quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5255: A tragédia do Saltinho: o Canhão s/r 82 B10, russo, que provocou a morte do 2º Srgt A. Duarte Parente (J. Narciso / P. Santiago)

Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > Contabane > Pel Caç Nat 53 (1970/72) > O Paulo Santiago com o canhão sem recuo 82 B-10, de origem, que esteve na origem do acidente que provocaria a morte do 2º Sargento Parente. O Paulo revisitou o Saltinho e Contane em 2005, na "viagem de todas as emoções" (*)

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.

1. Comentário de Jorge Narciso ao Poste P5248 (**):

Olá, António!

Não tem este o fim de comentar o teu post (eu até nem fui nem vim de barco, pois era da FAP), antes e verificando que terás estado no Saltinho por 69/70, procurar uma eventual ajuda tua para precisar na memória um facto lamentável, que muito me marcou e do qual não fiquei com registo preciso.

Eu fui mecânico da linha da frente dos helicópteros (exactamente entre Abril de 1969 e Dezembro de 1970) e muitas vezes fui ao Saltinho (cruzámo-nos concerteza), nomeadamente na época das chuvas, para proceder a abastecimento de víveres.

Aliás, ali "festejei" os meus 20 anos, facto que, denunciado pelo piloto, "nos obrigou" a só dali sair depois dum copo (penso que de espumoso).

Com essas diversas viagens estabeleceram-se alguns laços de amizade, nomeadamente com um sargento (de quem não me recordo o nome) que é, esse sim, o motivo deste comentário.

Sei que numa determinada altura foi substituída a guarnição do Saltinho(fim de comissão ?), mas que o citado sargento, por ser de rendição individual, ali permaneceu com a nova guarnição. [ Substituição da CCAÇ 2406 pela CCAÇ 2701, em Maio de 1970].

Um dia (que também não consigo precisar) parti numa evacuação para o Saltinho (que, diga-se, não era habitual) e qual não foi a minha surpresa (e choque) quando verifico que ela se destinava exactamente ao citado sargento.

Explicaram-nos, rapidamente, ter sido ele atingido pela gravilha projectada pelo escape do canhão sem recuo, montado num dos muros do aquartelamento, que tinha sido extemporaneamente disparado por terceiro, num tiro de experiência e demonstração.

Foi, talvez, a evacuação mais penosa das incontáveis que realizei na Guiné.
Desde logo pelo seu gravíssimo estado físico (completamente crivado), pelo emocional, com a sua lúcida compreensão desse mesmo estado, finalmente porque era alguém com quem mantinha uma relação, diria de quase amizade, o que exponencia largamente o nossas próprias emoções.

Desembarcado, com as palavras de encorajamento possíveis, procurei num dos dias seguintes visitá-lo, tendo-me sido informado que tinha sido imediatamente evacuado para Lisboa.

Tendo mantido o interesse , soube muito mais tarde que não tinha resistido aos ferimentos, vindo a falecer.

Recordas ou de alguma forma tiveste algum contacto testemunhal com este caso ?

Um abraço

Jorge Narciso

2. Comentário de L.G.:

Acabei de mandar, logo a seguir, ao Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, Julho de 1969/Março de 1971), com conhecimento do Paulo Santiago (Saltinho, 1970/72), um mail a perguntar se ele confirmava este acidente e se se lembrava do nome do sargento, com quem privámos em Bambadinca, ainda uns tempos, antes de ele ir para o Saltinho, onde estava a CCAC 2406 (1968/70)...

Lembrava-me bem dessa trágica história... e do penoso relato das circunstâncias da sua morte (no local ou mais tarde, no hospital), depois de ter sido apanhado pelo "cone de fogo" do canhão s/r disparado inadvertidamente por alguém...

Recordava-me bem de uma célebre frase que esse sargento operacional de armas pesadas (se não me engano) costumava proferir no nosso bar, em Bambadinca:
- Quando vou na rua, só paro em dois lugares: numa taberna ou numa livraria...

Aliás, tinha ideia de o Paulo Santiago já ter falado, aqui, no blogue, deste horrível acidente. Isto terá ocorrido em 1970, já no tempo da CCAÇ 2701.


3. Resposta do Paulo Santiago, ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 53 (Saltinho e Contabane, 1970/72), ao Jorge Narciso (ex-1º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12, 1969/70, se não me engano):

Caro Jorge Narciso:

Vou tentar contar o episódio de que falas (**) , que aconteceu já depois da saída, do Saltinho, da CCAÇ 2406, a que pertenceu o António Dias [. O CCAÇ 2406, Os Tigres do Saltinho, 1978/70, pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca).

A tragédia, confirmei agora a data com um camarada, deu-se no dia 13/05/70, quando já se encontrava naquele quartel a CCAÇ 2701. O 2º Sarg Parente, o militar de que falas, não pertencia a nenhuma daquelas companhias, era um dos graduados do Pel Caç Nat 53, comandado naquela data pelo Alf Mil António Mota que eu fui substituir em Outubro de 1970.

O trágico acidente resultou de um disparo ocasional do canhão S/R 82 B10, naquele dia instalado no Saltinho, mais tarde foi comigo para o Reordenamento de Contabane.

Ninguém tem uma explicação cabal para o sucedido. Havia ordens expressas para a arma estar sempre com a culatra aberta, e sem granada introduzida, parece que naquele dia havia uma granada introduzida,e a culatra estava fechada.

Como aconteceu? Junto da arma encontravam-se vários militares, Cap Clemente, Alf Mil Julião, Sarg Demba da Milícia, 2ºSarg Parente e ainda mais dois ou três militares. A arma para disparar, granada na câmara e culatra fechada, accionava-se o armador, premia-se o gatilho,acontecia o disparo. Diziam que alguém tocara com o joelho no armador e dera-se o disparo...

O 2º Sarg Parente estava logo atrás do canhão S/R, foi parar a vários metros de distância, e tu, Jorge Narciso, sabes como ele ía. Ficaram também feridos o Cap Clemente, queimaduras numa mão e virilha, e o Demba, queimaduras numa perna. Foram também evacuados para o HM.

Como dizes,o Parente morreu passado um mês. Já como comandante do Pel Caç Nat 53,recebi uma carta da viúva, pedindo-me ajuda na resolução de um qualquer problema que agora não recordo.

Foi um dia trágico no Saltinho.Isto é, muito dramático, o Parente tinha recebido naquele dia um telegrama, via rádio, informando-o que fora pai de uma miúda...e andara na tabanca a comprar uns frangos para fazer um jantar comemorativo do nascimento...

O Alf Mil Fernando Mota, da CCAÇ 2701, recebeu uma carta com a notícia que o irmão fora morto com um tiro da GF. O Sarg Demba da Milícia foi morrer no Quirafo em Abril/72 (***)... Será que o Parente ainda viu a filha antes de morrer? (****)

Apesar de não o ter conhecido, é-me penoso falar desta tragédia.

Abraço

P.Santiago

____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

Sobre o canhão s/r 82 B10, vd. também o poste de 13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança

(...) Também nestes primeiros dias de Novembro [ de 1970] foi um heli ao Saltinho buscar, por ordem do Com-Chefe, o canhão s/r 82-B10. Voltaram a entregá-lo em Dezembro. Tinha ido na invasão de Conacri, soubemos à posteriori.

(**) Vd. poste de 10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5248: O cruzeiro das nossas vidas (14): Queremos o Uíge (António Dias)

(***) Vd. postes de:

18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

(****) Consta na lista dos mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes, com o nome completo de Antóno Duarte Parente, 2º Sargento do Exército. Data de falecimento: 12/06/1970. Causa: Acidente.

Segundo a página do nosso amigo e camarada António Pires, Guerra do Ultramar: Angola, Guiné e Moçambique, lista dos mortos do Ultramar, o Parente era natural de Vale de Prazeres, Concelho do Fundão, pertencia de facto ao Pel Caç Nat 53, fora mobilizado, pelo RI 14, e está sepultado na Covilhã.

6 comentários:

José Marcelino Martins disse...

António Duarte Parente, 2º Sargento do Infantaria nº 50698311, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 14 em Viseu, para o Pelotão de Caçadores Nativos nº 53 do CTIG, casado com Maria da Conceição Emília da Silva Parente, filho de Luis Moreira Parente e Conceição Nascimento Duarte, natural da freguesia de Vale de Prazeres e concelho do Fundão.
Faleceu em 12 de Junho de 1970 no Hospital Militar Principal, em Lisboa, vitima de acidente cm arma de fogo, no Saltinho, tendo sido atingido pelo sopro de canhão sem recuo em 13 de Maio de 1970.
Foi inumado no Cemitério Municipal da Covilhã.

Jorge Narciso disse...

Caros Luis e P.Santiago

Obrigado pelo avivar de memória que o registo dos factos descritos permitiram.
No meu caso e particularmente a remomeração do nome do Parente foi determinante.
Não foi naturalmente suficiente para tornar nitida a sua fisionomia, de que retenho apesar de tudo alguns traços,marcados pelo esgar de sofrimento com que convivi (nesse mais longo e penoso contacto que com ele mantive) naquela quase uma hora que durou a evacuação.
Mas avivou-me isso sim a imagem que dele retenho e que me dão a certeza que deixou saudades a quem com ele se cruzou:
Homem simpático, conversador e sempre pronto ao convivio, no nosso caso sempre breve, como aliás breve foi a vida que lhe deixaram viver.
R.I.P.

Um abraço e até outras memórias

Jorge Narciso

Luís Graça disse...

1. Obrigado, Jorge, por cruzares as tuas memórias (FAP) com as nossas (Exército)... Privei com o Parente, em Bambadinca, como deixei escrito no meu comentário... Vamos ver se encontramos alguma foto com ele, em Bambadinca (ou no Saltinho).

2. Outra coisa: tenho aqui um mail do Jorge Félix, que foi Alf Piloto do AL III, no teu tempo, e voou contigo... Vou-te dar o mail dele, para o contactares:

Caro Luis:

No P5248 comentei duas notas. Uma dirigida ao Ant Dias, autor do post. outra ao Jorge Narciso, que é uma pergunta que gostaria de ter resposta. É muito natural que o Jorge Narciso não vá ler as notas, e tb não tem o meu endereço.

Podes me dar o endereço do Narciso para pessoalmente lhe falar da data que tenho em dúvida?

Um abraço
Jorge Félix

3. Respondi ao Jorge Félix, nestes termos:

Jorge: Ele não faz parte da nossa Tabanca Grande... nem do blogue do Victor Barata (especialistas da BA12, Bissau, 1967/74)... No seu comentário, não deixou nenhum endereço de e-mail... A única hipótese é publicar umn poste, teu, na série 'Em Busca de...'.

Dá-me mais elementos sobre ele... Vamos encontrá-lo.

Quem teria sido o piloto que foi ao Saltinho, com o Jorge Narciso, buscar o desgraçado do sargento Parente ? É uma história (bonita) de camaradagem. O Parente era um homem bem disposto, que facilmente fazia amigos...

Um abraço. Luís

Luís Graça disse...

Jorge Narciso:

Aqui tens o mail do Félix... Ele vive em Vila Nova de Gaia e vai gostar muito de trocar mensagens contigo.

jorgehmfelix@hotmail.com

Há diuas escreveu, no Poste P 5248, o seguinte comentário:

Duas "pequenas" notas:
Pode ler-se o nome do Alferes Ant Luís Brandão, que viria a falecer como já referimos em anteriores post.(mais uma pequena homenagem).

A segunda nota é para o Jorge Narciso. Qual é e tua data de nascimento, 12 de Agosto ? Nesse dia de 68 tenho registado a recordação de uma ida ao Saltinho com consequente exagero consumo de bebidas alcoólicas.
Abraços
Jorge Félix
jorgehmfelix@hotmail.com

Luís Graça disse...

1. Mensagem do Humberto Reis, o nosso querido "cartógrafo" e "mecenas", meu vizinho e amigo, e last but not the least camarada da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) que está com um duplo "galo": (i) náo consegue "postar" comentários no blogue; (ii) esta sua mensagem, das 15h00 de hoje, foi salva "in extremis", estava no "caixote do lixo" do SPAM (correio não-solicitado)... Andas, embruxado como o Ronaldo... Um abração. Luís
_____________


Luís,

Por mais que eu tente não consigo "adicionar" um comentário no blogue. Já vi, tentei comentar mas sem sucesso. Era pouco o que tenho a acrescentar: tenho ideia dele em Bambadinca, tal como de um outro 2º sargento, o Casqualheira, e que veio a acontecer o tal acidente no Saltinho. Aparece um comentário de um mecânico de Alouette III de nome Narciso que me deixa algumas dúvidas. Será que ele é sobrinho de um tal Fausto que mora, ou morou, aqui na zona de Lisboa, mais concretamente em Moscavide? Se é, voei com ele várias vezes com o Rui Branco, de quem era amigo pessoal da família.
Abraço
Humberto

Jorge Narciso disse...

Caros Luis, Felix e Humberto

Aqui vão, da forma mais sintética possivel, as respostas às várias questões colocadas e uma nota prévia.

Nota - Como a FAP fez o favor de perder (?) a minha caderneta de voo, os factos e datas relativos à minha estadia na Guiné, são os registados na minha memória e dalguns companheiros da época com quem me vou encontrando e falando destas coisas (já lá vão 40 anos).

Mesmo assim - mesmo assim !!!
Consigo por exemplo, recordar-me, sem grandes falhas, de praticamente todo o pessoal com quem convivi na linha da frente dos All III(e foram muitos, pois as rendições na FAP - excepto a dos paras - eram todas individuais) , nomeadamente: Mecanicos, Pilotos e Enfermeiras.
Dalguns voos (nomeadamente os mais "apertados")lembro-me com quem os realizei, da grande maioria dificilmente. Terei voado seguramente com perto, senão mais, de 20 pilotos diferentes.

Mas vamos aos facto:

- Questões do Luis
Sinceramente (e pelos motivos que atrás refiro) não me recordo quem foi o Piloto da evacuação do Parente, apenas uma vaguissima ideia, que poderá ter sido o Ramos (Fur.).

Relativamente ao meu endereço e para que conste, aqui vai:
narcisoj@mail.telepac.pt.

Do Félix
-(a quem envio desde já um abraço e posteriormente um mail, recordando nomeadamente uma viagem com a "famosa Cilinha"), digo que faço anos a 26 de Maio (não a 12 de Agosto) e cumpri esse aniversário (20º) exactamente um mês depois da chegada à Guiné (26.Abr.69).
Também aí não consigo precisar quem foi o piloto - mas podes perfeitamente ter sido tu.
Até breve

Finalmente a questão do Humberto
- Como, independentemente da sua existencia, não acredito em bruxas, e porque sou efectivamente sobrinho do Fausto que vive em Moscavide (e que esteve em Angola) e porque naturalmente voei muitissimas vezes com o Branco, algum dado me está a escapar em relação ao nosso mútuo conhecimento (talvez por o neurónio onde ele estava registado se ter entretanto reformado - estou a naturalmente a brincar); agradeço-te alguma pista mais precisa que me ajude a recordar-te.

E como este já vai longo
Um abraço comum

Jorge Narciso