domingo, 29 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4101: O trauma da notícia da mobilização (6): Trata de arranjar o caixão, disse-me o pobre do Zé... (Manuel Maia)

O Manuel Maia à entrada da entrada da enfermaria subterrânea de Bissum Naga.

Foto: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados

1. Texto de Manuel Maia (*), ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine:

Assunto - O 'trauma' da notícia da minha mobilização (**)

Estava eu em Terras de Viriato, mais propriamente no RI 14, na qualidade de cabo-miliciano, (posto inventado pelas Forças Armadas Portuguesas para que o país tivesse sargentos a trabalhar pelo preço de soldados...), tendo por função a instrução de recruta a homens que na sua quase totalidade iriam "bater com os costados" numa das três frentes de guerra em que Portugal estava envolvido desde 61, quando recebi a notícia, esperada, da mobilização.

A "ordem de serviço" foi de 22.02.72 e no seu artigo V, da pag. 265, sob o título NOMEAÇÃO DE PESSOAL PARA O ULTRAMAR, reproduzia a imposição de qualquer olissiponense figura, em enviar este vosso amigo, primeiramente para a cálida planície alentejana - mais propriamente como inquilino temporário do antigo convento entretanto transformado em quartel designado por RI 16 - para aclimatação(?) aguardando voo para a nossa querida Guiné.

Acabaria por ser interessante a minha passagem por Évora, cidade de que aprendi a gostar, e tive a felicidade de conhecer o comandante da unidade mais castiço que se possa imaginar...

De nome J... A... Pinheiro, coronel, tinha a seu cargo a bandeira da defesa dos cabos-milicianos(ao que constava teria uma filha casada com um...) e algumas vezes fazia reuniões com todos os graduados do batalhão 4610, "obrigando" o seu ajudante de campo a ler as inúmeras exposições que fazia para o ministério da tutela,reclamando a extinção do posto e promoção automática a furriéis,logo que acabada a especialidade, dos formandos do curso de sargentos milicianos...

Era um homem bom que estaria, creio, já bastante perturbado, provavelmente pelos etílicos vapores e, porque não dizê-lo,reflectindo ainda a vivência de campanhas anteriores...

Naquele 22 de fevereiro fomos quatro os recrutados para África, o Moreira e o Martins para Angola, e este vosso amigo e o Navega para a Guiné.

Fomos muitos a tomar estes destinos bem como Moçambique, nos outros dias em que
nas secretarias das companhias, nos eram entregues as cópias das "ordens de serviço".

Ao meu grande amigo José Galeão, meu colega do Instituto Comercial do Porto calharia em sortes aquilo que sempre aspirara,Angola... Tinha lá familiares que depois lhe arranjariam colocação em zona de paz...

Quando me saiu Guiné na rifa,disse-me: "Trata de arranjar o caixão"... Coitado do Zé acabaria por morrer sob um montão de toros de árvore num estúpdo acidente...

No dia seguinte seria o Barbosa que foi para o Biambe e o meu homónimo de Coimbra que rumou para Encheia (as outras duas companhias operacionais do nosso batalhão de Bissorã).

Foi a sorte de cada um, pois o Maia de Coimbra acabaria por levar um tiro de ricochete que lhe anulou a visão de um dos olhos e criou problemas de mobilidade...

Penso nisto muitas vezes... E se não tivesse ido para a Guiné, como seria?

Necessariamente diferenta mas poderia ter sido bem pior,muito mais traumatizante...

Assim, a sorte, destino, acaso, eu sei lá que mais, proporcionou-me o prazer que hoje tenho de estar aqui a conversar com a malta da Guiné, coisa que não acontece com o "pessoal de Moçambique ou Angola" ...

As visitas ao novo país, já efectuadas por muitos camaradas, evidenciam uma diferença pela positiva no trato daquelas gentes e no seu relacionamento connosco.

Enquanto não for viável a concretização do sonho de lá regressar,um dia, vou podendo trocar impressões com os tabanqueiros graças ao Luís, ao Vinhal e ao Briote que nos facultam este espaço extremamente saudável que de quando em vez sofre um ligeiro abalo para comentar as atoardas dos bandos de Almeidas Brunos (...).

Tenho muito orgulho de ter sido um guinéu, combatente entre tantos. Se não fossem as sortes, não teria a sorte de ver o fabuloso Cumbidjã, o imenso Geba, e sobretudo a afabilidade daquelas gentes com quem lidámos.

Hoje estou agradecido ao destino por me facultar conhecer a Guiné. Apesar de ser considerada a pior das três frentes, não posso dizer que tenha ficado traumatizado...

Obviamente não gostei, teria preferido rumar a S. Tomé ou Timor, mas...

_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

Vd. último poste da série > 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4095: O trauma da notícia da mobilização (5): Quatro depoimentos (Magalhães Ribeiro)

3 comentários:

Anónimo disse...

"Navegando" à procura de um Galeão, não um qualquer galeão mas do Fur.Mil. Galeão do BCAÇ4910 (José de seu nome, segundo Manuel Maia) vim encontra-Lo aqui neste espaço que me é de tão grande estima.
Tal como o meu amigo(desculpa o abuso) Maia, também fui cabo milº. Em Elvas e pela mesma altura fui mobilizado para Angola, mais concretamente Cabinda.Recebi a notícia em primeira mão através do Sargento Lagarto, na secretaria do BC8, quando como comandante de pelotão de recrutas(o Asp.Mil fora mobilizado para Timor) fui levar os passaportes de fim de semana para o comandante assinar.
Dizia-me o Sarg.Lagarto (que já tinha feito uma comissão na Guiné)com um brilhozinho nos olhos e esfregando as mãos duplamente satisfeito, Almeida fomos mobilizados para Angola e vamos formar Batalhão no BII 19(Funhchal).
Esta dupla satisfação provinha do facto de ter escapado à Guiné e depois ao ser destacado para a Madeira iria receber de ajudas de custo, tanto ou mais que de salário.
Cabo Miliciano não só não tinha direito a cobrar como sargento, como não tinha direito a ajudas de custo, mesmo quando comandante de pelotão interino, caso do autor em Elvas e posteriormente na Madeira.
Foi no BII19 que conheci o Galeão, irreverente,amigo, pouco militarista e grande galã. Foram estas ultimas facetas a razão pela qual embarcou para Angola com o posto de Cabo Miliciano, tal como dois colegas/irmãos(ainda hoje nos encontros do Batalhão sempre que o nome dele vem a lume aos olhos dos mesmos afloram as lágrimas).
Faleceu em 05/06/1973, quando a berliet em que seguia se virou, numa picada na zona de Safca, pequena povoação,no Maiombe,Cabinda.

MANUELMAIA disse...

CARO ALMEIDA,

AMIGO DE MEU AMIGO,MEU AMIGO É.
RECEBI DO CARLOS VINHAL A IDENTIFICAÇÃO DE UM COMENTÁRIO A UM POST QUE ESCREVI FAZ TEMPO,SUBORDINADO À TEMÁTICA MOBILIZAÇÃO.
FUI AMIGO,DO ZÉ GALEÃO DESDE OS TEMPOS DO INSTITUTO COMERCIAL DO PORTO.
ÉRAMOS ALUNOS DA MESMA TURMA DO CURDO DE CONTABILIDADE.
FOMOS JUNTOS PARA A RECRUTA NAS CALDAS DA RASINHA,ONDE COMO EU ERA UM ANTI-MILITARISTA CONVICTO.
NO CAFÉ DO JARDIM DAS CALDAS ONDE A MARALHA SE JUNTAVA PARA BEBER O DITO E APRECIAR(?) UMA AGUARDENTE DE MEDRONHO,POR DIVERSA VEZES PUSEMOS OS CABELOS EM PÉ A ALGUNS AMIGOS DA COMPANHIA MERCÊ DAQUILO QUE PROFERÍAMOS DE ANTI MILIATARISMO...
FOMOS JUNTOS PARA TAVIRA ONDE CONTINUAMOS A SAGA ENTÃO VIVENDO EU,ELE,E O JÚLIO TAMBÉM DO PORTO,NUM QUARTO ALUGADO( O QUARTEL ESTAVA EM OBRAS E HAVIA EXTREMA DIFICULDADE EM ALBERGAR TANTA TROPA DAÍ QUE A SOLUÇÃO ENCONTRADA DE FACULTAR A DORMIDA FORA(PAGA ÀS NOSSAS CUSTAS EVIDENTEMENTE...)DESDE QUE MANTIVESSEMOS NOTA POSITIVA NOS TESTES...
ISSO LEVÁVA-ME A COPIAR "COMO UM LADRÃO" NOS TESTES PARA GARANTIR A TAL POSITIVA...
DE SEGUIDA,JÁ CABOS MILICIANOS,RUMAMOS A VISEU(RI14) PARA DARMOS UMA RECRUTA...
SAIRAM AS MOBILIZAÇÕES E A MIM CALHOU-ME GUINÉ( A PIOR DAS FRENTES NA ALTURA...( AO ZÉ, ANGOLA.( A QUE PRETENDIA)
VIM A SABER DA SUA MORTE ATRAVÉS DO FURRIEL ENFERMEIRO DA SUA COMPANHIA,MANUEL VILARES AMIGO DE INFÂNCIA E CONTERRÂNEO, QUE AQUI SE ENCONTROU COMIGO DE FÉRIAS.
AMBOS FOMOS AO FUNERAL DO ZÉ.
DE ELVAS TINHA TRÊS AMIGOS.
O JOAQUIM FRAGOSA QUE ESTEVE COMIGO NA GUINÉ,TAMBÉM FURRIEL,
O CONCEIÇÃO,OUTRO FURRIEL QUE FOI NO MEU BATALHÃO,MAS PARA ENCHEIA,E UM OUTRO RAPAZ,FURRIEL TAMB+EM QUE ACABARIA POR MORRER AINDA ANTES DO EMBARQUE NUM BRUTAL ACIDENTE DE MOTO EM ELVAS( ERA FILHO DO DONO DE UMA FARMÁCIA ELVENSE)

PARA TI ALMEIDA QUE FOSTE AMIGO DO ZÉ GALEÃO,VAI UM ABRAÇO AMIGO.
REPITO,AMIGO DE MEU AMIGO,MEU AMIGO É.

Anónimo disse...

Amigo do meu amigo Começo por agradecer o teres-me aceitado no teu círculo de amigos, apesar de não nos conhecermos pessoalmente.
Temos no entanto um percurso comum e provavelmente, diria mesmo quase
de certeza, cruzamo-nos por diversas vezes.
Tal como tu estive no 3º turno71 nas Caldas da Raínha de onde segui para Tavira. Das Caldas recordo-me de uma bronca havida num dos famosos bailes que havia nesse belo parque, num edifício que salvo erro teria sido o casino, isto porque estava vedado o acesso aos militares, pelo menos aos que se apresentavam fardados.
De Tavira para além das malditas salinas recordo que o comandante do meu pelotão era um alferes contratado que tinha feito a comissão em Mueda,Moçambique e um dos cabos milicianos era o Alvernaz.
Quanto ao nosso amigo comum o ZE, como carinhosamente o tratas, aquando do seu falecimento eu também me encontrava cá em gozo de férias, mas só tive conhecimento do seu infortúnio quando lá cheguei, pois ele pertencia à 1ª Companhia e eu à 3ª.

Recebe um abraço
Almeida