Guiné > s/l> s/d> c. 1943/73> O caçador e empresário de cinema ambulante Manuel Joaquim dos Prazeres.
Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > O Valdemar Queiroz a ver os cartazes, espetados numa árvore, do filme da semana :
Riffi em Paris, película francesa, de 1966, dirigida por Denys de La Patellière e com Jean Gabin no principal papel... Filme de gangsters, popular na época... Chegava à Guiné três anos depois...Melhor do que nada... Hoje os guineenses não têm uma única sala de cinema.. Uma ternura (e uma preciosidade), esta foto!... A "fábrica de sonhos", ambulante, era a da nhô Manel Joquim. Com ele, a "sétima arte" chegava a sítios recônditos de África...
Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Cartaz do filme "Cinema Paraíso", de
Guiseppe Tornatore (1988), um daqueles
filmes que a gente não se cansa ver e rever...
Estreou em Portugal em 1990.
Fonte: Wikipedia |
1. A história do nho Manel Djoquim, caçador, fotógrafo, homem dos sete ofícios, empresário de cinema ambulante em Cabo Verde (1929/1943) e depois na Guiné (1943/73), agora posta em biografia (ficcionada) pela sua filha Lucinda Aranha Antunes (*) , dava um belo filme como o inesquecível "Cinema Paraíso" (1988), escrito e dirigido por Giuseppe Tornatore, com música de Ennio Morricone. Aliás, Cabo Verde e a Guiné desse tempo têm matéria-prima para grandes filmes...
Visto do séc. XXI, o Manuel Joaquim dos Prazeres só pode ser um descendente direto dos "lançados", dos grandes aventureiros de Quinhentos, do
tuga que ama a Áfria e os grandes espaços, e as suas gentes... E que sabe fazer a ponte entre a natureza e a cultura, a geografia e a história, o real e o imaginário, os bichos e os homens...
Eu vi, por certo, algum filme dele, projetado na parede ds instalações do comando ou no refeitório das praças, em Bambadinca (entre julho de 1969 e março de 1971) e, antes, em Contuboel, em junho e julho de 1969... Aliás, vários de nós têm ainda uma vaga lembrança dele...
Mas deixemos antes aqui, recuperados, os depoimentos (emocionados) de dois guineenses, que eram crianças nesse tempo do cinema ambulate de nhô Manel Djoquim: o nosso Cherno Baldé, gestor de projetos, e o empresário Vital Sauane, curiosamente dois guineenses que completaram a sua formação académica, pós-graduada, na "minha" escola, o ISCTE-IUL.
(i) Comentário de Cherno Baldé (, natural de Fajonquito, gestor de projetos, nosso colaborador permanente) ao poste P13022 (**), de 23 de abril de 2014:
O Manel Djoquim (Manuel Joaquim), o Homem do cinema ambulante:
“Nestas suas andanças lá ia com a sua velha Ford, gerador, projector, ecrã, filmes os mais inócuos possíveis (capa e espada, cowboys, musicais, comédias, dramas), os seus ajudantes nativos (...) cinco pesos e leva cadeira...”...
Era conhecido em toda a Guiné e em todas as aldeias, naturalmente, pelas pessoas daquele tempo, isto é, pessoas com idade igual ou superior a 50 anos.
Eu conheci o Sr. Manuel Joaquim desde os meus 8/9 anos de idade em Fajonquito. Ele vinha à nossa aldeia, pelo menos, uma vez, em cada 2/3 meses, no seu velho camião carregado da sua máquina de sonhos para nos alegrar, e foi graças a ele que fomos descobrindo grande parte da cultura ocidental estilizada em gestos ousados, olhares atrevidos, carícias públicas e mil pedacos de um universo que entrava pouco a pouco dentro da nossa forma de ser e estar na vida.
Pessoalmente, para o resto da minha vida estaria marcado pela postura e coragem dos actores (Cowboys e Índios indomáveis), o que, no fundo, era muito parecido com aquilo que nos tentavam inculcar nas nossas cerimónias iniciáticas designadas de Fanado tradicional.
Dele ainda recordo-me dos seus enormes calções, meias esticadas até aos tornozelos e chapéu de abas largas, tipo Cipaio. A certa altura, um dos seus ajudantes era o Camões (zarolho) e por isso acreditavámos que com esta limitação visual podiamos sempre aproveitar para entrarmos sem que ele nos visse. Normalmente eramos apanhados e soltos de seguida dentro do recinto fechado para a projeção do filme.
Naquela idade não precisávamos de cadeiras, e quando a projeção se iniciava, pouco a pouco, enchíamos o recinto, acabando por nos sentarmos mesmo por baixo do pano das imagens, importante mesmo era entrar e assim poder participar, no dia seguinte, de mais um episóio marcante, uma história de vida que só voltaria a acontecer passados 2 ou 3 meses.
Quem não ficava contente com a chegada do Manel Djoquim eram as nossas pobres mães, pois sabiam que ele vinha, por certo, roubar, através dos seus filhos as pequenas economias conseguidas durante semanas ou meses com muito suor e canseira. (...)
Convite para a apresentação do livro de poesia "Mundo di Bambaram", de Vital Sauane, empresário de futebol, descobridor de talentos do futebol guineense... Lisboa, 28 de dezembro de 2018, pelas 18h00, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, Lisboa, Campo Grande.
(ii) Comentário de Vital Sauane [ natural de Nova Lamegio, mestre em Sociologia pelo ISCTE (2011/13), poeta, empresário de futebol, dono da Academia Vitalaise, em Bissau,] ao poste P12991, de 15 de abril de 2014 (***)
Cara Lucinda Aranha, é com grande satisfação que encontro este Blog, hoje é o dia em que regressei à minha terra natal por vários motivos, em primeiro lugar recordei da minha querida mãe que me deu tudo e mais alguma coisa, mas de repente veio à mente um senhor que fazia filmes na época colonial chamado Manuel Joaquim (Manel Djoquim, para todos os Guineenses).
Venho por este meio agradecer ao seu pai, porque eu adorava cinema, era muito novo, estava perto de completar os 5 anos aproximadamente, lembro-me sempre de pedir dinheiro a minha mãe para ir ver os filmes, na maioria das vezes não pagava porque os guardas da Casa Gouveia conheciam-me porque levava leite de vaca para os donos da Casa Gouveia [, em NovaLamego].
Os filmes eram projectados no quintal da Casa Gouveia, eu não queria ir à escola porque não era tradição na minha família alguém ir para escola, mas estava sempre a perguntar o que se passava nos filmes e como as pessoas estavam muito concentrados para ler a legenda não dava para me explicarem sempre o que se passava, um dia disse para a minha mãe que gostaria de perceber o que se passava nos filmes porque ninguém me explicava nada, ela disse me então chegou altura de pensares seriamente em ir para a escola, aceitei de imediato porque percebi de que sem a escola não poderia interpretar os filmes.
Comecei a ter explicação numa senhora portuguesa que era professora primária, morava ao pé da minha casa, nunca mais abandonei a escola, não sou ninguém mas pelo menos sou aquilo sou graças ao seu pai, talvez se o senhor Manel Djoquim nunca tivesse chegado a Nova Lamego eu seria uma outra pessoa, até poderia ido à escola mas não seria da forma que aceitei e gostei da escola.
Hoje passado todo este tempo recordo-me dos bons tempos da minha cidade, e como o seu pai nos ajudou a ver o mundo, nem rádio tínhamos em casa, de repente a começar a ver filmes, Tarzan, Sandokan, o Tigre da Malásia, Pierre Brice & Les Barker, como nos ensinou a ver outro lado do mundo através dos filmes, o seu pai era um homem bom, nunca ralhava com as crianças, sempre que notava que as crianças estava a furar a barreira fazia de conta que não estava a ver, ele amava a sua profissão, gostava do povo, sentia o povo, com os seus calções que ficaram eternizados mesmo depois da sua partida, calções de Manel Djoquim.
Ficámos órfãos de tudo, a Guiné tem hoje mais Tarzans do que a própria selva, em cada esquina encontra-se Far West, o país está em autêntico declínio, Salteadores da Arca Perdida dentro do próprio Estado, a guerra dentro da cidade destruiu a capital por completo, fome e miséria por toda a parte, se há coisa que tenho saudades é dos bons tempos dos filmes de nhõ Manel Djoquim, que a sua alma descanse em paz, mais uma vez muito obrigado por partilharem estes momentos, obrigado aos donos do Blog, quem sabe um dia venho com mais historias de Nova Lamego onde tenho orgulho de ter nascido (...) . (****)
Vd. também postes de
17 de dezembro de 2018 >
Guiné 61/74 - P19300: Notas de leitura (1132): “O Homem do Cinema, A la Manel Djoquim i na bim”, por Lucinda Aranha Antunes; edição da Alfarroba, 2018 (1) (Mário Beja Santos)
19 de junho de 2014 >
Guiné 63/74 - P13307: Notas de leitura (602): "Onde se fala de Bissau", do princípio dos anos 50, da UDIB... Um excerto do próximo livro de Lucinda Aranha dedicado a seu pai Manuel Joaquim, empresário e caçador em Cabo Verde e Guiné (Lucinda Aranha)
(****) Último poste da série > 11 de dezembro de 2018 >
Guiné 61/74 - P19279: (Ex)citações (347): Os problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965, na frente norte, tempo em que a CCAÇ 675 ali se encontrava em quadrícula (José Eduardo Oliveira)