domingo, 6 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19373: Notas de leitura (1138): "Voando sobre um ninho de Strelas": o autor dá-nos a dimensão do esforço dos bravos da Força Aérea, desde o piloto ao cabo mais simples, passando pelas enfermeiras paraquedistas, mostrando-nos toda a sua disponibilidade e entrega, mau grado as condições adversas em que viviam e, obviamente, o enorme risco de vida que corriam (Joaquim Mexia Alves, régulo da Tabanca do Centro)


Lisboa > Hotel Travel Park > 11 de dezembro de 2018 > Sessão de apresentação do livro "Voando sobre um ninho de Strelas" > O autor, António Martins de Matos, à esquerda, tendo a seu lado o Joaquim Mexia Alves, "régulo" da Tabanca do Centro e um dos três apresentadores do livro... Os outros dois foram   os editores dos blogues Especialistas da B12 Guiné 65/74,  e  Luís Graça & Camaradas da Guiné, respetivamente Victor Barata e Luís Graça (*).

Foto: © Miguel Pessoa (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Por amável cortesia do autor, Joaquim Mexia Alves, reproduz-se a seguir o texto (ou "nota de leitura") que o nosso camarada e amigo leu na sessão de apresentação do livro do António Martins de Matos, no passado dia 11 de dezembro (*):

Escuso-me de fazer cumprimentos formais.
Capa do livro do António Martins
de Matos, "Voando sobre um ninho
de Strelas"  (Lisboa, BookFactory, 2018,
 375 pp.) 
Pode ser omprado online.
  através da loja "Pássaro de Ferro":
preço de capa com portes incluidos: 20 €;
  para saber  mais, carregar aqui
Uma palavra apenas de cumprimentos aos meus colegas de mesa, muito especialmente ao António Martins Matos, autor do livro e meu amigo, o que com orgulho afirmo.

O António Martins Matos é um homem desassombrado, frontal, sincero, honesto, consigo próprio e com os outros, (especialmente com os seus amigos), e que não se preocupa, nem tem receio do “politicamente correcto”, dizendo sempre aquilo que são os factos e a sua opinião sobre eles, sem medo de que possa “ficar mal”.

Por isso mesmo, este é um livro que apresenta todas essas qualidades, quanto a mim, claro, pois é um livro desassombrado, sincero, frontal, onde o autor não se coíbe de apresentar factos, emitir opiniões e, como se costuma dizer em português corrente, “chamar os bois pelo nome”, sejam eles do passado ou do presente.

E é um livro que se lê num só folego, porque o António não escreve, fala connosco e conta-nos a sua história, as suas histórias, no tom coloquial directo que quem o conhece, lhe reconhece.

Mas não se pense no entanto que, por causa do atrás afirmado, o António não se deixa levar pelos sentimentos, pela emoção, pela delicadeza, o que está bem presente no episódio que conta sobre a enfermeira paraquedista Maria Celeste Costa, que ele termina com uma frase cheia de significado: «O hélice continuava a rodar…»

Para além de tudo o que esta frase significa de sentimento e delicadeza, tem também um ensinamento, que a nós vulgarmente chamados “tropa do chão”, não nos deve passar desapercebido e que é a referência ao hélice no masculino.

Com efeito o António ao longo do livro vai-nos ensinando os termos da Força Aérea e não só, que a alguns de nós, “tropa do chão”, são desconhecidos e por isso mesmo por vezes causam pequenas irritações nos Pilotos da Força Aérea, o modo como nos expressamos em relação aos aviões, avionetes e outros mimos como estes.

Eu por acaso até tenho alguma formação na coisa, dados os muitos fins de tarde passados na Esquadra dos Falcões em Monte Real, em alegres convívios, (para não dizer mais), em que volta e meia lá me diziam que eu já devia ter aprendido tais nomenclaturas.

Esses fins de tarde até deram origem a um vôo de A7P, pilotado pelo “Fininho”, não o citado no livro, mas outro que também esteve na Guiné, e que é uma das coisas da minha vida que nunca esquecerei.
Mas continuemos no livro.

Se esperam de mim uma recenção literária de fino recorte e saber, desiludam-se, porque para tal não tenho engenho nem arte e este livro é, pelo menos para mim, demasiado terra-a-terra, no bom sentido, claro, e como tal merece muito mais que fale do coração do que do intelecto. (**)

Uma das muitas coisas que retiro deste livro é a forma como o mesmo se vai desenvolvendo, a mobilização, a chegada, o ajustamento às circunstâncias, o tirar partido do pouco ou muito que se tem à disposição, a experiência que o vai tornando veterano e a partida e chegada ao ponto de origem.

É que ao lê-lo também eu fui sendo conduzido pelo mesmo caminho e a atravessar memórias que estavam guardadas há muito cá dentro, na cachimónia.

E o António vai-nos brindando com expressões de humor, do melhor humor português, aquele que se faz de subentendidos, de tiradas maliciosas sem o serem verdadeiramente, aquele humor tão bem identificado nos velhos filmes portugueses, e que hoje se perdeu, para se transformar em rebaixaria e outras coisas que tais.

Claro que o António nos fala da guerra, não só da sua, mas da de todos nós, e não se coíbe de apresentar factos e deles tirar ilações lógicas, opiniões fundamentadas, não tendo receio de afirmar o que muitos sabem, mas têm medo de afirmar porque não estão em consonância com o pensamento uniformizador que hoje em dia, (e já do anterior tempo), se pretende instalar nas cabeças entorpecidas pela apatia e o comodismo individualista.

Por causa da minha ligação à Força Aérea atrás referida, (até tenho um irmão que foi Piloto no tempo da famosa Base de Sintra), sempre tive por aquela gente uma grande admiração e sempre soube e percebi da sua generosidade e disponibilidade para os outros, mas a verdade é que ainda hoje em dia, (e naqueles tempos também), para muitos a Força Aérea pouco ou nada fazia, não chegava quando era precisa e, mais ainda, protegiam-se, não se colocando em risco demasiado.

Neste livro o António dá-nos a dimensão do esforço dessa gente da Força Aérea, desde o Piloto ao Cabo mais simples, passando pelas enfermeiras paraquedistas, mostrando-nos toda a sua disponibilidade e entrega, mau grado tantas condições adversas que viviam, e, obviamente o enorme risco de vida que corriam.

Nós, “tropa do chão”, temos que reconhecer todo o trabalho que esta gente do ar nos prestou na Guiné, e não só, e percebermos que muitos de nós, provavelmente estamos vivos, porque alguém da altura dos céus da Guiné nos protegeu e ajudou.

Fala-nos também do Ten Cor José Almeida Brito, primeiro Piloto a falecer por causa do míssil Strela, com a voz repassada de orgulho, mas também de indignação, pelo modo como foi tratado todo aquele processo, para não lhe chamar outra coisa.

E mais à frente volta ao tema, (que quem me conhece sabe que piso e repiso, infelizmente sem grande sucesso), do abandono dos corpos dos militares falecidos por terras de África, e também ao abandono dos militares africanos que juraram a mesma Bandeira Portuguesa, como nós e foram abandonados à sua sorte madrasta, que culminou para uma grande parte deles no fuzilamento pelos novos senhores dos novos países.

E depois leva-nos a pensar nesta coisa de sermos combatentes, do tal Dia dos Combatentes, permanentemente enxovalhados por uns sujeitos que fazem uns discursos, (tipo palmadinha nas costas), para nos adormecer e manter caladinhos, até porque já faltam poucos anos para todos desaparecermos da história dos vivos e assim tudo fica resolvido: “Tudo como dantes, quartel general em Abrantes”!

Chama a sua filha para nos falar dos medos, das ansiedades, das recordações da guerra e nos lembrar que ainda há tantos que sofrem na pele, no seu dia-a-dia todos esses problemas, abandonados a maior parte das vezes por um Estado que nem quer ouvir falar deles, mas que tem recursos, pelos vistos, bastos e disponíveis para aqueles que, perdoem-me a nota humorística, dele se servem, perdão, queria dizer, ou talvez não, o servem.

A sua filha diz mesmo que um “dos factores determinantes para a capacidade de resiliência mental do ser humano é sentir-se amado".

Se aqueles que sofrem ainda a guerra poderão ser amados pelos seus familiares, não o são com certeza pelo Estado que serviram, aliás, não só não são amados como nem sequer reconhecidos.

Mais uma vez peço perdão pelas minhas palavras, mas quando nos recordam a guerra e os nossos camaradas de armas como tão bem o António nos faz neste livro, também eu parto para a frontalidade e não me consigo calar.

Por isso, obrigado, António!

Para finalizar uma nota de humor!
Ao chegar ao fim do livro e perante os anexos não pode deixar de sorrir ao ver nos documentos ali retratados o carimbo de Muito Secreto!!!

E eu que pensava que secreto era secreto, mas pelos vistos, também há o muito secreto!

Termino contando-vos um segredo, mas este classificado como pouco secreto:

O António Martins Matos tem neste livro uma obra acabada, mas que não acaba, porque continua viva dentro de nós combatentes.

Por isso mais uma vez: Obrigado, António!


1 comentário:

Anónimo disse...

Virgílio Teixeira, disse:
CARISSIMOS AMIGOS,
Ainda ninguém comentou, mas não posso estar mais de acordo com o camarada Mexia Alves. Estes senhores - Os donos disto tudo - estão-se borrifando para todos nós, os últimos ex-combatentes vivos. Eles, o ‘DDT' querem e esperam ver-nos mortos o mais rápido possível, para o saque deles ser ainda maior.
Metem-me todos, um 'nojo' enorme, por isso vamos lutar para viver até os 100 anos, porque estes parasitas, dos 60-55 para baixo, vão morrer todos antes de nós. Não têm arcaboiço para durarem mais anos do que nós.
Como dizia o outro – actor Camacho -, quem não morreu na Guiné, não é qualquer coisita – um cancro qualquer -, que nos vai matar, conseguimos adquirir aquela coisa a que eu chamo a 'Endurance' que consegue vencer até a própria morte. Infelizmente não é sempre assim. Mas 'ELES' não têm este dote, por isso vão morrer primeiro que nós. Assim o espero e desejo.
Vamos acreditar que vamos ultrapassar os 100, e se forem 99 nada mau…
Não me esqueço de estar tantas vezes no Restaurante BB – Gourmet - no Porto, a jantar ao lado do falecido cineasta Manoel de Oliveira, e ele tinha mais de 100 anos, e estava tão fresco como eu ao lado, com menos 30 anos do que ele. É apenas um exemplo.
Quanto ao livro, ainda não li, mas vou fazê-lo, já vi que contem histórias dos bravos da nossa guerra, que não é a guerra destes agora, com tanta farda e tanta Viseira, nem conseguem andar, parecem uns fantoches, mas a culpa não é deles, é do nosso Estado, o primeiro e o último culpado de tudo, do despudor de nos tratarem como lixo tóxico, logo tem de ser incinerado...
Nem vou referir-me aos golpistas do 25ª, pois não tenho palavras para qualificar tão bravos homens que deixaram cair a Pátria, e eram pagos para a manter de pé!
Desculpem esta linguagem, mas sei do que falo, só que não vou aqui escrever isso, agora
Voltarei mais tarde.
Abraço,

Virgílio Teixeira
Este texto estava feito ao almoço, mas não consegui fazer entrar por causa da complicação do anónimo e do robot. Vamos ver se entra agora…