terça-feira, 7 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4153: Bur...akos em que vivemos (3): Acampamentos de apoio à construção da estrada T.Pinto/Cacheu (Jorge Picado/José Câmara)

1. Mensagem de Jorge Picado (*), ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, (1970/72), com data de 4 de Abril de 2009: Caro Carlos Como ouvi ou li? que estavas à beira do desemprego por falta de matéria prima, envio-te mais um pequeno (?) escrito para te entreteres e ires aguentando o lugar, que não é nenhum tacho... não me batas se nos encontrarmos na quarta-feira. Tive uma troca de mails com o camarada José Câmara (**) e perante o que ele escreveu achei por bem dar a conhecer esse conteúdo, pela parte que lhe toca. Apenas eliminei certas gralhas próprias da escrita por vezes mais apressada dos mails, aumentei os intervalos e acrescentei os sub-títulos, mas o sumo afinal é do J. Câmara. Também envio as minhas 2 fotos e as que ele me mandou e representam as magníficas instalações hoteleiras de *******estrelas em que ele esteve instalado naquele seu período de férias pago pelo Estado, com refeições dignas de qualquer Gran Chefe do famoso Guia Michelan. Abraço do Mansoa ao Cacheu Jorge Picado 2. Em 9 de Março p.p. recebi o mail que passo a transcrever, do camarada José Câmara. Senhor Capitão Picado. Prefiro tratá-lo assim. Aprendi, desde os meus tempos de berço, a respeitar tudo e todos. Tenho lido com muita atenção tudo o que tem escrito, sobretudo no que diz respeito à zona de Teixeira Pinto. Por lá andei. Fiz parte da CCaç 3327, uma Companhia do BII17 com sede em Angra do Heroísmo. A 3327 era comandada pelo Cap Mil Rogério Rebocho Alves que, infelizmente, nunca mais soube dele. Encontro-me emigrado desde 1973. Primeiramente estivemos na protecção à construção da estrada Teixeira Pinto/Cacheu. A minha Companhia ocupou os dois primeiros acampamentos à esquerda da estrada, uns quilómetros acima do Bachile. De lá, por altura do começo das chuvas (Junho de 1971) fomos para Bassarel. Em Novembro a Companhia seguiu para Tite e Bissássema, tendo eu seguido para as tropas africanas... No seu escrito sobre as consoadas, você demonstra dúvida se existia alguma Unidade Africana no Bachile. De facto, o Bachile era, nessa altura, a sede da CCaç 16 uma Companhia de Nativos. Essa Companhia, como todas as outras nativas tinha, por base, os soldados atiradores nativos. Os graduados e especialistas eram quase todos metropolitanos, açorianos e madeirenses. Espero que este esclarecimento lhe possa servir em próximos escritos. Como se diz na minha terra, e com todo o respeito, haja saúde. Cumprimentos José Câmara Ex.Fur Mil 3. Em 12 de Março p.p. respondi-lhe deste modo: Caro camarada de armas da Guiné, José Câmara. Primeiramente quero pedir desculpa por só agora responder ao seu mail, cujas informações muito agradeço. Creia que não o fiz por desconsideração, mas apenas pelo simples facto de que tomei conhecimento dele fugidiamente, isto é, sem tempo para o apreciar já na noite do dia 10 e, afazeres diversos, só agora me permitiram lê-lo com calma. Tenho quase a certeza que na estrada em construção, não cheguei aos locais onde estavam instalados, pois creio que o mais longe que atingi foi Bachile. Tenho porém duas fotografias, obtidas de meio aéreo que são duma parte dessa estrada, que admito terem sido obtidas em 12 de Outubro de 1971, porque nesse dia desloquei-me a Jolmete, que fica perto do Rio Cacheu mas na direcção norte de Có, e ao Cacheu, localidades muito distantes uma da outra e nessa época sem ligação terrestre. Entre elas ficava a Coboiana, zona ocupada pelos guerrilheiros. Portanto eu fui de DO ou mais provavelmente de Héli e ao sobrevoarmos a estrada em construção, tirei essas fotografias. Envio-lhas para ver se consegue identificar algo, porque no cimo duma delas nota-se uma área quadrada ou rectangular que parece um acampamento. Porém, tivemos com toda a certeza, momentos de encontro em Bassarel, uma vez que afirma terem-se deslocado para esta aldeia em Junho e saído de lá em Novembro. Ora, tenho um apontamento no dia 25MAI71, "caíram primeiras chuvas (muito pouca coisa) à noite" e logo no dia 5JUN71, tenho apontado, Bassarel, Calequisse. Segue-se: 15JUN Bassarel, Chulame (Granja e Veterinária); 28JUN Bajobe, Bassarel (almoço), provas passagem, dos alunos das escola subentenda-se; 3JUL almoço no Bachile com Cor., Ten Cor., visita Chulame, Bassarel, Calequisse. Depois das férias ou seja depois de 16AGO e até ao fim de Novembro, Bassarel aparece uma só vez, no dia 13OUT, englobada entre Bajope, Blequisse, Cajinjassá, Chulame, Calequisse e Cati. Para já é tudo que consigo descortinar nos meus poucos apontamentos. Já agora agradecia-lhe que não me tratasse por Capitão. Isso, como já deve ter percebido dos meus escritos, foi um acidente de percurso na minha vida profissional que muito me traumatizou. Trate-me simplesmente por Jorge Picado e proponho-lhe mais, como camaradas e da Tabanca use o tratamento por tu. Creia que para mim isso não significa falta de respeito. Aprendi com o meu Pai, que foi emigrante nos USA desde cerca de 1920(?) até à década de 60, que lá todos se tratava por tu. Já vê. Não sei em que País está a viver, nem tão pouco se é Metropolitano ou Açoriano. Se é Açoriano, entre outros tive um colega de Curso, sou Engenheiro Agrónomo, e igualmente colega do Curso de Capitão que também foi para a Guiné no mesmo período (1970-1972), chamado António da Costa Santos, duma Família muito abastada desse arquipélago. Um abraço Jorge Picado 4. Ora em 29 de Março p.p. chegou a seguinte resposta: Caro camarada de armas Jorge Picado. Obrigado pela sua resposta, pelas fotografias e pela cortesia demonstrada. Continuação de boa saúde para si e todos os que o rodeiam. Estrada Teixeira Pinto – Cacheu Nunca tinha visto a estrada do ar. Traz lágrimas aos olhos, e recordações que aos poucos se vão desvanecendo na memória. Se bem me lembro, a estrada tinha apenas duas grandes curvas à esquerda: a primeira logo a seguir ao Bachile e a outra à entrada do Cacheu. É pena que uma das fotografias não mostre a curva, para em seguida mostrar aquilo que parece ser um descampado que serviu de acampamento, ou um aterro do qual se tirava brita-massame para servir de base à estrada. Se a referida fotografia é, como eu penso ser, da curva a seguir ao Bachile, e se é de facto o local de um dos destacamentos, só poderia pertencer aos dois grupos da Companhia do Fontinha (CCaç 2791). A minha Companhia esteve nos dois acampamentos à esquerda, quem vai na direcção Teixeira Pinto-Cacheu, a cerca de 10Km do Bachile. Os BU…RAKOS em que vivemos (***) O Jorge diz que não conheceu nenhum dos acampamentos. Foi pena que não os tenha conhecido, mas foi muito bom que não tenha acampado em nenhum deles. Pode ter a certeza que o inferno não podia ser pior, e que as vacas do meu pai tinham melhores condições que nós. As condições de vivência eram pura e simplesmente desumanas, e o trabalho a que estávamos submetidos era infernal. Para ter uma ideia, aqui vai: 1 - Actividade militar - Dois GC saíam para o mato, pelo período de 24 horas, patrulhando e emboscando, e fazendo protecção afastada do acampamento. Dos dois Grupos que ficavam (que afinal eram os dois Grupos acabados de regressar do mato), um saía de imediato - ao regresso do mato - para a picagem da zona onde a estrada ía passar e cujo traçado já estava feito, e ficando por lá até às 6 da tarde para fazer a protecção próxima das máquinas e dos capinadores. O outro GComb ficava com os serviços de sentinelas, ida ao Bachile para água, correio, pão, etc, e arranjo da lenha para a cozinha. Durante a noite, esses dois grupos faziam de vigilância nos dez postos de sentinela (3 soldados por cada posto). Depois de 24 horas tudo se trocava... e continuava a mesma música. De treze em treze dias, uma secção descansava entre as 6 da tarde e as 6 da manhã, desde que não acontecesse embrulhanço. Felizmente que nunca aconteceu! 2 - Alimentação: ração de combate dia sim dia não, sendo que o grupo que seguia para a picada da estrada tinha apenas uma lata de fruta para o meio dia. 3 - Dormir - Três meses e meio a dormir em cima de um pano de tenda de campanha. 4 - Condições de higiene - Latrinas a céu aberto, com todas as consequências adversas que isso acarretava, água para banho ao mínimo, um frigorífico para bebidas e produtos alimentares, etc, etc... De tudo isso poderá observar alguns aspectos do que foi essa vivência nas fotografias que junto. São bem visíveis as coberturas de palmeira, a vala feita a buldozer, e a imagem de N.ª Sr.ª do Coração de Jesus (não fosse a Companhia de açorianos bem enraizados na fé cristã). Mas afinal o porquê de lhe chamarmos Mata dos Madeiros? Julgo que, oficialmente, não existe esse nome em qualquer mapa que eu tenha consultado. Portanto é de admitir que esse nome é de gira popular, e se referisse a uma faixa de terreno que existe entre a estrada velha e a estrada nova que se estava a construir. Antes da guerra começar naquela ex-província, uma companhia de madeiras deixou, por lá, alguns troncos de árvores enormes, junto da estrada velha que ligava Teixeira Pinto e o Cacheu. Tive a oportunidade de contemplar esses lindos troncos de árvores. Julgo que essa deve ser a explicação para o nome Mata dos Madeiros. Adiante... Direito há Indignação de mais um elemento dos BANDOS Sem me querer desviar do assunto, e porque mais uma vez estalou controvérsia (segundo li no blogue do Luís Graça) tenho a certeza que o general Almeida Bruno teria tido imenso prazer em fazer parte do bando que era a CCaç 3327, no período em que essa Companhia esteve naquela Mata. Ou nos cerca dos 10 000 blocos que já deixou feitos em Bassarel. Se isso não for o suficiente, posso acrescentar as 100 (cem) casas e as 7 (sete) escolas que construiu em Bissássema (zona de Tite), os dois furos artesianos e correspondentes fontanários, e ainda a sua actividade militar com as consequentes baixas. Pessoalmente, sou natural da ilha das Flores, Açores, e emigrei para os EUA em Julho de 1973. Profissionalmente estou ligado ao ramo de seguro automóvel. Resido com a minha esposa e um filho em Stoughton, MA., e ainda tenho duas filhas já casadas e cinco netas. Nada mau! Sou, no meio das minhas recordações, um homem em paz consigo mesmo, e com a consciência tranquila de que cumpri o meu dever para com o País. A guerra era impopular. Disso não tivemos culpa. Choro de raiva quando me chamam soldado colonialista. Nenhum de nós, obrigados que fomos ao serviço militar, o foi. E desconheço a guerra em que fomos derrotados militarmente, e nunca estive em zonas libertadas. Porque, pura e simplesmente, nunca fui impedido de ir a qualquer lugar na Guiné. Zonas difíceis sim. Inexpugnáveis não. A estrada de que temos vindo a falar é prova disso mesmo. Pode utilizar tudo o que ficou escrito, bem assim como as fotografias, em tudo o que lhe for útil para os seus escritos. No meio de tudo isto apenas peço desculpa por um outro erro cometido. Sempre são trinta e seis anos fora do País. Com os meus melhores cumprimentos, e um abraço que só nós, os que combatemos na Guiné, compreendem José Câmara Fur Mil CCaç 3327 Imagem de N.ª Sr.ª do Coração de Jesus PS:- As minhas fotos são do mesmo local mas de ângulos diferentes e não apanham qualquer zona asfaltada. Há sim, uma larga área desmatada, onde são visíveis vários caminhos, além da fita mais larga, que se cruzam. Quando as examinei com grande ampliação verifiquei numerosos traços representativos de árvores e palmeiras deitadas no solo. Por sua vez na Dig0016, na parte superior apercebe-se uma mancha clara, que em grande ampliação dá aideia de ter um acampamento. Com as fotos do camarada quase me convenço que seja do antigo acampamento. Jorge Picado __________ Notas de CV: (*) Vd. poste de 17 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4041: O Spínola que eu conheci (4): Mansoa, 17 de Março de 1970, com o Ministro do Ultramar (Jorge Picado) (**) Vd. poste de 22 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3777: O Nosso Livro de Visitas (54): Um camarada da diáspora, José Câmara, da açoriana CCAÇ 3327 (1971/73) (***) Vd. poste da série de 5 de Abril de 2009 Guiné 63/74 - P4141: Os Bu... rakos em que vivemos (2): Bula, CCCAÇ 2790 (António Matos)

4 comentários:

Júlio César Ferreira disse...

Também andei por aí, entre Janeiro e Maio de 1971. Depois de regressar de férias, em Junho de 1971, voltei para o Cacheu, onde estava sedeada minha companhia, a C:Caç. 2659, que fazia parte do B.Caç. 2905. Quem se deve recordar muito bem destes BU...RAKOS é o Luís Faria da C.Caç.2971, meu ilustre conterraneo e amigo

Anónimo disse...

José Câmara
Gostei de do teu escrito e agradeço ao Jorge Picado a "tabelinha"

Falas no J Fontinha,pelo que certamente tambem conhecerás o "Obelix",Açoriano de Sta.Maria(?)de nome Moura Chaves,tambem Fur do 4º Gr da 2791.

Um abraço e Boa Páscoa para vós
Luis Faria

Anónimo disse...

Júlio César

Se lembro!!!
Para alem das abelhas,das latrinas à luz da lua e dos morcões(proteínas ) que caiam e se misturavam na comida, vindos dos "tectos"de "palmeidur" das vivendas edificadas no mesmo material,em que habitávamos, havia felizmente uma ou outra vez um Cacheu cheio de camarão,basucas,pão com chouriço e Amizade.

Um abração e até breve
Luis Faria

Jorge Fontinha disse...

Um abraço ao José Câmara.
O Luis Faria referiu-se ao Chaves nosso "BOM OBELIX" e ao qual já havias feito referência,num comentário a um Post meu, se me não engano, na minha ESTÓRIA, sobre o meu Grupo de Combate.Mantem-se nos Açores e como disse, mantenho correspodencia electrónica com ele.Aquele era e é dos bons.A alcunha que ele me atribuiu, ficou famosa,pela minha especialidade de guia ao obgectivo e ou a desviare-me dele.INCHALAZINHO!Vem de Inchalá, famoso guia, em terras de Bula.Apesar de tudo, Capó ficou gravado, não porque tenhamos arame farpado em seu redor.Uma vala aberta pela Engenharia era o suficiente.Até deu para lesionar um dedo ao Luis Faria, quando ajudava a prepar o morteiro, para ripostar a um ataque do IN.Foram 45 dias bem passados, sob poeira, suor, sol e sem agua para nos lavar-mos.
Ao Jorge Picado um outro abraço e não tenho só a fotografia da Ponte Alferes Nunes.Tenho várias em Capó,
a maioria das quais tiradas no meu 23º aniversário e não só.Posso disponibilizar as que quizeres.O meu Email, vem na listagem que o Carlos Vinhal nos disponibilizou.
Para o Luis Faria, aquele abraço de sempre.
JORGE FONTINHA