sexta-feira, 12 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25378: Consultório Militar do José Martins (76): Dia 16 de Março de 1974 - Parte I - Antes do dia


O nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), em mensagem do dia 10 de Abril de 2024, enviou-nos um desenvolvido trabalho de sua autoria dedicado à primeira tentativa de derrube do regime vigente, ocorrida no dia 16 de Março de 1974, conhecida por Levantamento ou Golpe das Caldas, por ser protagonizada por militares do antigo RI 5.


Dia 16 de Março de 1974 - Parte I

Porta de Armas do extinto RI5
Foto com a devida vénia a heportugal

Antes do dia

Procurando atenuar, as carências em termos de quadros militares intermédios, fundamentais para a continuação da Guerra do Ultramar, o governo de Marcello Caetano permite, através do Decreto-lei n.º 353/73 de 13 de Julho, a passagem dos oficiais milicianos ao quadro permanente das armas de Infantaria, Artilharia e Cavalaria, mediante a frequência de um curso intensivo de dois semestres, consecutivos, na Academia Militar.

Quatro dias depois da aprovação do Decreto-lei supra citado, começam a surgir as primeiras contestações ao mesmo, primeiro quase em surdina, mas que rapidamente subiu de tom, com o aparecimento, no dia 20, de modelos para exposições, individuais, para exposições de contestação ao decreto-lei. 

Mesmo em África, apesar da guerra que se travava, em 29 de Agosto, reuniu-se em Bissau um grupo de oficiais, que seria o embrião do movimento, na Guiné. No dia seguinte, dia 30, surgem em diversos quartéis as primeiras reacções públicas de descontentamento dos oficiais do quadro permanente, provenientes da Academia Militar, face às disposições “permissivas” previstas pelo Decreto n.º 353/73 de 13 de Julho.

Perante a contestação, a 14 de Agosto de 1973, em Mafra, na comemoração do Dia da Infantaria, há o anúncio de que o Ministro do Exército, Sá Viana Rebelo (General, na reserva), encara o recuo do Decreto-lei, objecto da contestação.

A 17 de Agosto de 1973 é entregue, ao Director do Serviço de Pessoal, uma exposição manifestando o desagrado dos oficiais oriundos da Academia Militar.

A publicação do decreto-lei 409/73 de 20 de Agosto, corrige alguns aspectos do DL 353/73, referente às carreiras dos oficiais do Exército. Os oficiais superiores ficam de fora do regime geral, mas mantém-se para capitães e subalternos.

O ambiente vivido nas Forças Armadas, na sequência do Decreto-lei n.º 353/73 de 13 de Julho, leva a que, em 21 de Agosto, se reúnam clandestinamente em Bissau, cinquenta e um oficiais descontentes com as situações concretas de âmbito profissional, quer com a forma com que o governo insistia em perspectivar o problema ultramarino. Aprovam o teor da exposição a enviar às mais altas entidades das Forças Armadas, nomeadamente do Exército e ao Ministro da Educação. Esta reunião é considerada como sendo a reunião fundadora do “Movimento dos Capitães”.

A reunião dos oficiais, em Bissau no dia 25 de Agosto, decidem assinar colectivamente a exposição anteriormente aprovada, elegem uma comissão do “Movimento dos Capitães”, constituída pelos Capitães Almeida Coimbra, Matos Gomes, Duran Clemente e António Caetano, substituído, depois, por Sousa Pinto.
Dirigida ao Presidente da Republica, Presidente do Conselho, Ministros da Defesa, do Exército e da Educação Nacional, assim como ao Subsecretário de Estado do Exército, 51 oficiais do Quadro Permanente, sendo 45 capitães e 6 subalternos, assinam, em 28 de Agosto de 1973, o documento entretanto elaborado. O mesmo é assinado, entre outros por Manuel Monge. Jorge Golias, Salgueiro Maia, Matos Gomes, Duran Clemente e Otelo Saraiva de Carvalho.

Para preparar a reunião agendada, para o dia 9 de Setembro, houve um encontro em casa de Diniz de Almeida, onde estiveram presentes Ponces de Carvalho, Sousa e Castro, Bicho Beatriz, Vasco Lourenço, Rosário Simões, Marques Júnior e o anfitrião, onde ultimaram os preparativos para o encontro alargado.

Nessa reunião, com vários oficiais de todas as armas e serviços, realizada no dia 9, em Monte Sobral, perto de Évora, a maioria dos cento e trinta e seis militares presentes decide assinar um documento dirigido ao Presidente do Conselho, com conhecimento ao Presidente da Rehpublica. O documento seria posteriormente posto a circular para recolha de assinaturas, dando continuidade ao processo de contestação iniciado na Guiné em 21 de Agosto, reagindo aos Decretos-Lei n.º 353/73 e 409/73.

Em 10 e 12 de Setembro e à semelhança do que se passou na Guine em 28 de Agosto, foi a vez de se pronunciarem os oficiais do Quadro Permanente, nas então províncias de Angola e Moçambique. A 10, em Angola, 94 oficiais, assinam uma exposição que enviam ao Presidente do Conselho, em que realçam que a entrada em vigor dos Decretos-Lei 353/73 e 409/73, provocará «uma onda de descontentamento generalizada pelo menos na classe de oficiais do quadro permanente directamente afectados». No dia 12, em Moçambique, foi a vez de 107 oficiais em serviço, assinarem uma exposição de teor idêntico.

Reunião do Movimento de Capitães em Luanda, no dia 21 de Setembro, onde se decide a apresentação de um pedido individual de demissão de oficial do exército, caso se verifique a entrada em vigor dos documentos contestados. É constituído o Movimento dos Capitães em Angola, com uma comissão constituída pelos Capitães Vilas Boas, Sousa Guedes, Américo Moreno, Soares e Rui Tomás.

Em reunião de 26 de Setembro, o Conselho Superior do Exército reúne-se, tendo na agenda a discussão do “problema" dos capitães. Só o General Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, argumenta a favor da revisão dos decretos. Nesse mesmo dia, em São Bento, é entregue ao Presidente do Conselho, pelo Major Hugo dos Santos e pelo Capitão Vasco Lourenço, o documento assinado por 107 oficiais em serviço em Moçambique.

O Exército e a Marinha iniciam, em 1 de Outubro, os primeiros contactos. A partir desta data há contactos com os Capitão-Tenente (equivalente a Major) Costa Correia e Almada Contreiras, por parte da Armada, e pelo Exército os Majores Hugo dos Santos e Vítor Alves. Para elementos de ligação, pela parte da Marinha, o 1.º Tenente Vidal Pinho e o 2.º Tenente Pedro Lauret, a quem, mais tarde, se juntará o Capitão-Tenente Vítor Crespo. O posto de 1.º e 2.º Tenente corresponde a Capitão e Tenente.

Reunião, no dia 3 de Outubro, o Movimento dos Capitães com a presença de um representante de Angola, reúne-se em Lisboa, em que é sugerida a comissão representativa deverá rodar os seus elementos.

A 6 de Outubro, na reunião alargada do Movimento dos Capitães, em Lisboa e realizada em quatro locais simultaneamente, nas casas dos Capitães Rui Rodrigues, Mendoza Frazão, Antero Ribeiro da Silva e Diniz de Almeida. Além dos delegados da quase totalidade das unidades e estabelecimentos militares, assim como um delegado de Angola. Na troca de impressões, que duram até de madrugada, ficam três hipóteses:
i) Apresentação, individual e/ou colectivamente, a demissão de oficial;
ii) Ausência do serviço, mantendo-se fora do quartel ou estabelecimento;
iii) Manter-se no quartel ou estabelecimento, sem desempenhar as funções.

Vence a primeira hipótese e são elaborados dois documentos, para demissão individual ou colectiva, que a Comissão Coordenadora fará circular para serem assinadas, que devolvidas, ficariam à guarda da Comissão. Estes documentos nunca serão utilizados, pois os decretos serão revogados.

O Movimento de Capitães, a 7 de Outubro, consolida as ligações, a solidariedade e os canais de divulgação de informações, dentro dos quartéis, na metrópole e no ultramar. É eleita uma Comissão Coordenadora, que passa a liderar o processo de contestação.
Perante o desagrado e contestação dos Decretos-Lei, que têm vindo a ser referidos, em 12 de Outubro de 1974, a 1ª Repartição do Estado-Maior do Exército (Operações e Informações), remete, a todas as unidades do Exército, uma circular que anuncia que está a estudar, caso a caso, a situação de todos os oficiais abrangidos, pelo que, na prática, é suspenso. Nesse mesmo dia, a Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães, alerta para a necessidade de não haver desmobilização, pela suspensão dos decretos.

Porém, em 15 desse mês de Outubro de 1973, o Movimento dos Capitães de Moçambique, reúne-se em Nampula, decidindo prosseguir os objectivos do movimento, apesar da suspensão dos decretos-lei.
O Movimento dos Capitães, das então províncias de Guiné e Angola, reunidos nas cidades capitais das províncias, manifestam seguir os objectivos do movimento.

Para que não houvesse desmobilização, com o anúncio da possível revogação dos Decretos-Lei 353/73 e 409/73, a Comissão Coordenadora emite, em 19 e 23 de Outubro, dando nota das acções levadas a efeito pelo movimento e a necessidade de continuar; e a 29 envia, aos oficiais do movimento nos Açores, uma carta de esclarecimento sobre esta necessidade.

Por circular do Movimento dos Capitães, os oficiais do movimento são alertados que, por ter sido assinado um documento colectivo, os oficiais em serviço na Guiné poderão vir a sofrer consequências disciplinares. Estava-se a 1 de Novembro de 1973 e era Governador e Comandante-Chefe o General Bettencourt Rodrigues.

Em 4 de Novembro de 1973, os oficiais do quadro oriundos de milicianos, reúnem-se em Porto de Mós, elegendo uma comissão do respectivo movimento
Na reunião realizada, em 6 de Novembro de 1973, em casa de Mariz Fernandes, manifestam-se os primeiros atritos no âmbito da Comissão Coordenadora, e é discutida uma agenda de trabalhos, bastante longa. Foi então aprovado um regulamento da mesa, para utilização nas reuniões seguintes.

Nova reunião da Coordenadora, a 10 do mesmo mês, em que se acentua o conflito já existente.

Dois dias depois, na reunião do dia 12 em Aveiras de Cima, o conflito mantém-se: por um lado, Mariz Fernandes e Sanches Osório defendem que apenas se deve visar a solução dos problemas profissionais, enquanto, Vasco Lourenço e Dinis de Almeida defendem o avanço do movimento não excluindo qualquer hipótese. A Comissão Coordenadora demite-se, ficando em gestão até nova eleição.

A 22 de Novembro, num comunicado do Movimento, é defendida a necessidade de manter a mobilização em torno dos objectivos traçados. Nesse dia, em documento elaborado por Lavoura Lopes, Calvino e Guerreiro, reivindicando para os deficientes das Forças Armadas, o mesmo que o Movimento dos Capitães. Reunião do Movimento dos Capitães, realizada na Parede em 24 de Novembro, o Tenente-Coronel Luís Banazol diz que: « [ … ] Não tenhamos ilusões: o governo só sai a tiro e os únicos capazes de o fazer somos nós, mais ninguém!».

Reunião em Óbidos, em 1 de Dezembro de 1973, do Movimento dos Capitães, em que é eleita uma comissão coordenadora alargada e votados os nomes dos oficiais generais a contactar pelo movimento: Generais António de Spínola e Costa Gomes.
No Dia da Artilharia e da sua Padroeira Santa Barbara, dia 4 de Dezembro, o ministro Alberto de Andrade e Silva, discursando nas cerimónias anuncia que vão haver benefícios salariais para os oficiais das Forças Armadas.

A 5 de Dezembro de 1973, na Costa da Caparica, reúnem-se os membros da Comissão Coordenadora e os oficiais Eurico Corvacho, Tomás Ferreira, Ataíde Banazol e Vasco Gonçalves, para discutir as hipóteses saídas da reunião de Óbidos, sendo aprovada, por maioria, a terceira: «continuar a apresentar ao governo reivindicações de carácter exclusivamente militar, e com a maior realidade, mas de natureza tal que o executivo não tenha possibilidades de as satisfazer, originando-se assim uma forma de pressão que, na melhor das hipóteses, leve à demissão do próprio governo, e, na pior, ao devido encaminhamento para a primeira hipótese». É eleita a direcção da Comissão Coordenadora, que irá manter-se até 25 de Abril. Constituem-na Vasco Lourenço (organização interna e ligações), Vítor Alves (orientação política) e Otelo Saraiva de Carvalho (secretariado). A eles ficam ainda associados Hugo dos Santos e Pinto Soares.

No decorrer de uma aula, em 17 de Dezembro, no Instituto de Altos estudos Militares, o major Carlos Fabião denuncia publicamente o facto de os sectores ultra conservadores do regime e das Forças Armadas estarem a preparar um golpe de Estado.

No dia 20 de Dezembro, foi dada ordem de embarque imediato, para a Guiné, de alguns oficiais do Batalhão de Caçadores n.º 4616/73 comandado pelo Tenente-Coronel Luís Ataíde Banazol. A unidade e as suas companhias orgânicas, só embarcariam no dia 30 desse mês, via marítima.

São mandados apresentar, no Quartel-General, em Lisboa, no dia 21 de Dezembro de 1973, os Capitães Vasco Lourenço e Dinis de Almeida, que são detidos e enviados, o primeiro para o Regimento de Cavalaria n.º 7 e o segundo para o Batalhão de Caçadores n.º 5.

No Diário do Governo n.º 296 da I série, do dia 21 de Dezembro, são publicados quatro Decretos-Lei, de carácter militar:
● O Decreto-Lei n.º 683/73, do Ministério da Defesa Nacional – Gabinete do Ministro, que cria o cargo de Vice-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, expressamente para o General António de Spínola.

● O Decreto-Lei n.º 684/73, do Ministério do Exército, que aumenta o quadro de oficiais com o posto de Coronel, das Armas de Infantaria, Artilharia e Cavalaria, no conjunto, em mais 10 oficiais.

● Os Decretos-Lei n.ºs 685/73 e 686/73, do Ministério do Exército, alteram as regras dos Decretos-Lei n.ºs 353/73 e 408/73, no entanto sem mencionar a sua revogação, criando novas condições de acesso ao Quadro de Oficias, de Sargentos do Quadro Permanente e de Oficiais e Sargentos do Quadro de Complemento. Cria o Quadro Especial de Oficiais.

Dez dias depois da detenção de oficiais oriundos da Academias Militar, toca a vez aos oriundos de Milicianos. No dia 1 de Janeiro de 1974, o Capitão Alberto Ferreira, que estava colocado na Academia Militar, é transferido para Estremoz.

Na reunião da Direcção da Comissão Coordenadora, realizada no dia 7 de Janeiro de 1974 em casa de Vítor Alves, é tomada a decisão de devolver aos signatários, os pedidos de demissão, que tinha sido aprovado na reunião de 6 de Outubro transacto.

A reunião da Comissão Coordenadora, no dia 12 de Janeiro, foi em casa do Major Fernandes da Mota. Consideram ser prematura a ligação com o General Costa Gomes, além de utópica. Nota-se a necessidade de existir um documento para discussão em todos os Ramos que, o Secretariado deverá apresentar no prazo máximo de duas semanas, para ser difundido pelos oficiais.

Na sequência da morte da esposa de um fazendeiro português em resultado de uma acção da Frelimo, no dia 14 de Janeiro, ocorrem em Moçambique incidentes entre colonos brancos e as Forças Armadas, sendo atingida a sua maior gravidade, na noite de 17 para 18 de Janeiro. Os primeiros acusam os segundos de não se empenharem suficientemente na destruição do terrorismo, no restabelecimento e na defesa dos interesses portugueses em África.

No dia 14 ou 15 de Janeiro, dependendo das fontes, é dada posse ao General António de Spínola, como Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, de acordo com o Decreto-Lei n.º 683/73 de 21 de Dezembro. Apesar de ter proferido a frase “As Forças Armadas não são a guarda pretoriana do poder”, o seu discurso de posse não foi tão contundente como fizera crer aos capitães, mas a televisão abstém-se de cobrir o acto. Quando é recebido por Marcelo Caetano, informa-o de que está para breve a apresentação de um livro sobre a situação ultramarina. O Presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, volta a recusar a ideia de um encontro com Senghor para discutir a questão da Guiné.

Aquando do funeral, em Manica das vítimas do ataque de 14 desse mês, realizado no dia 16, milhares de colonos brancos, manifestam-se junto do encarregado do Governo. Nos dias seguintes, 17 e 18, nova manifestação, contra as Forças Armadas, da população branca da zona centro de Moçambique, há confrontos físicos entre os manifestantes e os militares, de que resultam alguns feridos.

No dia 17 de Janeiro de 1974, partida do general Costa Gomes para a Beira, Moçambique, para se inteirar dos acontecimentos ocorridos no território, em que estiveram envolvidos civis brancos e militares. O Estado-Maior General fica entregue ao General António de Spínola.

Chega, no dia 18, ao Movimento dos Capitães uma carta dos oficiais do movimento e em serviço em Moçambique, uma carta em que, no ponto “9” da mesma, são relatados os acontecimentos que envolveram a tropa e a população branca.

António de Spínola, no dia 20 de Janeiro, recebe Alberto Ferreira, Andrade Moura, Pais de Faria e Armando Ramos, que constituem uma delegação dos oficias oriundos de milicianos. António Ramos, ex-miliciano e ajudante-de-campo do General, assiste à reunião, onde os presentes lhe solicitam que advogue a sua causa junto do Governo, entregando-lhe um documento assinado por cerca de 200 oficiais. O General aconselha os oficiais a tentarem um entendimento com os oficiais oriundos de cadetes.

Em 21 de Janeiro, envio para Lisboa de telegrama, da comissão do Movimento dos Capitães em Moçambique, sobre os acontecimentos da Beira. Exortam o movimento a manifestar-se e declinando responsabilidades pela situação, que ameaça prolongar-se, em desprestigio das Forças Armadas.

No dia 22, Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço, encontram-se com o General Spínola, que o informam dos acontecimentos em Moçambique e da indignação manifestada por muitos oficiais, informando, o General, da intenção de difundir uma circular sobre o caso. António de Spínola adverte-os, mas não se opõe.

No dia seguinte, dia 23 de Janeiro, o Movimento dos Capitães divulga informações sobre a situação criada em Moçambique. Exige que os militares deixem de ser enxovalhados. Denuncia a possibilidade de as Forças Armadas virem a ser apresentadas como responsáveis pelo fracasso da política ultramarina do regime. Aventa, finalmente, a hipótese de aqueles acontecimentos terem por objectivo criar condições para a estruturação em Moçambique e Angola de regimes de apartheid semelhantes aos já existentes na África do Sul, na Namíbia e na Rodésia.

Na reunião da Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães realizada em 26 de Janeiro de 1974, em casa de Vasco Lourenço, onde é constatada a necessidade de elaborar um documento que defina as seus objectivos políticos, aprovando um texto elaborado por José Maria Azevedo, que servirá de introdução a um documento programático, a ser aprovado.

A 27 de Janeiro, é posto a circular um abaixo-assinado elaborado pela comissão regional do Movimento dos Capitães, na Beira, Moçambique, sobre os últimos acontecimentos.

Envio, para Lisboa e para as comissões regionais, em 29 de Janeiro, pela comissão do Movimento dos Capitães, em Nampula, de um relato circunstanciado dos acontecimentos da Beira. A Comissão Coordenadora, reunida em casa de Hugo dos Santos, analisa a documentação de que dispões acerca dos acontecimentos havidos em Moçambique, decidindo manifestar total solidariedade com os seus camaradas e com qualquer atitude que os mesmos possam vir a tomar.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 9 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24302: Consultório Militar do José Martins (75): D. Pedro, Duque de Coimbra (José Martins)

Guiné 61/74 - P25377: Notas de leitura (1682): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (20) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Estamos a percorrer o ano de 1971, constou (felizmente, sem fundamento) a que se preparava uma base aérea na Guiné-Conacri para receber aviões soviéticos mais potentes para ações de bombardeamento; Spínola insiste permanentemente de que precisa de aeronaves mais adequadas do que os Fiat, todas as negociações para a compra dessas aeronaves não têm sucesso; ainda se encontrou um paliativo enviando a corveta Jacinto Cândido, mas manteve-se o problema gravíssimo dos radares antiquados. Este é o rescaldo da Operação Mar Verde, semearam-se ventos, estão-se agora a colher as tempestades, a ameaça de ataques aéreos deixou de ser uma hipótese meramente académica; recorde-se que em nenhuma circunstância Amílcar Cabral apoiou estes tipos de bombardeamentos, não obstante terem ido para a URSS uma série de formandos para pilotos dos aviões MiG-17.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (20)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.


Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

A Operação Mar Verde não só produziu um maior isolamento diplomático ao Governo de Marcello Caetano como fez surgir uma nova ameaça ditada pela solidariedade de múltiplos estados com a causa do PAIGC, e a preocupação com uma frente de Força Aérea não era uma leviandade. A perspetiva do envolvimento nigeriano era a maior preocupação de Spínola. O ditador da Nigéria, major-general Yakubu Gowon expressou “o mais profundo choque e indignação com a invasão da Guiné-Conacri por forças estrangeiras prometendo toda e qualquer assistência que Sékou Touré venha a solicitar, militar ou não”. Era uma ameaça credível: Gowon comandava um exército já testado em combates com cerca de 200 mil homens, de longe a maior força na África Subsariana. Portugal irritara o regime de Lagos quando forneceu apoio militar significativo ao Biafra durante a guerra civil (6 de julho 1967 – 15 de janeiro 1970).

Com esperança em garantir amizade com, pelo menos, um Estado africano pós-colonial, e ansioso por enfraquecer o regime nigeriano firmemente anticolonialista, o Governo de Lisboa tinha voluntariamente fornecido apoio logístico vital, formação militar e até aviões de combate aos separatistas do Biafra. Essas aeronaves incluíam quatro T-6 adquiridos da sucata francesa e restaurados e capazes de voar. Como não havia autorização para sobrevoar na maioria dos países africanos, essas aeronaves foram desmontadas e enviadas por mar para Bissau, aqui foram remontados e transportados para campos de aviação controlados pelos rebeldes por pilotos portugueses (um deles, Gil Pinto de Sousa, foi capturado pelas forças nigerianas em 2 de novembro de 1969 e ficou preso até setembro de 1974). Bissalanca também facilitou a transferência de caças Gloster Meteor e de formadores para aviões de combate Fouga Magister, aqui ficou abandonado um Meteor na base e foi destruído um carregamento que transportava componentes para o Magister, aparentemente devido a uma sabotagem por um membro da tripulação. Além disso, Lisboa estabelecera um centro de logística aérea na ilha de S. Tomé, controlado pelos portugueses, fornecia armas, munições, mercenários e suprimentos de socorro para o Biafra. Sem estes apoios, a rebelião tinha entrado em colapso mais cedo, mas o facto é que acirrou a ira dos governantes da Nigéria. A Operação Mar Verde apresentava-se como uma excelente oportunidade para a vingança, mais a mais com a cobertura política adicional do Conselho de Segurança da ONU que emitira uma resolução apelando ao apoio à Guiné-Conacri.

É neste quadro em que se admitia uma intervenção hostil, incluindo meios aéreos que Spínola pede para Lisboa um imediato reforço de bombardeiros capazes de voo noturno, aptos para dissuadir ou retaliar qualquer ataque contra as posições portuguesas na Guiné. Especificamente, Spínola solicitava aeronaves com alcance suficiente para chegar aos principais aeródromos da República da Guiné (Conacri, Labé e Faranah) a partir da base da Força Aérea na ilha do Sal. Faranah era um alvo de interesse muito especial: em finais de 1971, três meses após a Operação Mar Verde, as autoridades portuguesas receberam notícia da construção de uma pista capaz de receber os bombardeiros Ilyushin II-28, três dos quais estavam a operar na Nigéria. A partir de Faranah, estes aviões de construção soviética (na terminologia da NATO “Beagle”) poderiam facilmente carregar bombas de 3000 kg para atingir qualquer alvo na Guiné Portuguesa. Relatórios posteriores acabaram por revelar que esta implantação era infundada.

Em 13 de fevereiro de 1971, dois aviões identificados como MiG-17, atravessaram a fronteira da República da Guiné-Conacri que sobrevoaram Bissau e seus arredores “de uma forma provocatória”, presumivelmente vinham com a missão de fazer o fotorreconhecimento da base de Bissalanca e do porto de Pidjiquiti. Conacri negou qualquer responsabilidade e a partir daí especulou-se sobre a nacionalidade dos aviões e dos pilotos. Os MiG-17 foram considerados da República da Guiné-Conacri ou da Nigéria e pilotados por pessoal destas nações da Argélia ou da Tunísia. Spínola concluiu que esta missão fora executada por pilotos altamente especializados, provavelmente soviéticos. Ficara a confusão sobre a origem dos aviões, a ambiguidade quanto à sua missão e até mesmo se o voo havia ocorrido, mas ficava demonstrado o espectro de deficiências paralisantes para controlar o espaço aéreo da Guiné, faltava a deteção de radares que impediam qualquer possibilidade de reagir mesmo que tivéssemos aviões adequados, protestou Spínola ao seu ministro de Defesa, aproveitando a correspondência para insistir em pedidos anteriores de reforço. Por usa insistência, a Corveta Jacinto Cândido foi designada para defender o porto e a cidade de Bissau com os seus dois canhões antiaéreos de 40 mm, canhões duplos de 76 mm e o radar de vigilância MLA-1B. Era uma medida provisória, o comandante-chefe protestou dizendo que a Guiné estava à merce de um ataque aéreo inimigo.

Neste tempo, havia apenas uma bateria antiaérea na Guiné, com um radar da década de 1940, um canhão de 40 mm e um canhão de 12,7 mm, metralhadores de 12,7 para proteger Bissalanca. Em entre finais de fevereiro e junho de 1971, chegaram três baterias adicionais para proteger Bissau com artilharia antiaérea de 9,4 cm e em três postos críticos (Nova Lamego, Aldeia Formosa e Nhacra), com canhões de 40 mm e 12,7 mm. Estavam limitados pela obsolescência dos radares Mark VI, de curto alcance e com dificuldade em agir em tempo útil, como informou um comandante da bateria. “Era de facto um sistema deficiente”.

Impunha-se um caça de superioridade aérea adequado. De acordo com uma avaliação da Zona Aérea, m 1971, o Fiat “não possui os atributos necessários para esta missão, o único caça da defesa aérea da FAP, o F-86, só poderia ser usado em desafio frontal às restrições norte-americanas”. Em sequência, o secretário de Estado da Aeronáutica, José Pereira do Nascimento, propôs a compra de três dezenas de aeronaves. Dos tipos de caças ocidentais então em produção, foram postos de parte os norte-americanos e os britânicos, devido à continuação das restrições, tal como o Draken sueco, dado que este país não escondia simpatias com o PAIGC. Ficavam na lista os caças Mirage. Pereira Nascimento propôs o Mirage III, comprovado em combate. As autoridades francesas bloquearam o pedido. O Governo de Paris não estava particularmente disposto a prejudicar as relações com o Senegal, que acolhia em permanência uma guarnição e base aérea francesas. Em maio de 1972, Portugal não tinha feito quaisquer progressos nas suas negociações com a França quanto a um acordo para a compra dos Mirage, as conversações foram reabertas em 1973 e 1974, no entanto, os caças Mirage nunca serviram na Força Aérea.

Prisioneiros portugueses em Conacri, libertados na Operação Mar Verde (Arquivo da Defesa Nacional)
Uma imagem da Operação Mar Verde (Coleção Luís Costa Correia)
O ditador nigeriano Major General Yakubu Gowon que prometeu ajuda militar à Guiné-Conacri depois da Operação Mar Verde (Agência Keystone Press)
O caça Gloster “Meteor” abandonado em Bissalanca pelos rebeldes do Biafra (Coleção José Nico)
Pedidos de caças para a Força Aérea versus os tipos de aeronaves existentes, em 1971, nenhum dos pedidos foi satisfeito.

(continua)
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Notas do editor:

Vd. poste de 5 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25342: Notas de leitura (1680): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (19) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25357: Notas de leitura (1681): "Margens - Vivências de Guerra", por Paulo Cordeiro Salgado; Lema d’origem Editora, Março de 2024 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25376: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (45): "Chef" Alice, guardiã dos saberes (e dos sabores) culinários associados ao sável do Douro (que já não há): frito com açorda de ovas com com arroz de feijão, era a comida dos pobres, que não tinham a "burla", na Quaresma...

 




"Chez Alice" >  O sável frito, com açorda de ovas (Lourinhã, 24 de janeiro de 2024) , ou com arroz de feijão (Quinta de Candoz, 30 de março de 2024)...

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Não tenho ideia de ter comido peixe do rio, na Guiné... Ou melhor, peixe da "bolanha"... O  que se apanhava (com uma granada de mão ofensiva) e se cozinhava (grelhava) nalguns destacamentos, como na ponte do rio do Udunduma (afluente do rio Geba)  sabia mal, sabia a lodo, era escamudo, horrível (devia ser, nunca o provei)... 

Bom peixe do rio do Cacine, isso sim,  comi eu mas em março de 2008... O Cacine (e Corubal), sim, tinha bom peixe. Mas o  Corubal no meu tempo estava "interdito" e o Cacine ficava muito longe de Bambadinca... Do Geba (Estreito) só se aproveitava o camarão... Sim, desse comi, em Bambadinca, na tasca do Ze Maria... 

Mas falemos do sável, que um dia vai desparecer dos nossos rios. É uma espécie vulnerável. Como já desapareceu (ou está em vias de desaparecer) a lampreia... Sável e lampreia são duas espécies de peixe anádromas: reproduzem-se em água doce, mas desenvolvem-se até à forma adulta no mar.

Ninguém tem a coragem (política) de proibir a pesca da lampreia por unas anos.  Desde 2017, ela tem vindo a escassear dramaticamente... nos nossos rios.  Todos os anos se cancelam festivais por falta de lampreia... Há pouca no Mondego, alguma no Minho e no Tejo...

A lampreia este ano era de importação e custava os olhos da cara, à mesa (220 euros, pediram-me em Entre-Os-Rios, Penafiel, este ano; uma lampreia para quatro bocas, que, não podendo ser do rio Douro, só podia ser importada de Espanha, França ou Canadá; claro que cancelei a reserva...).

Mas falemos do sável e dos saberes (e sabores) culinários antigos que também se vão perdendo, irremediavelmente. Até por falta da matéria-prima... Mesmo assim, comi sável três ou quatro vezes este ano. É o peixe da Quaresma, em Candoz. Era peixe dos pobres que, não podendo comer carne, por não terem a "burla" (a bula...), comiam o peixe do rio, durante a Quaresma...

A "chef" Alice é guardiã dos saberes (e sabores) culinários da sua família e da sua região de Entre Douro e Minho... E sabe preparar o sável como a sua mãe: o peixe (com algum tempo de frigorífico mas ficar rijo) é partido, às postas, muito fininhas (por causa das espinhas)... É preciso, depois, sabê-lo fritar, em azeite... Acompanha-se com açorda de ovas ou arroz de feijão... Como as fotos exemplificam. Uma iguaria que não ia à mesa do rei...

Guiné 61/74 - P25375: Fotos à procura de... uma legenda (180): Metaforicamente falando, está aqui a Guiné, a vossa Guiné, a nossa Guiné, a aprender a andar, a cair e a pôr-se de pé, como jovem nação que ainda é...


Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 27 de abril de 2008 > Sem título: "Esta foto será legendada muito em breve. Aos nossos visitantes pedimos desculpas pelo atraso."


1. O Pepito desta vez falhou... Deve ter ficado tão felicíssimo com o "flagrante", que nem sequer  conseguiu,  de imediato,  legendar a imagem... Deve ter pensado: "Palavras, para quê ?!"... Ou então, "uma imagem vale por mil palavras"...

Mas não,  falta "texto e contexto"... A foto é seguramente daquela época, abril de 2008. Mas não sabemos onde foi tirada, em  que sítio da Guiné-Bissau

A jovem (com ar de bajuda, fula, não, Cherno Bakdé ?!) ) que tenta montar a bicicleta (que é  de homem), com toda aquela farpela de uma só peça, da cabeça aos pés, e de chinelas de plástico , está deliciada com a pequena aventura... Mesdmo deperfil, vê-se que sorri... Ora, não era vulgar na época (nem ainda ainda hoje...) ver mulheres a andar de bicicleta na Guiné-Bissau...

Provavelmente a nossa desconhecida bajuda deu um trambolhão, sem consequências... (Por menor curioso: a bicicleta ainda também algumas partes com o plástico de proteção...)

E podemos especular: será que aprendeu mesmo a andar de bicicleta ?... Fazemos força para que isso tenha sido verdade... Mas o Pepito já não está cá para nos contar a história ou o resto da história...

Talvez os nossos leitores queiram (e possam) dar uma ajuda... Uns meses passados, no 35º anversário da República da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 2008, eu ainda tentei alinhavar uma legenda... E escrevi, dirigindo-me a ele, Pepito, aos nossos amigos e irmãos da AD e da Guiné-Bissau (*):

(...) "Metaforicamente falando, está aqui a tua Guiné, a vossa Guiné, a nossa Guiné, a aprender a andar, a cair e a pôr-se de pé, como jovem nação que é... É a minha leitura, ou sugestão de leitura, se mo permitem: sem cinismos, sem paternalismos, com a com + paixão com que eu, à distância de milhares de quilómetros, vos vejo, e às vossas boas obras... 

"Força, amiga, força, irmã!... Que o caminho se faz caminhando, parafraseando o grande poeta espanhol António Machado ("Caminante no hay camino, se hace camino al andar", poema popularizado pelo cantor catalão Joan Manel Serrat)" (...)

2. Curiosamemente, também ninguém estava inspirado nesse dia... E não houve quaisquer comentários dos leitores do blogue. Pode ser que agora a foto tenha mais sorte, passados 16 anos... e encontre finalmente uma legenda... Para poder ficar, finalmente, no arquivo morto... (**).

Convirá esclarecer que a  foto, essa, perdeu-se inicialmente na voragem da Web. O antigo sítio da AD (http://www.adbissau.org/ ) foi descontinuado por  volta de 2020/2021. Fomos agora recuperá-la graças aos robôts do Internet Archive. Talvez algum colaborador mais próximo do Pepito ainda se lembre desta história ou da história desta foto.

Guiné 61/74 - P25374: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XV: as ondas hertzianas também chegavam a Nhala, Gadamael, Pirada, Canquelifá...

1. O nosso camarada Eduardo Estrela (ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71) escreveu em comentário ao poste P25364 (*):


(..:) "Não vivi o 25 de Abril de 1974 na Guiné, mas lembro-me bem de a bordo do Niassa, depois de termos zarpado de Lisboa em 24 de maio de 1969, alguém ter dito em surdina que éramos nós que íamos fazer a comissão liquidatária da Guiné.

Infelizmente não foi assim e muitos outros ainda foram enviados para o matadouro. Mas por este pormaior se pode ver a enorme vontade que já havia em acabar com uma guerra que nunca devia ter começado." (...)

Pois é, Eduardo, fomos juntos no T/T Niassa, que ainda muitas viagens teve que fazer, levando e trazendo tropa, armas e bagagens... No dia 9 de abril de1974, já não partiu do Cais da Rocha Conde Óbidos: foi vítima de bomba, num atentado atribuido às Brigadas Revolucionárias. Ninguém soube, ou muita pouca gente... A censura continuava de lápís azul na mão...

Em Bissau, também se conspirava há muito... O gen Bettencourt Rodrigues parece que foi o último a saber, na madrugad de 26 de Abril de 1974 (*).

Continuamos a publicar mais alguns singelos testemunhos de camaradas nossos que lá estavam, no CTIG, cumprindo o seu dever... E que foram apanhados, como todos nós, aui na metrópole,mpelas notícias que rapidamente se propagaram pelas ondas hertzianas...


António Murta, ex-alf mil, 2ª CCaç / BCaç  4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

 (...) «25 de Abril de 1974 – Estava no mato a uns quilómetros de Nhala. Eram umas 3 ou 4 horas da tarde quando chegou numa Berliet um furriel “periquito”  com uma escolta, aos berros,  para que regressássemos porque a guerra ia acabar. Na Metrópole tinha havido uma revolução! 

Fiquei doido. O pessoal do meu grupo parece que não percebeu muito bem a notícia. Mas subiram alegres para a viatura. Eu e o furriel “periquito”, sentados nos guarda-lamas da Berliet, à frente, berrávamos para o ar e agitávamos as espingardas. Os soldados riam-se e faziam barulho. Pergunto ao furriel por mais pormenores e ele:
— Não se sabe mais nada. Houve uma revolução em Lisboa e prenderam os Pides. Não se sabe mais nada.

“...e prenderam os Pides”. O meu coração quase rebentava. A comoção perturbava-me. Chegámos ao quartel e estava tudo na maior confusão, agarrados aos rádios, mas pouco se adiantava. Quis ver e interpretar as caras das pessoas, ver as suas reacções e, de facto, elas eram diferentes, embora a generalidade estivesse radiante. Ainda era cedo para as pessoas se definirem e manifestarem, quer pela sua despolitização, quer pela incerteza dos pormenores dos acontecimentos».

A desinformação era tal, que os acontecimentos só me mereceriam nova referência em 5 de Maio, onde dou conta de ocorrências graves em Bissau: rebentamentos nas ruas, perseguições a Pides e, até, a agressão à esposa de um deles, frente ao Mercado de Bissau, em que a senhora foi completamente despida. A tropa interveio e impediu coisas certamente mais graves. Eram os rumores que iam chegando. (...) (**)

C. Martins,ex-cmdt., 15º Pel Art (Gadamael, 1972/74)


(...) Bem,eu estava em Gadamael,e após fazer a minha ronda higiénica,  liguei o rádio em onda curta e percorri as ondas do "éter"..."rádio Habana, Cuba, território libre in America", nada; "rádio Moscovo", nada; "Deutchsvella", nada: "rádio Globo", nada.."BBC.. golpe militar em Portugal, general Spinola, coiso e tal"... O  quê ?... Porra,.finalmente!...

Contactei o Sr. comandante H. Patrício, dizendo-lhe que estava a decorrer um golpe militar,e este pergunta se era o nosso General Spínola que estava à frente... E eu..claro que é.. (eram 7 da manhã e eu não fazia a mais pequena ideia)... Ah, sendo assim eu alinho...Boa.

Não houve a flagelação da ordem, já não saiu uma companhia para o mato  e o resto continuou tudo como dantes... Apenas troca intensa de mensagens com Bissau, que pouco ou nada sabiam,ou não queriam dizer.

Foi assim o meu 25A.(***)

Carlos Ferreira, ex-fur mil at cav,  3ª CCav/BCav 8323 (Pirada, set73/set74)

Um dia inesquecível, para mim. Estava em Pirada, em uniforme nº. 2, pronto para embarcar numa aeronave, com destino a Bissau, via Lisboa, para gozar as minhas férias disciplinares. Nesse interim, fomos atacados pelo IN, com um potencial de fogo muito superior ao do ataque que tivemos em Março.

Saltei para a vala mais próxima e aguardei que acabasse a flagelação. Não houve vítimas militares, mas pereceram, creio que 8 senegaleses, que se encontravm ao balcão, de uma loja, de um comerciante local. (***)

Joaquim Vicente da Silva, ex- 1º cabo at cav, 3ª/BCav 8323 (Pirada, set1973/set1974

(...) Vou contar a história do violento ataque que sofremos em Pirada,  exactamente no dia 25 de Abril de 1974.

No dia 25 de Abril de madrugada, saímos dois pelotões, mais os sapadores. Fomos levantar algumas minas que estavam na picada em direcção a Gabu (Nova Lamego). Regressámos a Pirada por volta das dez da manhã. Participei nesta saída, tínhamos de fazer a protecção aos sapadores.

Eram mais ou menos dez e meia, eu já tinha tomado banho e estava no meu quarto, abrigo nº. 1, deitado em cima da minha cama e ouvi um pequeno estalido. Um colega que estava cá fora sentado num banco, gritou logo:

- Saiam para a vala que isto é o início de um ataque!...

Naquele dia o PAIGG bombardeou Pirada com muitos mísseis e morteiros, alguns caíram bem perto do local onde eu me encontrava, eu não morri por sorte. A meu lado, morreram três africanos nossos colegas, um míssil caiu-lhes aos pés e cortou-os em pedaços. Nunca tinha visto nada daquilo. Fiquei horrorizado, ainda hoje mexe comigo.

Nós, soldados brancos, não morremos nenhum, porque estávamos bem agachados nas valas ou trincheiras. Vieram juntar-se a nós vários oficiais, incluindo o alferes médico que nos disse para nos espalharmos mais pelas valas porque aquilo estava a ficar feio.

Este bombardeamento durou cerca de duas horas. Nós respondemos com os morteiros 81, os nossos obuses 10.5 e o nosso obus 14 que estava junto à pista de aviação  de Pirada.  Bajocunda também nos deu apoio de fogo com o obus 14 deles. Foi um inferno. Só se ouviam bombas a voar, outras a assobiar e a rebentar por cima ou perto de nós.

Assim que terminou o ataque, mandaram-nos equipar para sair. Fomos patrulhar em volta de Pirada e encontrámos, para o lado do Senegal,  o mato todo a arder, mas felizmente não vimos ninguém do PAIGC. Caiu um míssil na casa de um comerciante branco, de nome António Palhas, que escapou ileso, mas morreram seis africanos que estavam noutro compartimento da casa.

Nesse dia,  nós, cabos e soldados,  não sabíamos nada do que estava a acontecer cá na Metrópole. Só à noite, através da BBC é que tivemos conhecimento do golpe de Estado. Foi uma grande alegria para todos nós porque pensámos logo que a guerra acabava naquele dia. Festejámos com muitas cervejas.

No dia seguinte na telefonia, começámos a ouvir a Grândola, Vila Morena e outras músicas do Zeca Afonso. A guerra ia acabar, que alegria! (...) (****)

Carlos Costa, ex-fur mil,  2ªC/BCAÇ 4516 /73 (Aldeia Formosa, Mampatá, Colibuia, Canquelifá, Ilone, Canquelifá, Bissau, jul73/set74)

Nesse dia estava eu em Canquelifá, a notícia foi recebida com natural surpresa e curiosidade de saber o que na verdade se estaria a passar. Escutávamos a rádio,  ávidos de saber notícias. 

No dia seguinte o capitão chamou,  a uma reunião, sargentos e oficiais, comunicando-nos que tinha duas mensagens para nos transmitir, um seria dada a conhecer naquele momento e a outra passadas 24 horas. Assim a mensagem lida de imediato anunciava que estaria iminente mais um ataque do PAIGC. 

Passaram-se as 24 horas, debaixo de uma enorme tensão, à espera do primeiro "buuu, BCAÇ m" que não chegou a acontecer. Foi então lida a 2ª mensagem que revelava ter havido os primeiros contactos do MFA com os movimentos de libertação das colónias, tendo sido acordado que as escaramuças seriam evitadas: não haveria mais ataques e, se encontros houvesse no mato, haveria apenas alguns tiros para o ar, sinalizando a presença, seguindo cada força em sentidos opostos. 

Os dias que se seguiram foram calmos,  com uma excepção,  com os paraquedistas em segurança de uma coluna,  um deles pisou uma mina, perdeu a vida. 

Como eu era do batalhão de intervenção da Guiné BCAÇ 4516/73, , passado algum tempo regressámos (a 2ª Companhia) a Bissau e,  até Setembro, mês do regresso à metrópole,  fizemos segurança à cidade.


José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op. Cripto, 2.ª CCAÇ/BCAC 4513
Nhala, 1973/74

Camarada António Murta: Embora me encontre na Alemanha junto aos meus netos (deixaram-me agora respirar um pouco), entrei no Blogue e vi a tua mensagem.  (..:)

Como me lembro dessa noite em que recebemos a mensagem sobre a revolução e que dizia o seguinte; 

252245NABR RELAMPAGO “Agências noticiosas informam Governo Professor MARCELO CAETANO derrubado por movimento Forças Armadas “. 

A festa que foi feita nessa altura por toda a companhia e, se a memória me não falha,  já ninguém foi mais para a cama e penso que até o “cantinas“ foi abrir a mesma mas já não tenho a certeza.  (...) (*****)
____________

Notas do editor:
 
(*) Último poste da série > 10 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25364: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XIV: Foi pela rádio, a BBC e outras emissoras, que a malta ouviu a notícia do golpe de Estado em Lisboa... Uns em Bissau, outros em Bissorã, Canssissé, Guidaje, Xitole...

(**) 15 e abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12988: No 25 de abril eu estava em... (20): No mato, algures entre Nhala e Buba, emboscado, junto à estrada nova que ligava as duas povoações... (António Murta, ex-al mil, 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74)

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25373: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (8): Periquitos, velhinhos e a famosa "batota no mato"...

1. Comentários ao poste P25349 (*)

Joaquim Luís Fernandes (foto à direita), natural de Leiria, foi alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973, e Depósito de Adidos, Brá, 1974; é autor da série "Acordar memórias"


(i) Luís Graça 

Joaquim, aconteceu-nos a todos... Nos primeiros seis meses (qual quê ?!, nos primeiros três meses), o "periquito" tem os cincos sentidos (olfato, paladar, visão, audição e tato) atentos a todas as potenciais ameaças que vêm do exterior...

Fomos treinados (mas mesmo assim mal e à pressa) para adotarmos comportamentos de segurança na Guiné (nunca ninguém me falou da Guiné, e das suas "armadilhas"!)...

Depois,começamos a relaxar, e acontecem as primeiras "baldas" e os primeiros lamentáveis "incidentes"...

Ao fim de seis meses fomos já "veteranos", "velhinhos como o c...", e depois tudo podia acontecer: as primeiras mortes, estúpidas, por acidente, com o dilagrama, a granada de bazuca 8.9 ou de morteiro 60, as granadas de mão, a mina A/P, o Unimog que capotou, o companheiro que saiu da fila para ir mixar ou cagar na orla da mata, e leva um tiro no regresso...

Parabéns, não tens mortos inocentes na tua consciência...porque foste um oficial competente e responsável, disciplinado e disciplinador... Não era fácil, chamavam-te logo nomes feios, "chicalhão"... (Espero que possas ir alimentando a tua série, interrompida em 2014; eu dou-te uma ajuda, repescando comentários como este...)

7 de abril de 2024 às 12:52 

(ii) Joaquuim Luís Fernandes:

Viva.  Luís Graça! E obrigado pela atenção.

Sei que devo alguns postes ao blogue, mas não sei quando pagarei essa dívida. Tenho sempre outros assuntos prioritários que me escasseiam o tempo e a disposição para me sentar a escrever as minhas memórias e a compor os postes com algumas fotos de jeito.

Por enquanto fico-me pelos comentários, que saem ao impulso do que sinto nos postes que leio. E quando posso.

As observações que fazes no teu comentário supra, no que me respeita, suscitam-me outros tantos comentários, mas hoje não me quero alongar, como algumas vezes faço.

Direi apenas que me interrogo como eu com 21 anos (só fiz os 22 em 30 de Julho de 73) consegui comandar um pelotão de "pessoal já velhinho" que não conhecia nem me foi formalmente apresentado, conquistando gradualmente a sua confiança, sem indisciplinas que perturbassem o normal cumprimento das missões que nos destinaram.

E havia no grupo alguns com modos de ser e estar um pouco problemáticos. Mas tive o bom senso de me conduzir de modo ajustado às circunstâncias.

Concluo que comandei um pelotão disciplinado e não foi por força de usar o RDM para impor a disciplina. isto é: Eu procurei ser disciplinado, correto e respeitador para com todos e penso que o meu comportamento induziu no grupo disciplina e respeito.

Creio que nunca me julgaram de "chicalhão". Sabiam que eu era um paisana a cumprir o serviço militar obrigatório, sem tiques militaristas.Também sabiam, porque várias vezes lhes disse, que o que fazia, era para que tudo nos corresse bem, sem azares, sem castigos, sem mortes e sem feridos.

Mas ouvi algumas reclamações e queixumes por cumprirmos os exigentes patrulhamentos nas matas do Balenguerez e do Burné, nas "barbas" da Caboiana, que sabíamos perigosos. Sabiam que outros grupos que connosco alternavam, muitas vezes se baldavam.

Só nunca lhes disse porque assim procedia. E não era por ser guerreiro. Alguns terão pensado que eu via perigo onde não existia, na minha prudente atitude de conduzir os patrulhamentos como se caminhasse-mos em áreas de contacto eminente. (será que o não eram?)

Mesmo assim, terei-me baldado a um patrulhamento ao Balenguerez (que deu para fazer uma caçada aos javalis) e uma outra tentativa de balda, que foi interrompida pelo Comando em T.Pinto, via rádio, a perguntar qual a nossa posição, pois pretendiam fazer uns tiros de obús a partir do Bachile, visando atingir um grupo do PAIGC que tinha roubado vacas numa tabanca próximo de Bassarel.

Foi uma aflição: Nós estacionados na estrada velha, próximo do local onde as viaturas nos tinham deixado, quando com quase 2 horas de percurso já deveríamos estar perto do Balenguerez.

Chovia a bom chover! Lá dei as coordenadas na direção que deveríamos ter seguido, não muito longe de onde estávamos. E foi caminhar debaixo de chuva a passo acelerado, dentro do possível.

Não intercetámos o grupo que tinha roubado as vacas, mas sim o trilho por onde tinham passado,com vestígios evidentes: a bosta das vacas e os rastos que a chuva não tinha apagado.

E ainda bem, que na balda, atrasámos o percurso. E ainda bem que o grupo do roubo das vacas, vindo em nossa direção, no mesmo trilho, pouco depois de passarem pelo Balenguerez, desviarem para o lado das Matas de Cacheu, que já não era zona da nossa intervenção. Deste modo evitou-se o contacto, frente a frente, cujas consequências não sabemos no que poderia dar.

E fico por aqui. E dizia eu que não me queria alongar.

Abraços
JLFernandes

8 de abril de 2024 às 01:07

2. Comentário do editor LG:

Sobre a famosa "batota no mato", temos 13 referências no blogue. E fizemos inclyusive um "inquérito on line" que, infelizmente, só obteve 45 respostas... As eventuais diferenets formas desta prática estão identificadas e listadas... As três mais frequentes (**):
  • Emboscar-se perto do quartel > 17 (37%);
  • Começar a “cortar-se", c/ o fim da comissão à vista > 17 (37%)
  • “Acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo > 11 (24%)
(**) Vd. poste de 5 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P16800: Inquérito 'on line' (93): "Batota no mato" ... ou no blogue ?... Esperávamos 100 respostas, obtivemos apenas 45... Resultados: as três formas mais frequentes de batota: (i) emboscar-se perto do quartel (37%); (ii) começar a “cortar-se", com o fim da comissão à vista (37%); e (iii) “acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo (24%)... Só não fazíamos batota era com o Natal no mato...

Guiné 61/74 - P25372: Os 50 anos do 25 de Abril (9): Honra a dois dos heróis que o país esqueceu, Salgueiro Maia e José Afonso (Juvenal Amado, ex-1.ª Cabo Condutor Auto da CCS/BCAÇ 3872)

Os Nossos Heróis

Muito se fala de heroísmo e acabamos por pensar neles em termos de perfil como ficam bem nas capas da revistas onde passam a ser ícones, admirados como exemplo como estrelas de cinema onde são glorificados. Olham a morte de soslaio com o cigarro ao canto da boca, compondo imagem de deixós-poisar tipo super-homem que só temia a criptonite.

De heróis fala história, pelas suas conquistas, pelos seus actos de bravura e pelo que deram aos impérios.

Esses heróis foram-se com o fim dos mesmos impérios, não poucas as vezes receberam os louros pelo que outros menos importantes fizeram, mas que não tinham estatuto para isso. Foram mais os esquecidos dos que premiados.

Mas os heróis que eu conheci eram jovens perfeitamente normais e que se olhassem para eles em nada se vislumbraria essa gesta guerreira. Não eram bons soldados e não eram exemplos de postura, alguns não sabiam ler e escrever para além do nome. Iam para o mato com pouca ou nenhuma vontade e, não poucas vezes, remoíam e praguejavam contra quem os obrigava a ir. Tinham medo? Ter medo é normal e a valentia só aparece quando o vencemos.

As razões porque rejeitaram um impedimento na cantina para ficarem com os seus camaradas de pelotão e o caso do meu camarada David Leão, que rejeitou a hipótese de não ser mandado para a Guiné por o irmão ter sido morto em combate em Angola, são uma daquelas coisas difíceis de explicar.

Será que as escolhas nos definem ou é irreverência, falta de bom censo ou ainda a curiosidade pelo caminho que temos pela frente?

Contaram-me que um capitão de uma companhia, condecorado por feitos em Angola, fugiu para o quartel quando os homens que comandava caíram numa emboscada onde morreram vários. Era um herói que quebrou?

O homem e as suas contingências.
Salgueiro Maia comanda uma coluna de blindados e soldados no Terreiro do Paço, no dia 25 de Abril de 1974
Foto de Eduardo Gageiro - Com a devida vénia a Visão

Durante aqueles anos morreram em emboscadas, minas e ataques de artilharia aos destacamentos. Também morreram de acidentes e hepatite bem como outras maleitas adquiridas lá.

Por muito que nos custe, depois do regresso morreram camaradas, que durante as suas comissões praticamente nunca saíram do quartel onde tinham impedimentos, que serve de prova que nós não fazemos o caminho mas o caminho é que nos faz a nós.

Mas voltamos aos que gostariam de ser glorificados e para isso até fariam o pino. Mas o herói é aquele que dá com a mão direita sem que a esquerda veja. Perdoem-me a utilização deste trocadilho normalmente usado para fins de caridade. Melhor, o herói age em prol dos outros com desprezo pelo seu bem estar físico, mas não pensa nisso. Dá o que tem, mesmo que lhe custe a vida para a qual não instituiu preço nem contrapartida.

Aproxima-se uma data que encheu Portugal de actos heróicos. Marcharam pela paz e derrubaram com risco da sua vida e carreira, contra um regime que nos tinha mandado para um atoleiro que custou tantas vidas e lágrimas.

Não actuaram sozinhos, outros durante anos combateram, sofreram nas prisões e morreram para abrir o caminho para uma realidade nova, longe do obscurantismo pequenino e castrador.

Libertaram outros heróis anónimos, deram a esperança daquela madrugada à esperança de um país sem grades e sem correntes.

Foram homens que não correspondiam a nenhuma matriz, mas que o coração excedia em muito a país que os viu nascer.
José Afonso
Com a devida vénia a TimeOut

A História dos países faz-se desses homens que um dia resolvem que têm outra coisa a fazer do que preservar a sua vida.

O 25 de Abril é um dia inesquecível, impar e nada do que disserem dele lhe retirará o brilho, quando uma nação inteira rejubilou com a liberdade alcançada.

Honra a dois dos heróis que o país esqueceu, Salgueiro Maia e José Afonso.

Viva o 25 de Abril
Juvenal Sacadura Amado
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Nota do editor

Último post da série de 11 de Abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25369: Os 50 anos do 25 de Abril (8): Convite para a inauguração da exposição "O MFA e o 25 de Abril", amanhã, dia 12 de Abril, pelas 17h00, na Gare Marítima de Alcântara - Lisboa (Pedro Lauret, Capitão-de-Mar-e-Guerra Reformado)

Guiné 61/74 - P25371: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (38): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Batalhas com o PAIGC



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


BATALHAS COM O PAIGC

1970/MAIO/14 - EMBOSCADA NO TRILHO DO MAQUÉ
O 2.º grupo de combate a sul do Maqué emboscou 2 guerrilheiros.
Apanhou 1 elemento ferido e 1 arma PPSH
O outro guerrilheiro fugiu.

1970/MAIO/26 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
4.º grupo de combate em Bissancage.
Emboscamos 2 guerrilheiros.
Ferimos e apanhamos 1 guerrilheiro.
O outro foi ferido, mas fugiu.
Foi morto 1 soldado da milícia, por fogo da nossa tropa.

1970/MAIO/27 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
1.º grupo de combate em Bissancage.
Matou 1 IN.
3 carregadores fugiram, deixando rastos de sangue.
Foi capturada 1 espingarda SIMONOV.

1970/MAIO/31 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
2.º grupo de combate.
4.º grupo de combate.
Grupo de combate de milícias.
Trilho Morés/Madina Mandinga.
Às 06h30, 1 grupo de guerrilheiros accionou uma armadilha montada pelo 4.º grupo de combate, na véspera. Fizeram fogo com armas ligeiras, RPG e morteiro 61 para ver se denunciávamos a nossa presença. A nossa chefia caiu nesse logro, respondendo ao fogo deles e denunciando a nossa presença.
Às 10h00, quando esperávamos o reabastecimento de água, fomos atacados com morteiros, RPG e costureirinhas. Pelo poder de fogo deviam ser um grupo grande e bem armado.
Neste ataque tivemos vários feridos, entre eles:
- Capitão Moura Borges (Comandante da Companhia), com gravidade;
- Alferes Silva (comandante do meu 4.º grupo de combate), com estilhaços;
- Vários soldados e milícias com estilhaços.
- o capitão e o alferes foram evacuados por helicóptero para o Hospital Militar.

1970/JULHO/08 - PATRULHAMENTO A IRACUNDA E MANACA
1.º grupo de combate.
2.º grupo de combate.
2 secções de milícias.
Atacaram grupo IN que os perseguia.

1970/JULHO/13 - OPERAÇÃO BACARÁ
Golpe de mão a Amina Dala.
Helicanhão em alerta no Olossato.
1.º grupo de combate.
4.º grupo de combate.
2 secções de milícias.
Depois do 4.º grupo de combate fazer o golpe de mão, foi perseguido por um grupo de guerrilheiros.
Houve recontro com o IN, que vinha armado com RPG, armas automáticas e morteiros 61.
Pedida a presença do helicanhão o IN fugiu e deixou-nos chegar em paz ao Olossato.
Precisávamos bem desta protecção, porque o 4.º grupo de combate trazia cerca de 40 elementos recuperados.

1970/JULHO/17 - PATRULHAMENTO OFENSIVO A CANCUNCO
1.º grupo de combate.
? grupo de combate.
Atacou um grupo IN com 10 a 15 guerrilheiros, que ripostou com RPG e armas automáticas.
Sem consequências para as nossas tropas.

1970/DEZEMBRO/30 - GOLPE DE MÃO A CANJAJA
2 grupos de combate da CCAV 2721
2 grupos de combate da CCP 121
Confronto com 2 elementos da população armados.
Captura de 1 espingarda Mauser.
No regresso o IN bateu a zona com morteiro 61.

1971/MARÇO/29 - OPERAÇÃO URTIGA NEGRA (Patrulhamento ofensivo).
Às 07h30 as nossas tropas foram flageladas com armas pesadas e ligeiras.
Às 13h30 as NT detectaram e atacaram 1 grupo IN com 15 elementos.
Sem consequências para as nossas tropas.

1971/MAIO/?? - PATRULHAMENTO OFENSIVO A MARECUNDA
1 grupo de combate da CCAV 2721
2 grupos de combate da CCAV 3378
As nossas tropas foram flageladas com 2 granadas de morteiro 82, da região de Bancolene.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 4 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25337: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (37): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Ataques ao Quartel do Olossato e Nhacra

Guiné 61/74 - P25370: Blogues da nossa blogosfera (193): Recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte VI: a arte e o engenho das mulheres do Cantanhez


Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana >  Título da foto: A imaginação na Luta pela Independência | Data de Publicação: 1 de Junho de 2008 | Palavras-chave: História

Legenda:


Fatumata Camará explica aos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje como é que nos acampamentos de guerrilheiros do PAIGC em Cantanhez, as mulheres procediam para descascar o arroz sem que se ouvisse barulho e, desta forma, não fossem detectadas.

O pilão era quase totalmente enterrado, pelo que as vibrações e ruído eram absorvidos pelo solo que impedia a sua propagação. Para a preparação das refeições também aperfeiçoaram um sistema que impedia que o fumo subisse para além da copa das árvores e assim a sua presença não era percebida.

Se ontem a inteligência e capacidade das mulheres ajudou a encontrar soluções inovadoras e imaginativas para os problemas com que se foram deparando, também hoje elas procuram novos caminhos para resolver as dificuldades dos seus trabalhos agrícolas.

Fonte: Internet Archive > ADBissau  (com a devida vénia...)


2. Comentário do editor LG:

Temos andado à procura das "fotos da semana" que o nosso saudoso  amigo guineense, o Pepito (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014), membro da nossa Tabanca Grande, foi publicando no sítio da ONGD AD - Acção para o Desenvolvmento, de que ele foi cofundador (em 1991) e  diretor executio (até à data da sua morte, prematura, em 18 de fevereiro de 2014).

Algumas foram publicadas no nosso blogue. Outras, perderam-se irremediavelmente. Através do Arquivo.pt e do Internet Archive é possível recuperar algumas, nomeadamente do período que vai de 2005 a 2011.

antiga página da AD - Acção Para o Desenvolvimento (http://www.adbissau.org/ )   foi reformulada e descontinuada (por  volta de  2020/2021). 

Com sorte e paciência, lá vamos recuperando alguma "foto da semana", como esta que reproduzimos acima, tirada nas matas do Cantanhez, por altura do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de março de 2008).

A maior parte das fotos da série eram da autoria do Pepito, que incansavelmente percorria a Guiné onde quer  que estivessem em curso,  ou em estudo,   projetos da AD...  Cada foto tinha um título, uma data, uma palavra-chave ou "descritor", e uma legenda, resumo analítico ou sinopse.

A ONG AD - Ação para o Desenvolvimento passou, a partir de maio de 2011, a ter outro endereço, mas  a URL é ligeiramente diferente da do sítio antigo.  Estranhamente, não tem sido capturada pelo Arquivo.pt: https://ad-bissau.org/ . Já sugerimos que o façam.

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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

10 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25363: Blogues da nossa blogosfera (192): Recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte V, foto da semana, 11 de maio de 2009: lutando contra a fome, em Bolol, chão felupe



8 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25355: Blogues da nossa blogosfera (189): recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte II: foto da semana, 16 de janeiro de 2011 (Tambores de Bolol na festa do fanado felupe)

8 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25354: Blogues da nossa blogosfera (188): recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte I: foto da semana, 5 de julho de 2009 (Produção de Flor-de -Sal)