Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Guiné 63/74 - P3508: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (3): Chegada a Bula
1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 22 de Novembro de 2008:
Vinhal
Cá vai mais um capítulo
Um abraço
Luis S Faria
Chegada a Bula
Terminada fase do IAO no CIM em Bolama e chegados a Bissau, o destino da CCaç 2791 passou a ser Bula, ao que me lembro depois de algumas indefinições.
Com armas e bagagens lá nos íamos acomodar ordeiramente nas Berliets Tramagal e demais viaturas que compunham a coluna auto que nos devia transportar ao futuro incerto. Estava preparado para o que desse e viesse, mas… será que os chefes já endoidaram?? Não é que dão ordem para que durante a viagem só os graduados levem munições?! Afinal que raio de guerra era esta? Se fosse preciso lutava-se à coronhada, à pedrada e por lá pouca pedra havia, ou ao foge-que-t’agarro?? Ou afinal a guerra tinha acabado sem que déssemos conta e as bocas de que o sector de Bula (01 A ) era meio f…, eram só para enganar piriquitos?? Pois se andamos a mentalizar o pessoal para não facilitar nunca e estar sempre com os sentidos em alerta, apanhamos agora com uma ordem destas!? É, os Chefes estão loucos, de certeza! Era para rir ou chorar??
Mas como nas F.A. as ordens eram para cumprir e não questionar, há que obedecer. E vai daí, lá foi a rapaziada com as suas G3 novinhas, mas aliviados daquele peso extra das balas, ao que parecia inúteis, ocupar o seu lugar nas viaturas. E chegou-me a explicação de tal ordem : …é que podia algum Soldado precipitar-se… e, deduzi eu, dar um tiro num turra que não era turra! Ok, afinal não era por ter acabado a guerra! Fiquei menos descansado! (julgo que nunca irei esquecer esta estória que mais deveria ser história).
E lá fui percorrendo aqueles quilómetros de estrada, com a arma preparada e o corpo pronto a saltar, sempre na expectativa de uma eventual emboscada. Para trás foi ficando Bissalanca, Comandos… e chegamos ao rio Mansoa. À espera (?) estava uma jangada, creio que da Marinha, que nos transportou para a outra margem, João Landim. Lá desembarcados, ficamos a aguardar até que chegasse escolta. Ah, afinal a situação não estava assim tão fácil, pensei! E lá chegou a escolta, se bem me recordo 2 Panhard e 3 Unimog, com os veteranos do BCAV 2868. F… esta merda deve estar mesmo f…, para termos uma escolta destas! Fiquei apreensivo. E o meu lema impunha-se: FACILITAR NUNCA, em nada!
A coluna arrancou em bom andamento, com as Panhard nos extremos e os Unimog da velhice intercalados com as nossas viaturas. Reparei nos desmatados de segurança, nos aquartelamentos de João Landim, Mato Dingal. Chegados à estrada de Teixeira Pinto, viramos à direita e a breve trecho começa a aparecer o aglomerado de Bula e depois à esquerda, o Quartel.
Para mim tudo isto era uma sensação nova. Os nativos juntavam-se a observar, curiosos, a velhice que passava atirava-nos com aquela axincalhadora frase salta periquito, salta,que mais tarde também viríamos a usar.
Passamos a Porta de Armas e perante o gáudio dos veteranos e com os salta pira à mistura, formamos e lá fomos à nossa vida, isto é, instalar-nos e fazer o reconhecimento logístico. Claro que nesse primeiro reconhecimento, só deu para ver a parada com o ecrã de cinema, ladeada pelos dormitórios, messe e bar, um abrigo e pouco mais. Mas as instalações eram satisfatórias. E o nosso chuveiro? Espectáculo!
Era já noite e estava estendido na cama quando dois ou três rebentamentos fortíssimos me fizeram saltar, agarrar a G3 e correr para o exterior. Eh pessoal, são eles, é ataque c…! E foram realmente eles, os veteranos, que fizeram fogo com os dois obuses, aproveitando para nos praxar e ao mesmo tempo bater a zona. Posteriormente, no mato, este barulho da saída dos projécteis passou a ser música regeneradora de esperança.
Estávamos a 31 de Outubro de 1970 e a partir desse dia iria passar por situações muito complicadas e por muitos e bons momentos, recordados ainda hoje com saudade.
Um abraço a todos
Luís S Faria
Foto 1 > Estrada Bissau – João Landim
Foto 2 > Rio Mansoa - João Landim
Foto 3 > João Landim -jangada
Foto 4 > Bula – rua principal – com Urbano (Fur Enf)
Fotos e legendas: © Luís Faria (2008). Direitos reservados
_________________
Nota de CV:
Vd. postes da série de:
3 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3397: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (1): A ida, do RI5 a Bissau
19 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3480: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (2): IAO, Bolama, Outubro de 1970
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Ou me engano ou passaste ao lado duma carreira de escritor, parabéns..
..no que respeita aí à foto, caro amigão, ficas a ganhar, é que eu só mudei de cor e tu mudaste de cor e de volumetria :-)))
um abraço de felicitações pela narrativa
urbano silva
Enviar um comentário