sábado, 25 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20898: (De)Caras (156): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte V: Quando fui a Pirada, em DO-27, em 2/5/1972, levar o inspector da PIDE/DGS, Fragoso Allas, a Pirada, para conversões secretas com os senegaleses... A 18 desse mês, Spínola encontra-se com o Senghor, em Cap Skiring (Gil Moutinho, ex-fur mil pil, BA 12, Bissalanca, 1972/74)


Guiné > Região de Gabu > Pirada > c. 1973/74 > "Na casa do célebre senhor Mário Soares. Acompanhando-o quatro alferes milicianos e um capitão miliciano".

Um dos alferes era Manuel Valente Fernandes, ex-Alf Mil Médico do BCAV 8323, Pirada, 1973/74, membro da nossa Tabanca Grande desde 17/10/2012. (,. o segundo, do lado esquerdo). Do anfitrião (o primeiro, a contar da direita) sabe-se que gostava de (e sabia) bem receber, qualquer que fosse as suas motivações. O nosso camarada Gil Moutinho reconheceu, de imediato, esta mesa, à volta da qual esteve sentado em 2/5/1972, comendo do bom e do melhor, enquantoi o patrão da PIDE/DGS, e homem da confiança de Spínola, conferenciava com o Mário noutro aposento... Pequena história da História Grande...

Foto (e legenda): © Manuel Valente Fernandes (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do  Gil Moutinho (ex-fur mil pil,  BA12, Bissalanca,1972/73); um dos régulos da Tabanca dos Melros,  Fânzeres, Gondomar) (*):

Ao ver a foto e a mesa, parece irrelevante, mas vi-me sentado ao seu redor e na altura, a 2 maio de 1972, chamou-me bastante a atenção, uma rodela de um tronco enorme e muito bem decorada com tudo do bom e melhor, o melhor presunto, outros enchidos, as melhores bebidas e muito mais.

Pois, na data acima, a minha missão foi transportar de Bissau o chefe da PIDE/DGS, o Fragoso Allas para Pirada,  passando por Bambadinca na ida e regresso, talvez levando alguém de lá.

As peripécias desse vôo estão contadas no poste 1040 do blogue dos especialistas da BA12. (#)

Não tendo passado para o lado do Senegal por sorte (nem um mês de comissão eu tinha!), lá aterrei e aguardei que os passageiros conferenciassem com o Mário Soares. e,  nos entretantos, fui obsequiado principescamente na famosa mesa e durante umas horas.

De facto o homem [, o Mário Soares, de Pirada] era importante!!!

Gil Moutinho

2. Reprodução  com a devida vénia, da mensagem do Gil Moutinho, acima referida (#):

Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 > 14 de junho de 2009 > Voo 1040: A minha primeira ida a Pirada. (Excerto)

(...) Vou escrever agora umas pequenas histórias da Guiné.

A primeira de como cheguei ao destino por acaso e a segunda de um companheiro fiel.

Como sabem na província só haviam duas estações no ano, a das chuvas e a seca, sendo que ambas eram quentes, na das chuvas o ar era limpo embora com trovoadas e muita nebulosidade (muitas vezes tínhamos que contornar os cúmulos-nimbos, para não partirmos o estojo); na  [estação] seca, existiam permanentemente fumos e poeiras no ar que nos limitava a visibilidade como de nevoeiro se tratasse.

Na época seca, e era eu periquito com algumas semanas, foi-me destinada a missão, em DO 27, ,de transportar um elemento da PIDE/ DGS até Pirada, passando primeiro por Bambadinca para recolher correio. 

Estas viagens eram pouco usuais por serem directas de Bissau ao Leste. Até Bambadinca foi fácil, seguindo o rio  Geba, e é logo ali. A partir daí tinha que seguir a estrada até Nova Lamego, passando por Bafatá, e aí virar a Norte,  tentando seguir a estrada (picada) e tentar acompanhar o rumo pela bússola. 

Com a falta de visibilidade da época, tinha que praticamente ir a rapar. Pela bússola, se havia ventos laterais saíamos da rota, e aparentemente estávamos bem, pelo voo à vista e com a pouca visibilidade a estrada por vezes desaparecia entre as árvores e da minha vista.Também pela distância e pela velocidade se calculava o tempo de chegada com o rigor possível. 

Pois!... O tempo passava e já não tinha a certeza se estava na picada certa, assim como o tempo previsto se esgotava e eu poderia ter passado Pirada e estar do lado de lá (são só 500 metros até à fronteira). 

Nestes quase cagaços, vejo-me a passar rigorosamente por cima do edifício onde em letras garrafais dizia "PIRADA". 

Ufff!.... Meia volta apertada, linha de descida e aterragem. Enquanto o passageiro  conferenciava com o Mário Soares (é outro),  fui obsequiado com mordomias impensáveis naqueles buracos.

O regresso foi fácil, bússola até ao Geba e depois Bissalanca.
A outra história fica para outra vez.
Um abraço
Gil Moutinho

Nota do Vítor Barata [, editor]:  Hoje é bom recordar momentos interessantes vividos a 3,4 e 5 mil pés de altitude,e nós,  Gil,  que tantas vezes voamos juntos, quando o perigo era encarado pela ousadia da nossa juventude,como um "sorriso nos lábios". Nunca me canso de evidenciar a altitude máxima na Guiné, 300/400 m em Madina do Boé,o equivale a dizer que quando em velocidade cruzeiro, toda a província nos via.Não seria isto uma autêntica exposição ao perigo?

Felizmente que o armamento antiaéreo do IN também não era o melhor para nos atingir.
Já lá vai, Gil, e correu bem, por isso aqui estamos a recordar.

Postado por Especialistas da BA 12 às 23:08:00

3. Comentário do editor LG (*):

Gil, a tua informação é preciosa... Tu fizeste história!...

A 2 de maio de 1972 foste levar, em DO-27, o chefe da DGS, o inspector  Fragoso Allas, a Pirada, para "negociações" com o Mário Soares, que, sabemo-lo hoje, foi intermediário no processo de contactos preliminares com o Leopoldo Senghor... 

O comerciante Mário Soares foi uma "eminência parda nesta guerra" (**)... O seu testemunho seria precioso, se fosse vivo, o que é de todo improvável atendendo à idade que já teria nessa época...

Em 18 de maio, Spínola encontra-se com o Leopoldo Senghor em Cap Skiring, próximo da fronteira... É um facto histórico, Spínola explora as possibilidades de mediação do presidente senegalês entre as duas partes envolvidas no conflito, Portugal e o PAIGC... Mas Lisboa vai-lhe tirar o tapete...
_____________

Nota do editor:

(*) 21  de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20884: (De)Caras (128): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte IV: Versões contraditórias sobre o "resto da história" deste português, de quem o ex-alf mil médico José Pratas (, BCAV 3864, Pirada, 1971/73) disse que foi "porventura o branco mais africano que conheci"

(**) Os "bons ofícios" do comerciante de Pirada foram reconhecidos pelo antigo chefe de gabinete do gen Spínola, o então alf mil Barata Nunes, que enverediu mais tarde pela carreira diplomática... Veja-se o poste :

15 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20858: (De)Caras (125): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal ? Um "agente duplo" ? - Parte I (Depoimentos do embaixador Nunes Barata, e do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)


(...) Depoimento do embaixador João Diogo Munes Barata:

[Alferes miliciano na Guiné (1970); secretário e, posteriormente, chefe de gabinete do Governador da Guiné, general António de Spínola (a partir de Maio de 1971); adjunto diplomático da Casa Civil do Presidente da República, António de Spínola (Maio a Setembro de 1974), tendo no desempenho deste cargo, colaborado no processo de descolonização; delegado do MNE na Junta de Salvação Nacional]

(...) Com essa ideia, portanto, com a ideia de avançar no processo de descolonização, o general tentou estabelecer contactos com o Governo senegalês e, através dele, com o PAIGC.

 Os primeiros contactos foram feitos através do chefe da delegação da PIDE/DGS [em Bissau], o inspector Fragoso Allas e por Mário Soares. Mário Soares, não o Dr. Mário Soares, mas Mário [Rodrigues] Soares,  um comerciante de Pirada, um homem que se chamava Mário Soares, mas que era comerciante em Pirada, uma povoação fronteiriça da Guiné com o Senegal. Esse comerciante ….

Eu lembro-me de um dia estar no meu gabinete no Palácio e de o senhor Mário Soares ir lá comunicar que já tinha estabelecido o contacto com o lado de lá e que, portanto, se podiam iniciar as negociações para uma ida, para um encontro do Governador com o presidente Senghor. Houve previamente um encontro. O general Spínola foi duas vezes ao Senegal (acompanhei-o em ambas as visitas).

A primeira, para um encontro com o ministro senegalês dos Assuntos Parlamentares, porque evidentemente o presidente Senghor, na altura, ainda não sabia bem quais eram as ideias do general Spínola e não quis, evidentemente, romper as exigências protocolares e, como chefe de Estado encontrar-se com o governador de uma província, de uma colónia. E mandou um ministro.  (...)

Fonte: Estudos Gerais da Arrábida > A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné (27 de, embaixador João Diogo Nunes Barata e general Hugo dos Santos [Disponível aqui]

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Gil: boa noite...


Chamou-me a atenção o teu comentário sobre obre Pirada e o comercianet Mário Sores. Foi bom lembrares-te da data (2/5/1972) e do passageiro especial que levavas no teu DO 28.

Fui recuperar também parte da mensagem que o Victor Barata publicou no blogue dos Especialistas da BA 12, em 2009. Aqui centraste-te mais nas peripécias do voo...Sobre a missão foste lacónico: levaste um agente da DGS que não identificas (em 2009). Mas ficaamos a saber que, "enquanto o passageiro conferenciava com o Mário Soares (é outro), fui obsequiado com mordomias impensáveis naqueles buracos"...

O criado do Mário Soares era o Demba...Deve ter sido ele que te serviu, enquanto fazias horas... Rconheceste de imediato a mesa na foto do dr. Manuel Valente Fernandes, que era alf mil médico do BCAV 8323, que esteve em Pirada, em 1973/74.

No teu comentário, mais recente, falas em "passagiros", no plural: "aguardei que os passageiros conferenciassem com o Mário Soares e, nos entretantos, fui obsequiado principescamente na famosa mesa e durante umas horas."

Deves ter ido de manhã e voltado à tarde... É isso ? Na tua caderneta de voo, deves ter as horas, de partida e chegada...

Quem seriam os passageiros, além do Fragoso Allas ? Não te lembras onde se reuniram ? Noutra parte de casa, por certo, não deve ter sido à tua frente... A missão ear secreta...

Pode ser que te lembres de mais pormenores... Desculpa estar-te a chatear com este pedido e com estes pormenores... Mas já deste uma grande ajuda... A tua ida no dia 2 de maio está ligada ao encontro do Spínola com o Senghor, duas semanas depois, em 18 de maio...

Boa saúde, bos sorte (para os teus negócios)...e até um próximo encontro na tua Tabanca dos Melros!...Temos de beber um copo à nossa!

Luís

gil moutinho disse...

Boa tarde Caro Luís Graça
Espero que estejas bem assim como restante família.
Os pormenores de quase 48 anos atrás,esbatem-se no tempo e nas memórias.
Vou tentar responder-te às questões que colocas.
Na minha caderneta de vôo,consta a data,o tempo total de vôo,o nº aterragens e os locais onde as executamos,não temos os horários, esses só no registo do livro do avião.
No post de 2009 nos especialistas da ba12,referi que passei por Bambadinca a pegar correio,mas não foi só, pois não faz sentido passar por lá e lá voltar no regresso,transportei FT também.
Estiveram reunidos em privado durante várias horas,até porque seria ultra confidencial atendendo às tuas suspeitas/certezas?
E até um dia destes,talvez na Tabanca dos Melros!!
abraço Gil Moutinho