na presença de todos os camaradas. Sei que é um excesso, conheço as suas qualidades, mas vida militar faz-se de exemplos. Ou ele entra na prisão à sua ordem, ou eu informo os meus soldados que a partir de hoje não os comando. E juro-lhe que não voltarei ao Cuor se não se fizer justiça pelas suas mãos. Asseguro-lhe que não volto atrás.
O comandante olha-me intensamente, o tempo suficiente para perceber que era escusado tentar demover-me. Não estou em pânico nem exaltado, a dor que me atravessa não é reparável por qualquer voz de prisão.
- Bom, vou mandá-lo prender, ele fica à minha custódia. Depois vejo o número de dias de prisão que lhe vou dar.
- Desculpe, o meu comandante vai mandá-lo conduzir para a prisão na nossa presença. Os meus soldados precisam de ver com os seus olhos quem faz justiça, quem castiga a insubordinação.
(v) Oito dias de prisão disciplinar para o Cabo Costa
Levantando-se a custo, como se deslocasse todo o peso do seu corpo e da sua decisão, Jovelino Pamplona Corte Real chama o oficial de dia. Quando este chega, ordena-lhe que conduza o cabo Costa para a prisão, que era qualquer coisa como um galinheiro ali em frente. Apercebendo-se do que estava a acontecer, o Benjamim procurou justificar-se. Insensível a qualquer pedido de reparação, perfilei-me e informei que ia partir imediatamente para Finete.
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Teor da punição dada ao 1º Cabo Benjamim da Costa Lopes, do Pel Caç Nat 52, pelo Cmdt do BCAÇ 2852, Ten Cor Pamplona Corte Real:
"Puno com a pena de 8 (oito) dias de prisão disciplinar, o 1º Cabo nº 82535864 - BENJAMIM LOPES DA COSTA, do Pel Caç Nat 52, por no passado dia 03 de Agosto cerca das 19H00, no decurso de emboscada na estrada FINETE-MALANDIN, perante uma atitude legítima do seu Comandante de Pelotão, dirigiu-se-lhe em tom e termos denotando falta de respeito, seguindo-se-lhe uma crise de nervos e de choro, facto este que inibiu ser adoptada uma medida de perseguição imediata a um grupo IN que se revelara, sobre o qual momentos antes o Comandante do Pelotão tinha aberto fogo e abatido um dos seus elementos.
"Não é mais rigorosamente punido atendendo-se ao seu bom nível operacionmal bem c0mo uma razoável capacidade de colaboração já demonstrada em outras ocasiões, além das desculpas que pouco depois apresentou, alegando o seu temperamento nervoso e emotiona
"Infringiu o dever nº 2 do artº 4º do R.D.M."
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007).
Não falo com ninguém, nem durante a viagem nem depois. Mais tarde, frente a toda a tropa formada na parada de Missirá, leu-se a ordem de serviço com a punição: 8 dias de prisão disciplinar por se ter dirigido ao seu comandante em tom e termos denotando falta de respeito, atitude que impediu a perseguição imediata de um grupo inimigo, porque o seu comandante tinha aberto fogo e abatido um dos seus elementos. E não era mais rigorosamente punido devido às suas qualidades e capacidades de coloboração.
Aquela noite mudara a minha vida. Continuo a adoecer no corpo e na alma. Tenho farfalhada e expectoração, líquen no dorso, sinto tonturas, perdi o apetite, isolo-me. O major de operações continua a exigir-nos emboscadas todos os dias, até de madrugada, nos arredores de Missirá e Finete. Já não consigo inventar efectivos para tanto patrulhamento e emboscada.
E a 4 de Agosto recebo a nota de punição em que os meus 2 dias de prisão simples, após recurso, são mantidos por "tendo-lhe sido chamado à atenção para as deficientes condições de defesa e limpeza existentes no seu aquartelamento, não ter dedicado o máximo do seu interesse à resolução de tais problemas". Acabou-se o sonho de ir a férias, tenho que repensar o que fazer sobre os propósitos do casamento, estou abrasado pelo sofrimento, não sei o que hei-de pensar daquela acusação de "branco assassino".
Vou reagir da nota de punição e peço licença para me dirigir ao Concelho Superior de Justiça e Disciplina do Exército. Sinto-me ofendido por ter dedicado muito interesse ao meu aquartelamento e não aceitar à acusação de que não dediquei o máximo do meu interesse. Pretendo saber o que significa o máximo do interesse, não sei se de uma perspectiva filosófica, religiosa, moral ou militar...
(vi) As minhas leituras, os sinais de futuro
Os mosquitos atenazam, estão mais furiosos nestas noites da época das chuvas, não há Lion Brand que os fulmine. Só verei perseguição idêntica quando formos para aquele buraco infecto que eram as instalações na ponte do rio Udunduma. Ler é um refúgio, depois de escrever nada mais, naquele tempo, me embevece tanto e fortifica a alma. Leio descomprometidamente as histórias do Sherlock Holmes com títulos que nunca mais esquecerei: a Liga dos Cabeças Vermelhas, o Mistério do Vale de Boscombe, a Tiara de Berilos... a dedução, a sagacidade desse senhor de Baker Street 220 empolga-me, revitaliza-me a curiosidada.
Leio de trás para a frente e de frente para trás a vida Charlot. Georges Sadoul escreveu uma biografia brilhante desse génio a quem o cinema deve alguma das suas páginas mais gloriosas: a infância díficil num bairro pobre de Londres; a sua entrada no music-hall e depois na pantomina; depois o teatro e a comédia; os primeiros êxitos nos Estados Unidos e a chegada ao cinema; os grandes filmes a começar por "O garoto de Charlot", "Dia de pagamento", "A quimera do ouro", "O Circo", "Tempos Modernos", "O Ditador", "Monsieur Verdoux", "Luzes da ribalta"; as suas lutas e os seus anseios, a força do desengonçado Charlot e a sua mensagem de paz. Eu lia e relembrava as obras primas que me delíciaram, em vários ciclos que vi dedicados a Chaplin em cineclubes.
Capa do livro de G. Sadoul, A vida de Charlot. Lisboa: Portugália Editora. s/d. (Colecção Livro de Bolso, 26/27).
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007).
O mistério da laranja chinesa de Ellery Queen é um policial histórico, inesquecível. Data de 1934, marca claramente uma ruptura com o policial de aventuras, introduz o enigma e a sua decifração. Neste caso, alguem um milionário coleccionador, aparece assassinado num gabinete fechado, tudo remexido, virado do avesso. Ellery, no grande final, convoca todos os possíveis suspeitos e desmonta a charada com a sua dedução brilhante. Não menos importante que o conteúdo é a magistral capa do Cândido da Costa Pinto para este nº 32 da Colecção Vampiro.
Cópia da capa do romance policila de Ellery Queen, O Mistério da Laranja Chinbesa. Lisboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecxção Vampiro, 32). Capa de Cândido da Costa Pinto
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007).
Este Agosto vai ser um mês duríssimo: o meu esgotamento não se pode resolver, a penúria de meios não pára de aumentar. Como um castigo, à cada vez mais patrulhamentos em Mato de Cão, parece que a guerra se intensifica, de manhã ou à tarde aceno a barcos carregados de jovens fardados de fresco. Lá para o final do mês iremos à primeira versão da "Pato Rufia", que se repetirá em Setembro.
Chega uma boa notícia: Enxalé vai finalmente ser incorporada no nosso sector. Ainda em sigilo, volto lá e almoço com o alferes Taveira. Recebo belas cartas, tento reorganizar a minha vida, como se eu pudesse administrar o meu futuro, Missirá voltará a ser flagelada, a guerra agrava-se para os lados de Mansambo e Xitole. Em Lisboa, tenho afectos inconsoláveis. A minha resposta é de que sou preciso no Cuor. Aqui, a despeito desta guerra, sinto-me útil a quem me quer bem.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. os últimos cinco posts:
6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1927: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Ponta Varela e Mato Cão: Terror no Geba
29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1898: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (53): O ataque a Missirá de 15 de Julho de 1969, visto pelo bravo mas modesto Queta Bald
13 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1948: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (52): Em Bissau, no julgamento do Ieró Djaló
22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)
15 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1851: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (50): Do tiroteiro em Bambadinca na noite de 14 de Junho de 1969 à emboscada da bruxa
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados
Mensagem do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):
Caro Luis, aqui vai o episódio da semana passada. Tudo farei para recuperar o atraso e manter o stock de segurança em três episódios. Pelas minhas contas, o próximo será provisoriamente o último do primeiro volume. Conto que tu faças o milagre de encontar ilustrações, não tenho propostas. O Queta vem cá em breve para tirar as fotografias que tu reclamas, muito justamente. Recebe um abraço do Mário.
56º episódio da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 11 de Julho de 2007 (1). Substítulos do autor e do editor.
Mataste uma mulher, branco assassino!
por Beja Santos
(i) Trabalhos e aflições em Finete
Em 1 de Agosto [de 1969], parto para Finete acompanhado de uma dúzia de colaboradores. Assentara com o Casanova e com o Pires o que havia a fazer em Missirá nesta primeira semana do mês, sendo que as idas a Mato de Cão nos seriam sempre comunicadas em Finete, para onde se deslocaria um contigente de 15 homens, respectivamente com morteiro 60, dilagramas e bazuca, e que aqui seria reforçado com milícias, e eu assumiria, sempre que possivel, o comando.
Continuávamos a ter muitos doentes, militares e civis, quase todos os dias o David Payne [, o médico do BCAÇ 2852, em Bambadinca,] atendia sofredores de malária e múltiplos vírus. Levei rações de combate, colchões, mosquiteiros, o indispensável Lion Brand para afugentar a bicharada, algum material de engenharia para apoiar as obras em curso, e, a despeito dos vendavais e novas enxurradas de água, sempre dentro do ciclo "chove agora copiosamente, daqui a um bocado faz sol, troveja depois", recordo um tempo magnífico, patrulhamentos à volta de Boa Esperança, travessia até Canturé e descida até à bolanha de Gambana. Ao fim da tarde do primeiro dia, encontrámos marcas de sandálias de plástico em trilhos que ligavam Gambana até Malandim. Que desaforo! As gentes de Madina passeava-se mesmo junto a Finete.
A 2 [de Agosto], conferi carga de material enquanto os cabos Benjamim Costa, Dominigos Silva, Alcino Barbosa e António Queirós ajudaram nas obras do novo balneário e de um abrigo reforçado, no alto do morro, com uma posição estratégica para os acessos de Malandim. É nessa tarde que escrevo à Cristina:
"Faz agora exactamente um ano que recebi uma guia de marcha para seguir para Bambadinca. Cheguei a 3 de manhã ao cais de Bissau, foi uma longa viagem que acabou ao anoitecer no cais de Bambadica. Eu era o periquito de Missirá. Na tarde do dia seguinte, há-de aparecer o Saiegh acompanhado de Mamadu Camará e Campino, todos me olham como curiosa novidade. Nunca mais esqueci o olhar do Saiegh, dois carvões iluminados, azeitonas brilhantes que não iludiam um grande ressentimento, como vim a comprovar. Nesse dia, em Missirá, a gente da Madina deixou na fonte panfletos a convidarem os colonialistas a desertar; nessa mesma manhã, Uam Sambu, também não muito longe da fonte de Cancumba, viu o seu peito estilhaçado por uma granada mal armadilhada.
"Será uma noite muito difícil, esta primeira noite em Missirá: oiço uma língua que mal percebo, parece um português arcaico entremeado com diferentes linguajares, o que não estava longe da verdade. Choro mansinho dentro do meu mosquiteiro, num abrigo onde se ouve o tossir áspero do rádio de transmissões para onde o Teixeira de vez em quando se dirige. Estou a dimensionar uma pavorosa solidão, depois de ter visto alguns despojos macabros que o Saiegh guardava em frascos. Desculpa as longas descrições, os pormenores entediantes, os sustos que te dei. Sei que sofreste muito com as minhas cartas, com os meus mortos e feridos, as flagelações. Desculpa tudo, estou certo que Deus assim andou connosco, e nos deu força".
(ii) A emboscada em Malandim
E portanto a 3 de Agosto vamos emboscar em Malandim, vamos mostrar a quem se abastece em Mero e Santa Helena que não estamos impassíveis ao descaro. Trabalhou-se até cerca das 5 da tarde, escolhi um grupo de quinze homens, cuidadosamente, com o auxílio do Benjamim Costa e do Domingos Silva expliquei como íamos actuar: ficaríamos em linha numa clareira, muito perto do mato denso que vem da destilaria de aguardente abandonada da fazenda de Malandim; ficaria no meio rodeado do Tcherno e de Mamadu Djau; ninguém dispararia a não ser à minha ordem, e a haver uma retirada viríamos pelo trilho até Finete, deixando os sentinelas de sobreaviso quanto a essa emergência.
Levara para Finete alguns livros, tais como A vida de Charlot, por Georges Sadoul, um volume com as aventuras Sherlock Holmes, um belo livro polícial de Ellery Queen, um romance que mal iniciei de Truman Capote e estava a meio de um policial de Erle Stanley Gardner, O caso do pato afogado. Este último, envolto num plástico, acompanha-me até à enboscada de Malandim.
Estamos devidamente posicionados quando a repentina noite tropical caíu sobre nós. Aqui e ali ainda se ouve um cantil que vai à boca, um mastigar de comida, um pedaço de cola que ajuda a passar o tempo e quebra a secura. Penso mais no dia de amanhã que no de hoje, amanhã quero levar as folhas dos vencimentos a Bambadica, procurar trazer arroz, encomendar comida para a nossa messe em Missirá, ver se já chegaram alguns cunhetes para suprir as munições desaparecidas na noite de 15 de Julho.
(iii) A histérica reacção do Cabo Costa
A 5 de Agosto vou escrever à Cristina:
"Não podes imaginar a dor com que te escrevo, estou chocado e não sei conter a amargura que me trespassa a alma. Tens que me ouvir. Montei uma emboscada na noite de 3 perto de Finete, onde estive até ontem. Aguardávamos com ânimo elevado a borrasca dos céus e o desfiar das horas, até alta madrugada. Eu estava estirado na pequena picada que conduz às ruínas da fazenda de Malandim. Silêncio sem o piar das aves até que, passava das 7, não estávamos ali há mais de uma hora, oiço o brado do Mamadu Camará que passa como um chicote pelas minhas costas: alto, alto já! rodopio, há um vulto que avança para mim, é um manto que me parece esverdeado que vacila diante de mim, não sei se vem armado, crivo-o de balas, oiço um suspiro breve, é como se uma massa mole que me cai nos braços.
"Estala o pânico, ouvem-se passos em fuga, é naturalmente o grupo que se reabastecera em Mero que parte em fuga. Acometido por uma violenta histeria, o cabo Costa pragueja e insulta-me: matou uma mulher, és um branco assassino. Uns procuram dominar o dementado, outros querem caçar os fugitivos, é uma desordem geral com a berraria do cabo Costa que continuava a vociferar e a insultar-me.
"Coisa curiosa, estou sereno, ordeno a retirada para Finete, aqui peço ao Bacari para ir buscar o corpo e os despojos, informo que vamos todos seguir para Bambadinca, sei e sinto que é necessário cortar pela raiz este sinal de insubordinação. Os quilómetros enlameados que levo até Bambadinca dão para pensar no que devo ao Benjamim Lopes da Costa, seguramente o mais culto dos meus cabos, sempre prestável, militar aprumado a quem reconheço a qualidade da solicitude e o valor da lealdade. Mas não se pode passar uma esponja sobre o que aconteceu".
(iv) Uma conversa surreal com o meu comandante, na presença dos meus homens
Atravessado o Geba, parece que corremos até à rampa de Bambadinca, em segundos alcanço a messe de oficiais onde Jovelino Pamplona Corte Real joga bridge. Cá fora fica o grupo acompanhante, tudo gente que presenciou os acontecimentos de Malandim.
Uma conversa quase extraordinária com o Comandante do BCAÇ 2852:
- O que o traz aqui a estas horas?
- Meu Comandante, fizemos uma emboscada perto de Finete, surpreendemos um grupo que ia para Madina, matei um dos elementos, um dos meus cabos perdeu a cabeça e insultou-me, chamando-me "branco assassino". É indispensável que se reponha a ordem. Tem que ficar aqui preso. É a si que compete dar voz de prisão.
- Homem, nem pensar. Na guerra, não se prende toda a gente só porque se perde a cabeça. Fale-lhe a bem, obrigue-o a pedir desculpa, vai ver que não houve insubordinação nenhuma.
- Meu comandante, mantenho com todos os militares em Missirá e Finete uma relação de autoridade e estima que não posso nem quero perder. Não vou agora fazer um relatório com este episódio aldrabado. Não pudemos capturar o inimigo por este desrespeito, este acto insensato que estragou o patrulhameto ofensivo. Os meus soldados nunca entenderiam ter-se feito silêncio sobre este acontecimento. Aliás, não aceito desculpas aos soldados que adormecem no posto, nunca deixo passar em branco as tentativas àqueles que querem pagar reforços para fugir ao serviço. O cabo Costa ou é punido ou eu não volto para Missirá.
- Acalme-se, vamos para o meu gabinete.
E fomos, eu fiz sinal para que todos viessem atrás de nós. Entrei a seguir ao comandante no seu gabinete, a luz acendeu-se, ele sentou-se e voltou a propor-me um exercício de cortesia.
- Veja se serena. Quando se é implacável em excesso, corre-se o risco de perder o verdadeiro respeito que a tropa nos deve ter. O melhor é o cabo ficar aqui, eu converso com ele, eu trago-o à razão.
- Não, meu comandante. O cabo Costa chamou-me branco assassino na presença de todos os camaradas. Sei que é um excesso, conheço as suas qualidades, mas vida militar faz-se de exemplos. Ou ele entra na prisão à sua ordem, ou eu informo os meus soldados que a partir de hoje não os comando. E juro-lhe que não voltarei ao Cuor se não se fizer justiça pelas suas mãos. Asseguro-lhe que não volto atrás.
O comandante olha-me intensamente, o tempo suficiente para perceber que era escusado tentar demover-me. Não estou em pânico nem exaltado, a dor que me atravessa não é reparável por qualquer voz de prisão.
- Bom, vou mandá-lo prender, ele fica à minha custódia. Depois vejo o número de dias de prisão que lhe vou dar.
- Desculpe, o meu comandante vai mandá-lo conduzir para a prisão na nossa presença. Os meus soldados precisam de ver com os seus olhos quem faz justiça, quem castiga a insubordinação.
(v) Oito dias de prisão disciplinar para o Cabo Costa
Levantando-se a custo, como se deslocasse todo o peso do seu corpo e da sua decisão, Jovelino Pamplona Corte Real chama o oficial de dia. Quando este chega, ordena-lhe que conduza o cabo Costa para a prisão, que era qualquer coisa como um galinheiro ali em frente. Apercebendo-se do que estava a acontecer, o Benjamim procurou justificar-se. Insensível a qualquer pedido de reparação, perfilei-me e informei que ia partir imediatamente para Finete.
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Teor da punição dada ao 1º Cabo Benjamim da Costa Lopes, do Pel Caç Nat 52, pelo Cmdt do BCAÇ 2852, Ten Cor Pamplona Corte Real:
"Puno com a pena de 8 (oito) dias de prisão disciplinar, o 1º Cabo nº 82535864 - BENJAMIM LOPES DA COSTA, do Pel Caç Nat 52, por no passado dia 03 de Agosto cerca das 19H00, no decurso de emboscada na estrada FINETE-MALANDIN, perante uma atitude legítima do seu Comandante de Pelotão, dirigiu-se-lhe em tom e termos denotando falta de respeito, seguindo-se-lhe uma crise de nervos e de choro, facto este que inibiu ser adoptada uma medida de perseguição imediata a um grupo IN que se revelara, sobre o qual momentos antes o Comandante do Pelotão tinha aberto fogo e abatido um dos seus elementos.
"Não é mais rigorosamente punido atendendo-se ao seu bom nível operacionmal bem c0mo uma razoável capacidade de colaboração já demonstrada em outras ocasiões, além das desculpas que pouco depois apresentou, alegando o seu temperamento nervoso e emotiona
"Infringiu o dever nº 2 do artº 4º do R.D.M."
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007).
Não falo com ninguém, nem durante a viagem nem depois. Mais tarde, frente a toda a tropa formada na parada de Missirá, leu-se a ordem de serviço com a punição: 8 dias de prisão disciplinar por se ter dirigido ao seu comandante em tom e termos denotando falta de respeito, atitude que impediu a perseguição imediata de um grupo inimigo, porque o seu comandante tinha aberto fogo e abatido um dos seus elementos. E não era mais rigorosamente punido devido às suas qualidades e capacidades de coloboração.
Aquela noite mudara a minha vida. Continuo a adoecer no corpo e na alma. Tenho farfalhada e expectoração, líquen no dorso, sinto tonturas, perdi o apetite, isolo-me. O major de operações continua a exigir-nos emboscadas todos os dias, até de madrugada, nos arredores de Missirá e Finete. Já não consigo inventar efectivos para tanto patrulhamento e emboscada.
E a 4 de Agosto recebo a nota de punição em que os meus 2 dias de prisão simples, após recurso, são mantidos por "tendo-lhe sido chamado à atenção para as deficientes condições de defesa e limpeza existentes no seu aquartelamento, não ter dedicado o máximo do seu interesse à resolução de tais problemas". Acabou-se o sonho de ir a férias, tenho que repensar o que fazer sobre os propósitos do casamento, estou abrasado pelo sofrimento, não sei o que hei-de pensar daquela acusação de "branco assassino".
Vou reagir da nota de punição e peço licença para me dirigir ao Concelho Superior de Justiça e Disciplina do Exército. Sinto-me ofendido por ter dedicado muito interesse ao meu aquartelamento e não aceitar à acusação de que não dediquei o máximo do meu interesse. Pretendo saber o que significa o máximo do interesse, não sei se de uma perspectiva filosófica, religiosa, moral ou militar...
(vi) As minhas leituras, os sinais de futuro
Os mosquitos atenazam, estão mais furiosos nestas noites da época das chuvas, não há Lion Brand que os fulmine. Só verei perseguição idêntica quando formos para aquele buraco infecto que eram as instalações na ponte do rio Udunduma. Ler é um refúgio, depois de escrever nada mais, naquele tempo, me embevece tanto e fortifica a alma. Leio descomprometidamente as histórias do Sherlock Holmes com títulos que nunca mais esquecerei: a Liga dos Cabeças Vermelhas, o Mistério do Vale de Boscombe, a Tiara de Berilos... a dedução, a sagacidade desse senhor de Baker Street 220 empolga-me, revitaliza-me a curiosidada.
Leio de trás para a frente e de frente para trás a vida Charlot. Georges Sadoul escreveu uma biografia brilhante desse génio a quem o cinema deve alguma das suas páginas mais gloriosas: a infância díficil num bairro pobre de Londres; a sua entrada no music-hall e depois na pantomina; depois o teatro e a comédia; os primeiros êxitos nos Estados Unidos e a chegada ao cinema; os grandes filmes a começar por "O garoto de Charlot", "Dia de pagamento", "A quimera do ouro", "O Circo", "Tempos Modernos", "O Ditador", "Monsieur Verdoux", "Luzes da ribalta"; as suas lutas e os seus anseios, a força do desengonçado Charlot e a sua mensagem de paz. Eu lia e relembrava as obras primas que me delíciaram, em vários ciclos que vi dedicados a Chaplin em cineclubes.
Capa do livro de G. Sadoul, A vida de Charlot. Lisboa: Portugália Editora. s/d. (Colecção Livro de Bolso, 26/27).
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007).
O mistério da laranja chinesa de Ellery Queen é um policial histórico, inesquecível. Data de 1934, marca claramente uma ruptura com o policial de aventuras, introduz o enigma e a sua decifração. Neste caso, alguem um milionário coleccionador, aparece assassinado num gabinete fechado, tudo remexido, virado do avesso. Ellery, no grande final, convoca todos os possíveis suspeitos e desmonta a charada com a sua dedução brilhante. Não menos importante que o conteúdo é a magistral capa do Cândido da Costa Pinto para este nº 32 da Colecção Vampiro.
Cópia da capa do romance policila de Ellery Queen, O Mistério da Laranja Chinbesa. Lisboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecxção Vampiro, 32). Capa de Cândido da Costa Pinto
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007).
Este Agosto vai ser um mês duríssimo: o meu esgotamento não se pode resolver, a penúria de meios não pára de aumentar. Como um castigo, à cada vez mais patrulhamentos em Mato de Cão, parece que a guerra se intensifica, de manhã ou à tarde aceno a barcos carregados de jovens fardados de fresco. Lá para o final do mês iremos à primeira versão da "Pato Rufia", que se repetirá em Setembro.
Chega uma boa notícia: Enxalé vai finalmente ser incorporada no nosso sector. Ainda em sigilo, volto lá e almoço com o alferes Taveira. Recebo belas cartas, tento reorganizar a minha vida, como se eu pudesse administrar o meu futuro, Missirá voltará a ser flagelada, a guerra agrava-se para os lados de Mansambo e Xitole. Em Lisboa, tenho afectos inconsoláveis. A minha resposta é de que sou preciso no Cuor. Aqui, a despeito desta guerra, sinto-me útil a quem me quer bem.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. os últimos cinco posts:
6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1927: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Ponta Varela e Mato Cão: Terror no Geba
29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1898: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (53): O ataque a Missirá de 15 de Julho de 1969, visto pelo bravo mas modesto Queta Bald
13 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1948: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (52): Em Bissau, no julgamento do Ieró Djaló
22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)
15 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1851: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (50): Do tiroteiro em Bambadinca na noite de 14 de Junho de 1969 à emboscada da bruxa
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