terça-feira, 24 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20767: Memórias ao acaso (Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845) (5): Volkswagen "Pão de forma"

Volkswagen "Pão de forma"


Mais uma crónica do nosso camarada Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf.ª da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70):


MEMÓRIAS AO ACASO

05 - VW - "PÃO DE FORMA"

Era uma VW de passageiros do Exército (9 lugares), que às horas certas vinha a uma praceta da baixa de Bissau recolher os oficiais, que em trânsito pela capital, estavam alojados no "600", quartel fora de portas, famoso pela sua "vala comum", como apelidávamos o pouco dignificante dormitório.

Estávamos em meados de Setembro de 1969, o calor exterior era imenso, e a "pão de forma" com a sua térmica concentradora cor mate verde-escuro, e um único arremedo de isolamento no tecto, elevava a temperatura do habitáculo para próximo dos 50º!

Seria a viagem das 15 horas, e como pontualmente acontecia, dez minutos antes, a viatura chegou e estacionou no ponto de recolha. Era dado adquirido que assim que a lotação estivesse completa a carrinha abalava, caso contrário esperava pela hora certa para o fazer.

No banco da frente, junto ao condutor, sentava-se o oficial mais graduado, que nesse dia, se bem me lembro, seria um major.

Tomámos lugar mas faltava um viajante para que a largada se desse de imediato! Olhares esperançosos de todos nós para o dobrar das esquinas... e nada! Não aparecia mais ninguém! O calor estava ao nível de boca de forno de padaria!

Então com voz dorida, pausada e com as sílabas bem batidas, clamei :
- Condutor! Está completo, podes arrancar!

E à laia de justificação, acrescentei:
- Eu conto por dois! Têm-me fodido tanto que acredito que estou grávido!

O senhor major, de soslaio, avaliou o grau de "cacimbagem" que o meu semblante de 17 meses de mato denotava, e com um conveniente sentido de humor virou-se para o condutor e ordenou:
- Arranca! O nosso alferes é capaz de ter razão!
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20706: Memórias ao acaso (Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845) (4): Alcunhas

Guiné 61/74 - P20766: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (118): A COVID-19 não passará! ...Reclusão... Estamos todos de quarentena... esperando que tudo passe para retomarmos o carreiro da vida (Juvenal Amado, autor de "A Tropa Vai Fazer de Ti um Homem", 2015)


Alcobaça > Cabeço > Cabeço Futebol Clube,  antes de ir para a Guiné talvez no início de 71


Alcobaça > Cabeça > Cabeço Futebol Clube, talvez 74-75 depois do regresso  da Guiné (*)

Fotos (e legendas): © Juvenal Amado (2020) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


RECLUSÃO

por Juvenal Amado

[ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74; autor de "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem - Guiné, 1971 - 1974" (Lisboa: Chiado Editora, 2015, 308 pp.)]

Neste momento de reclusão lembro a minha vida passada a forma como enfrentamos obstáculos e os perigos que a vida nos meteu pela frente.

Quando jovens corremos muitos de toda a ordem. Desde pôr em risco a nossa liberdade bem como nas comissões, que cumprimos em terras de além-mar.

Lá fizemos muitos quilómetros sem pensar no que nos poda acontecer com as minas, se na curva não estaria um RPG ou a uma rajada de AK à nossa espera. Ou por um lado pensávamos, mas relativizámos.

Nuns casos assistimos a mortes e feridos em directo, de outros ouvimos falar. No entanto hoje penso como foi possível essa falta de consciência, essa leveza como enfrentámos os riscos, como fomos capaz de ignorar a finidade da nossa vida quando fazíamos colunas em sectores de risco, as picagens onde a morte estava mesmo ali a cada passada, quando fomos socorrer de noite, quando o som das explosões e os incêndios dos ataques ainda não se tinham extinguido. E como voltávamos a fazer tudo outra vez depois de ver o que tinha acontecido na véspera à nossa frente?

Claro que pensava que podiam estar à nossa espera, mas que força nos fazia continuar? Era o dever ou a solidariedade? Não sei responder e tão pouco altura sabia tal, nos meus vinte e dois anos. Depois passados esses momentos para trás ficava só o orgulho de termos sido suficientemente corajosos para nos atrevermos a tal.

Mas hoje é difícil de aceitar quando toda a vida cuidámos dos outros e temos, que deixar que cuidem de nós. A nossa vontade tem que ceder à vontade dos nossos, que até aqui eram nossos dependentes. É frustrante constatar, que não somos hoje autónomos independentes na nossa vontade nas mais pequenas coisas, nós que ainda em muitos casos não perdemos o sentido de que ainda somos capazes de mover e mudar o Mundo.

É como tentar dar a passada maior que a perna. Na nossa cabeça ainda chegamos lá com o salto, mas as pernas não obedecem ou tardam no impulso. Isso causa-nos dor bem no fundo do nosso amago, ficamos insatisfeitos, ansiosos, não raramente espingardamos contra a nossa sorte, ficamos com o rastilho curto, enfim estamos velhos e rezingões e por vezes tratamos por alto da burra quem com quem nós partilha estas novas aflições. Tempos cada vez mais complicados que vamos viver.

Quando jovens esperamos a vida agora o que esperamos?

Quando jovens esperámos a vida militar como forma de transpor um espaço temporal em que depois tudo nos seria mais fácil. Casámos vieram os filhos, uma vida de trabalho e anseios para lhes dar as oportunidades que não tivemos. Os que se formaram e os que não se formaram esperamos que arranjassem um bom emprego, casassem, nos dessem netos, num ciclo sempre renovado de vidas cheias.

Em África ansiávamos pelo regresso. Nas noites de serviço rebuscávamos a nossas recordações de casa, não sabendo que nunca nada tinha ficado igual com a nossa ausência, que nada seria retomado ao tempo da nossa partida.

Por isso aquele fado do “oh tempo volta para trás “ tantas vezes repetido.

Mas naquele tempo estávamos em camaradagem com tudo de positivo isso implicava. Íamos nas colunas comíamos a ração, dávamos ou trocávamos o que não comíamos, bebíamos uma cerveja fresca quando havia, jogávamos à sueca, ralhávamos uns com os outros por causa da carta mal jogada, no fim era só mais um dia passado e vivos.

Foi-se embora a juventude, vive-se mais de contemplações. Mas nestes tempos de incerteza em que um perigo novamente mortal se abateu sobre nossas cabeças e confinados às paredes das casas, aguardamos que sejamos novamente poupados pelo o destino.

Vamos esperar que tudo passe para assim se retomar o carreiro da vida .

Um abraço a todos os camaradas

23/03/2020 Décimo dia de isolamento. (**)

Juvenal Amado
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Notas do editor:

(*) Vd. blogue JERO > M 291 - Jogos de futebol únicos... Uma fotografia com história > A malta do Cabeço em 1975

(...) Jogadores em Campo? Muitos…Mais de 40! Arrisco até que são 43!

Os jogos do Cabeço – num campo pelado que tinha erva por todo o lado e que se situava na saída de Alcobaça, a caminho do Casal Pereiro…– tinham regras únicas. Jogava toda a malta .Dez contra dez, quinze contra quinze, vinte contra vinte ou mais. Mesmo com o jogo a decorrer quem chegava ao Cabeço…jogava.

O jogo iniciava depois de uma “primeira” escolha com a malta ainda toda de camisola. Quem sofria o primeiro golo tirava a camisola e passava a jogar de tronco nu… Na fotografia que ilustra o texto há situações de pais e filhos, que era mais uma singularidade destes jogos especiais que duravam toda a manhã. Começavam às 9.00 e acabavam …quando não restava mais ninguém em campo.

Gente conhecida há muita.Desconhecida também... De pé, da esquerda para a direita, um que não conhecemos.Depois o Calisto, o JERO, N, N ,N, N, Rainho (já falecido), o Palma Rodrigues (sempre a guarda redes) e, entre conhecidos e outros de que não recordamos o nome, o João Manuel, o Basílio Martins (com longas barbas), o Dr.José Pedrosa (que era “bom de bola”) e gente mais nova.

De cócoras e sentados o Ramiro (que em dias bons conseguia acertar mesmo na bola), o António Eduardo, o Pisão (já falecido), o Juvenal Amado (dono da fotografia), diversos “Bibis”, o Nabais e o Diamantino (de barbas),o Pacheco e mais outros.

Quase completamente deitados o Carlos Helder (que foi campeão de salto à vara) e o Teopisto. (...)


(**) Último poste da série > 19 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20748: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (115): A COVID.-19 não passará!... (ou o "cornovírus", como já diz o povo). Pois, cantemos a vida, a alegria, o amor... "Aimons le vin"... Amemos o vinho, o amor e as mulheres: canção tradicional, Normandia, França, interpretada pelo Coro Municipal da Lourinhã (maestro: Carlos Pedro Alves)

Guiné 61/74 - P20765: Blogpoesia (667): O Vírus, o Bem e o Mal (João Afonso Bento Soares, ex-cap eng trms, STM&QG/CTIG, 1968/70, hoje maj gen ref)

Peter Bruegel, o Velho (Breda, c. 1525/30 - Bruxelas, 1569): "O Triunfo da Morte" (c. 1562). Museu do Prado, Madrid.  Pintura a óleo, de médias dimensões (1,17 m x  1,62 m), que mostra o triunfo da morte sobre o mundo dos vivos, simbolizada por um grande exército de esqueletos que devastam a Terra (, tema  por  certo inspirado nas frequentes pandemias e guerras que assolaram a Europa desde a Alta Idade Média). 

Ao fundo, surge uma paisagem, terresttre e marítima, desoladora, árida,  ainda com cenas de destruição. Em primeiro plano, a figura da morte, com a sua foice apocalíptica, à frente  dos seus exércitos triunfantes: vem montada num esquelético cavalo avermelhado.  Todos os vivos    são empurrados para um caixão enorme, tipo terminal, sem qualquer esperança de fuga ou de salvação. Todas as classes sociais, os ricos, os poderosos e os pobres,  estão aqui reprentados, e nada os salva, o dinheiro, o poder, a fé, a devoção.

Imagem do domínio público. Cortesia de: Wiki Commons


1. Mensagem, com data de ontem,  do nosso camarada, ex-capitão eng trms, STM / QG / CTIG (1968/70), João Afonso Bento Soares [, hoje maj gen ref, nosso grã-tabanqueiro nº 785; vive em Oeiras, tem seis referências no blogue]:


Caro Amigo Prof L. Graça:

 Envio nestes tempos de confinação, um apontamento fruto de lucubração iniciada ontem - Dia Mundial da Poesia - e hoje completada...


Um abraço,

Gen João Afonso Bento Soares


2. Blogpoesia > O VÍRUS, O BEM E O MAL

Confinado em minha casa, 
Sinto, como ave sem asa,
A falta de liberdade.
Foi a “aldeia global”
Corroída por um Mal
Que nos fez ver a Verdade.

Belos planos de grandeza
Viraram em incerteza
Da vida, sempre fugaz.
Conforto material
Foi o sonho, o ideal
Que o Vírus deixou p’ra trás. 


O pecado, ao vir ao mundo,
Nasce dum erro profundo:
O mau uso da Razão.
Todavia, o sofrimento,
Sendo, da alma, um lamento,
Traz consigo a Redenção.

Agora a realidade
É medo e ansiedade
Duma dimensão brutal.
Há que erguer as mãos aos Céus,
Fazendo uma prece a Deus,
Que nos livre deste MAL.

João Afonso
Barcarena, aos 23 de Março de 2020


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Nota do editor:

Último poste da série 22 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20760: Blogpoesia (666): "O rasto da crise", "Tempo cinzento e molhado" e "África das cores...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20764: Parabéns a você (1774): Braima Djaura, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 19 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Março de 2020 > Guiné 61/74 - P20758: Parabéns a você (1773): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

segunda-feira, 23 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20763: Notas de leitura (1275): "O Adeus ao Império", organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira; Nova Vega, 2015 - Das guerras em África à descolonização, diferentes olhares, quarenta anos depois (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Março de 2020:


Queridos amigos,

Este volume de estudos em torno dos 40 anos da descolonização portuguesa tem um incontestável interesse pela versatilidade das vozes e a conjugação das narrativas. Fez-se aqui inicialmente uma recensão dedicada ao trabalho do investigador António Duarte Silva, dedicado a tudo quanto se passou na Guiné a partir de 25 de Abril, as hesitações e vaivéns sobre um processo político de autodeterminação sonhado por Spínola que já perdera validade, passando pelos encontros diplomáticos de Dacar e Londres, até se chegar à cimeira de Argel.

E o investigador registou a singularidade do MFA da Guiné ter conduzido o processo de descolonização por sua conta e risco até se chegar ao Acordo de Argel que, como Duarte Silva observa, definiu o modelo de toda a descolonização portuguesa.

Em O Adeus ao Império, que acabo por reler com a satisfação com que se mexe nas obras incontornáveis, o leitor encontrará um caleidoscópio de posições que os organizadores souberam bem escolher, num tempo em que ainda pairam na atmosfera muitas emoções e críticas ao processo de descolonização mas aonde a serenidade já marca incontestavelmente a posição científica.

Um abraço do
Mário


Das guerras em África à descolonização, diferentes olhares, quarenta anos depois

Mário Beja Santos

Não é a primeira vez que aqui se recomenda a leitura desta obra "O Adeus ao Império", com organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, Nova Vega, 2015.[1]
Em concreto, dera-se notícia do trabalho do investigador António Duarte Silva quanto ao histórico da Guiné-Bissau, desde as lutas da libertação até à independência. Acontece que este volume permite uma visão panorâmica sobre a política imperial, os nacionalismos africanos e o processamento da descolonização, incluindo os retornos e as memórias em conflito ou o mal-estar da descolonização.

Os investigadores recordam que ainda na década de 1970 começaram a surgir títulos acusatórios do processo de descolonização. Seguiu-se o fim da Guerra Fria e os rígidos partidos que se alçapremaram nas antigas colónias aceitaram, por vezes com resignação, ao jogo do multipartidarismo e do capitalismo. Aqui, no jardim à beira-mar plantado, diferentes acontecimentos pareciam anunciar o fim do luto imperial: a realização da Expo 98 em que era notório haver já uma identidade pós-colonial que não enjeitava a memória dos Descobrimentos; a transferência ordenada da administração em Macau para a República Popular da China; e o advento da independência Timor-Leste. Gerou-se uma maior amenidade na leitura dos acontecimentos, continuaram os libelos polémicos, melhoraram os relacionamentos com as antigas parcelas do Império.

A análise científica permaneceu sobre toda aquela produção de acusações que fugia permanentemente a integrar o processo da descolonização portuguesa no quadro mais vasto do que foram outras descolonizações. É por isso que este O Adeus ao Império oferece ensaios onde se registam avanços de uma mais moderna investigação histórica, o que torna esta obra de leitura irrecusável a qualquer investigador que se debruce sobre as guerras de guerrilhas e o fim do Império, com todas as suas consequências.

Por ter impacto e mesmo sérias incidências no estudo da guerra da Guiné, recomenda-se vivamente que o leitor se aperceba da centralização política montada pelo Estado Novo e a lógica económica que se instituiu para as matérias-primas vindas do continente africano e a proteção pautal para os produtos metropolitanos nas colónias, é o cerne do trabalho aqui apresentado por Fernando Rosas.

O Acto Colonial, gizado por Quirino de Jesus e Armindo Monteiro, proclamava a missão de colonizar e evangelizar aquelas parcelas do Império como parte integrante da “essência orgânica da Nação portuguesa”. Daí haver necessidade de entender como o republicanismo apostava na defesa das colónias e irá levantar situações paradoxais no comportamento das forças de oposição, até períodos muito próximos do desencadear da luta armada em Angola, Guiné e Moçambique.

Também se analisam os partidos nacionalistas africanos, a substância das suas rivalidades e o pacto que estabeleceram e cumpriram fielmente até à Independência que foi a constituição da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas. É nesse contexto que o professor Malyn Newitt comenta o quadro ideológico em que se movimentou Amílcar Cabral, concluindo as suas observações sobre as lutas na Guiné dizendo que

“O grande legado de Cabral foi, possivelmente, a boa-vontade internacional e o apoio que ele tinha cultivado com tanto sucesso e que, mesmo depois da sua morte, permitiu à Guiné sobreviver na base de donativos internacionais, os quais vieram a proporcionar recompensas substanciais para o pequeno grupo de fiéis do partido que tomou as rédeas do poder das mãos dos portugueses”.

Outro historiador, Norrie MacQueen, procede ao balanço militar em 1974 nos três teatros de operações. Refere a complexidade e a constância do equilíbrio entre a guerrilha e as Forças Armadas Portuguesas, as tentativas de Spínola para chegar a um acordo negociado com o PAIGC, o dado de que a Guiné esteve menos enredada na política internacional da Guerra Fria, ao contrário de Angola e Moçambique, e assim avançamos para o período que antecede o 25 de Abril. E escreve:

  “A inequívoca superioridade numérica de Portugal nos territórios africanos era largamente irrelevante, a trajectória dos acontecimentos estava sob o controlo dos nacionalistas, e em lado algum de forma mais óbvia do que na Guiné-Bissau”.

Alude às conversações secretas, ao processo enérgico desencadeado pelo MFA na Guiné e para a inevitabilidade da sua independência. O MFA da Guiné levou a cabo o seu próprio golpe em Bissau, prendendo o governador e detendo os agentes da DGS.

Pedro Aires Oliveira debruça-se sobre a descolonização portuguesa e o puzzle internacional. A Guerra Fria começa por ser um suporte à posição de Salazar em resistir e jamais negociar as independências. Durante um largo período, cortaram os laços com a França e a República Federal Alemã, a Espanha de Franco, a Rodésia e a África do Sul, sobretudo. Os EUA agiram segundo as suas conveniências, tudo muito crispado com Kennedy e mesmo Lyndon Johnson, em 1973 Kissinger manda um ultimato a Caetano, ou empresta as Lajes para apoiar Israel ou haverá consequências imprevisíveis, obviamente que Caetano cede.

É o impacto da crise energética que introduz a noção do terramoto, é tudo adverso para o regime de Marcello Caetano e a cedência das Lajes irá custar caríssimo, acabara-se a conjuntura benigna. E crescia a impaciência dos governos ocidentais com aquela estratégia de continuidade que não levava a parte nenhuma. A declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau ia ser uma dor de cabeça monumental, logo o apoio de mais de oitenta países e o incómodo declarado de muitos dos países amigos. O autor fala da estratégia spinolista e como ela derrapou, quanto à Guiné era nitidamente um facto consumado.


Reunião dos ex-combatentes na sede do PAIGC em Bissau, 40 anos depois

Revela-se do maior interesse o trabalho de Bruno Cardoso dos Reis sobre as visões das forças políticas portuguesas sobre o fim do Império, as teses em confronto, como se foram estatuindo fraturas no regime entre Caetano, Spínola e as Forças Armadas, o posicionamento das forças de Esquerda, o comportamento da Direita radical, como atuaram os partidos dos governos provisórios, as posições pró-independência de Sá Carneiro e Freitas do Amaral. Como a História não se pode pôr em tribunal, mas levanta sempre o véu das hipóteses, o autor conclui a propósito da Descolonização:

“O processo poderia ter sido diferente? Poderia, mas não foi essa, em 1974-1975, a vontade dos principais partidos políticos portugueses, ou da comunidade internacional. Poderia, mas com um custo elevado em termos de continuação da guerra e de fortes pressões internacionais. Poderia, mas não vemos como, com base numa comparação com outros processos de descolonização em África, se poderia ter evitado uma migração massiva de colonos brancos ou a independência dos últimos grandes territórios sob administração colonial, com a passagem destes para o controlo de um movimento independentista, pois foi isso que sucedeu por todo o lado. Portugal procurou evitar a descolonização em parte por razões ideológicas apesar de enormes custos. É normal que tivesse avançado com a descolonização em resultado também em parte de uma mudança ideológica com custos”.
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 6 de Março de 2017 > Guiné 61/74 - P17109: Notas de leitura (934): “O Adeus Ao Império, 40 anos de descolonização portuguesa”, organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, Nova Veja, 2015 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20752: Notas de leitura (1274): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (50) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20762: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (3): Favas suadas e Butelo com casulas


Butelo com casulas (Trás-os-Montes), da Chef Alice Carneiro


Favas suadas (Lourinhã / Estremadura), da Chef Alice Carneiro, segundo receita de Maria da Graça (1922-2014)

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O que é que vamos comer hoje ?... 

Obrigados a ficar em casa, com os restaurantes todos fechados, por todo o lado, devido à pandemia do "cornovírus" [, novo coronavírus COVID-19...] , esta deve ser uma pergunta que muitos dos nossos leitores começam a fazer, compulsiva e repetidamente... 

E os bens essenciais, nomeadamente o pão, os iorgurtes, as frutas,os legumes, o peixe, a carne...começam a escassear no frigorífico e na despensa...Nem todos tiveram tempo (nem dinheiro...) para encher as "arcas frigoríficas", preparando-se para o "estado de emergência", que nos foi imposto, ironicamente, no "Dia do Pai", 19 de março..

É uma pergunta complicada (e que vai começar a ser mais angustiante, nos próximos tempos...) para os pais, que têm ainda filhos menores em casa, para os casais idosos (que não podem nem devem sair de casa, nem sequer para fazer compras...), para quem vive sozinho, mas também para os heróis dos dias de hoje que cuidam de nós e nos protegem  (a começar pelos profissionais do SNS, proteção civil, forças de segurança, etc.)...  Enfim, uma pergunta complicada para a generalidade dos portugueses e das portuguesas em "tempo de guerra"...

Haveremos de "sair desta"... Mas até lá, é tempo de começar a puxar pela imaginação e "fazer das tripas coração"... Muitos de nós nascemos na "época da fome"... Refiro-me aos nossos pais (nascidos por volta dos anos 20 do séc. XX) mas também à nossa geração, a nós, ex-combatentes da guerra colonial (nascidos nos anos 40). Quem de nós, crianças, bebia leite de vaca, pasteurizado ?  E quem comia queijo ? E os iorgutes ?  E os ovos ? E o pão de trigo ?  E o peixe fresco, tirando a "sardinha para três" e o "bacalhau a pataco" ?... Par não falar das "guloseimas"...

Lembro-me do meu pai contar que, quando regressou de Cabo Verde, em setembro de 1943, depois de "vinte seis meses a engolir pó", no Lazareto, Mindelo, ilha de São Vicente, encheu a barriga de uvas: estávamos em plena época das vindimas!...

E nós próprios, na Guiné, durante a nossa "comissão de serviço militar"... A pergunta "o que é que vai ser hoje o tacho?", era recorrente, depois de uma noite emboscados, ou de sentinela, ou no regresso de um patrulhamento ofensivo, ou no decurso de uma operação no mato, de dois ou até três dias, a "rapar fome e sede"...

Sonhávamos, acordados, com água, com comida...E no quartel, vingávamo-nos com os petiscos... Quem tinha messe, como os oficiais e sargentos, sempre comia um pouco melhor do que a generalidade das praças... A verdade é que se gastava uma boa parte da energia a resolver o angustiante problema da "bianda": onde comprar (ou "roubar"...) um leitão, um cabrito, uma galinha, uma vaca ?... Um  ou outro caçava ou arranjava caça: lebres, galinhas do mato, gazelas... Que o peixe da bolanha, esse,  era intragável... 

Estas lembranças vêm.nos à baila,  agora que a nossa dieta alimentar é condicionada pela falta de recursos, como os "frescos"...tal como na Guiné há 50 anos atrás. A época da lampreia e do sável já se foi, porque não podemos ir comê-las aos sítios do costume... Mas há "alternativas"...

Talvez por isso não seja má ideia de passarmos a comer também "com os olhos"... Daí as duas "sugestões" que aqui hoje deixamos, dois pratos da Chef Alice Carneiro, natural de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses: 

(i) Favas suadas, segundo receita da minha mãe, Maria da Graça (1922-2014), que a Chef aperfeiçoou e aprimorou; 

e (ii) Butelo com casulas, um típico prato do nordeste transmontano, que eu acho apropriado para combater o "cornovírus"...

Confesso que as "favas suadas" são um dos meus 10 pratos favoritos... Um pequeno segredo: as favas devem ser frescas, compradas na hora... mas só descascadas um hora antes de irem para o tacho... A receita é conhecida, não veio entrar em pormenores... Estas foram compradas no passado sábado, dia 14, no mercado municipal da Lourinhã... a última vez que saí para ir às compras... Só as fizemos a meio da semana, e deram para três refeições!... No dia seguinte, continuam a saber tão bem ou melhor do que no dia em que são feitas... O meu filho, que me veio "rebastecer" com alguns géneros (e com quem falei à distância de 10 metros, da varanda do 3º andar para a rua...), ainda levou para Lisboa duas doses...

Já o "Butelo com casulas" eram, até há uns anos, uma novidade para mim... E hoje, confesso, sou também fã...

Como explicar o que é o butelo e as casulas ? Nada melhor do que ir ao dicionário:

butelo | s. m.
bu·te·lo |ê|
(origem obscura)
substantivo masculino

[Portugal: Trás-os-Montes] [Culinária] Enchido grosso, feito com carne e ossos partidos do espinhaço e das costelas do porco, envoltos na bexiga ou no bucho do animal.

"butelo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/butelo [consultado em 23-03-2020].


casula | s. f.
ca·su·la
(latim casula, -ae, cabana, túmulo, diminutivo do latim casa, -ae, cabana, casebre)
substantivo feminino

1. [Liturgia] Vestimenta sem mangas nem gola que os padres põem sobre a alva e a estola. = PLANETA
2. Pequeno vão.
3. Poro.
4. [Marnotagem] Cadeirinha de marnoto.
5. [Regionalismo] Vagem verde de feijão.
6. [Portugal: Trás-os-Montes] Vagem seca do feijão. (Mais usado no plural.)
7. [Portugal: Trás-os-Montes] [Culinária] Vagem de feijão, colhida ainda verde e cortada em pequenos pedaços que secam ao sol e que, depois de demolhados, são cozidos e usados na alimentação (ex.: butelo com casulas). [Mais usado no plural.]

"casula", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/casula [consultado em 23-03-2020].


2. Eu sei que estes são produtos sazonais ou regionais e nem sempre fáceis de obter: por exemplo, o butelo e as casulas. Mas não quis deixar de mandar estas duas sugestões para  os nossos "vagomestres' que, sem ofensa,  continuam  falhos de inspiração ou, mais provavelmente,  andam preguiçosos... Afinal, tão "cansados da guerra" como os "operacionais"... 

Eu sei que "vagomestre" não é Chef... De qualquer modo, são mais dois pequenos contributos  para a construção do roteiro gastronómico da Tabanca Grande... 

Os tempos que estamos a viver não são fáceis: lá teremos que voltar a comer "estilhaços de frango congelado"  e "esparguete de cavala"...

De qualquer modo, procurem alimentar-se bem (,adaptando a "dieta mediterrânica" às circunstâncias),  e fazer algum tipo de exercício (na varanda, na sala, na garagem...), e sem nunca descurarem a proteção contra o "cornovírus"...



CORONAVÍRUS COVID-19
Vídeo da OMS- Organização Mundial da Saúde que explica como surgiu o vírus, como se propaga e quais as medidas de proteção. Legendado em português. Duração: 4' 49''. Alojado no Yiou Tube > Direcção-Geral de Saúde
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Guiné 61/74 - P20761: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira) (2): No sul da Austrália, rumando a oeste, para chegar ao Dubai daqui a 12 dias... Uma "prisão de luxo", mas navegar é preciso!


MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Sul da Austrália, a caminho de Fremantle-Perth> 22  de março de 2020 >  A viagem começou em Marselha, em 6 de janeiro, com regresso ao mesmo porto, previsto para 1 de maio.



MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Sul da Austrália, a caminho de Fremantle-Perth> 22  de março de 2020 > Pôr do sol no hemisfério sul...


Cortesia da página do faceboook de Constantino Ferreira. Foto reeditada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


[, Constantino Ferreira d'Alva foi fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala e Mampatá, 1969/71); trabalhou 30 anos na TAP, como tripulante de cabine; é nosso grã-tabanqueiro desde 16 de fevereiro de 2016; começoi a escrever o seu diário de bordo, em 23 de janeiro de 2020, na sua página do Facebook, Viagens no Tempo.]


1. Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira) (2): No Sul da Austrália, rumando a oeste, para chegar ao Dubai daqui a 12 dias... Uma "prisão de luxo", mas navegar é preciso!


Aqui a bordo, do MSC-Magnifica, a navegar a Sul da Austrália, no Oceano Austral, rumo a West para Fremantle-Perth, onde devemos chegar dia 24, para reabastecimento de combustível e alimentos.

Sabemos que vamos permanecer a bordo, sem autorização para ir a terra.

Depois, ... esperamos,  com doze dias de navegação, conseguir chegar e ser bem recebidos, no Dubai. Onde alguns passageiros poderão (ou não!) ter hipótese de conseguir um bilhete com reserva para o seu país de destino final .

Mas a grande maioria, incluindo os franceses, que são cerca de 1.000 pessoas, gostaria de seguir neste navio (sem Coronavírus) até Marselha e, quando lá chegarmos, se chegarmos “límpidos”, decidir  em conformidade.

Agora, aqui a bordo, estamos muito bem, até posso dizer que estamos como que numa prisão de luxo. Temos tudo a funcionar, os bares os restaurantes, os ginásios, as aulas de dança, as lojas de bordo, os desportos de convés, e ainda o espetáculo noturno com artistas fantásticos, de que sempre procuro enviar umas imagens !

O que não temos e não queremos ter, é esse “malvado” portador-transmissor da “peste amarela” que “nasceu” na China e, parece,  que já chegou aos quatro cantos do mundo!

O que não queremos sequer pensar é que esta “peste amarela” possa ter o efeito da “peste negra” na Idade Média na Europa que eliminou 2/3 da população europeia, dizem os cronistas que cerca 60 milhões

Mas agora, vamos ter as vacinas, esperamos que muito brevemente. A esperança é que não vai morrer !

Em Melbourne estivemos atracados no mesmo cais em que estava um grande navio de cruzeiro, em quarentena com a bandeira vermelha içada. Sinal de grande gravidade.

Envio mais umas fotografias, para desanuviar esta tensão, ao mesmo tempo que vamos navegando, na esperança de um dia chegarmos ao “Mar Nostrum”, e podermos atracar num porto seguro, talvez Marselha ou Barcelona.

Será lá para o fim de Abril. Vamos continuar a navegar, porque... "navegar é preciso"! 

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]

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domingo, 22 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20760: Blogpoesia (666): "O rasto da crise", "Tempo cinzento e molhado" e "África das cores...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


O rasto da crise

Nem tudo é negativo.
Está demonstrado que a humanidade não é toda má.
Parecia o inferno.
Mandavam os fortes e os poderosos.
Os do capital.
Julgavam-se deuses.
Réis invencíveis.
Intocáveis castelos.
Afinal, bastou um bichinho que os olhos não vêem e pôs às claras os anões que eles são.

Uniu as pessoas. A solidariedade reverdeceu.
Com frutos abundantes.
Se ajudam os fracos e pobres.
Sem cuidar o que são.
A bolsa se abriu.
Cobrindo o que falta.
Para a vida continuar.
Talvez que depois, quando o tornado passar, os vizinhos de sempre se sintam irmãos.

Mafra, 19 de Março de 2020
11h11m
Jlmg

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Tempo cinzento e molhado

Estou na cadeia. Tenho fome de sol.
Só me dão tempo conzento e molhado.
Não tenho vidraças.
Só frestas e nesgas por onde mal passam os raios.
Me refugio na mente saudosa. Quando me banhava livre na corrente do rio.
Sentindo a frescura e me secava ao sol.
Quem me dera voltar ao cume do monte e ver o sol a nascer.
Vê-lo subir lento e carente.
Regando o mundo sem nada negar.
Reverdeciam os campos. A manta dos montes.
Vinham rebanhos.
Zumbiam as urzes queimadas de sol.
E, nos vales ao fundo, ruminavam as vacas da erva verdinha. Sabendo a leite e a manteiga com sal.

Os dias passavam na lentidão do silêncio.
Os rebanhos recolhiam a casa, fartos da mesa. Carentes de sono.
Das ermidas branquinhas caíam lufadas de bênçãos.
Havia harmonia e paz nas aldeias.
Era o tempo sem guerras.
A vida corria ao tom do amor.

Ouvindo Bach: Konzert d-Moll BWV 1052 für Orgel ∙ hr-Sinfonieorchester ∙ Iveta Apkalna ∙ Riccardo Minasi
Mafra, 20 de Março de 2020
11h29m
Jlmg

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África das cores...

Viver na África das cores e da terra amarela.
Trepar, de máquina em punho, e furar as nuvens para focar ao longe.
Florestas e florestas verdes, num manto extenso,
atravessado por um rio manso e sinuoso.

Sentir o cheiro acre dos mangais em flor, onde, de ramo em ramo, os macacos e as cobras letais.

Atravessar aldeias extensas de cubatas densas onde, descalças, correm as crianças em eterna brincadeira ao pé das mães.

Entrar na selva virgem onde a vida jorra pujante.
Mirar de longe a neve a escorrer dos cumes caiados de cal.
Vi-te dormir vi-te acordar das noites profundas, nimbadas de negro e luar.
Florestas sombrias pintadas do verde das copas gigantes onde saltitam macacos e habitam ofídios perversos que desafiam o diabo.
Te lembro saudoso. Dois anos de encanto que me fizeram feliz.

Mafra, 17 de Março de 2020
21h35m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20735: Blogpoesia (665): "Não é à vergastada", "De cangalhas" e "Passos em falso", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20759: Manuscrito(s) (Luís Graça) (180): De quarentena, no Dia Mundial da Poesia... Revisitando o poema "Da Falagueira a Buruntuma"



De quarentena, no dia mundial da poesia... revisitando o poema "Da Falagueira a Buruntuma"



por Luís Graça (*)


Celebrou-se ontem, 21 de Março, 

o Dia Mundial da Poesia.
Eu não o celebrei, como devia, 

peço desculpa, foi uma pena,
mas estava de quarentena.

Gostava de efemérides, quando era novo,
era rigorosamente circadiano,
respeitava o dia e a noite,
a semana, o mês e o ano,
as festas, as feiras, os feriados,
o calendário gregoriano,
o século, o milénio, a nossa era de Cristo,

e claro o solstício...

Mas já anteontem havia perdido o equinócio da primavera.

Mais uma vez, como em 2010, na Falagueira
E antes, em 1969, quando parti para a guerra.

Bolas, que desperdício!

Dizem que Deus proibe o ócio
a quem tem de ganhar o pão nosso que o diabo amassa.
Não celebrei, o tal Dia Mundial da Poesia, nem o equinócio.
Nem eu, nem sequer o senhor ministro  de Estado 

da Pompa & da Circunstância,
que já, em 2010, escolheu o dia para falar, 

se bem me lembro,
do choque tecnológico do futuro,
e do nosso portefólio nacional  de competências,
em estrofe triunfal,
plagiando o senhor engenheiro Álvaro de Campos,
esse, sim, talvez o nosso maior futurista do passado.

Hoje, eu  prefiro falar do risco biológico
que resulta do simples facto  de nós existirmos.
E sobretudo de sermos um corpo,  de intervenção.
E de ser pura água potável 

mais de 70% do nosso escudo de protecção.
Mas não há anticorpos contra os novos coronavírus 
da velha Caixa de Pandora.

Que admirável!... E agora ?

Confesso, pela minha parte,
que já em 2010 estava demasiado distraído ou cansado.
Por surdez profissional ou por usura,
por pura usura do trabalho acumulado,
dizia-me o médico do trabalho.
De facto, não celebrei, nesse ano, nem hoje celebrei  

o dia como devia.
Por fadiga, 

que o corpo não é como o aço bem temperado.
Mas também por falta de concelebrantes do ritual...
É como o cante, 
que agora, dizem, é Património Imaterial da Humanidade: 
alentejano, não me peçam que o cante sozinho.

Trancado em casa, por que deveria eu, ao fim e ao cabo,
ter o pesado encargo de celebrar,
por minha conta e risco,
o tal Dia Mundial da Poesia ?

Só se fosse à varanda e a falar para o boneco...

Não, não é nada pessoal,
simplesmente acontece que tenho uma aversão, 

mais ética do que estética,
à reação em cadeia dos poetas, vivos e mortos,
confrontados com o bem e com o mal.

E hoje o dia volta a ser de terror, 
na nossa querida e velha Europa...

Lembro-me que em Angola, na província do Uíge,
o vírus de Marburgo, em 2010,  matava.

Confesso que não sabia, nem hoje ainda sei,
distinguir entre um vírus e uma bactéria.
Mas também se matavam as palancas negras,

os leões e os elefantes,
e os ursos brancos e as lebres no fim da pista.
Matava a cólera e a kalash, na cidade de Bissau,
em lutas fratricidas.
E o sezonismo no Mondego 

ou nos campos de arroz do Vale do Sado,
no tempo em que os escravos balantas cultivavam as nossas bolanhas.

Afinal, a morte não para de trabalhar 
desde o princípio da vida.

Agora é rigorosamente proibido apanhar ostras e conquilhas,
bem como montar minas e armadilhas
no troço da ponte Caium entre Piche e Buruntuma,
na lagoa de Óbidos e na ilha de Tavira.
E isso não é metafísica, de modo nenhum,
é rigorosamente política, pura e dura.
Ou é um simples caso de polícia sanitária ?

- Meus senhores, estamos em guerra, 
quem é que manda aqui,  nesta merda ?!
-  grita o pobre do meu vizinho, à varanda,
à beira de um ataque de nervos.
Desliguei-lhe a televisão... que não é ventilador.

Todavia a efeméride não tira o sono a ninguém,
muito menos o sono de má qualidade
dos ex-combatentes da ex-guerra colonial.
O Dia Mundial da Poesia ?

Não, não foi notícia de jornal,
muito menos  título de caixa alta.

A verdade é que os fluídos do corpo matam,
o sangue, o suor, as lágrimas,
a saliva, a merda, o vomitado,
as secreções gástricas, o sémen,

o azeite de dendém,
o sangue, suor e lágrimas de Buruntuma,
em fim de tarde,
em final de filme de guerra a preto e branco.

Estou em casa.

De quarentena.
Como qualquer bom cidadão, certificado,  
acreditado, homologado,
avaliado, testado,
co-penetrado,respeitador,
respeitado,recenseado
vigiado, usado e abusado....
Ah!, com Cartão Único
e as contas da Segurança Social em dia,

sem dívidas ao Fisco nem branqueamento de capitais.
- Mas com a saúde em risco! - avisa-me a médica de família.

Agora que eu faço o meu exame de consciência,
à hora mortal do deitar,
como qualquer menino bem comportado,
falando com o seu anjo da guarda,
vejo que o Dia Mundial da Poesia
passou, mais uma vez,  ao meu lado, 

como em 2010, quando ia eu na rua,
a caminho do metro da Falagueira,

que na altura não era desinfestado.


No bairro do meu burgo,
onde os polícias se deixavam matar
por balas de aço de calibre de 9 milímetros.
Mortíferas, tão mortíferas,
como as febres hemorrágicas do Ébola e do Marburgo.
Ou os estilhaços do morteiro 120 em Buruntuma.
Ou o aço outrora bem temperado
da Sorefame e depois da Bombardier,
onde fui Prometeu Agrilhoado.

Pobre corpo, o meu, de intervenção
que não é imune aos vírus e às bactérias,
nem às balas, nem aos estilhaços,
nem aos quatro humores dos deuses,
os irãs bons e os maus.
Nem às ordens de despejo.


E, ao passar rente ao muro,

não já de lancheira na mão,
do trabalho para casa, e de casa para o trabalho,

mas com o kit de sobrevivência,
para a quarentena que aí vem,
não pude deixar de reler o grafito,
ainda visível, ao fim destes anos todos, 

a vermelho, já muito comido do sol:
"Lembra-te, ó Bófia, da Cova Moura!"...


Agora, há um polícia, com máscara de proteção,

de megafone em punho 
e um cartaz em grandes parangonas:
"Vizinho, cara casa, xixi e cama".

Não me adianta saber, como os doutores
que são pagos para pensar e para saber,
que os maiores poetas do mundo andam distraídos
com a parte nebulosa do centro do planeta,
donde brota a água, o fogo,  a terra e o ar.
E o ciclone dos Açores.
E quiçá o Ébola e o Marburgo e o Covid-19.
E a violência dita urbana.
E os rappers.
E os grafiteiros da minha rua.
E o lobo mau travestido de velhinha
a atravessar a passadeira  da segunda circular ou da 5ª avenida.
E o tsunami das entranhas da terra.
Da terra, a ferro e fogo em Buruntuma.
Dos novos ideogramas da ética  confuciana do trabalho.


Espantoso: nada mudou em Buruntuma.

Minto:  chegou lá o telemóvel e o xador.

Não adianta saber que  os densímetros dos poetas
não captam a essência da coisa
e dos seus pormenores acidentais.
Ou das coisas que estão a acontecer
na subcapa do planeta

e a Amazónia a arder.
É a própria existência da falta de água
que alimenta a vida
e rega o horto, seco, dos poetas menores,
que constitui o âmago do problema,
não o seu alfa e o seu omega.


Nada mudou em Buruntuma,
continuam a ser as mulheres as aguadeiras.

É por isso que a poesia, sem âmago, não se vende,
nem chega às esquadras da polícia,
nem à Cova da Moura,
nem às escolas, nem às igrejas, muito menos evangélicas,
nem aos locais de trabalho,
nem aos campos de refugiados,
nem aos bares de alterne,
nem à tabancas dos fulas,
nem à fonte de Buruntuma,
nem às casernas dos tugas,
nem às tendas dos beduínos,

nem às tristes putas da minha rua triste
que tem nome de poeta que ninguém leu.

Nem aos oásis aprazíveis  da tua árida civilização,
nem à Casa Branca, nem ao Kremlin,
nem à Cidade Proibida de Tianamen,

nem a Wuan onde, dizem, tudo começou,
nem às crianças do meu país
que são vítimas da violência ideológica
dos manuais escolares,
nem aos agentes patogénicos de Pasteur,
nem às dores do coma induzido...


Nem ao destacamento de Caium
onde matavas peixes à granada.

Nem ao soro a correr aos borbotões
na fronteira entre Buruntuma e o inferno,
ainda a guerra estava para durar.

É uma segunda pele, que, por muito que te laves,
não te sai do corpo:
Buruntuma é uma tatuagem,
feita a ferro em brasa.
Ou talvez uma miragem.
Buruntuma ? Nunca mais.

A poesia, mesmo sem âmago nem alma,
mesmo a saldo na junta de freguesia da Falagueira,
simplesmente não chega a Buruntuma,
que foi outrora a minha casa,

e onde também estive em quarentena.
Tal como a água do Alqueva não chega ao monte
onde o meu velho se enforcou.
Não chega à boca do corpo nem à boca de incêndio.
Nem a poesia nem a água nem a carta a Garcia 

chegam ao seu destinatário.
Ou se calhar ficam apenas nas mãos
do seu fiel depositário ou de algum relé parasita.
Do quarteleiro, do porteiro, do escriturário.
Do básico, do trolha, do canalizador do intestino....

Entre a angústia e o esófago  e o aperto mitral,
havia ao menos um vago vagomestre 

que nos enfartava de arroz e cavalas de conserva.
Ou chegam e eu não conheço o aqueduto das Águas Livres
nestes tempos da poesia de sobrevivência

e da água  a conta-gotas na torneira,
por causa da seca e das alterações climáticas
e da caixinha de Pandora com os velhos e os novos coronovírus.

A poesia e a água não chegam, juntas,
através dos canais de irrigação,
das condutas do gás, das grandes cloacas,
dos cabos de fibra óptica, ou até das correntes submarinas.

Muito menos dos fluxos financeiros das Bolsas Sem Valores.
Não chegam nem por ar nem por mar.
Nem por meio do SPAM do terror, em Buruntuma.


Quem leva a carta a Garcia
a dizer que a poesia caiu na rua ou foi apanhada à unha?
Ou que o pombo-correio foi abatido por um Strela ?
Inútil Álvaro de Campos, inútil Ode Triunfal,
pobre Fernando Pessoa, menino de sua mãe,

pobre Camilo Pessanha, opiómano, 
mais a sua chinesa concubina de Macau,
pobre camarada de Crestuma,
morto no tabuleiro da ponte de Caium,
entre Piche e Buruntuma.

Há a poesia da punição, da inanição,
da oração, da expiação,
da desidratação, dos espamos,
dos orgasmos, da masturbação.
Há a poesia da baixa pressão diastólica
que nos entra pelos vasos sanguíneos
da fábrica do corpo humano
desde os tempos mais recuados da Santa Inquisição.
Há a poesia mais terrorista, 

a de conquista da Terra Santa,
a das Palavras Cruzadas,
a da paz e da guerra,

e das madrassas.
E aquela que é mais hedonista, 

a existencialista  e a essencialista.
E há, enfim, a poesia-poesia,  sem adjectivos.

Para mim, a poesia quer-se livre, de liberdade,
sem maiúscula, sem cinto de castidade,
sem algemas, sem gemas de ovos
por causa das salmonelas,

sem vírus nem bactérias.
A solução é desalfandegá-la,
desembrulhá-la, descongelá-la,
pô-la viva, esquartejá-la,
comprá-la, cozê-la viva como a lagosta!...
Podem metralhá-la até com o helicanhão,
comê-la viva,  violá-la, canibalizá-la,
digeri-la,  degluti-la, arrotá-la.

Podem comê-la e defecá-la.
Podem passá-la por gel alcoólico ou lixívia...
E proclamá-la artigo de primeira necessidade,
isenta de IVA e de qualquer outra alcavala.
Sirvam-na com as tripas... à mostra, se for preciso.

Sirvam-na depois, acompanhada ao menos com um sorriso...
Mas, por favor não a ponham de quarentena!

A verdade é que
a poesia não se vende, nem se trapaceia,
nem se come, nem se defeca,
nos bairros ditos problemáticos
onde homicidas e suicidários
se acoitam na anomia do Durkheim.
Poesia é homicídio, é droga, é suicídio,
é parassuicídio, é etnocídio, é logocídio, 

é crime contra a ordem pública,
é golpe de misericórdia,
é tiro atrás da nuca da vil humanidade.

Ao poeta, ao boi e ao doido, dêem-lhe o curro!,
diz o comissário.
Político ? Ou de cabo de esquadra ?

Confesso que já em 2010, não dei por nada,
por ser Dia, Mundial, e para mais da Poesia.
Não dei por nada.
Não houve rancho melhorado na fábrica.
Nem alvoroço do povo da Falagueira.
Nem fogo de artifício à beira rio.
Nem uivei à lua como um cão com cio.
Ou com raiva.
Que a raiva de cão também pode matar.
Tal como o cio e a xenofobia.
E as balas de borracha da polícia
na secção J do bairro de Chelas.
E o morteiro 120 em Buruntuma.
E a anomia do Durkheim.
E o HIV/Sida.
E a overdose.
E as febres hemorrágicas.
E a falta de fé, esperança e caridade nos lares de idosos.
E as dores menstruais do PIB do nosso descontentamento.
E as águas barrentas
do Rio Geba que escondiam a bilharziose.

Ia caminho, em 2010, dizia, da Falagueira,
deitando contas à vida e ao passe social
do metro de Lisboa, da CP, da Carris e do Barraqueiro.
E ao que me restava, do mês, do subsídio de desemprego,
do orçamento para o ano inteiro,
do deve-e-haver do cidadão,
mais que imperfeito, periférico,
marginal-secante da lei e da ordem,
chutado do comboio da vida em andamento.

Ironia:
com louvor na caderneta militar,

"por atos de bravura em combate ao serviço da Pátria",
que te há de ser de algum proveito
em tu passando à peluda, dizia-me o meu primeiro.
- Meu rapaz, Deus manda ser bom,
mas não manda ser parvo...

Ainda podes chegar a ser cabo da GNR.

Não sou homem de pôr os pontos nos is,
nem as vírgulas entre o sujeito passivo
e o predicado pró-activo.
Nem muito menos os libertar,

aos resíduos reactivos da Pátria 
agora e sempre em perigo.
Não sei fazer poesia, mas gosto de dizê-la,
não sei cozinhá-la, nem muito menos prová-la, 

mas sei cheirá-la-
Alto: que  o primeiro sintoma da infeção é a perda do olfato.
Não sei conjugar o verbo existir
quanto mais soletrar o difícil verbo  sobreviver,

quando, lá ao longe, se descortina ou teme 
o fim da picada da vida.

Em tempos, em Buruntuma, sabia de cor
alguns duros versos do Aleixo,
poeta maior,  popular, marafado,
algarvio, cauteleiro, analfabeto,
guardador de rebanhos
como Alberto, o  Caeiro,
cantor ambulante de feira em feira,
como o "didjiu" do Gabu,
o Aleixo lírico, irónico, às vezes cáustico, sarcástico.
Hoje seguramente info-excluído,
por que não teria email
nem seria subscritor da rede social do Facebook,

nem saberia o que era isso do teletrabalho.
Ajudou-me a sonhar e a sobreviver em Buruntuma:
"O homem sonha acordado,
Sonhando a vida percorre,
E desse sonho dourado
Só acorda, quando morre!"

E eu aqui estava,  em 2010, de vigília,
à massa falida da fábrica
à espera do camartelo camarário.
Desempregado, supranumerário, 

ex-soldado da guerra do ultramar,
ex-soldador, miseravelmente despedido por um robô.
Ou trocado, posto a um canto,
na lixeira social da Falagueira.
Por estar fora do prazo de  validade.

O meu currículo, senhor diretor dos recursos humanos ?
Uma merda,  com a sua licença, de operário,
ou ex-operário industrial,

4ª classe mal feita na universidade da vida.
Alentejano de nascença, por sinal, pouco esperto.
Corre, espermatozóide, corre,
que a cegonha ainda te confunde
com um lagostim americano da barragem do Alqueva!

Estado civil ? Casado, mal encarado.
Situação no trabalho ?
Trabalhador, descartável, sem lugar
na Eurolândia da excelência prometida.
Qualificações ?
Soube em tempos a arte de matar & morrer,

e desmontar e montar uma G3
em tempo recorde.
Expectativas ?
Pensava que me restava o punho,  erguido,
à espera da luta,
à espera que a luta continue,
mesmo devagar, sem esmorecer.
Da luta por causas perdidas.

Motivações ?
O direito de viver e morrer no meu país...

E ao fim destes anos todos, qual o prognóstico?
Continua reservado...

Mas já não importa: fui reformatado, estou reformado.

Se ontem foi Dia Mundial da Poesia,
devo dizer que o dia foi mal escolhido.

Mas ninguém previa esta coisa a que chamam a pandemia...
Já em tempos o disse aos senhores do mundo
e aos catedráticos das letras por protestar no banco.
Digo-o hoje com pena e com mágoa,
mas sem raiva nenhuma,
apontando, em jeito de adenda,
e para fingir que não tenho Alzheimer,

nem vou voltar a esquecer,
... apontando, dizia,  no que me resta da velha agenda:
22 de Março de 2010
"Dia Mundial da Água.

Ontem foi Dia Mundial da Poesia.
Que tempo fará em Buruntuma ?"


Lourinhã, 22/3/2020

Revis(i)tando o poema "Da Falagueira a Buruntuna" (**)

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Notas do editor:




(*) Último poste da série >8 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20712: Manuscrito(s) (Luís Graça) (179): Poema de circum-navegação ou o fado dos amantes no Dia Internacional da Mulher

Guiné 61/74 - P20758: Parabéns a você (1773): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Março de 2020 > Guiné 61/74 - P20741: Parabéns a você (1772): José Armando F. Almeida, ex-Fur Mil TRMS do BART 2917 (Guiné, 1970/72)