
Camarada e Amigo Manuel Reis,
Sem qualquer ponta de ironia gostaria de te dizer que joguei durante muitos anos futebol e voleibol, mas nunca tive jeito para o ping-pong. Os primeiros são desportos de conjunto com todos os jogadores irmanados no mesmo objectivo e ajudando-se uns aos outros, o tal de pingue pongue é um jogo demasiado individualista para o meu gosto. Quero com isto dizer, que adivinhei alguma mágoa nas respostas que dás no teu Poste 3853, o que significa que as perguntas por mim colocadas poderiam ter ferido quaisquer susceptibilidades. Se te causei alguma mágoa, as minhas desculpas, se interpretei mal o sentido das tuas respostas no teu último poste, as minhas desculpas.
Digo que adivinhei alguma mágoa nas respostas, pois começas logo por afirmar:
1 - Não me recordo de estar contigo "nos teus territórios" de Cumbijã e Colibuia o que me intriga, pois estive lá até 19 de Agosto de 1974, data da entrega do aquartelamento ao P.A.I.G.C.
Duas pequenas observações:
a) - Nunca fui dono de nenhum território, mas tenho muito orgulho no que a minha Companhia fez. Exactamente, de um campo de minas fizemos o que tú vieste a encontrar e fizémo-lo em circunstâncias terríveis, com uma actividade intensíssima sob o ponto de vista operacional, já que saíamos para o mato todos os dias. Para todos os meus alferes, sargentos, furrieis, cabos e soldados o meu muito obrigado. Eu sei que a memória dos homens é muito curta, eu sei que o que foi feito por tantos de nós cairá rapidamente no esquecimento; os sacrifícios, os mortos, os feridos em combate, não passarão à história, mas pelo menos enquanto for vivo hei-de sempre reafirmar o que disse quando comecei a escrevinhar sobre a minha Companhia: Foi para mim uma honra enorme ter comandado tais homens.
b) - Como era possível teres recordações de mim no Cumbijã, se mais à frente no teu texto afirmas e passo a citar o que escreveste: "Durante o meu período de Cumbijã ( Junho, Julho e parte de Agosto de 1974). Tú próprio dás a resposta pois a minha Companhia veio para Bissau em Junho de 1974 e tú andaste por outras paragens, algumas com grande perigosidade, pois a protecção à engenharia na zona de Nhala na construção da nova estrada não era pêra doce. A minha Companhia enviava para lá, sem interrupção, um grupo de combate por peródos variáveis de dez a quinze dias. Recordo-me que conhecíamos muito bem o terreno, o que não impediu que em finais de Janeiro, penso que os Piratas também estavam, tivessemos embrulhado a parecer bem. Nós, Tigres, tivemos dois feridos, mas nesse dia houve um morto e seis feridos.
2 - Dos quatro Comandantes de Companhia que tiveram conheci três, sendo que dois deles estiveram sempre comigo no Cumbijã : O Cap. REIS e o Cap. Santos Vieira. Nenhum deles, e folgo agora ao ter a certeza absoluta, obrigaria a saír para o mato 11 homens, ainda por cima mal armados...
O Cap. Reis veio para o Cumbijã e lá se manteve, julgo que até meados de Março, tendo vindo em sua substituição o Cap. Vieira. Neste período de tempo tú devias estar em Colibuia.
3 - Sobre o B. da C., não me pronuncio pois o que aconteceu é do foro privado. Estou a par do assunto como dizes, pois fui incumbido pelo Comandante do Batalhão de o ir substituir e "apagar o fogo".
4 - Com toda a minha sinceridade, lamento profundamente e demonstrei-o na prática, aquilo a que chamas o estigma de Guileje e de Gadamael.
a) - Quando dizes que um camarada teu ainda por cima companheiro das lutas estudantis de 1969 te aconselhou a saír da sua mesa, na Messe de Oficiais em Bissau, porque a tua presença o podia comprometer, meu caro Reis, só tinhas que lhe dar dois murros no focinho. Juro-te que eu o teria feito.
b) - Eu tinha conhecimento das dificuldades que a Vossa Companhia foi obrigada a suportar e digo-o com toda a franqueza que tive algum receio da sua vinda para (cito outra vez) "para os meus territórios de Colibuia e Cumbijã". Falei com os meus homens e fiz-lhe ver que poderíamos ter sido nós a sofrer o que os Piratas sofreram; exigi-lhes que não houvesse qualquer tipo de provocação. Penso que os Piratas foram sempre respeitados "no meu território". e que as cenas de pugilato que dizes terem existido em Bissau foram substituídas por uma sã camaradagem e rápida integração no espírito de grupo que sempre reinou no Cumbijã. Era a nossa obrigaçao.
O Cap. Reis dormia no meu "quarto", os oficiais furrieis e praças tinham rigorosamente as mesmas instalações que os nossos até porque no mato há sempre lugar para mais um.
O nosso comum amigo Seabra diz no seu último escrito à Tabanca " Só tenho duas fotografias da Guiné, ambas no Cumbijã, gozando da hospitalidade do nosso amigo Vasco da Gama". Aproveito para lhe agradecer as palavras e dizer que não fiz mais do que a minha obrigação. O mato não tem a ver com Bissau, como os mapas nada têm a ver com os terrenos...
Quando se gosta das pessoas falamos/escrevemos durante mais tempo; foi o que me aconteceu caro Manuel Reis.
Termino, informando que vou anexar três fotografias.
P.S. Aparece. Eu não consigo guiar à noite. Tel.309892352
Um abraço para todos do camarada e amigo,
Vasco da Gama



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Nota de CV:
Vd. poste de 8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3853: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (3): Lágrimas no desarmamento dos milícias de Cumbijã, em Agosto de 1974