terça-feira, 29 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15176: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (14): Uma "visita de solidariedade" à Escola Piloto do PAIGC, em Conacri, dos "amigos suecos" Göran Palm e Beril Malmström, em novembro de 1969... Aparentemente não há qualquer relação com o episódio de Sangonhá, em 6/1/1969


Guiné > Região de Tombali > Sangonhá [, ou Sanconha], a sul de Gadamael-Porto > s/d > Vista aérea do destacamento e da sua pista de aviação, na altura em que estava a chegar uma coluna militar [lado esquerdo]. Foto provavelmente tirada de uma aeronave DO 27, c. 1967/68.

Este destacamento, tal como o de Cacoca,  deverá ter sido abandonado pelas NT em meados  de 1968, na sequência de uma decisão do então brigadeiro Spínola, de maio/junho de 1968,  segundo o nosso grã-tabanqueiro António José Pereira da Costa.  Tratou-se de uma "retirada", ou de "retração do nosso dispostivo no terreno", por razões de optimização de defesa... Tal como aconteceu noutros pontos do território (de Mejo a Beli, de Ganturé à Ponta do Inglês)... o Pereira da Costa, na altura alf art QP da CART 1692 / BART 1914 (Cacine, Cameconde, Sangonhá e Cacoca, 1967/69) diz que Sangonhá era sede de companhia e Cacoca destacamento:

(...)  "Em 1968, Cacoca era um daqueles lugares onde parecia não haver guerra. Dependente da Companhia sediada em Sangonhá, era um destacamento de nível Gr Comb, resumindo-se a uma pequena tabanca com pouco mais de duzentos habitantes." (...)

O Mário Gaspar confirma que foi no início de julho de 1969. tendo a população sido levada para Gadamael. [O Mário Gaspar foi fur mil art  MA, CART 1659, Zorba, Gadamael e Ganturé, 1967/68, tendo terminado a sua comissão em outubro de 1968; conheceu bem Sangonhá].

Os acontecimentos referidos no poste P2574,  pelo nosso grã-tabanqueiro José Barros Rocha [, ex-al mil  da CART 2410, Os Dráculas (Gadamael, Junho de 1969 a Março de 1970)], ocorreram em 6 de janeiro de 1969, portanto meio ano depois do "abandono" de Sangonhá pelas NT.

Foto: Autor desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual. Gentileza de: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados (Edição e legendagem: L.G.).


1.  No "Arquivo Amílcar Cabral", alojado no portal "Casa Comum",  há um documento, em português, datilografado, de 16 pp., datado de novembro de 1969, com uma intervenção, não assinada, mas que se presume seja do Amílcar Cabral ("Uma visita de solidariedade"), "por ocasião da visita da delegação da Suécia, constituída por Göran Palm e Bertil Malmstroem (sic), à Escola Piloto do PAIGC" em Conacri"...

Há também um resumo da intervenção,  oral,  dos suecos, não sabendo nós quem foi o intérprete: o Göran Palm (conhecido escritor e ativista político de esquerda, nascido em  Uppsala em 1931, Prémio Selma Lagerlöf em 1998) e o Bertil Malmstöm (jovem professor, ativista do Comité da África do Sul, de Uppsala) falam do que "viram" e "sentiram" na sua visita às "regiões libertadas"... Dizem que estiveram no sul e no leste... 

Em referência ao sul, fala-se de uma tabanca T... que não é identificada pelo autor do documento (que só pode ser o próprio Amílcar Cabral, pela qualidade e estilo da escrita)... Presume-se que ele, Amílcar Cabral,  não tenha querido identificar a tabanca por razões de segurança, já que o documento, com o logo do PAIGC, deveria ter um destino externo... 


Capa do relatório, de 16 pp., datilografadas,  com 
a "intervenção   proferida por ocasião  da visita 
da delegação da Suécia,   constituída por Göran 
Palm e Bertil Malmstroem [sic],  à Escola Piloto 
do PAIGC". 

O Amílcar Cabral é subtil (e sedutor...) quando fala da Suécia, dos amigos suecos, da história recente da Suécia e das contradições da sociedade sueca, que estava longe de ser, em 1969,  uma utópica sociedade sem classes... 

O Amílcar Cabral  trata estes dois suecos como velhos amigos ou conhecidos... O que eu não sei é a que título estavam lá eles, em novembro de 1969, em Conacri? Se era "uma delegação da Suécia",  estavam em representação de quem? Do governo sueco? Do partido social-democrata? De alguma associação de amizade?  A título pessoal? (***)

Nessa altura, e desde 14 de outubro de 1969, o Olof Palm (1927-1986) já era primeiro-ministro.

Outra questão: será que a "delegação sueca" terá feito algum documentário (em 8mm, por exemplo)? Por que razão Luís Cabral lhes chama "cineastas"? (*)

Repare-se na data do documento: novembro de 1969... A história de Sangonhá é de 6 de janeiro de 1969. Estes dois suecos estiveram 3 semanas entre o PAIGC, em outubro e novembro de 1969. Göran Palm dirá depois que foi recebido "principescamente" pelo PAIGC, entusiasmado com a perspetiva de vir a receber ajuda (com substancial expressão monetária...) por parte de um país da Europa ocidental, com o prestígio e o peso da Suécia. Para Amílcar Cabral, era muito importante diversificar os seus apoios internacionais, não ficando apenas dependente da Rússia, China, Cuba e outros países comunistas. Nessa altura, Göran Palm fez um relatório sobre as "necessidades humanitárias" do PAIGC. Não há referência a qualquer filme deste escritor e ativista, no livro de Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa)(**).

Os nossos leitores podem consultar e ler o supracitado documento do PAIGC, página a página,  aqui, no portal Casa Comum:

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04602.051
Título: Uma visita de solidariedade
Assunto: Intervenção proferida por ocasião da visita da delegação da Suécia, constituída por Göran Palm e Bertil Malmstroem, à Escola Piloto do PAIGC.
Data: Novembro de 1969
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral - Iva Cabral
Tipo Documental: Documentos



2. Há também, no Arquivo Amílcar Cabral, uma foto de grupo, a preto e branco, disponível aqui [em formato normal]

Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 05247.000.101
Título: Lilica Boal, Aristides Pereira, Domingos Brito e Hugo dos Reis Borges com uma delegação estrangeira
Assunto: Maria da Luz Boal (Lilica Boal), Aristides Pereira, Domingos Brito, Hugo dos Reis Borges com uma delegação estrangeira, em Conakry [visita da delegação da Suécia, constituída por Göran Palm e Bertil Malmstroem, à Escola Piloto do PAIGC].
Data: c. 1969
Observações: Cfr. Amílcar Cabral, documento 04602.051.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Fotografias


Legenda de LG:

da esquerda para a direita, na foto acima, temos: Göran Palm, Maria da Luz Boal (Lilica Boal),  Bertil Malmström, Aristides Pereira, Domingos Brito, Hugo dos Reis Borges.
Ao fundo, vê-se parte de um automóvel ligeiro de passageiros, um Volkswagen, provavelmente o célebre "carocha" do Amílcar Cabral.

Recorde-se que a Lilica Boal (Maria da Luz Boal) era a mulher do dr. Manuel Boal - outro natural de Angola, que saiu em 1961 para se juntar aos movimentos nacionalistas, A Lilica Boal nasceu em Tarrafal, Santiago, Cabo Verde.
Era ela, a Lilica Boal, quem dirigia a Escola Piloto do PAIGC em Conacri, sendo também ela a responsável pelos conteúdos nos manuais escolares (, publicados na Suécia). (**)

___________________


(...) No seu livro “Crónica da Libertação”, Luís Cabral menciona o "Afrika Group" como aglutinador da solidariedade da sociedade civil sueca ao PAIGC, talvez referência sintética ao “Grupo de África” de Upsala e ao “Grupo de África” de Lund, que se distinguiram na sua ajuda e a enviar os seus mentores e intelectuais de visita às “áreas libertadas” … na República da Guiné-Conacri. E aquele corifeu escreve, na pag. 335: “Os cineastas Goran Palm e Bertil Malmstron apresentaram na Suécia o primeiro documentário cinematográfico sobre a nossa luta, como resultado de uma visita ao interior da Guiné”.

Esse documentário terá a ver com a peripécia de Sangonhá?


Dado que os cineastas eram o maior bem a preservar nessa temeridade que teve Sagonhá como "palco", o experiente e felino Nino Vieira (?) terá providenciado imediatamente a sua segurança. A primeira ameaça dos FIAT precedera mais de uma hora o lançamento das “bilhas” pela malta de Bissalanca.

Alguém já visionou esse documentário? Terá registado o aludido aparato bélico do PAIGC e os “destroços” da sua “conquista” de Sangonhá? (...) 

(**)  Sobre o papel e o estatuto do escritor Göran Palm,  no desenvolvimento das relações externas da Suécia com o PAIGC,  vd. (em especial pp. 74-76, 146, 163-164) SELLTRÖM, Tor - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008. [Em português; tradução: Júlios Monteiros; revisão; António Lourenço e Dulce Aberg], 290 pp. [Disponível aqui, em formato pdf:  http://nai.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

A Suécia e as lutas de libertação nacional em
Angola, Moçambique e Guiné-Bissau
NORDISKA AFRIKAINSTITUTET, UPPSALA 2008
Tor Sellström

Fui ler um pouquinho deste livro que LG nos mostra, à procura de coisas novas.

Mas aparece sempre a guerra fria e a África do Sul os motivos principais das guerras que Angola, Moçambique e Portugal tivemos que aguentar, nós 13 e no caso de Angola quase 40 ano.


"Contudo, a luta regional de libertação chegou ao fim com as
eleições na África do Sul em Abril de 1994. Com o final da guerra fria, já não há razões de
segurança que não se abram os arquivos e para que as canetas não comecem a escrever."

Infelizmente já alguns nossos diziam coisas deste género, nos anos 60 e não acreditavamos, chamavamos-lhe reacionários.