Texto do Vitor Junqueira, ex-alf mil da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), já aqui reproduzido em post de 4 de Agosto de 2005 (Na altura não tínhamos as cartas que temos hoje, em linha)(1). Actualmente o Vitor é médico e vive em Pombal.
(...) Estávamos nos primeiros dias do mês de Fevereiro de 1971. A nossa Companhia era uma das Unidades que compunham o COP 6, cujo comando estava sediado em Mansabá. Fazia parte do Agrupamento T, tendo-lhe sido atribuída a missão (transcrevo dos registos oficiais, que constam da História da Unidade e Feitos e Factos da CCAÇ 2753):
"Assegurar a protecção dos trabalhos da estrada Mansabá - Farim, em ordem a garantir um ritmo acelerado de construção e evitar as flagelações do IN sobre os meios técnicos empenhados.
"Na segurança dos trabalhos as forças adoptam o dispositivo com as seguintes
missões:
"- Montam a segurança próxima dos trabalhos em ordem a garantir a interdição de itinerários de aproximação, eliminando a possibilidade do IN exercer acções de flagelação sobre a zona dos trabalhos, para o que monta emboscadas nas possíveis bases de fogos e executam patrulhamentos na ZA atribuída.
"-Garantem a segurança imediata dos trabalhadores e equipamentos, detectando ou aniquilando quaisquer elementos IN infiltrados através do dispositivo próximo, para o que realiza patrulhamentos frequentes nas imediações da zona de trabalhos e ocupa posições sobre os eixos da mais possível infiltração.
"- Realizam acções ofensivas sobre as áreas fulcrais do Morés, Canjaja e Biribão em ordem a anular a pressão do IN sobre o eixo Mansabá - Farim".
(...) Há anos que nenhuma força militar portuguesa tivera condições para se movimentar naquele itinerário, a partir de e para norte de Mansabá até ao K3. A região estava agora a ser (re)conquistada diariamente, palmo a palmo, metro a metro. Por sua vez, o IN tentava a todo o custo impedir ou retardar o avanço dos trabalhos, pois aquela era uma via estratégica para o desenvolvimento das suas acções. Nela desaguavam os corredores do Sitató e Lamel, que lhe permitiam uma ligação fácil e rápida entre as bases junto à fronteira sul do Senegal e o coração da Guiné (Oio, Morés e região dos Sares).
As frequentes escaramuças consistiam em emboscadas e flagelações sobre a frente de trabalhos, com baixas entre trabalhadores e danos nas máquinas. Após o pôr do Sol, invariavelmente pela hora do jantar, era preciso estar atento ao som inconfundível das saídas dos CSR [Canhão sem recuo], MORT 82 e RPG que, vindo da orla mata, anunciava uma saraivada de balas e estilhaços a rasgar o céu por cima do aquartelamento.
Localizado num ponto do mapa, onde antes da guerra existia uma pequena povoação, o Destacamento Temporário do Bironque foi ocupado pela CCAÇ 2753 em 1 de Dezembro de 1970, que aí veio substituir a CCAÇ 17 (2).
Dias antes, tinha havido uma espécie de motim com cenas de tiros entre os oficiais e sargentos daquela Companhia e os seus elementos nativos, de etnia maioritariamente manjaca. Estes, fartos de bordoada, recusaram-se a sair para o mato, alegando que, a terem levar porrada forte e feia, preferiam apanhá-la defendendo o seu Chão [cujo coração era Canchungo ou Teixeira Pinto]. O gen Spínola resolveu o contencioso através de umas despromoções e da transferência da Companhia para Bula.
De Bissau, avançam os Barões da CCAÇ 2753 até então afecta ao COMBIS como força de reserva. Passam assim da noite para o dia de uma espécie de tropa VIP, bem alojada, bem alimentada e com tarefas aligeiradas, ao grau mais elementar de tropa- macaca. Cheirando ainda a periquito, sem qualquer treino operacional e, não tendo beneficiado de rodagem por sobreposição com tropas mais batidas, vêem-se entregues à bicharada, obrigados a aprender à própria custa. Certo é que provaram ser dignos do lema que orgulhosamente ostentavam nos crachats, Noblessse Oblige [Nobreza Obriga]!
Acompanhando a progressão dos trabalhos, a Companhia transfere-se com armas e bagagens em 13 de Janeiro de 1971 para um novo Destacamento mais a norte, na zona de Madina Fula, a uns 8 Km de Farim. Nestes Destacamentos Temporários não existia qualquer construção ou barraca, apenas algumas tendas de lona, insuportáveis durante o dia devido ao calor. À noite não ofereciam a quem estivesse no seu interior, qualquer protecção contra balas ou estilhaços, pelo que toda a gente preferia pernoitar nos abrigos. Tratava-se em rigor de um acampamento que as poderosas máquinas Caterpillar ao serviço da empresa construtora, edificavam do seguinte modo:
(i) Sobre uma das faixas desmatadas de cerca de 100 metros de largura que se estendiam de cada lado da estrada em construção (para evitar o ataque próximo às nossas colunas), erguiam quatro barreiras de terra com dois metros de altura, de maneira a formar um quadrado com mais ou menos 50 metros de lado;
(ii) No topo destas barreiras, escavavam-se então os espaldões para as armas pesadas, trincheiras e simples covas que abrigavam um ou dois homens;
(iii) Era a partir deste arremedo de fortim que se montava a vigilância e defesa, tanto do pessoal como das máquinas que no final do dia de trabalho, recolhiam ao seu interior. Como vizinhança , muita força de mosquitos e matacanhas!
Logo nos primeiros passeios pela natureza, tivemos a visão clara do inferno que teria sido a vida dos camaradas que nos precederam. Numa região enxameada por bases do PAIGC localizadas nas regiões de (e volto a citar dos registos) Cã Quebo, Santambato, Cambajú, Iracunda, Mansodé, Cubonje, Canjaja, Biribão, Ionfarim, Uália, Mansomine, Binta, Queré, Banjara e Manhau, qualquer movimento nosso era acompanhado por acção semelhante por parte do IN, tornando-se o contacto inevitável.
Em alguns pontos, nomeadamente ao longo do que antes tinham sido as bermas e valetas da estrada, as cápsulas de munições de armas ligeiras, apanhavam-se aos milhares, nalguns sítios literalmente à pazada. No entanto, o sortido abrangia um pouco de tudo, desde velhas minas anti-pessoal com a tampa de madeira carcomida pela formiga mas ainda capazes de nos pregar uns sustos, até granadas anti-tanque, algumas intactas, bojudas, matulonas que se chamavam (?) Panzerovkas.
Havia armadilhas na estrada e nas zonas de mato contíguas. Por ali confiscamos também em operações subsequentes, variadas peças do arsenal do IN que incluía itens antigos, como obsoletos canhangulos, novíssimas granadas de RPG 2 e 7 e respectivos lançadores, Mort 82, munições de Browning 20 mm e os tripés das mesmas (utilizadas então como anti-aéreas), muitas pistolas de várias proveniências, PPSH, Degtariev e kalashnikov, Espingardas M44 americanas (!). E ainda, Met Pesadas Breda (2) e Dreyses (1), por certo gamadas ao Exército Português. Também faziam parte deste catálogo um par de lindíssimas espingardas Mauser, com ferragens cromadas e, gravado sobre as câmaras, o sêlo da República Portuguesa. A quem teriam pertencido? Quem terá ficado com elas?
O dia começava bem cedo para o pessoal engajado nas operações de segurança próxima, e não só! Ainda não eram quatro da matina e já uma das sentinelas tinha obrigado o russo (cozinheiro) e o básico, seu ajudante, a porem-se de pé a fim de preparar o pequeno almoço e a merenda para o 3º Gr Comb que iria emboscar em Farim 2 C6 97.
Os restantes, guarnição e pessoal da segurança imediata, comiam mais tarde, por volta das seis e meia ou sete horas. Junto à banca que servia de refeitório, a parelha dos tachos aguardava impaciente (queriam voltar para o choco!) os homens que iam assomando em pequenos grupos para o dejejum. Apresentavam-se praticamente em estado de prontidão. Devidamente equipados. Emoldurando-lhes os cachaços, cachos de granadas de mort 60 e grinaldas de munições de bazuca 6 cm, 10.7, Instalazzas, dilagramas e outro material de efeito pirotécnico. GMD [granadas de mão defensivas] penduradas em tudo o que era grampo ou presilha e, naturalmente, quilómetros de fitas para as HK.
Todo o material se encontrava limpo e bem cuidado. Com as canhotas então, tinham desvelos amorosos, tratando-as tão bem ou melhor do que se fossem namoradas!Suspensos do cinturão, um ou dois cantis de água e todos os carregadores de G3 próprios e alheios a que pudessem deitar mão. Sem contar com aquele sistema inventado pelo Zé soldado em momentos de aperto, que consistia em embutir um carregador na arma, ficando outro amarrado a este, preso em cruz com fita adesiva. E não se disse ataviados, como impõe a gíria militar.
Porque fardas era coisa que já não existia havia tempo, tinham ido à vida. Mergulhos forçados nas bolanhas, lavagens frequentes com pouco sabão e muita paulada aliadas às carícias de gravetos e espinhos do mato, tinham decretado o seu desgaste precoce. Por esta altura, iam-se combinando os restos dos camuflados com peças n.º 1, 2 e 3. Botas de cabedal bambas com várias comissões no coiro, umas já sem rasto, outras com ventiladores nas biqueiras, alternavam com as de lona a dar as últimas e chanatos adquiridos pelos próprios. Já então era a crise!
Vitor Junqueira
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 4 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXV: Informação & propaganda: de que lado estava a verdade ? (2)
(2) A história da unidade a que pertenceu o nosso camarada Carlos Vinhal, a madeirense CART 2732, cruza-se com a da CCAÇ 2753: ambas pertenceram ao COP 6 (Mansabá), quando estiveram a fazer segurança à construção da estratégica estrada Mansabá-Farim:
Vd. posts de
21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P890: Uma mina no Bironque (Carlos Vinhal)
(...) "Ao fim da tarde do dia 16 de Julho de 1971 o meu pelotão, que estava de piquete, ia fazer uma coluna auto ao K3 para levar correio à CCAÇ 2753. Aparentemente tratava-se de mais uma normalíssima coluna, que por se tratar de uma distância tão curta, se faria numa hora, ir e vir" (...)
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
(...) "Em 11 de Novembro de 1970 a CART 2732 deixou de pertencer ao BCAÇ 2885, passando a estar integrada no Comando Operacional n.º 6, reactivado pela necessidade da construção da estrada Mansabá-Farim. O COP6 ficou instalado em Mansabá e a CART apoiou, fornecendo todos os meios logísticos necessários à sua operacionalidade.
(...) "No dia 8 de Fevereiro de 1972 começou a rendição pela CCAÇ 2753, pelo que 2 Gr Comb da CART 2732 partiram para Bissau.
(...) Estávamos nos primeiros dias do mês de Fevereiro de 1971. A nossa Companhia era uma das Unidades que compunham o COP 6, cujo comando estava sediado em Mansabá. Fazia parte do Agrupamento T, tendo-lhe sido atribuída a missão (transcrevo dos registos oficiais, que constam da História da Unidade e Feitos e Factos da CCAÇ 2753):
"Assegurar a protecção dos trabalhos da estrada Mansabá - Farim, em ordem a garantir um ritmo acelerado de construção e evitar as flagelações do IN sobre os meios técnicos empenhados.
"Na segurança dos trabalhos as forças adoptam o dispositivo com as seguintes
missões:
"- Montam a segurança próxima dos trabalhos em ordem a garantir a interdição de itinerários de aproximação, eliminando a possibilidade do IN exercer acções de flagelação sobre a zona dos trabalhos, para o que monta emboscadas nas possíveis bases de fogos e executam patrulhamentos na ZA atribuída.
"-Garantem a segurança imediata dos trabalhadores e equipamentos, detectando ou aniquilando quaisquer elementos IN infiltrados através do dispositivo próximo, para o que realiza patrulhamentos frequentes nas imediações da zona de trabalhos e ocupa posições sobre os eixos da mais possível infiltração.
"- Realizam acções ofensivas sobre as áreas fulcrais do Morés, Canjaja e Biribão em ordem a anular a pressão do IN sobre o eixo Mansabá - Farim".
(...) Há anos que nenhuma força militar portuguesa tivera condições para se movimentar naquele itinerário, a partir de e para norte de Mansabá até ao K3. A região estava agora a ser (re)conquistada diariamente, palmo a palmo, metro a metro. Por sua vez, o IN tentava a todo o custo impedir ou retardar o avanço dos trabalhos, pois aquela era uma via estratégica para o desenvolvimento das suas acções. Nela desaguavam os corredores do Sitató e Lamel, que lhe permitiam uma ligação fácil e rápida entre as bases junto à fronteira sul do Senegal e o coração da Guiné (Oio, Morés e região dos Sares).
As frequentes escaramuças consistiam em emboscadas e flagelações sobre a frente de trabalhos, com baixas entre trabalhadores e danos nas máquinas. Após o pôr do Sol, invariavelmente pela hora do jantar, era preciso estar atento ao som inconfundível das saídas dos CSR [Canhão sem recuo], MORT 82 e RPG que, vindo da orla mata, anunciava uma saraivada de balas e estilhaços a rasgar o céu por cima do aquartelamento.
Localizado num ponto do mapa, onde antes da guerra existia uma pequena povoação, o Destacamento Temporário do Bironque foi ocupado pela CCAÇ 2753 em 1 de Dezembro de 1970, que aí veio substituir a CCAÇ 17 (2).
Dias antes, tinha havido uma espécie de motim com cenas de tiros entre os oficiais e sargentos daquela Companhia e os seus elementos nativos, de etnia maioritariamente manjaca. Estes, fartos de bordoada, recusaram-se a sair para o mato, alegando que, a terem levar porrada forte e feia, preferiam apanhá-la defendendo o seu Chão [cujo coração era Canchungo ou Teixeira Pinto]. O gen Spínola resolveu o contencioso através de umas despromoções e da transferência da Companhia para Bula.
De Bissau, avançam os Barões da CCAÇ 2753 até então afecta ao COMBIS como força de reserva. Passam assim da noite para o dia de uma espécie de tropa VIP, bem alojada, bem alimentada e com tarefas aligeiradas, ao grau mais elementar de tropa- macaca. Cheirando ainda a periquito, sem qualquer treino operacional e, não tendo beneficiado de rodagem por sobreposição com tropas mais batidas, vêem-se entregues à bicharada, obrigados a aprender à própria custa. Certo é que provaram ser dignos do lema que orgulhosamente ostentavam nos crachats, Noblessse Oblige [Nobreza Obriga]!
Acompanhando a progressão dos trabalhos, a Companhia transfere-se com armas e bagagens em 13 de Janeiro de 1971 para um novo Destacamento mais a norte, na zona de Madina Fula, a uns 8 Km de Farim. Nestes Destacamentos Temporários não existia qualquer construção ou barraca, apenas algumas tendas de lona, insuportáveis durante o dia devido ao calor. À noite não ofereciam a quem estivesse no seu interior, qualquer protecção contra balas ou estilhaços, pelo que toda a gente preferia pernoitar nos abrigos. Tratava-se em rigor de um acampamento que as poderosas máquinas Caterpillar ao serviço da empresa construtora, edificavam do seguinte modo:
(i) Sobre uma das faixas desmatadas de cerca de 100 metros de largura que se estendiam de cada lado da estrada em construção (para evitar o ataque próximo às nossas colunas), erguiam quatro barreiras de terra com dois metros de altura, de maneira a formar um quadrado com mais ou menos 50 metros de lado;
(ii) No topo destas barreiras, escavavam-se então os espaldões para as armas pesadas, trincheiras e simples covas que abrigavam um ou dois homens;
(iii) Era a partir deste arremedo de fortim que se montava a vigilância e defesa, tanto do pessoal como das máquinas que no final do dia de trabalho, recolhiam ao seu interior. Como vizinhança , muita força de mosquitos e matacanhas!
Logo nos primeiros passeios pela natureza, tivemos a visão clara do inferno que teria sido a vida dos camaradas que nos precederam. Numa região enxameada por bases do PAIGC localizadas nas regiões de (e volto a citar dos registos) Cã Quebo, Santambato, Cambajú, Iracunda, Mansodé, Cubonje, Canjaja, Biribão, Ionfarim, Uália, Mansomine, Binta, Queré, Banjara e Manhau, qualquer movimento nosso era acompanhado por acção semelhante por parte do IN, tornando-se o contacto inevitável.
Em alguns pontos, nomeadamente ao longo do que antes tinham sido as bermas e valetas da estrada, as cápsulas de munições de armas ligeiras, apanhavam-se aos milhares, nalguns sítios literalmente à pazada. No entanto, o sortido abrangia um pouco de tudo, desde velhas minas anti-pessoal com a tampa de madeira carcomida pela formiga mas ainda capazes de nos pregar uns sustos, até granadas anti-tanque, algumas intactas, bojudas, matulonas que se chamavam (?) Panzerovkas.
Havia armadilhas na estrada e nas zonas de mato contíguas. Por ali confiscamos também em operações subsequentes, variadas peças do arsenal do IN que incluía itens antigos, como obsoletos canhangulos, novíssimas granadas de RPG 2 e 7 e respectivos lançadores, Mort 82, munições de Browning 20 mm e os tripés das mesmas (utilizadas então como anti-aéreas), muitas pistolas de várias proveniências, PPSH, Degtariev e kalashnikov, Espingardas M44 americanas (!). E ainda, Met Pesadas Breda (2) e Dreyses (1), por certo gamadas ao Exército Português. Também faziam parte deste catálogo um par de lindíssimas espingardas Mauser, com ferragens cromadas e, gravado sobre as câmaras, o sêlo da República Portuguesa. A quem teriam pertencido? Quem terá ficado com elas?
O dia começava bem cedo para o pessoal engajado nas operações de segurança próxima, e não só! Ainda não eram quatro da matina e já uma das sentinelas tinha obrigado o russo (cozinheiro) e o básico, seu ajudante, a porem-se de pé a fim de preparar o pequeno almoço e a merenda para o 3º Gr Comb que iria emboscar em Farim 2 C6 97.
Os restantes, guarnição e pessoal da segurança imediata, comiam mais tarde, por volta das seis e meia ou sete horas. Junto à banca que servia de refeitório, a parelha dos tachos aguardava impaciente (queriam voltar para o choco!) os homens que iam assomando em pequenos grupos para o dejejum. Apresentavam-se praticamente em estado de prontidão. Devidamente equipados. Emoldurando-lhes os cachaços, cachos de granadas de mort 60 e grinaldas de munições de bazuca 6 cm, 10.7, Instalazzas, dilagramas e outro material de efeito pirotécnico. GMD [granadas de mão defensivas] penduradas em tudo o que era grampo ou presilha e, naturalmente, quilómetros de fitas para as HK.
Todo o material se encontrava limpo e bem cuidado. Com as canhotas então, tinham desvelos amorosos, tratando-as tão bem ou melhor do que se fossem namoradas!Suspensos do cinturão, um ou dois cantis de água e todos os carregadores de G3 próprios e alheios a que pudessem deitar mão. Sem contar com aquele sistema inventado pelo Zé soldado em momentos de aperto, que consistia em embutir um carregador na arma, ficando outro amarrado a este, preso em cruz com fita adesiva. E não se disse ataviados, como impõe a gíria militar.
Porque fardas era coisa que já não existia havia tempo, tinham ido à vida. Mergulhos forçados nas bolanhas, lavagens frequentes com pouco sabão e muita paulada aliadas às carícias de gravetos e espinhos do mato, tinham decretado o seu desgaste precoce. Por esta altura, iam-se combinando os restos dos camuflados com peças n.º 1, 2 e 3. Botas de cabedal bambas com várias comissões no coiro, umas já sem rasto, outras com ventiladores nas biqueiras, alternavam com as de lona a dar as últimas e chanatos adquiridos pelos próprios. Já então era a crise!
Vitor Junqueira
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 4 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXV: Informação & propaganda: de que lado estava a verdade ? (2)
(2) A história da unidade a que pertenceu o nosso camarada Carlos Vinhal, a madeirense CART 2732, cruza-se com a da CCAÇ 2753: ambas pertenceram ao COP 6 (Mansabá), quando estiveram a fazer segurança à construção da estratégica estrada Mansabá-Farim:
Vd. posts de
21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P890: Uma mina no Bironque (Carlos Vinhal)
(...) "Ao fim da tarde do dia 16 de Julho de 1971 o meu pelotão, que estava de piquete, ia fazer uma coluna auto ao K3 para levar correio à CCAÇ 2753. Aparentemente tratava-se de mais uma normalíssima coluna, que por se tratar de uma distância tão curta, se faria numa hora, ir e vir" (...)
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
(...) "Em 11 de Novembro de 1970 a CART 2732 deixou de pertencer ao BCAÇ 2885, passando a estar integrada no Comando Operacional n.º 6, reactivado pela necessidade da construção da estrada Mansabá-Farim. O COP6 ficou instalado em Mansabá e a CART apoiou, fornecendo todos os meios logísticos necessários à sua operacionalidade.
(...) "No dia 8 de Fevereiro de 1972 começou a rendição pela CCAÇ 2753, pelo que 2 Gr Comb da CART 2732 partiram para Bissau.