1. O nosso Camarada Fernando Costa Gomes de Araújo* (ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 10 de Maio de 2010:
Jumbembem - Ataque ao quartel (ao arame) no dia de Carnaval
2 das páginas da minha agenda/diário da Guiné
25-02-1974:
O meu 2º pelotão fez a picagem a Sare Tenem, para se realizar a coluna ao destacamento de Canjambari.
Tudo correu normalmente durante o dia não se tendo feito o patrulhamento nesta área, porque no decorrer da picagem pareceu-nos tudo normal.
Como era dia de Carnaval (velha tradição metropolitana), fugi às normas que eu próprio havia estabelecido para mim e fui-me vestir à civil, assim como outros camaradas da Companhia, apenas com a ideia de mudar de visual, umas 2 ou 3 horas e matar saudades das roupas civis.
Ao contrário do que era esperado, por volta das 20h00, fomos surpreendidos com um forte ataque ao quartel (com o IN junto ao arame).
Ouvi as primeiras rajadas das “costureirinhas”, logo de seguida o som estridente dos rebentamentos de granadas de morteiro 82 mm e RPG, e corri para a vala para me proteger.
Logo que pude corri (mais rápido do que na instrução em Lamego) de novo para o meu quarto, já arrependido de me ter equipado com roupa civil e equipei-me com o camuflado, as cartucheiras e a G3, em +/- 1 minuto.
Saí em corrida em direcção à vala mais próxima do meu quarto, ainda a apertar o cinturão, e aguardei até que amainasse novamente o ataque, que foi o primeiro deste tipo a ser dirigido ao nosso quartel.
Como as morteiradas explodiam muito perto instalou-se o caos no pessoal da companhia, com este ataque surpresa, que, em correrias desnorteadas, procurava rapidamente as valas e os abrigos, construídos em vários pontos do quartel, e que, obviamente, eram os refúgios preferidos da quase totalidade da malta.
Entretanto eu saí da vala onde me havia instalado, para tentar chegar à caserna do meu 2º pelotão. Como o quartel estava sendo fortemente iluminado por “very-lights” lançados pelo IN, se nos movimentássemos, de pé, éramos alvos fáceis.
As granadas dos RPGs assobiavam por cima de mim e só tive tempo de me lançar para uma vala, perto do posto de transmissões, que estava repleta de homens e onde além dos rebentamentos ouviam-se alguns gemidos, com vários palavrões à mistura, dos que estavam por baixo a suportar o peso dos que se iam amontoando, em cima deles, e lhes dificultavam a respiração.
Alguns dos militares estavam feridos, principalmente devido a quedas durante as corridas para a vala e ao lançarem-se para dentro desta.
Por instantes o ataque abrandou e eu saí da vala, começando a correr em direcção á caserna do meu pelotão, ao encontro dos meus homens. No entanto tive que parar, outra vez, porque recomeçou o “fogachal” vendo-se os clarões de novos “very-lights”, rajadas de costureirinhas, morteiradas de 82 mm e granadas de RPGs a estourarem por perto.
Por momentos consegui abrigar-me perto do depósito da água, onde os soldados da companhia habitualmente tomavam o seu duche, e dei comigo a observar aquele cenário de iluminação, fogo tracejante e os “flashes”das explosões, como um filme cujo guião só poderia ter derivado de uma mente mestrada em ficção, terror, destruição e morte, um misto de Nicolau Maquiavel e Dante Alighieri.
Voltei à realidade e notei que dali até à caserna distavam +/- 40 metros. Como os “very-lights” continuavam a iluminar bem aquela zona (parecia dia), e eu via o rasto das balas tracejantes a cruzarem o ar por cima da minha cabeça, decidi rastejar alguns metros… mas, como a área era muito descoberta, comecei a pensar que me ia expor demasiado a ser atingido, no percurso entre o depósito da água e o meu pelotão.
Assim, resolvi que seria mais útil colocar-me na zona frontal e central da parada, onde calculei que seria o ponto fulcral, para qualquer investida que fosse feita pelo IN, para dentro dos arames.
Jumbembem > 1973 > Parada do quartel
Entretanto apagaram-se todas as luzes do quartel, certamente para não sermos referenciados.
Naquela escuridão, todos os “gatos eram pardos”.
Eu via vultos a deslocarem-se à minha frente no meio da parada, mas não distinguia bem quem eles eram, de modo que só quando se aproximavam mais de mim, eu apontava a G3 e perguntava: “Quem vem lá?”
Vá lá que todos me foram respondendo.
Depois de refeitos da surpresa, começamos então a responder com o morteiro de 81 mm, com o armamento instalado no posto nº 2 (salvo erro), a “Dreyse”que estava colocada à saída para a picada de Canjambari e a “Bazuca” posicionada no posto nº 3 à saída para a picada de Cuntima (se não estou errado).
Só o obus é que não entrou em acção, dada proximidade do inimigo.
Começamos então a reagir melhor e a concentrar mais acertadamente o nosso fogo, para a zona de onde iniciara e se referenciara o ataque, entre a picada de Canjambari e a picada de Cuntima, calculando que o IN devia estar entre +/- entre 50 a 100 metros do arame farpado e nós, inicialmente, estávamos a “bater” uma zona mais para trás.
Só posteriormente fomos rectificando a distância do tiro da “Bazuca” a partir, como disse, do posto nº3 (?).
O IN não atingiu as instalações como tencionava, apenas me recordo de 1 RPG entrar no telhado do edifício de comando ao lado do meu quarto, onde estava instalado o nosso 1º Sargento Teixeira, caindo a empenagem no meio da cama e o copo da dentadura ficar perfurado com estilhaços, que teve muita sorte em não estar lá nessa altura.
Pode-se ver o pormenor da beira do telhado no edifício de comando destruída, em duas fotografias que estão colocadas no poste P6271, dedicado à ocupação de tempos livres, em que estou a marcar um “penalty” num jogo de andebol contra a CCAÇ 4616.
Pela manhã, fomos fazer o reconhecimento nas imediações do arame farpado, de onde o inimigo disparara e para onde tínhamos concentrado o nosso poder de fogo (mais destruidor com a bazuca), e detectamos além de vestígios de sangue, vários objectos dos quais já não recordo nada e as marcas no terreno da instalação dos morteiros de 82 mm.
Que me lembre, este ataque não nos causou qualquer ferido, nem danos relevantes no aquartelamento, nem na tabanca.
Este é o relato que mantenho gravado na memória desse explosivo dia de Carnaval.
Jumbembem > 1974 > Pessoal deambulando pela parada num qualquer domingo
Um abraço,Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512
Fotos: © Fernando Araújo (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
2 comentários:
Essa história do embrulhanço está um bocado embrulhada, não está?
Abraço,
António Graça de Abreu
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