sábado, 15 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10805: Do Ninho D'Águia até África (35): Boas Festas, camaradas amigos (Tony Borié)

1. Mais um episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, desta vez versando a época natalícia:


Do Ninho D'Águia até África (35)






Boas Festas, combatentes amigos!

A nossa geração de antigos combatentes da guerra que Portugal manteve com as suas então Províncias Ultramarinas, sofreu muito, não há nenhuma excepção, todos, mesmo todos, os três ramos das forças armadas, desde os militares do quadro permanente aos milicianos, desde alguns generais aos soldados, que alguns só com o exame da segunda classe da instrução primária, estavam ali firmes, a receber ordens que não compreendiam, e saíam a destruir bases de guerrilheiros, só com um bocado de pão rijo no bolso para entreter o estômago, todos, nos melhores anos das suas vidas, principalmente dos milicianos e soldados foram interrompidos, para irem para um local de onde não sabiam se sairiam vivos, é verdade, os africanos também sofreram, lutando e morrendo por um ideal de liberdade, as enfermeiras paraquedistas, em lugar de mostrarem a sua juventude em festas, junto de suas famílias, interromperam essa mesma juventude e foram salvar vidas, com o risco da sua, as populações civis, interromperam a suas tarefas, e muitas abandonaram o seu local de sustento, passaram fome e perderam os seus haveres, todos de uma maneira ou de outra sentiram o “ferrete” espetado nas costas, ou o “espeto” nas unhas, de muitas injustiças que viram e sofreram, sentem a dor no coração de verem o camuflado do companheiro e amigo, sujo de sangue, com restos de carne humana, muitos não mais se “acomodaram”, sim é verdade.

As mães, os pais, as noivas, os familiares de uma maneira geral, choraram as ausências, muitos, principalmente militares do quadro permanente, andaram com a “casa às costas”, os filhos frequentaram diferentes escolas, em diferentes locais, tiveram uma vida de “saltimbancos”, com diferentes climas e costumes, também é verdade, alguns contraíram doenças, devido a estarem expostos a diferentes climas, sofreram cicatrizes no corpo de estilhaços de granadas, balas, ou outros objectos que se usavam em cenário de guerra, muitos viram ser-lhes amputados membros do seu corpo, e outros única e simplesmente morreram, em combate, por acidente e por doença, tudo isto é uma pura verdade.

Mas alguns de nós sobrevivemos, e estamos agora aqui vivos, com alguma, às vezes pouca saúde, mas estamos aqui, temos boca, falamos, às vezes exaltamo-nos e desabafamos com a pessoa que estiver mais próxima, nem sempre somos correctos, até dizem que é “stress de guerra”, pois que seja, mas estamos aqui.

E de quem foi a culpa? De ninguém que esteja vivo, pois já lá vão tantos anos. Talvez do primeiro marinheiro europeu que desembarcou na África, com uma espada na mão e com uma cara de guerreiro, que passado um segundo depois de pisar terra firme, já estava a praticar um acto de injustiça, que se prolongou por séculos, e que a nossa geração sofrendo, terminou.

Calhou-nos a nós, e é aí que me quero referir, pois estamos aqui, e se o nosso pensamento tiver alguma força e poder retornar umas décadas atrás, veremos que tirando a passagem pela guerra até vivemos numa época em que o mundo desabrochou, e mostrou-nos umas certas regalias, pois muitos da nossa geração, não tinham nunca usufruído de por exemplo, a electricidade nas casas, principalmente nas aldeias, o fogão a gás ou eléctrico, o frigorífico, o veículo automóvel, as lojas de roupa, e mercados de géneros alimentícios, os laboratórios descobriram novos medicamentos e salvam milhões de pessoas, os aviões com acesso a quase todo o mundo, o homem pisou a Lua, existem satélites que vigiam o mundo e sabem a milhares de quilómetros de distância o que se passa na nossa rua, comboios super rápidos, e ultimamente o mundo dos computadores, onde se está em todo o mundo em segundos, e de uma maneira ou de outra sobrevivemos e estamos aqui.

A guerra voltou ao mundo há mais ou menos uma década, e não sabemos se os nossos filhos, netos e bisnetos, vão passar ao lado dela, oxalá que passem, pois eu não desejo ver o meu filho, o meu neto, nem o meu bisneto, dentro do arame farpado, como eu estive por dois anos, sempre cheio de medo, e oxalá que usufrua de todos os comboios rápidos, dos super-aviões e toda a tecnologia deste mundo moderno.


E só para terminar, vejam os felizardos que somos, reparem nesta fotografia que ilustra este texto, onde um ser humano, hoje, neste mundo que será dos nossos filhos, não tem uns simples sapatos, pois improvisou umas garrafas de qualquer refrigerante vazias e com uma corda feita de ramos de arbustos imitando uma sandálias, para proteger os pés.

BOAS FESTAS, companheiros combatentes, do
Cifra amigo!

(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados) 
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10785: Do Ninho D'Águia até África (34): Aquela garotada (Tony Borié)

7 comentários:

admor disse...

Caro Tony Borié,

Agradeço e retribuo votos de Boas Festas.

Muita saúde!

Um grande abraço.

Adriano Moreira

paulo santiago disse...

Tony
Grande texto que escreveste a desejar-nos Boas Festas.Tenho honra em ser teu conterrâneo.
Amanhã é o aniversário dos nossos Bombeiros,e como membro dos corpos sociais,lá estarei nas cerimónias e na ceia.Vou imprimir,e vou divulgar.
Aqui,da nossa Águeda,vai o meu abraço.
Paulo Santiago

Anónimo disse...

De: Augusto Silva Santos
Para: Tony Borié

Agradeço retribuindo com um grande e forte abraço.

Votos de muita saúde. Fica bem junto daqueles que mais amas.

Obrigado por aquilo que tens escrito / retratado.

Antonio Melo disse...

Tony um texto que exprime a verdade do que sinto
So um ex combatente pode expressar o que tu as escrito
Obrigado pelo que escreves sempreque vejo um texto teu me alegro porque escreves com o coraçao
Festas felizes para ti e para todos os teus
Um abraça do Antonio Melo

Tony Borie disse...

Olá companheiros combatentes.
Obrigado pelos amáveis comentários, e desejos de Boas Festas.
Todos são "cinco estrelas"!.
Paulo, diz por favor "alô", a todo o pessoal dos Bombeiros, esses heróis desconhecidos.
Um abraço para todos, do amigo Tony Borie.

Henrique Cerqueira disse...

Tony Borié
Mais um belo e sentido texto.
Não haja dúvidas que a imagem vale por mil palavras.Se todos nós e em especial as novas gerações tiverem um pouco de atenção nos pés da tua imagem,talvês considerassem melhor a postura que hoje em dia vemos em muita gente.
Um abraço e BOM NATAL
Henrique Cerqueira

Rogerio Cardoso disse...

Grande Tony.
Não tenho duvidas de que és um espectáculo na escrita, não com as chamadas palavras caras como se costuma dizer, mas com uma linguagem que todo o mundo entende perfeitamente. És um camarada, que de certeza todos os bloguistas gostam de lêr. Para te babares já chega de elogios, está bem?
Agora nesta quadra com tanto significado para todos nós, daqui deste cantinho de que tanto gostamos, envio-te os desejos de um GRANDE E SANTO NATAL, para ti e toda a familia que de certeza te ama muito.
Um abração deste teu amigo, incluindo a minha mulher, minha companheira á quase 50 anos. Assim pelas simples contas, sabes que eu casei antes de ir para a Guiné.
Até sempre, Roger