1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 25 de Novembro de 2010:
Caros Luís, Vinhal, Briote e M. Ribeiro:
Recebam um grande abraço, também de amizade e consideração.
Em anexo, e dando continuidade aos postes n.ºs 7012 e 7138, aqui vai o trabalho sobre o 3.º item (a formiga “baga-baga”).
Claro que fica ao vosso critério (sempre por mim bem aceite) o publicar ou não este trabalho.
Rui Silva
2. Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
DOENÇAS E OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE (ou de integridade física) QUE A CCAÇ 816 TEVE DE ENFRENTAR DURANTE A SUA CAMPANHA NA GUINÉ PORTUGUESA (Bissorã – Olossato – Mansoa 1965/67)
(I) Paludismo (P7012)
(II) Matacanha (P7138)
(III) Formiga “baga-baga”
(IV) Abelhas
(V) Lepra
(VI) Doença do sono
Não é minha intenção ao “falar” aqui de doenças e outros problemas de saúde que afligiam os militares da 816 na ex-Guiné Portuguesa, imiscuir-me em áreas para as quais não estou habilitado (áreas de Medicina Geral, Medicina Tropical, Biologia, etc.) mas, tão só, contar aquilo, como eu, e enquanto leigo em tais matérias, vi, ajuizei e senti.
Assim:
As quatro primeiras, a Companhia sentiu-as bem na pele (ou no corpo). As duas últimas (Lepra e Doença do sono), embora as constatássemos – houve mesmo contactos directos de elementos da Companhia com leprosos (foram leprosos transportados às costas, do mato para Olossato nas tais operações de recolha de população acoitada no mato para as povoações com protecção de tropa) –, não houve qualquer caso com o pessoal da Companhia, ou porque estas doenças estavam em fase de erradicação (?), ou porque a higiene e a profilaxia praticadas pela Companhia eram o suficiente para as obstar.
FORMIGA BAGA-BAGA - III
Julgo que a descrição exacta é:
BAGA-BAGA: - Montículo de terra endurecida que abriga uma comunidade de térmitas (Cupim). Pode atingir até cerca de 8 metros de altura.
TÉRMITAS (Cupim): espécie de formiga esbranquiçada e de contornos e cabeça avermelhados que vive numa comunidade, aos milhares, uma comunidade organizada com Rei, Rainha, operárias e soldados, e que constrói o baga-baga com a secreção de saliva misturada principalmente com pó de terra fazendo daquela obra de engenharia (arejamento, climatização e arrumação) o seu habitáculo.
Isto porque havia quem dissesse que a formiga baga-baga é que deu o nome ao montículo e outros que diziam que o baga-baga (montículo daquela formiga) é que deu nome à formiga.
Aconteceu então, numa operação de golpe-de-mão à casa-de-mato inimiga de Biambe, o meu primeiro encontro com estas “más companhias” e quando já tinha algumas semanas de Guiné e de mato.
Dá-se uma emboscada aquando do regresso, o que já se contava e como era habitual, e então valha-nos, mais uma vez, um baga-baga.
“Entretido” aos tiros, só depois me apercebi das alfinetadas que estava a levar nas mãos e braços, e já pelas pernas acima.”Mas o que é isto?” Qual é a minha surpresa, vejo umas formigas avermelhadas a ferrarem-me por todo o lado.
Comecei a sacudi-las sem por a cabeça fora do baga-baga, isto é fora de uma eventual boa pontaria inimiga. À sacudidela elas não saíam e então, verifiquei, para desespero meu, que elas estavam encastradas na minha carne. Com o empenho que elas actuavam parecia que até faziam o pino. Só puxando-as é que elas saíam, sem que no entanto a cabeça deixasse de ficar agarrada através de uns tentáculos enterrados. Lembrei-me das abelhas - nas abelhas o abdómen fica ligado ao ferrão - nestas ficam, não um ferrão, mas umas pinças (ou cornos) com a cabeça agarrada.
Os baga-bagas eram os nossos abrigos predilectos. Ainda bem que existiam. Parecia que tinham sido feitos para aquele tipo de guerra – a guerra de guerrilha. Altos, espessos quanto baste, duros como cimento, e a espaços mais ou menos regulares. Em qualquer operação no mato, principalmente em zona laranjo/vermelha, era constante um olhar prévio em redor para ver onde havia um baga-baga que nos acudisse.
Havia zonas em que existiam mais, julgo que em terrenos mais secos. Nas bolanhas não havia. Certamente que a água das chuvas e das marés que as inundavam, não propiciavam tais obras de engenharia. Ali para os lados de Biambi, Maqué, Iracunda, Morés, Cansambo, etc. aqueles montículos eram mesmo aos montes.
Aquela dor aguda e penetrante em cada ferroada passava no entanto alguns segundos depois. Perguntei-me porquê elas aparecerem naquele baga-baga e não em muitos outros onde me tinha protegido em situações embaraçosas como aquela. Disseram-me, depois, que aquelas formigas constroem o baga-baga mas que depois o abandonam, julga-se quando já não têm condições de habitabilidade, ou acaba aquela geração, ou ainda por predadores e parasitas mais fortes. Seja como for, verifiquei que grande parte dos baga-bagas não tinham aquelas formigas, afinal as legítimas proprietárias, mas sim eram habitados agora por toda a espécie de insectos: grandes, pequenos, com asas, sem asas, aranhas, moscas, moscões, etc., etc. Parasitagem, afinal.
Apesar das dezenas de ferroadas que se levava, e as marcas eram bem visíveis, o que era certo, pelo que me apercebesse, não havia doença ou alergia subsequente. Afinal aquele Cupim que não gostava que usássemos a sua casa, ainda que para defesa do toutiço, teria uma história bem curiosa do que é uma comunidade, ainda que a nível de pequenos insectos, em que há uma entreajuda impressionante, que constrói com uma preciosa engenharia de habitabilidade e sustentabilidade um território, em que tem as suas operárias, os seus soldados defensores de todo o reino, um rei e uma rainha, esta a fecundar a um ritmo impressionante (cerca de 1000 ovos por dia) aumentando continuamente a prole, qual fábrica de trabalho em série. Afinal aquele torrão de terra, e que jeito dava muitas vezes, tinha muito que contar sobre a mãe natureza. Escondia uma comunidade laboriosa unida e homogénea em que cada um tinha uma missão religiosa a cumprir. Afinal uma lição para muitos…
Havia também por lá umas formigas pretas, de grande cabeça e com um comprimento de 1 centímetro ou mais, não faltando quem se queixasse delas; embora também as visse por perto não me lembro de ser mordido por elas, já dos Cupins…
Ao clicar no ícone seguinte, pode-se ver um pequeno filme do Youtube que mostra umas formigas pretas a dominarem os Cupins. No entanto não me parece que sejam as formigas pretas de que a malta se queixava.
Ainda através do ícone se pode ver um outro filme (Cidade das formigas) onde se pode ver que, ao despejar cimento no estado de líquido pelas aberturas do formigueiro, aquele percorre todo o labirinto e uma vez solidificado mostra todo o habitáculo das formigas. De algum modo, embora ressalvando as proporções, o cupinzeiro (baga-baga) que víamos na Guiné, tem uma arquitectura semelhante.
Numa certa altura do ano, já no Olossato e julgo que tinha a ver com o tempo das chuvas, reparamos a páginas tantas, e já de noite, que as lâmpadas da iluminação à volta do quartel, alimentadas pelo gerador eléctrico, estavam rodeadas de milhares de insectos voadores. Logo também invadiram a nossa messe rodeando as lâmpadas ali acesas. Uma coisa nunca vista. Logo apagamos as luzes e os insectos voadores desapareceram, para num ápice voltarem a rodear as lâmpadas logo estas reacendidas, em voos frenéticos e repetidos em direção à origem da luz.
Chegamos a apagar a iluminação e a incendiar papeis julgando que as formigas se queimavam, desaparecendo assim, mas, qual o nosso espanto, as formigas envolveram as chamas. Aproximavam-se da chama para logo se afastarem ligeiramente (devido ao grande calor, suponho) para logo fazerem nova investida. O calor só era problema quando elas se queimavam (?). Uma coisa impressionante. Mas eles insistiam, insistiam sempre, ao encontro da luz.
Ao ler a história dos Cupins e sabendo que estes numa fase da sua metamorfose possuem asas (ver na figura abaixo, Como funcionam os Cupins-Ciclo de vida) em que o Cupim passa por uma fase da sua vida em que tem asas e a que se dá o nome de Alado) admito que esses vastos enxames em volta de tudo que fosse luz seriam os Cupins na fase de alados. De uma formiga tratava-se certamente. Mas, de tipos de formigas e outros insectos, cobras e passarada na Guiné haviam aos montes.
Fonte: www.mundoestranho.abril.com.br
- Montanha viva
- Ninho é cheio de túneis, tem andares embaixo da terra e pode durar oitenta anos.
CONSTRUÇÃO FIRME
O tamanho do cupinzeiro depende da população da colónia, mas, em média, atinge 60cm de altura. Ele é feito de terra, areia, saliva e excrementos dos próprios cupins. A construção é tão sólida na parte externa que alguns cupinzeiros se mantêm por até 80 anos!
LABIRINTO INTERNO
Por fora, um cupinzeiro do tipo montículo parece um monte de terra ressecada, sem vida. Dentro, porém, ele tem vários túneis e câmaras interligados por onde circulam milhões de cupins. As câmaras têm diversos usos, de depósito de alimento a berçário para ovos.
EM CAMADAS
O cupinzeiro é erguido por compartimentos e ganha “andar por andar”. O ninho cresce tanto para cima como para baixo da terra – cerca de 25% do tamanho total do cupinzeiro pode ser subterrâneo -. Os andares mais novos são mais húmidos e não tão sólidos.
CAMAROTE VIP
Entre as milhares de câmaras, uma se destaca: a câmara real. Nela vivem a rainha e o rei da colónia, responsáveis pela fundação do ninho e pela multiplicação dos cupins. O casal real vive, em média, de 15 a 20 anos e pode ser substituído por outros pares secundários.
ENTRADA VIGIADA
O acesso ao ninho é feito por túneis subterrãneos que desembocam no solo. É por eles que os cupins operários saem para colectar comida. Nessas missões, são protegidos de inimigos, como formigas e vêspas, pelos cupins soldados que fazem uma “escolta”.
Um estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, indica que os verdadeiros reis da savana africana não são os leões, mas sim os cupins. Segundo o pesquisador Robert Pringle, a rede de colónias criadas pelas colónias do insecto influencia mais a população de animais que os grandes predadores ou os gigantes da região, como os elefantes e as girafas. As informações são da Agência Fapesp.
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Segundo a pesquisa, a acção do cupim contribui enormemente para a produtividade do solo, que acaba por estimular a produção vegetal e, por consequência, animal. Os cientistas afirmam que a distribuição dos cupinzeiros por uma área maior maximiza a produtividade de todo o ecossistema.
“Não são os predadores carismáticos – como leões e leopardos – que exercem os maiores controles em populações. Em muitos aspectos, são os pequenos personagens que controlam o cenário. No caso da savana, aparentemente os cupins têm uma tremenda influência e são fundamentais para o funcionamento do ecossistema”, diz Robert Pringle.
Os pesquisadores estudaram cupinzeiros na região do Quénia Central. Eles observaram que essas estruturas tinham cerca de 10m de diâmetro, com distâncias entre 60 e 100m entre eles. Cada um abriga milhões de insectos e muitas vezes são centenários. Os cientistas se surpreenderam ao observar um grande número de lagartos próximos aos cupinzeiros, o que levou à quantificação da produtividade ecológica da área. Eles chegaram à conclusão que cada comunidade de insectos dava suporte a densas agregações de flora e de fauna. As plantas cresciam mais rapidamente quando próximas a essas estruturas e as populações de animais, assim como a taxa de reprodução, eram menores quando ficavam longe dos cupinzeiros.
Imagens feitas por satélite confirmaram as observações. Segundo os pesquisadores, essas imagens mostravam que cada cupinzeiro ficava no meio de uma “explosão de produtividade floral”. Além disso, essas “explosões” parecem divididas organizadamente, com cada uma como se fosse uma casa em um tabuleiro de xadrez.
Os cientistas pretendem agora estudar qual é exactamente a contribuição dos cupins a essa produtividade. Eles acreditam que os insectos – que muitas vezes são vistos como pragas na agricultura – distribuem nutrientes, como fósforo e nitrogênio, que beneficiam a fertilidade do solo.
Segue: Abelhas - IV
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7138: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (2): Matacanha (Rui Silva)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Camarada Rui,havia uma leprosaria
junto a Bissau pra onde íam os doentes e familias,aos cuidados dos missionários italianos,cujo
padre superior veio a ser o Bispo de Bissau após a independência,
D.Sétimo Serrazeta,estive lá a ajudar,a fazer uma carpintaria escola pra ensinar aos meninos que
lá morava.Havia um edificio construido em alvenaria ao qual faltava o telhado não havia dinheiro,os frades viviam do que a terra dava,iam caçar pra arranjar
racho melhorado.
José Nunes
Beng 447
Brá 68/70
Caro Correia Nunes:
Era exactamente o meu propósito ao lançar no Blogue assuntos (neste caso doenças e outras maleitas) de algum modo relacionadas com a nossa vivência na Guiné, para depois saber daqueles, então mais conhecedores e próximos deles, mais e melhor.
A minha ideia foi "abrir" um livro ou dar-lhe um título para ver se vinham a terreiro outras (porventura mais avalizadas) informações mais e melhor complementares.
Obrigado pela informação, pois não sabia.
Um abraço
Rui Silva
Caro Rui Silva,
Muito interessantes estes teus artigos sobre maleitas e doenças da "nossa" Guiné.
Sobre a formiga baga-baga cheguei a enviar um post sobre as minhas tentativas infrutiferas e frustrantes de eliminar as formigas de baga-bagas situados em locais incómodos e a necessitar de remoção.
Não sei se cheguei a ser mordido por elas, mas eu também não as consegui "morder", como podes ver no post.
Um grande abraço,
Raul Albino
C. Caç. 2402
Amigo Rui, de facto deves continuar com estes bonitos artigos. És práticamente um "catedrático" nestas materias, por acaso ainda te lembras de chamada MISSÃO DO SONO, que existia em Bissorã?
Um dia destes vou contar uma cena passada comigo, sobre um ataque de furunculose, provocado pela ingestão de uma grande quantidade de cajus frescos.
Um grande abraçoRogerio Cardoso
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